Últimas Notícias > Geral > Areazero
|
30 de junho de 2018
|
12:34

Atelier do Morro da Cruz lança campanha de financiamento para reformar sede

Por
Luís Gomes
[email protected]
Sônia Regina e Rosa Maria foram duas das mulheres que mudaram suas rotinas e suas vidas com o Atelier | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Débora Fogliatto

Há dois anos, a rotina de Rosa Maria Silva mudou radicalmente. Ela, que é depressiva e depende de remédios, passava os dias em casa, deitada, sozinha. Foi quando conheceu o projeto de costura Atelier da Cruz, localizado na comunidade onde mora, no Morro da Cruz, zona leste de Porto Alegre. Idealizado e gerido pela designer de moda Rochele Gloor, o atelier deu um novo significado aos dias de Rosa e outras cinco mulheres.

“Eu vivia dentro de casa, me sentia sozinha mas ao mesmo tempo não gostava de conversar com as pessoas. Quando eu comecei a vir aqui, vi que era bom pra mim. Tem as colegas que a gente conhece e conversa, a Rochele, que nos ensina, então pra nós é uma terapia”, constata Rosa Maria, que afirma que, passando os dias no Atelier, ela “esquece um pouco dos problemas”. Na manhã desta quinta-feira (28), ela e as outras costureiras trabalhavam com afinco confeccionando estojos a partir de banners doados pelo Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE), em um projeto voltado para o reaproveitamento e a sustentabilidade. “Estamos aproveitando para os banners não irem fora, que seria lixo”, resume Rosa Maria.

A maior parte dos trabalhos realizados pelas costureiras são parcerias desse tipo, explica Rochele Gloor. A idealizadora do projeto conta que uma de suas ideias iniciais era justamente trabalhar com o reaproveitamento de materiais que seriam jogados fora. No caso da parceria com o BRDE, o Banco fornece uma verba para a confecção de estojos, pastas e bolsas feitas com banners antigos. “Eu criei o Atelier com a intenção de aproveitar resíduos, que significa utilizar materiais têxteis que seriam descartados, retalhos”, explica Rochele, que também tem uma marca de roupas femininas e inicialmente pretendia que as costureiras também aprendessem a fazer as suas criações.

Com o pouco espaço e pouca verba que elas têm disponível, porém, é inviável ter mais pessoas trabalhando no Atelier, e por isso, não é possível confeccionar roupas, segundo a designer. “Por enquanto não estamos fazendo roupas, eu acabo não conseguindo levar pra feiras. E também nós teríamos que inventar algo pra vender, estamos tentando criar essa demanda, o que é complicado. Acaba sendo melhor projetos que já vêm pagos”, explica Rochele.

Atualmente, costureiras trabalham fazendo estojos, pastas e bolsas para o BRDE | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Essa não é a única dificuldade pela qual o Atelier passa: há alguns meses, as mulheres precisaram sair da sala onde trabalhavam, dentro da Associação Comunitária do Morro da Cruz, para dar espaço a outro projeto. Com a falta de uma sede, Rochele se uniu à antropóloga Lúcia Scalco, que também atua na comunidade, para construir uma nova estrutura que pudesse abrigar os projetos de ambas. O local, porém, ainda é precário, com paredes de compensado e sem uma rede elétrica. As máquinas de costura precisam ser ligadas a um cabo de energia elétrica de dentro da associação, passando pela janela, devido à falta de fiação dentro da sala. “Construímos isso do nosso próprio dinheiro porque elas não tinham mais como trabalhar, mas sabemos que é temporário, não é o ideal”, relata Rochele.

Durante o processo de construção da nova sede, foi realizada uma feijoada beneficente, ano passado, em conjunto com a Associação, para levantar verbas. Na época, com doações do Banco de Tecidos da FIERGS, as mulheres confeccionaram roupas e desfilaram apresentando os modelos no evento. Na situação, foi possível arrecadar cerca de R$ 600, que foi usado para fazer o piso do atelier.

A designer de moda idealizou o Atelier alguns meses depois de ter retornado dos Estados Unidos, onde morou por dez anos. Ao voltar ao Brasil, ela tinha interesse em criar algum projeto social relacionado à costura, sua área de atuação, e foi atrás de possíveis parcerias. Quando conheceu Lúcia, a antropóloga mencionou que o Morro da Cruz estava justamente em busca de iniciar um novo projeto de costura. “Havia uma grife que ganhou prêmios, mas fazia uns dois anos que tinha acabado, mas ainda tinham as máquinas. E eu precisava de um espaço e das máquinas, então fiz uma reunião com a Lúcia, fomos atrás de costureiras e tinha umas 20 pessoas interessadas”, conta.

As costureiras que atualmente trabalham no local participam do projeto desde o início e dedicam grande parte do seu tempo para isso. Sônia Regina Melo Zacher conta que, antes de entrar no Atelier, só sabia mexer em máquina de costura doméstica, e precisou se adaptar à profissional. “Eu não tinha nada pra fazer em casa, a gente às vezes fica em casa se estressando com o marido, então a gente vem pra cá e uma auxilia a outra”, afirma a dona de casa. Ela é a mais jovem entre as mulheres que participam do projeto, das quais a maioria é aposentada.

A desginer Rochele mostra o vestido de retalhos feito para a feijoada beneficente | Foto: Joana Berwanger/Sul21

As histórias se repetem: a maioria conta que estava desocupada em casa quando decidiram tentar algo novo e começar a costurar. Atualmente, as costureiras já consideram o atelier sua “segunda casa”. Rosa Eonice de Jesus afirma ainda estar “tentando” costurar com profissionalismo, mas conta trabalhar também com fuxico e fazendo almofadas. “Quando eu não estou aqui, estou em casa fazendo almofada, artesanato com tampinha também. Antes de começar aqui, eu estava parada em casa sem fazer nada, é melhor aprender alguma coisa”, constata.

Marlei Mello também se sentia entediada em casa, mas não sabia costurar antes de entrar na oficina, por isso achava que não conseguiria participar. “Eu estava sempre em casa, daí minha filha me disse para eu vir, e eu não me interessava muito, tu nunca pensa que tu é capaz de fazer aquilo, mas ela insistiu”, recorda. Marlei decidiu ir até a primeira reunião e acabou ficando, tornando-se uma costureira aplicada, que atualmente fala com orgulho das bolsas e pastas que já produziu.

As mulheres lembram com carinho do tempo que passaram costurando 30 colchas em uma parceria com a Nuve, laboratório da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), para doar ao Lar Dom Guanella, uma casa de repouso para idosos. “Foi lindo, mas foi uma trabalheira”, recorda Rochele. “Era todo mundo numa tensão, a gente não dormia de noite, não sabia se ia conseguir terminar. Eram quadradinhos que a gente cortava e costurava, depois tinha que botar uma manta acrílica e ainda forrar. Mas no fim foi maravilhoso”, conta a designer. Sônia Regina também se sente nostálgica em relação à confecção dos edredons. “Quando a gente estava fazendo as colchas ficava aqui até sete e meia, oito horas da noite, até montar tudo, com os retalhinhos pequenos que tinha. Ficou muito bonito”, garante.

Após o término das colchas, Rochele conta que veio uma fase complicada, em que as costureiras ficaram sem espaço e sem trabalho. Com a questão da sala parcialmente resolvida, ela foi atrás de novas parcerias, e as mulheres então participaram de projetos da Unisinos, criando produtos de reaproveitamento, do espaço Origami e do estúdio criativo Rêver. A parceria com a ESPM também continua e, atualmente, uma turma de comunicação e assessoria de empresas gerencia as redes sociais do atelier.

Foram os estudantes que lançaram na página do Facebook a campanha de financiamento, feita pelo Catarse, que busca arrecadar fundos para uma reforma no espaço de trabalho. A meta colocada foi de R$ 10.500, o que Rochele afirma que seria só um valor “inicial”. “Isso seria só para construção, é o básico, muito básico. Mas eu acho que é possível conseguirmos esse valor”, afirma ela, otimista.

Para apoiar o Atelier, acesse:
Catarse
Facebook
Instagram

Confira mais fotos do Atelier da Cruz:

28/06/2018 - PORTO ALEGRE, RS - Ateliê no Morro da Cruz.
Sônia Regina | Foto: Joana Berwanger/Sul21
28/06/2018 - PORTO ALEGRE, RS - Ateliê no Morro da Cruz
Foto: Joana Berwanger/Sul21
28/06/2018 - PORTO ALEGRE, RS - Ateliê no Morro da Cruz.
Marlei Mello | Foto: Joana Berwanger/Sul21
28/06/2018 - PORTO ALEGRE, RS - Ateliê no Morro da Cruz.
Foto: Joana Berwanger/Sul21
28/06/2018 - PORTO ALEGRE, RS - Ateliê no Morro da Cruz.
Foto: Joana Berwanger/Sul21
28/06/2018 - PORTO ALEGRE, RS - Ateliê no Morro da Cruz
Foto: Joana Berwanger/Sul21
28/06/2018 - PORTO ALEGRE, RS - Ateliê no Morro da Cruz. F
Rosa Eonice | Foto: Joana Berwanger/Sul21
28/06/2018 - PORTO ALEGRE, RS - Ateliê no Morro da Cruz
Foto: Joana Berwanger/Sul21
28/06/2018 - PORTO ALEGRE, RS - Ateliê no Morro da Cruz.
Rochele Gloor | Foto: Joana Berwanger/Sul21
28/06/2018 - PORTO ALEGRE, RS - Ateliê no Morro da Cruz.
Foto: Joana Berwanger/Sul21

Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora