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11 de abril de 2018
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01:15

Moro participa de fórum liberal entre gritos de ‘golpista’ e recepção de ‘popstar’

Por
Sul 21
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Juiz Sérgio Moro no palco do Fórum da Liberdade, em Porto Alegre | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Fernanda Canofre

O juiz Sérgio Moro chegou com quase uma hora de antecedência para a palestra que estava marcada para às 17h desta terça-feira (10), na PUCRS. Ele passou o tempo em uma sala, com janelas de vidro, conversando com empresários e outros participantes do Fórum da Liberdade, evento que tem o Grupo RBS e a Gerdau entre os apoiadores. Em poucos minutos, o corredor se encheu de curiosos. A maioria com celulares em mãos tentando um registro do magistrado que se tornou o mais famoso do país graças à Operação Lava Jato.

Quando Moro deixou a sala para se encaminhar ao auditório, acenava e sorria como um popstar no tapete vermelho. Durou pouco. Logo gritos de “golpista” caíram sobre ele. Os manifestantes xingavam o juiz, cobrando parcialidade em julgamentos e a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ocorrida no último sábado (7). A rapidez do decreto emitido por Moro, publicado 19 minutos depois da decisão do TRF4, pegou de surpresa até ministros do Supremo Tribunal Federal.

Dentro do auditório do evento, com os 4 mil lugares lotados e longas filas de espera do lado de fora, Moro foi tratado como heroi. Cada vez que seu nome era anunciado, o público aplaudia e gritava. Nas primeiras fileiras, o colunista Rodrigo Constantino e a escritora Lya Luft também acompanhavam. Em pontos da fala em que Moro falava indiretamente de ações petistas, ele voltava a ser ovacionado.

Bem mais à vontade do que estava no programa Roda Viva, há duas semanas, quando concedeu sua primeira entrevista, o juiz foi mais enfático na defesa de posições. Ele chegou a abrir sua fala com uma brincadeira. Disse que não tinha pretensão de ser político, mas que poderia ser presidente do IEE – Instituto de Estudos Empresariais, de ideologia liberal, que organiza o Fórum.

Numa recapitulação da Operação Lava Jato, que ele diz que teria começado com a constatação de “apropriação” e “captura estatal” da Petrobras, “para finalidades privadas”, ele descreveu o princípio da sinopse da controversa série O mecanismo, da Netflix, baseada no livro “Lava Jato – O Juiz Sergio Moro e os Bastidores da Operação que Abalou o Brasil”, do jornalista da TV Globo Vladimir Netto. Moro disse que “o mais assustador” foi descobrir que se tratava de “corrupção sistêmica”. “Porque não foi um caso isolado de corrupção, não foram dois casos, uma dezena, mas sim uma prática criminal que se incutiu, levou tempo, dez anos pelo menos. E um comportamento reiterado”.

O juiz afirmou que o caso provou ainda que “a corrupção afeta não só os cofres públicos, mas também, a eficiência do mercado” e que “o componente mais perverso” revelado foi “a constatação de que não era só ilícito de executivos da Petrobras, mas que parte daqueles valores era dirigido ao enriquecimento ilícito de agentes políticos e, igualmente, ao financiamento ilegal de partidos políticos”.

Assim como na série, que defende que a solução para a crise brasileira poderia estar fora da política, o juiz qualificou o trabalho das cortes de Justiça (inclusive o seu), do Ministério Público e Polícia Federal no combate à corrupção como “destacado”.

“Me permito fazer esse auto-elogio, pelo menos, destacado no sentido de que é algo novo, que não se via tanto no passado. Claro que há críticas cabíveis, aqui e ali, há sempre a percepção de que poderia ser feito mais e de que há pessoas que ainda não foram responsabilizadas por seus crimes. Mas houve uma mudança. Mas precisa ocorrer mudanças maiores, reformas mais amplas para diminuir incentivos e oportunidades da prática de corrupção”.

Intervenção e STF

Moro criticou defesa de intervenção militar, sem falar diretamente sobre ela | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Indiretamente, sem citar nomes ou as Forças Armadas, Moro ainda fez uma leve crítica, a quem defende a volta da ditadura militar.

“Há alguns saudosistas, com todo respeito, equivocados, de soluções autoritárias. Mas temos que compreender esse fenômeno que existe, que é uma insatisfação, uma desconfiança quanto a integridade do regime democrático. A solução não passa por uma solução autoritária, mas sim, pelo aprofundamento da democracia. Nós todos compreendemos as razões desse tipo de ideia, ainda que seja bastante equivocada”.

Ao contrário da sua fala da manhã, quando citou nominalmente a juíza Rosa Weber e seu voto contra o habeas corpus de Lula, para a plateia maior, Moro se disse apenas “muito feliz” com o julgamento como um todo.

“Não pelo caso concreto específico, mas foi uma reafirmação pelo STF de que o princípio da presunção de inocência não pode se confundir com impunidade de poderosos”, declarou no momento de aplausos mais entusiasmados da plateia. “Claro que você tem que ter direito de defesa, presunção de inocência. Ninguém quer que um inocente seja condenado. Mas você não pode construir um sistema processual penal que impeça que poderosos, que praticaram crimes, quando existe provas desses crimes, que essas pessoas permaneçam impunes só porque têm condições de manipular o sistema para evitar que um caso concreto chegue ao fim”.

A importância da decisão, para ele, é que ela afastou “a sombra da possibilidade de mudança” que pairava sobre manter a prisão depois de condenação em segunda instância. O juiz citou ainda a possibilidade de uma votação que pode acabar com o foro privilegiado para políticos.

Na parte das perguntas, Moro respondeu sobre a influência da opinião pública nos processos da Lava Jato. O juiz foi quem decidiu, por exemplo, liberar para a imprensa os áudios de conversas gravadas entre a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e Lula, registrados depois que a autorização legal para a escuta tinha expirado. Segundo ele, a opinião pública funcionou para a Operação Lava Jato como “anteparo e, principalmente, para ações de bastidores”. Ele não especificou que ações teriam sido essas.

“Nós não manipulamos a opinião pública. O que fizemos foi tornar todo o processo público, para que as pessoas emitissem o seu julgamento. Nunca se buscou manipular a opinião pública para favorecer nossas posições. Mas, a opinião pública informada foi muito importante para o desfecho desse processo”.

Inspirado pela Mãos Limpas

Di Pietro, promotor da Operação Mãos Limpas, e Moro, que escreveu o prefácio da edição brasileira de um livro sobre o caso | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Uma das inspirações do juiz brasileiro, como ele mesmo fez questão de repetir na abertura do evento, a Operação Mãos Limpas, que também se lançou como uma cruzada contra a corrupção na Itália, nos anos 1990, esteve representada no palco pelo ex-promotor Antonio Di Pietro. Enquanto Moro disse não ter interesse na política, Di Pietro se tornou ministro logo após a Operação e foi eleito deputado no Parlamento italiano por um partido de esquerda.

Em Porto Alegre, ele se disse um “pessimista com esperança”, que olha para o passado “amargurado”. A Mãos Limpas começou seguindo o rastro de uma propina de 3 mil euros e revelou um esquema de corrupção entre bancos (incluindo o do Vaticano), políticos e grupos da máfia. Acabou decretando o fim dos maiores partidos políticos italianos, mas com 40% dos casos processados prescrevendo e, com ao menos um de seus magistrados, Gherardo Colombo, afirmando que “ela não diminuiu com a corrupção na Itália”.

“Temos que prestar atenção para que o futuro não seja pior do que o passado. Está acontecendo isso no meu país. O Legislativo passou a fazer leis para que aquilo que era crime não fosse mais crime. Isso acabou com nossa investigação”, declarou Di Pietro.

Di Pietro disse que acompanhou o rápido debate realizado entre presenciáveis brasileiros, na noite anterior do Fórum, curioso para entender a situação do país. Ele se disse “surpreso” com o fato de que quase todos vinham de uma mesma área. A maioria – com exceção de Ciro Gomes (PDT), que se coloca como centro-esquerda – é alinhada com ideias liberais. O italiano se questionou por que candidatos de esquerda não estavam no debate.

“Eles não têm coragem de enfrentar pessoas que pensam diferente? Mas no discurso dos que estavam aqui, eles vieram para buscar benevolência do público. Não ouvi nenhum deles falar sobre respeitar as leis”, alertou ele, sobre uma confiança sem questionamentos em cima de empresários, teoricamente de fora da política, que tem ingressado no cenário recente brasileiro. “O crime de corrupção não é só daquele que recebe o dinheiro, mas também do que dá. Fiquem de olho nesses empresários”.

Protestos por Lula Livre

Grupo se reuniu em frente à entrada principal da universidade | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Antes da palestra de Moro, em frente ao pórtico principal da PUCRS, na Avenida Ipiranga, um grupo de pessoas se reuniu em protesto com faixas pedindo “Lula livre”. Entre os manifestantes estavam representantes da Marcha Mundial de Mulheres, do Movimento Sem Terra e do Partido dos Trabalhadores. Alguns carros que passavam pelo local chegaram a buzinar em apoio.

O presidente do PT de Porto Alegre, Rodrigo Dillelo, disse que a manifestação era uma forma de “marcar presença”.

“Enquanto o presidente Lula estiver detido nós vamos marcar presença e não poderíamos deixar de estar aqui, nesse que é auto-intitulado Fórum da Liberdade, mas, na verdade, é o Fórum do Golpismo. Os empresários, as instituições empresariais que financiaram o golpe de Estado contra a presidenta Dilma Rousseff e que agiram com a Rede Globo, para jogar a opinião pública contra o presidente Lula, estão todos aqui”.

O ato, segundo ele, também foi uma ação de repúdio à presença de Moro no local. “Ele é a expressão bem acabada do punitivismo jurídico e de conivência com esses grupos fascistas que se abrigam no MBL, Vem Pra Rua, dentre outros. Estamos chamando atenção para a necessidade das pessoas se posicionarem, nesse momento de forte tensão política, inclusive com ameaça de não haver eleições em outubro”.


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