Últimas Notícias > Geral > Areazero
|
9 de março de 2018
|
01:47

No #8M de Porto Alegre, mulheres vão às ruas contra violência de gênero, reformas e por direitos

Por
Sul 21
[email protected]
Das reformas pautadas pelo governo federal ao aborto seguro, pautas se mesclaram na Marcha do #8M em Porto Alegre | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Fernanda Canofre

A professora Graziela preparou o próprio cartaz de cartolina roxa para a primeira manifestação que participou em um Dia Internacional da Mulher. O impeachment da presidenta Dilma Rousseff (PT) foi um dos motivos para ir às ruas. “O que fizeram com a Dilma não fariam com o Lula. Foi golpe e não podemos aceitar”. Argentina, ela vive em Porto Alegre há muitos anos. De um lado, se lia: “Queremos respeito, parem a violência”. De outro: “Pouco a festejar e muito a reivindicar”.

Leia mais:

Pelo que lutam mulheres que ocuparam as ruas neste 8 de março?
No TRF4, mulheres convidam juízes ‘a sentir o que é não ter casa nem direitos’

Na tarde desta quinta-feira, 08 de março de 2018, estava acompanhada da neta Marina, 16 anos, que começou a cursar Engenharia Civil na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) este ano. Era por ela também, que a vó marchava.

As duas representam um retrato do que foi a marcha do #8M em Porto Alegre. Mulheres de todas as faixas etárias, servidoras públicas, professoras, estudantes, engenheiras, médicas, aposentadas. Mulheres que carregavam cartazes pedindo respeito, lembrando que a cada 11 minutos uma mulher sofre violência sexual no país, que a cultura machista é responsável pela violência (e que feminismo nunca matou ninguém), que mulheres seguem sendo assassinados pelo gênero, que as reformas propostas pelo governo de Michel Temer (MDB) podem atingir suas famílias e significar perda de direitos, o que pessoas LGBT sofrem todos os dias no país. Todas reunidas em torno da mesma pauta, em seus diferentes caminhos: igualdade.

“Esse é o verdadeiro feminismo. Não onde as pautas concorrem entre si. É algo que busca transformação social, gerar consciência,”, diz Mariam Pessah, ativista e uma das integrantes do movimento #8M no Brasil.

Em quase três horas de duração, entre concentração e marcha, o ato em Porto Alegre teve falas de mulheres representando diversas categorias e denunciando problemas que vivem em seu cotidiano. Sindicalistas falaram dos efeitos de cortes impostos pelo governo do Estado, com José Ivo Sartori (MDB), e pela Prefeitura de Nelson Marchezan Júnior (PSDB). Estudantes denunciaram preconceito e falta de apoio no meio acadêmico. Ativistas lembraram os números que colocam o Brasil entre os países mais violentos do mundo e como isso também se reflete em índices de feminicídio.

Manifestante segura cartaz: “Na diversidade, há beleza e há força” | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Em marcha, as mulheres, acompanhadas de alguns homens ligados a partidos políticos e movimentos sociais, saíram da frente do Mercado Público, seguiram pela Estação Rodoviária, Túnel da Conceição até o Largo Zumbi dos Palmares, na Cidade Baixa.

No caminho, o ato parou para prestar apoio simbólico aos estudantes que, desde quarta-feira (07), ocupam a reitoria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) protestando contra a mudança na política de cotas raciais. 

Uma das integrantes da ocupação pegou o microfone para falar: “Eu sou a primeira negra da minha família na universidade e não quero que seja sempre assim. Quero ver todos os negros frequentando esse mesmo ambiente”. Outra menina disse que ao flexibilizar as regras para verificação de cotistas, o reitor da UFRGS estaria “legalizando as fraudes”.

Em meio a bandeiras de partidos políticos, coletivos ligados a eles e fotos de mulheres que ocupam cargos políticos, quando o ato se aproximava do ponto final, uma jovem pediu o microfone para falar. Ela perguntou se o ato era pelos partidos ou pelas mulheres, porque não se sentia representada naquelas bandeiras. “O dia de hoje é o único do ano em que eu posso caminhar na rua, sem camisa, livre, sem ter medo de que algo me aconteça”, defendeu ela.

#8M

Marcha de encerramento do dia 8 de março reuniu centenas na concentração, no Largo Glênio Peres | Foto: Guilherme Santos/Sul21

O dia de hoje virou uma grande mescla de pautas. Algumas mulheres pediam mais mulheres na política, enquanto outras, anarquistas, lembravam que o sistema que o país tem não seria de confiança para mudar nada. O #8M, greve internacional de mulheres, surgiu no ano passado, inspirado na greve de mulheres realizada na Islândia em 1975, reivindicando igualdade e direitos iguais aos dos homens. A ideia central do movimento é: “Nenhum direito a menos. Nenhuma a menos”.

Para Mariam, neste um ano, já se pode sentir a diferença do que significa ser mulher nas ruas de Porto Alegre. “Sinto muito mais violência nas ruas. Muitos mais pessoas sem trabalho, governo fechando escolas, mais desemprego gera mais violência. As mulheres sempre sofrem mais os efeitos de tudo isso. Principalmente, as negras e pobres”.

A ideia de “greve de mulheres”, porém, tem um ponto central. “A provocação que a greve faz é para a visibilização do trabalho doméstico, que é invisível e é algo político. As relações de poder, de micro-política estão ali e são o que acaba desencadeando números de violência contra a mulher”, explica Lara Werner, sanitarista e integrante da organização nacional. “Quando as mulheres tomarem consciência e pararem, tudo para. O sistema não tem mais como produzir”.

Jovens lembraram números de violência contra a mulher | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Ela explica ainda que há muitas formas de parar. Mesmo para mulheres que se encontram em empregos em que não seria possível deixar de aparecer para bater o ponto por um dia. Para a ativista, apenas ter conversas que ajudem a refletir sobre as pautas levantadas por mulheres nas ruas, já é uma forma de agir.

“A crise política e institucional que vivemos hoje deixou escancarado a forma como o Estado está aparelhado pelo capital. E como ele só reproduz lógicas patriarcais. Essa pauta acaba tendo que disputar discursos das questões que nos afetam como mulheres”,

Na Espanha, por exemplo, depois que os impactos de uma agenda de austeridade se fizeram sentir, neste ano, os movimentos envolveram milhares de mulheres em cidades por todo o país. Na Argentina, com os protestos de mulheres nas ruas contra a lei que endureceria ainda mais a legislação do aborto, o governo se viu obrigado a arquivar um projeto de lei. Esses seriam os dois exemplos para as brasileiras agora.

“A água só ferve a 100ºC. Aqui, ela ainda não ferveu”, avalia.

Veja mais fotos da marcha do fim do dia 8 de março:

Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21

Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora