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17 de junho de 2017
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17:44

Despejo da Lanceiros Negros pode abrir precedente para 28 ocupações em Porto Alegre

Por
Sul 21
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Morador aguarda na calçada, com bebê, após despejo na na ação de reintegração de posse da Ocupação Lanceiros Negros | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Rute Pina
Do Brasil de Fato

Depois das 70 famílias despejadas da Ocupação Lanceiros Negros, em Porto Alegre (RS), outras 28 ocupações estão na iminência de sofrer uma reintegração de posse na região metropolitana. O levantamento é da equipe do Fórum Estadual de Reforma Urbana, feito para a criação de um aplicativo que pretende mapear os conflitos urbanos na capital gaúcha.

Movimentos Populares temem que o procedimento violento que a Brigada Militar (BM, equivalente à Polícia Militar dos outros estados) usou contra os ocupantes na última quarta-feira (14), véspera de feriado de Corpus Christi, possa se repetir em outros locais.

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Segundo testemunhas, os brigadianos (como se chamam os policiais militares no Rio Grande do Sul) chegaram à ocupação à noite e sem ler o mandado de segurança. Além disso, usaram armamento não-letal mesmo com a presença de crianças. O Conselho Tutelar só foi chamado após o ocorrido.

Nana Sanches, coordenadora nacional do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), conta que a situação das famílias despejadas da Lanceiros Negros já é estável. “Após a reintegração de posse, fomos levados para um abrigo sem nenhuma estrutura, sem cobertores, sem chuveiros nem água”, relata. As famílias agora estão abrigadas provisoriamente na Ocupação Mulheres Mirabal, no centro da cidade.

Precedente

Foto: Guilherme Santos/Sul21

Para Sanches, a reintegração de posse truculenta foi uma resposta à tentativa frustrada de despejo destas mesmas famílias em 2016. “Eles [a BM] guardaram, durante um ano, muita raiva”, declarou. Ela também acredita que a ação truculenta foi feita “para dar exemplo” para outras ocupações na cidade.
“A Lanceiros fica a 200 metros do Palácio Piratini [edifício do governo estadual] no centro histórico da cidade. Mas como serão feitas as reintegrações de posse na periferias, onde não existe essa visibilidade? O que pode acontecer?”, questionou a militante.

Esta também é a preocupação de Ceniriani Vargas, do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM). “Se esse tipo de prática de reintegração de posse se tornar rotina, se essa for a orientação que o governo vai tomar em relação às ocupações, isso vai ser uma massacre do povo”, disse.

No dia 24 de maio, em uma ação de reintegração de posse no Morro Santana, na Vila Alto da Colina, a BM entrou em confronto com moradores que resultou em protesto e fechamento da avenida Antônio de Carvalho.

Vargas defende a atuação de uma comissão mista, composta de parlamentares, integrantes de movimentos populares e membros do Ministério Público e Defesa Civil, para construir alternativas de mediação em processos de despejo.

A reportagem questionou a Brigada Militar sobre o protocolo de atuação em ação de reintegração de posse, mas não recebeu retorno até a publicação da matéria.

Ação institucional

Foto: Guilherme Santos/Sul21

O deputado Jeferson Fernandes (PT), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul e que foi detido durante a ação na Lanceiros Negros, afirmou que a comissão vai exigir da Secretaria de Segurança Pública (SSP) e outros órgão responsáveis, a publicização do procedimento para ações similares.

“Não é razoável ficar no poder discricionário e que um oficial de justiça faça o que bem entenda, inclusive descumprir o que está no despacho do magistrado”, disse o parlamentar.

Na próxima quarta-feira (21), as vítimas do despejo serão recebidas na reunião ordinária da Comissão de Direitos Humanos para decidir e “um encaminhamento político e institucional” sobre o caso. “Para mim, o mais preocupante é se, porventura, essa prática continuar sendo efetivada”, disse.

Na reintegração de posse de Lanceiros Negros, o deputado foi algemado e levado para um camburão quando decidiu transferir a reunião do conselho para a frente da ocupação, ao saber da possibilidade de despejo. Fernandes foi liberado no mesmo dia após a pressão de parlamentares, que repudiaram o ocorrido.

Em nota, a assessoria da Casa Civil do estado afirma que foi feito um “esforço pelo diálogo durante dois anos” e que o governo ofereceu alternativas de habitação que foram recusadas, “revelando exclusivo interesse ideológico e político”.

Segundo o órgão, a decisão foi cumprida “com correção” pela Brigada Militar e criticou a presença do deputado petista no local. “Vivemos tempos em que a Justiça precisa valer para todos, indistintamente. Não cabe mais a um deputado incitar o descumprimento da lei”, diz a nota.

Procurada, a assessoria de comunicação da SSP disse que somente a Casa Civil se pronunciaria sobre o caso. Fernandes, no entanto, rebate e afirma que nem um momento eu questionou a decisão judicial ou incitou o movimento: “O que o governo fez através da força da Brigada Militar, respaldado pelos oficiais de justiça que ali estavam, é característico de um período de exceção”.


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