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12 de março de 2017
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11:59

Seis histórias de feminicídio lembram que crime de gênero é um problema de toda a sociedade

Por
Sul 21
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Histórias de mulheres que morreram assassinadas por feminicídio são tema de exposição no Palácio da Justiça | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Fernanda Canofre

Uma mulher pode ser assassinada por um estranho para quem disse “não”. Pode ser assassinada depois de um relacionamento de 22 anos. Pode ser assassinada em frente aos filhos, pelo pai deles. Ela pode não ter filhos e ser assassinada por querer trabalhar. Por querer partir para outro relacionamento. Por querer não mais ter marcas nos braços, do relacionamento atual. Por alguém que disse “eu te amo”. “Desculpa”. “Não vai acontecer outra vez”. Uma mulher pode ser assassinada por ter medo de denunciar o agressor. Pode ser assassinada por ter denunciado o agressor. Ela pode ser assassinada apesar de ter denunciado o agressor, de estar com medidas protetivas e achar que caminha livre. Uma mulher pode ser assassinada todos os dias por ser mulher.

O Brasil é o quinto país com maior número de vítimas de feminicídio no mundo. Segundo o Mapa da Violência de 2015, a cada 100 mil brasileiras, 4,8 são mortas por causa de gênero. No Rio Grande do Sul, no ano passado, foram registrados 96 casos.

A maioria dos crimes acontece dentro de casa (67,7%), com armas de fogo (39,9%). A maioria das vítimas não tinha medida protetiva de urgência (71,7%). Boa parte delas tinham filhos com seus agressores (21,1%), uma parcela considerável ainda estava em um relacionamento quando foi assassinada pela companheiro (48,4%). E pelo menos um terço morreu porque homens não aceitaram o fim de um relacionamento (30%).

Esses números estão expostos no Palácio da Justiça, em Porto Alegre, junto À mostra “Agora e na hora de nossa morte”, que tenta resgatar algumas das histórias de mulheres que viram seus sonhos e futuro terminarem pelas mãos de companheiros. O Sul21 separou algumas dessas histórias para lembrar que o feminicídio atinge a todas as mulheres:

Cerca de 67,7% dos crimes acontece dentro da casa das vítimas | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Morta a facadas/Sentimento de posse

Canoas, 2009: O ex-companheiro de Roselaine invadiu a casa dela e a matou a facadas, sem qualquer oportunidade de reação. O homem fugiu do local levando a filha do casal, de 3 anos de idade. Eles foram localizados dias depois, em Santa Catarina.

Ele foi condenado à pena de 18 anos e meio de prisão em regime fechado.
Vingança pela separação não aceita. Esse foi o motivo da morte de Roselaine. Ela e Leandro já estavam separados há meses quando ela se aproximou de outra pessoa, com quem marcou um encontro na casa dela. A jovem foi morta nesse dia.

A aproximação do outro homem deixou Leandro transtornado. Ele passou a ligar insistentemente para a ex-mulher e ameaçá-la. Foi até a casa dela e quebrou o pára-brisa do carro do homem que estava com ela. Mais tarde, conseguiu entrar na residência.

Corda de varal/Não aceitava o fim

Santa Cruz do Sul, 2014: Fernando foi até o apartamento da família e, após discussão, asfixiou Pâmela com uma corda de varal. Colocou o corpo dela embaixo da cama de um dos filhos e fugiu com as crianças, que foram levadas para os pais dele. Depois, se entregou à Polícia. Ele foi condenado em 2015 a 15 anos de reclusão. Segue preso.

Ao confessar o crime, Fernando repetiu diversas vezes que amava Pâmela e seus filhos. Ele ainda pediu perdão “por ter feito uma besteira”.
Sete anos de relacionamento e dois filhos. As brigas entre Pâmela e Fernando teriam começado depois de uma traição dele. Foi aplicada medida protetiva e ele afastado do lar.

Mas o homem não se conformava com a separação. Escreveu uma longa carta, onde listou, ao longo de três páginas os motivos que o levaram a cometer o feminicídio. O principal deles: não aceitava o fim do relacionamento.

‘Matei por amor’/Dependência financeira

Soledade, 2012: O casal saiu para conversar. No caminho, Cleri teria comunicado ao companheiro que queria se separar. Ali, na rua, Avelino começou a agredi-la. Cleri foi esfaqueada com um punhal. Levou cerca de 10 golpes. Chegou a ser socorrida, mas morreu no hospital. Em juízo, o réu afirmou que “matou por amor”.

Ele foi condenado a 17 anos e 3 meses de prisão.

Cleri queria trabalhar. Acreditava que, assim, melhoraria de vida. Mas seu companheiro não aceitava. Avelino fazia questão de arcar com os sustentos para que ela não precisasse trabalhar. Ela permaneceu ao lado do companheiro mesmo depois dele ter matado o irmão dela. Cleri acompanhou Avelino quando ele foi transferido de cidade, passando a morar em uma pequena casa alugada.

Avelino já estava cumprindo a pena em regime semiaberto e aproveitou o horário de trabalho para cometer o crime. Ele acreditava estar sendo traído e que a mulher tinha a intenção de se separar. “Não tinha motivo para nos separar. Não brigava com ela, nem nada, não faltava as coisas em casa”, afirmou ele durante o interrogatório.

Boa parte das ,ulheres assassinadas tinham filhos com seus agressores (21,1%), uma parcela considerável ainda estava em um relacionamento quando foi assassinada pela companheiro (48,4%). Foto: Guilherme Santos/Sul21

Cárcere privado/Marcado na pele

Soledade, 2011: Eliane foi levada pelo ex-companheiro até a propriedade rural do irmão dele, onde foi mantida em cárcere. Ela tentou fugir por três vezes, mas sem sucesso. Em todas as tentativas, ele conseguiu alcançá-la.

Ela foi estrangulada por Matusalém dentro do quarto. Ele ainda tentou simular um suicídio da vítima, envolvendo o pescoço dela com uma corda.
Em 2012, o réu foi condenado a 22 anos e um mês de reclusão.

Eliane tinha o nome do companheiro tatuado no braço. Ela havia terminado o relacionamento anterior para ficar com Matusalém. Porém, o amor foi dando lugar às agressões físicas e psicológicas. Em um ano e meio de namoro, ela poucas vezes pode visitar a família. E quando isso acontecia, apresentava sempre uma marca de ferimento no corpo.

Ela tentou se separar dele, inclusive, pedindo a concessão de medidas protetivas. Mas acabou voltando atrás e o casal se reconciliou. Segundo a mãe da vítima, ela temia que “algo pior acontecesse”.

Quase um terço dos crimes acontecem porque homens não aceitaram o fim de um relacionamento (30%) |Foto: Guilherme Santos/Sul21

Morta por ‘se fazer de difícil’/Nunca chegou ao seu destino

Porto Alegre, 2009: O corpo de Franciele foi encontrado por cães em um matagal, que alertaram os moradores locais. Além de facadas, ela levou um tiro no lado esquerdo da cabeça. Antes disso, foi mantida em cárcere, torturada, violentada e morta.

Três homens foram responsáveis pelo crime. Um deles desejava ficar com a vítima e acreditava que ela estava “se fazendo de difícil”. Pediu ajuda aos comparsas, que o ajudaram a colocar em prática o plano nefasto.

O mentor do crime morreu antes que pudesse ser julgado. Os outros dois, os irmãos João e Cléber, foram condenados, cada um, a 24 anos e meio e 23 anos e meio de prisão em regime fechado.

Francieli era uma jovem bonita e alegre. Trabalhava como recepcionista em uma agência de turismo. Tinha 24 anos e uma vida cheia de planos e sonhos pela frente. Saiu de manhã cedo para ir à aula de autoescola, localizada a 500 metros da casa dela, mas nunca chegou ao destino.
No mesmo dia em que desapareceu, suas roupas foram encontradas em uma praça, no caminho entre a casa dela e a autoescola.

‘Vai ter o que merece’/Paz perdida

Porto Alegre, 2015: Claudiomar buscava a reconciliação. Na noite do crime, vizinhos escutaram gritos. O homem matou a ex-namorada e toda a família dela: o filho Gregory, de 6 anos; a mãe Sandra, de 62; e a sobrinha, Vitória, de 17. Todas as vítimas foram degoladas. Depois, o autor colocar fogo na casa para encobrir o crime.

Lauren, 26 anos, acabou o relacionamento e se mudou com a família. Ela queria dar fim ao ciclo de agressões silenciosas que sofria. Nunca denunciou Claudiomar, 24 anos, por medo. Dois dias antes do crime postou em uma rede social: “Quero minha vida de volta. Não era perfeita tinha seus altos e baixos, mas era minha vida, meus planos”. Se sentia angustiada.

Trabalhava como atendente de loja e era uma mãe dedicada para o filho de 6 anos. 


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