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3 de março de 2017
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13:58

Entenda o que dizem professores e Secretaria de Educação sobre mudanças na rede de Porto Alegre

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Sul 21
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Debate na Câmara Municipal de Vereadores sobre decreto do governo Marchezan que muda as regras da rede municipal de ensino | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Fernanda Canofre

Faltando 13 dias para o início do ano letivo na rede pública municipal de Porto Alegre, a Secretaria de Educação da prefeitura de Nelson Marchezan Jr (PSDB) surpreendeu os professores com uma notícia. No Diário Oficial do dia 21 de fevereiro, o prefeito revogou o decreto 14.521, de 2004, que dispunha sobre o regime normal de trabalho do magistério e abriu a possibilidade da criação de uma normativa que altera a estrutura horária de todo o ano letivo.

O assunto tem causado debate desde seu anúncio. Professores organizaram protestos, realizaram assembleia tentando debater o impacto das mudanças. Uma sessão temática da Câmara de Vereadores, esta semana, mostrou pouco apoio ao Executivo, mesmo na base do governo.

De um lado, a Secretaria de Educação, com o secretário Adriano Naves de Brito, defende que as mudanças previstas vão garantir 27,8% a mais de tempo dos alunos com professores, em sala de aula. Na apresentação realizada para diretores na reunião do dia 21, a Smed defende que as mudanças na estrutura horária ajudariam a “melhorar a qualidade do tempo da criança na escola” e a “qualificar o tempo do aluno com o professor”. Segundo ela, as mudanças implicariam num aumento de 1,25% da carga horária dos professores.

De outro, os professores municipais apontam que o cálculo de “mais horas em sala de aula” da prefeitura não fecha e que isso poderia ter impacto na qualidade do trabalho realizado. Os professores reclamam ainda da falta de diálogo na construção de uma nova política educacional, já que foram apenas comunicados sobre a revogação de um decreto e a implementação de um novo programa. Tudo isso às vésperas de voltarem às escolas.

Versão apresentada pela Smed para mudanças | Foto: Divulgação

O que está de fato em jogo com as mudanças? Elas significam mais ou menos tempo letivo para alunos e professores? Tentamos entender a discussão contrapondo falas da Secretaria de Educação (Smed) com a da Associação de Trabalhadores de Educação de Porto Alegre (Atempa).

REFEIÇÕES

O que diz a Smed: Em coletiva, logo após a reunião do dia 21 de fevereiro, o secretário Adriano Naves de Brito, disse que “o tempo do café da manhã não será mais contabilizado como período de aula”. Na proposta da prefeitura, o horário da manhã muda do atual 7h30 – 12h para 8h-12h. Assim, segundo a Smed, professores não terão mais que acompanhar alunos em refeitórios durante o horário das refeições.

O que dizem os professores: Segundo Fabiane Pavani, membro da diretoria da Atempa, o café da manhã já não é contabilizado como período letivo. “As únicas turmas que são acompanhados pelos professores para o café são os alunos de 4 e 5 anos. Todos os outros alunos chegam na escola às 7h15 para tomar café da manhã e às 7h30 começar a aula. Mas não são todos os alunos que costumam tomar café na escola. Outro momento de refeição é o almoço, aí sim todos os alunos fazem refeição na escola. Os professores acompanham alunos ao refeitório, de forma escalonada, com horários diferentes para cada faixa etária, porque não cabem todos. Depois das 12h, almoçam os alunos que têm entre 12 e 18 anos”. Fabiane também diz que os refeitórios não têm capacidade física para receber todos os alunos de uma escola ao mesmo tempo. “Nós temos também uma quantidade muito grande de alunos de inclusão na rede municipal, pessoas com deficiência tanto física quanto mental, que nós acompanhamos. Quando há monitores é um para cada quatro alunos, mas a quantidade de alunos é significativa. Na rede municipal, trabalhamos a inclusão desses alunos também”.

Versão feita por professores, sobre o material da Smed | Foto: Divulgação

O que diz a Smed: Em um vídeo postado nas redes sociais da Prefeitura Municipal, um homem identificado como Marcelo da Silva Caldeira, porteiro e pai de quatro crianças que estudam na Escola Municipal Neusa Goulart Brizola, da rede municipal – com 15, 13, 12 e 10 anos – defende as mudanças da prefeitura e diz: “Qual a função de um professor estar no refeitório? O professor tem que estar dentro de sala de aula”

O que dizem os professores: “Nós professores temos imputadas duas condições: cuidar e educar. Nós precisamos acompanhar nossos alunos de 4 aos 11 anos no horário do almoço, porque nesse momento acontecem interações significativas que fazem parte do currículo escolar. Seriam habilidades emocionais, relacionais, o acesso à cultura não é tão somente pela leitura e escrita, mas também a um conjunto de conhecimentos trabalhados integralmente no tempo do aluno na escola. Com outras gestões, a gente construiu um projeto político pedagógico que trata da educação de forma global, de compreender o sujeito de maneira global. É fundamental a nossa interação com alunos”.

TEMPO EM SALA DE AULA

Tabela que explica as mudanças, disponibilizada pela Secretaria Municipal de Educação nas redes sociais | Foto: Divulgação

O que diz a Smed: Tanto na coletiva do dia 21 de fevereiro, quanto no pronunciamento na Câmara de Vereadores, o secretário de Educação tem defendido que as mudanças vão regulamentar certas questões do currículo. “Tempo entremeado com ou tras atividades” é uma das expressões recorrentes nas justificativas de Naves de Brito.

O que dizem os professores: “Na verdade, ele está juntando todo o tempo e dizendo que isso não é tempo de ensinar. É um conceito de educação. O ataque à jornada, à rotina da escola, é um ataque ao conceito de educação aprovado nos Conselhos de Educação, aprovado nos Congressos e no Plano Municipal, que estabelece que a vida tem que estar dentro da sala de aula. Ela não é necessariamente a parede e a cadeira que o aluno tem que estar sentado. Ler e escrever é compromisso de todas as áreas, mas quando se  trabalha teatro, se está fazendo um expertise para sensibilidade, o mesmo com educação física, artes, filosofia”.

O que diz a Smed: “Atualmente o professor tem 12h30 em sala de hora e tem 7h30 de planejamento, com isso que nós estamos propondo, o professor passará a ter 12h45 em sala de aula e 7h15 de planejamento”. As mudanças da Smed também preveem períodos de 45 minutos, ao invés dos atuais 50.

O que dizem os professores: “A gente tem que falar da qualidade do tempo. Quanto mais tempo temos em sala de aula, quanto maiores os períodos, mais a gente consegue produzir. Não existe fundamentação teórica que diga que reduzir períodos ajuda na aprendizagem. Gostaria de ouvir do secretário qual fundamento sustenta isso? Tem escolas que têm períodos de uma hora, blocos de 2 horas, são trabalhos característicos de cada escola, aprovados em conselho e com a comunidade.

[Essa diminuição do tempo de planejamento] tem bastante impacto, hoje a gente tem um tempo de planejamento individual e conjunto da escola. Nesse momento que a gente debate, construir, aprofundar planos de trabalho gerais, todo tempo que tira de planejar a forma de trabalho é tempo apagando fogo. O tempo que não tira para planejar, tem que correr atrás pra resolver problemas depois”.

“[Na quarta], a Câmara esteve com a presença dos professores e uma grande quantidade de pais e mães, porque eles se sentem partícipes desse projeto que até então está sendo trabalhado na rede municipal de ensino. Esses pais também têm que ser ouvidos. Esses pais estão organizados para essa rotina – mas [o secretário] está diminuindo os minutos pedagógicos de cada período. hoje ele é atendido 20h30 – ele não aumenta, ele redistribui.

Tabela criada pela Atempa para ilustrar as mudanças, de acordo com os professores | Foto: Divulgação

REUNIÃO PEDAGÓGICA

O que diz a Smed: “Na quinta-feira, quando os professores fazem sua reunião pedagógica, os alunos são dispensados das aulas e, portanto, podem retornar às suas casas ou o que seja. Nós temos um conjunto de pessoal administrativo na escola e de supervisão pedagógica, de planejamento pedagógico, que é capaz de pensar atividades produtivas para o aluno nesses dois períodos, de modo que ele continue na escola”, sugeriu Naves de Brito.

O que dizem os professores: “Quando imagino atividades numa escola, sempre imagino atividades de perspectiva pedagógica, me parece que caberia ao secretário conhecer nossa rede. Quem seriam essas pessoas? Diretores, vice-diretores, para atender 500 alunos? Sendo que eles também têm que estar na reunião pedagógica. Essa parte o secretário não conseguiu apresentar: quem vai estar com essas crianças? Qual a criatividade pedagógica que ele imagina pra esse momento? Sou professora há muitos anos,tenho me qualificado ao longo da minha carreira, temos números expressivos de professores com pós, mestrado, doutorado, sempre trabalhamos para nos aprofundar. Seria apropriado que ele viesse conhecer”

RECURSOS

O que diz a Smed: “O que eu coloquei para os colegas professores é que na avaliação que fazemos inicialmente, dos recursos que nós temos, é possível fazer essa conversão. Se for necessário, que a gente coloque recursos humanos para dar conta dessa mudança, nós estamos dispostos a discutir isso e avaliar, não tem problema nenhum”

O que dizem os professores: “Ele está esperando o caos, as crianças chegarem e não terem acolhida, para depois correr atrás e pensar no que realizar. Como uma equipe administrativa vai atender 500 alunos por turno, não entendo. O secretário está sendo irresponsável”.

ENFRENTAMENTO

O que diz a Smed: “Estou totalmente aberto a receber os argumentos dos colegas, sempre no sentido de que, se nós fizermos alguma coisa que pode prejudicar o aluno, nós devemos rever. Estamos pensando num primeiro passo, isso não resolve o problema da qualidade, qualidade de ensino se produz com professor na relação com o aluno. O que estamos promovendo é uma rotina escolar capaz de suportar, na avaliação que fizemos, melhor um trabalho pedagógico que nós iniciamos a partir desse ano”

O que dizem os professores: “Ele não nos recebeu, na semana passada tentamos conversar com o secretário e sua equipe não nos recebeu. Ontem, na quinta, não recebeu. Não atendeu ligações, a assessora disse para mandar um e-mail marcando, estivemos em frente à Smed de manhã e de tarde. As famílias já estavam organizadas para um ano escolar, às vésperas do ano letivo, ele lança uma bomba sem discutir com nenhum segmento da comunidade escolar. Os diretores foram convocados e ele comunicou. Estamos abertos [para diálogo], mas efetivamente, não só dizer usem da criatividade, precisa dizer efetivamente o que fazer”, explica Pavani.

VIOLÊNCIA

O que diz a Smed: No vídeo veiculado pela Smed, um pai de estudantes da Escola Neusa Goulart Brizola diz: “O Sindicato dos professores, que não representa os pais, porque nós é que vivemos a realidade da escola, diz que as escolas do município são violentas. Sim, elas são violentas, mas é muro para fora. A localidade é violenta, nunca houve violência dentro da escola”. Diz que sempre questionaram o horário especial das quintas-feiras e que o decreto era apresentado como justificativa.

O que dizem os professores: As nossas escolas não são ilhas de paz, elas estão inseridas num contexto social que atinge hoje a cidade de muita violência. Eu relaciono essa violência com a baixa qualidade dos serviços de ponta da prefeitura. Esta é a opinião de um pai, mas a opinião do restante dos pais dessa escola?  Dos outros pais de outras escolas? E preciso que o secretário converse com as comunidades, nós fazemos parte dessa comunidade, mas queremos discutir em conjunto com os demais segmentos. Mesmo quando ele fala de horas e minutos, números sempre podem ser apresentados por uma perspectiva e por outra. Eu também provo pela nossa rotina que hoje atendemos 20h30 e com mudanças passaria para 20h”, defende Fabiane. 


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