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7 de março de 2017
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22:19

Ação do PSOL no STF pede a descriminalização do aborto; entenda o significado

Por
Sul 21
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Ação do PSOL no STF pede a descriminalização do aborto; entenda o significado
Ação do PSOL no STF pede a descriminalização do aborto; entenda o significado
Manifestação a favor da legalização do aborto realizada em São Paulo em 2012, no Dia Internacional da Mulher | Foto: Christiensen/ WikiCommons

Da Redação

Quatro advogadas mulheres deram entrada no Supremo Tribunal Federal (STF) a uma ação que pode mudar a lei de interrupção voluntária da gravidez no Brasil, nesta terça-feira (07). A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) apresentada por elas questiona dois artigos do Código Penal que sustentam a criminalização do aborto do país – artigos 124 e 126 – e que seriam incompatíveis com direitos previstos na Constituição Federal de 1988. A ação se inspirou no exemplo de países como Estados Unidos, Alemanha, Portugal e Colômbia, que também recorreram à Suprema Corte para conseguir avançar no tema.

A ação é assinada por duas advogadas ligadas ao PSOL – Luciana Boiteux e Luciana Genro – e duas advogadas ligadas ao Anis, um instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero – Gabriela Rondon e Sinara Gumieri. O Anis foi quem apoiou a ação apresentada ao STF em 2012, que autorizou o aborto para casos de anencefalia – má formação que pode ocorrer a partir da 16ª semana de gestação e que deixa o embrião sem encéfalo – e que vem defendendo direitos de mães e crianças atingidas pelo zika vírus.

O argumento principal trazido pela ação é que mulheres e pessoas que podem ajudar em processos de aborto no Brasil ainda sofrem criminalização com base em um Código Penal redigido em 1940. Ou seja, 48 anos antes da Constituição Federal cidadã que garantiu direitos amplos logo após a ditadura militar. O Código Penal traz dois artigos específicos que criminalizam o aborto: o artigo 124, que prevê pena de um a 3 anos de detenção para a mulher que “provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque”, e o artigo 126 , que determina pena de um a quatro anos, a quem “provocar aborto com consentimento da gestante”.

Os arcos da Lapa, no Rio de Janeiro, já foram ‘ocupados’ com a luta pela legalização do aborto | Foto:Divulgação

“Mesmo leis anteriores à Constituição Federal devem estar de acordo com os direitos fundamentais (direito à dignidade, à autonomia, à cidadania, entre outros). A criminalização do aborto se mantém por uma lei do século passado, mas é incompatível com a Constituição Federal”, diz o texto apresentado pelas advogadas, que complementa: “ A ação só trata de mostrar que o aborto voluntário não pode mandar uma mulher para a cadeia”. Hoje, no Brasil, o aborto é permitido em três casos: se a gravidez representar risco de morte para a mulher, em casos de estupro e anencefalia.

Descriminalizar aborto até 12 semanas

A ação encaminhada pelas advogadas pede a descriminalização irrestrita a toda interrupção voluntária da gravidez até a 12ª semana de gestação. O mesmo período adotado como marco legal por muitos países onde o aborto não é crime. Segundo um documento divulgado pelo grupo, é neste período gestacional que ocorre a maioria dos abortos voluntários no mundo, além de ser o período mais seguro para a interrupção. A própria Organização Mundial de Saúde diz que o risco de complicações de um aborto realizado nos três primeiros meses é de 0,05%. Além disso, com 12 semanas, a vida do feto fora do útero é inviável.

Contra-reação à pauta conservadora

O PSOL diz que o ingresso da ação neste momento serve para “assumir uma posição de defesa dos direitos das mulheres”, com uma “chance histórica de que os movimentos de direitos das mulheres protagonizem uma ação na luta pela legalização do aborto”. Mas principalmente colocando a ADPF como uma maneira de contrapor avanços conservadores no Congresso Nacional que regrediram o debate em torno do aborto nos últimos anos.

Segundo a legenda, mesmo que pautas apoiadas pela bancada evangélica como o Estatuto do Nascituro – que pretende dar “prioridade absoluta aos direitos dos nascituros”, ou seja, antes do nascimento – ou uma proposta de emenda à Constituição que defenda “proteção à vida desde a concepção” sejam aprovadas, a ação ainda pode seguir e não é esvaziada.

“Se a proteção da vida desde a concepção passar a ser parte do texto da Constituição, os argumentos do debate sobre o direito ao aborto mudam de foco, mas não deixam de existir. Nesse caso, passa a ser mais importante mostrar que, mesmo que a Constituição fale em proteção do direito à vida desde a concepção, não existe direito absoluto para ninguém, e a violação aos direitos das mulheres provocadas pela criminalização do aborto continua existindo, e continua exigindo mudança”, explicam as autoras.

Em ato em novembro, feministas carregaram cartazes e faixas em defesa do corpo e da legalização do aborto | Foto: Caroline Ferraz/Sul21

Aos 40, uma em cada cinco brasileiras já fez aborto

No ano passado, a Anis, co-autora da ação, divulgou uma pesquisa mostrando que uma a cada 5 brasileiras, na faixa etária de 40 anos, já fez aborto. Em 2015, 503 mil mulheres interromperam voluntariamente suas gravidezes no país. O perfil dessas mulheres não limita faixa etária, religião, classe social ou mesmo se já tem outros filhos.

“O aborto é uma questão de saúde pública. Estudos internacionais recentes estimam que entre 8% e 18% de mortes maternas no mundo decorrem de abortos inseguros, e estão concentradas em países pobres. Essas são mortes completamente evitáveis, são vidas de mulheres ameaçadas por uma legislação que não reconhece seu direito de tomar decisões sobre suas vidas”, defendem as advogadas. Cerca de 67% das mulheres que recorreram ao aborto no Brasil, em 2015, precisaram de internação hospitalar.

Além disso, a ação lembra que, na maioria dos países onde o aborto foi descriminalizado, caíram as taxas de mortalidade materna e até os índices de mulheres recorrendo a ele. Na França, por exemplo, onde o aborto foi descriminalizado em 1975, houve uma redução de 24,5% nos casos de aborto. Com base nisso, a ação de hoje defende: “O que diminui não é a proibição penal, mas o acesso amplo e de qualidade à educação sexual integral e a métodos contraceptivos”.

Prazo da ação e o que pode vir depois

No documento em que esclarece a ADPF, o grupo explica que não há um prazo ou uma estimativa de quanto tempo ela pode levar para chegar à uma conclusão. A ação que conquistou o direito de mulheres abortarem em casos de anencefalia do feto, por exemplo, levou nove anos para conseguir aprovação do STF, enquanto pesquisas com células-tronco, tramitaram cinco anos na Corte para serem autorizadas.

No caso de a ação conseguir a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez, como já é feito no Uruguai, a proposta prevê que o acesso ao procedimento siga os mesmos padrões já usados em casos de aborto legal. Ou seja, com critérios e regulamentação a serem determinados pelo Ministério da Saúde.


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