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11 de fevereiro de 2017
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10:11

Por que o Presídio Central e outras cinco unidades prisionais mudaram de nome no RS?

Por
Sul 21
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Presídio Central de Porto Alegre passa a se chamar Cadeia Pública de Porto Alegre com a determinação | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Fernanda Canofre

O juiz Sidinei Brzuska diz achar “engraçado” quando pega um documento nas mãos e lê “Cadeia Pública de Porto Alegre”. Um dos quatro responsáveis pela Vara de Execuções Criminais, por onde passam 14 mil processos de condenados na capital e na região metropolitana, Brzuska trabalha com os casos da Cadeia Pública há 8 anos. Desde janeiro, o nome Presídio Central – o “pior do Brasil”, segundo CPI da Câmara dos Deputados de 2008 – deixou de existir no sistema. A determinação pela mudança de nomes em seis unidades prisionais do Rio Grande do Sul foi publicada no Diário Oficial em novembro do ano passado e passou a valer no início deste ano.

Mas afinal, quais são as implicações práticas da mudança e por que o Estado decidiu mudar os nomes de estabelecimentos agora? O problema da defasagem de vagas do Rio Grande do Sul piora com o número de presos aumentando. O estado possui cerca de 60 mil condenados e uma população prisional de 34.969 pessoas. No ano passado, o RS teve média de 500 pessoas presas por mês. 

Uma nota publicada no site da Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe) explica que as alterações nos nomes seriam para “adequar [os estabelecimentos] aos padrões da Lei de Execuções Penais”. A chamada LEP, de 1984, separa os estabelecimentos prisionais conforme sua finalidade. Ela prevê: penitenciária – para presos condenados a regime fechado; cadeia pública – para presos provisórios; colônias agrícolas, industriais e outras – para presos do regime semi-aberto e a casa do albergado – destinada ao regime aberto.

“Na prática [as alterações são] para dar finalidade. Mas é uma questão meramente de burocracia, para regular (…) Tu vai regulando isso para poder ir arrumando a casa. Nós temos prédios muito velhos, as nossas unidades prisionais são muito antigas”, afirma Alexandre Micol, diretor de engenharia e superintendente-adjunto da Susepe.

A palavra “presídio” não existe na Lei de Execuções Penais. Mas a Susepe reconhece como tal, unidades mistas – que abrigam tanto presos provisórios, quanto aqueles que já receberam condenação. Apesar da Superintendência alegar adequação à LEP para as mudanças, dos seis estabelecimentos que tiveram seus nomes alterados, dois passaram de penitenciária a presídio – a Penitenciária Estadual de Caxias do Sul, agora Presídio Regional e a Penitenciária Feminina Madre Pelletier, agora Presídio Estadual Feminino Madre Pelletier – e um deles manteve o termo em sua denominação – o Presídio Regional de Pelotas Hamilton da Cunha Gonçalves, que só adicionou o nome da cidade.

O superintendente-adjunto disse não saber explicar a opção porque a ex-Penitenciária Madre Pelletier, por exemplo, deixou a nomenclatura prevista em lei. “Até me surpreende essa questão”, diz Micol. “Tu tens os presídios regionais do interior, eles recebem tanto presos provisórios, quanto condenados. Temos em Bagé, Santo Ângelo, Pelotas, Passo Fundo. Continuam sendo presídios porque eles recebem lá presos provisórios, porque eu não tenho uma penitenciária”.

Uma das galerias do Presídio Central fotografada pelo juiz Sidinei Brzuska

Na prática, o que muda?

O Central leva o nome de “presídio” desde sua criação. Com problemas de motins, superlotação e infraestrutura do prédio construído em 1959 condenada, há mais de 20 anos, o Central só pode receber presos provisórios. Teoricamente. Hoje, de acordo com a Susepe, 2.527 presos do Central são provisórios, enquanto 2.028 já foram condenados. A unidade possui 1.824 vagas.

Para Sidinei Brzuska, na prática, nada deve mudar com a Cadeia Pública de Porto Alegre, antigo Central. “Não consigo vislumbrar qualquer modificação na vida do preso a troca de nomenclatura. A decisão que proíbe a entrada de condenados no Central tem 22 anos. Se fosse por isso, teria que ter colocado Cadeia Pública há 22 anos”.

O procurador Gilmar Bortolotto, que acompanha a realidade do Central há 20 anos, também disse não ter entendido a medida. “O sistema penitenciário é o lugar em que mais coisas que não poderiam acontecer, acontecem. Quando criaram o Central ele teria essa destinação, de abrigar presos provisórios. O que foi acontecendo é que o sistema carcerário não acompanhou a evolução do resto das instituições, foi empilhando presos e trata-se de uma falta de lugar. Os presos eram condenados e iam ficando ali”, explica ele. “Não é porque trocam a placa na frente que vai mudar a realidade lá dentro. Ela só muda com ações concretas”.

O superintendente-adjunto da Susepe afirma que, de fato, a mudança de nome não coloca prazo para que o Central encaminhe todos os presos condenados que abriga hoje à penitenciárias, como previsto na LEP. “O Presídio Central tem uma capacidade de presos e está superlotado, assim como a [Penitenciária] Modulada de Charqueadas também. Ela tem uma capacidade de 900 e tem 1.500. Tu vai regulando isso para poder ir arrumando a casa”, afirma Micol.

Foto: Guilherme Santos/Sul21

Dificuldades com novas unidades

A nomenclatura das unidades prisionais também não influencia o encaminhamento de verbas destinado a ela. Isso é determinado pelo próprio Estado, em seu orçamento, conforme necessidade. A única diferença seria para criação de novas unidades, que dependem de encaminhamento de recursos do governo federal, por exemplo.

“Na verdade, é uma questão de nomenclatura e de um programa de necessidades que a casa pode atender ou não. Se eu vou construir um estabelecimento prisional, tipo uma cadeia pública, eu tenho programa de necessidades que estabelece o que ele tem que ter dentro daquela unidade. O tamanho das salas, o tamanho das salas, o tamanho dos pátios. O correto é ter um estabelecimento cadeia pública ou penitenciária, como não dá, porque a gente tem um déficit de vagas, é só uma questão de regularização”, explica Alexandre Micol.

Segundo o superintendente-adjunto, um dos maiores problemas enfrentado hoje pela Susepe é encontrar municípios que queiram receber unidades prisionais. “Se tu me perguntar hoje se eu tenho recursos para investir e construir novos estabelecimentos prisionais, nós temos. O que nós não temos são municípios que aceitem a instalação. Existem inúmeros municípios que aceitam a implantação de uma unidade federal, mas elas não aceitam presos do semi-aberto. E eu tenho que colocar essas pessoas em algum lugar”.

Em resposta à solicitação do Sul21, a Susepe afirmou ainda que “as alterações [de nomes] acontecerão em todos os estabelecimentos prisionais, gradativamente”.


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