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17 de fevereiro de 2017
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10:07

Dono de terreno ocupado por escola há 50 anos, IPE diz que precisa ‘locar’ ou ‘alienar’ imóvel

Por
Sul 21
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José Weis segura certificados da época em que estudou na Escola Maria Thereza de Silveira | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Fernanda Canofre

Dos 6 aos 12 anos de idade, a rotina de todos os dias de José Schenkel Weis era a caminhada que fazia desde a casa dos pais, na Rua Anita Garibaldi, no bairro Mont’Serrat, em Porto Alegre, até a Rua Furiel Luiz Antônio Gonzaga. Logo que entrou no jardim da infância, ele fazia o caminho com os primos mais velhos. Depois, passou a levar as duas irmãs mais novas. Ainda hoje, 51 anos depois, José lembra dos 15 minutos de caminhada, das casas no caminho e de como era chegar diante da Escola Nossa Senhora de Mont’Serrat, hoje Escola Estadual Maria Thereza da Silveira.

José lembra dos domingos em que a professora de Música levava toda a turma aos concertos da Ospa, das professoras que ainda consegue nomear de memória, das festas que envolviam toda a comunidade local, da biblioteca Gabriela Mistral, onde começou a ler e não parou mais. “A escola era muito ativa no bairro. As famílias tinha ali como uma opção importante, porque tinha qualidade de ensino. Até as famílias mais abastadas do entorno faziam questão de colocar os filhos estudando ali”, lembra ele.

Escola com capacidade para 250 estudantes, hoje tem 140 matriculados devido a proibição da Secretaria | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Na semana passada, José olhava as notícias do dia, quando por acaso encontrou uma sobre a ameaça de fechamento de sua escola, já que o Instituto de Previdência Estadual (IPE), oficialmente proprietário do terreno estava pedindo a devolução do imóvel ou pagamento de aluguel, pela Secretaria Estadual de Educação. A Seduc chegou a cogitar pagar pelo uso do imóvel, o valor proposto, porém – cerca de R$ 98 mil mensais – se tornou inviável. Enquanto o caso segue na Justiça, as matrículas na Escola Estadual Maria Thereza da Silveira foram trancadas.

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Nilton Donato, diretor-administrativo do IPE, que responde interinamente pela instituição, diz que não tem muitas informações sobre a situação do terreno e que ela está agora com o Ministério Público, autor da Ação Civil Pública que pode levar ao fechamento da escola. Segundo Donato, desde que o imóvel onde está a escola passou para o Fundo de Assistência em Saúde (FAS) do IPE, por lei, ele precisa “gerar renda”.

“A diretriz (do IPE) é gerar renda por locação ou alienação, daí tem que ver o mercado. Os imóveis não podem ficar parados, eles têm que gerar renda, essa é a determinação. Não posso ceder imóveis gratuitamente, porque eles são do IPE Saúde”, disse em entrevista ao Sul21.

Em 2004, foi feito um acordo entre a Secretaria de Educação e o IPE, que poderia regularizar a situação da Escola Maria Thereza. Depois de quase 40 anos da escola no terreno, o acordo previa que o terreno ficaria com a pasta da Educação, em troca, o IPE poderia escolher outro imóvel do Estado que passaria a sua propriedade. O acordo da permuta, porém, nunca chegou a ser assinado pelo secretário da época, José Fortunati, nem pelo presidente do IPE, Otomar Vivian.

Vivian deixou o cargo em 2009, mas está prestes a voltar a presidência, nomeado pelo governo Sartori. Nos próximos dias, uma sabatina na Assembleia Legislativa deve decidir sobre sua posse. Por isso, procurado pelo Sul21, ele disse que preferia não comentar o caso no momento. Ele disse apenas que o imóvel nunca gerou custos, nem chegou a ser utilizado pelo IPE.

A Escola Maria Thereza ocupa atualmente parte do terreno original. Ainda antes do acordo com a Secretaria de Educação, o IPE criou duas matrículas separadas para o imóvel e vendeu a parte que fica do outro lado da rua da Escola e que estava sem utilização. Hoje, nas mãos da iniciativa privada, o terreno tem placas anunciando um futuro empreendimento imobiliário.

José Weis mostra foto de sua turma do primário, junto com a então diretora da escola, professora Maria Thereza da Silveira, que hoje dá nome à escola | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Questão de memória

Em 1966, a escola era uma brizoleta, legado de um projeto tocado pelo governo de Leonel Brizola no estado. Três pavilhões de madeira, com cobertura de amianto, colocados em formato de U acomodavam todos os alunos, debaixo da direção da professora Maria Thereza da Silveira. A mesma mulher que trabalhou a vida inteira ali e que hoje dá nome à escola estadual.

José Schenkel Weis diz que o pai teve uma relação mais próxima com a professora, durante os dois anos em que presidiu o Círculo de Pais e Mestres (CPM). Como diretora, Maria Thereza cobrava disciplina, mas não era rígida. Tinha respeito dos alunos e pais, naturalmente, segundo recorda ele.“Era uma pessoa muito participativa. Ela era muito querida na comunidade dessa escola”.

Ainda hoje, volta e meia, ele diz que encontra pessoas nas ruas com quem lembra de ter estudado ou ter visto passar pela Escola Maria Thereza. Quando passa a Nilo Peçanha, a lembrança de josé também se reaviva com os invernos de uma baixada onde os campos se cobriam de geada. Hoje, toda a região que era essencialmente residencial, é um dos pontos mais movimentados de Porto Alegre e um dos metros quadrados mais caros. As casas desapareceram no meio dos edifícios de condomínios. E a Escola seguiu ali.

Hoje, a Maria Thereza é considerada uma exceção numa realidade de sucateamento dos prédios de educação do Estado. O prédio de tijolos à vista e janelas amarelas está em bom estado, todas as salas de aula possuem ar-condicionado e a taxa de repetência entre alunos do 1º ao 9º é zero. Com capacidade para 250 alunos, ela tem apenas 164 matriculados para o próximo ano por causa do impedimento colocado pelo governo.

Ele lamenta que o fechamento esteja sendo discutido como uma possibilidade. “É uma questão de memória, mas não só da memória afetiva, mas da qualidade de ensino. Um dos melhores períodos que eu tive foi lá”, conta ele emocionado. “É um símbolo de qualidade de ensino que está se perdendo. Eu sou fruto disso hoje, assim como as pessoas que estudaram comigo. Fruto da qualidade de ensino e das professoras que estavam lá”.

Um grupo de deputados, liderados por Pedro Ruas (Psol), tenta intervir para que a Escola não tenha que fechar as portas. Ruas chegou a contatar Vivian e o ex-governador, Germano Rigotto, que prometeu entregar um documento em apoio à Maria Thereza. Nesta quinta-feira (16), uma audiência entre a secretaria de Educação e as diretoras da escola terminou sem avanços nas negociações. A Secretaria Estadual de Educação não retornou ao contato da reportagem.


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