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1 de janeiro de 2017
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11:10

Porto Alegre em 2016: água contaminada, polêmica do Uber e eleição de Marchezan Jr.

Por
Luís Gomes
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Porto Alegre em 2016: água contaminada, polêmica do Uber e eleição de Marchezan Jr.
Porto Alegre em 2016: água contaminada, polêmica do Uber e eleição de Marchezan Jr.
30/10/2016 - PORTO ALEGRE, RS - Candidato Nelson Marchezan Jr. é eleito prefeito de Porto Alegre. Foto: Guilherme Santos/Sul21
Ao lado do vice, Gustavo Paim (esq.) e de Kevin Krieger (dir.), Nelson Marchezan Jr. comemora eleição como prefeito de Porto Alegre |  Foto: Guilherme Santos/Sul21

Luís Eduardo Gomes

Dois mil e dezesseis foi ano de eleições em Porto Alegre. Surpreendente e tumultuada, com rusgas e conflitos se estendendo até a virada do ano. Mas a política e as polêmicas locais não se resumiram apenas a isso. Começaram, como de costume, com o aumento da tarifa de ônibus e diversas manifestações contrárias. Seguiram-se com a disputa entre taxistas e motoristas de Uber, travadas nas ruas e na Câmara municipal, passando pela água contaminada, com motivos que por meses pareciam indecifráveis, e envolvendo também a tragédia social da população em situação rua, problema cada vez mais visível e difícil de ignorar na Capital. A seguir, relembre fatos que marcaram o ano em Porto Alegre.

Tarifa de ônibus

Mais uma vez, o aumento da tarifa de ônibus em Porto Alegre motivou manifestações e uma batalha judicial em 2016. O reajuste entrou em vigor inicialmente em 22 de fevereiro, elevando o preço das passagens de R$ 3,25 para R$ 3,75. O aumento de 15,38% veio acima da inflação e foi o maior do Brasil no ano. Dois dias depois, uma decisão judicial, em resposta a uma ação do PSOL, suspendeu o reajuste sob a alegação de que o tema deveria ter sido debatido previamente no Conselho Municipal de Transportes Urbanos (Comtu).

A ação conseguiu manter o preço reduzido por mais de um mês, mas após vários questionamentos da decisão pela Prefeitura em instâncias superiores, no dia 29 de março, o Superior Tribunal de Justiça concedeu liminar favorável, com o reajuste sendo retomado no dia seguinte. Dias depois, o Bloco de Lutas, que já tinha realizado cinco manifestações contra o aumento da passagem, voltarias às ruas para tentar pressionar a Prefeitura a barrar o aumento. Ao contrário de 2013, porém, o aumento se manteve.

Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foram ao menos seis grandes manifestações contra o aumento da tarifa | Foto: Guilherme Santos/Sul21

A tarifa de ônibus ainda voltaria ao noticiário em dois momentos. O primeiro deles em maio, quando a Prefeitura ganhou na Justiça o direito de não reembolsar as empresas de ônibus pelos mais de 30 dias em que o reajuste não vigorou. Depois, em setembro, como uma espécia de presságio para o reajuste que deve vir em 2017, quando a Associação dos Transportadores de Passageiros de Porto Alegre (ATP) divulgou que a tarifa deveria ser elevada para R$ 4,20 para cobrir supostos prejuízos decorrentes da entrada em vigor do novo sistema de transporte público da Capital.

Água contaminada

Este foi o ano em que o porto-alegrense, literalmente, sentiu um gosto ruim na boca. A partir de maio e durante meses, moradores da cidade reclamaram de um odor forte e um gosto diferente na água que chegava às torneiras de suas casas, mas o assunto só chamou a atenção do poder público mesmo entre junho e julho, quando passou a ser estudado pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) e pelo Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae). Os órgãos, porém, não conseguiam apresentar explicações suficientes para a origem do problema, tampouco oferecer soluções.

A empresa, que trata efluentes líquidos industriais de cerca de 1.500 empresas, está sendo investigada pela possibilidade de ser responsável pelos problemas no odor e no sabor da água consumida na capital. (Foto: Divulgação)
Planta da Cettraliq foi apontada como vilã da história | Foto: Divulgação

Inicialmente, para a Fepam, a origem seria a proliferação de bactérias na estação de bombeamento da Trensurb, que deságua no rio Guaíba. Já o DMAE trabalhava com três hipóteses: poluição, reação de substâncias e condições de saneamento precárias. Em agosto, o diretor deste órgão, Elisandro de Oliveira, afirmou que, depois de estudos, constatou-se que a água estava dentro dos padrões de potabilidade exigidos pela legislação brasileira. Somente neste mês que achou-se um culpado oficial: a Central de Tratamento de Efluentes Líquidos (Cettraliq), que acabou sendo interditada pela Secretaria Municipal da Produção, Indústria e Comércio (Smic) por falta de Alvará de Localização e Funcionamento e obrigada pela Justiça a retirar os efluentes que estavam armazenados na planta da empresa às margens do Guaíba.

A empresa até hoje nega ser a origem do problema, mas o gosto e o odor da água acabaram voltando ao normal a partir do momento em que as atividades da Cettraliq foram suspensas.

A legalização do Uber

Na Câmara de Vereadores, em 2016, nenhuma legislação movimentou mais a opinião pública do que o projeto sobre a regulamentação do serviço de transporte individual privado de passageiros, legalizando a atuação de aplicativos como o Uber, que chegou à Capital no final de 2015.

Após meses de discussão, Fortunati encaminhou ao Legislativo um projeto de autoria do Executivo sobre a questão em maio, que entre outras coisas, estipulava a exigência de autorização do município para que a empresa opere, de contratação direta, de valor livre e de compartilhamento dos dados em tempo real. A própria existência de uma tentativa de regulação, porém, gerou repercussão negativa tanto entre taxistas, que não aceitavam a legalização do serviço que consideravam como clandestino, quanto entre os defensores, que acreditavam ser inaceitável a interferência do poder público na questão. Em junho, centenas de taxistas participaram de uma carreata contra a regulamentação.

22/06/2016 - PORTO ALEGRE, RS - Taxistas protestam contra o Uber. Foto: Joana Berwanger/Sul21
Taxistas fizeram grande protesto contra a legalização do Uber em junho | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Temores de que as discordâncias públicas levassem a troca de agressões entre os dois lados fizeram a Câmara marcar uma audiência pública sobre o tema no ginásio Gigantinho e reforçar a segurança do local. Felizmente, os embates do evento ficaram apenas na troca de vaias. A votação do projeto, porém, começou só em 29 de setembro, quando apenas uma emenda foi apreciada pelos vereadores. Ela seria retomada no dia 20 de outubro e concluída no dia 24, às vésperas do segundo turno da eleição municipal.

Ao fim e ao cabo, o projeto da Prefeitura foi aprovado por unanimidade. A discussão maior, porém, restou sobre o teor das 22 emendas aprovadas e das 27 rejeitadas, com ambos os lados tendo do que reclamar. O projeto foi sancionado por Fortunati em 9 de dezembro.

Do fracasso da esquerda à vitória de Marchezan

Marcada por um grande número de abstenções, a eleição municipal de Porto Alegre foi uma grande vitória para a direita municipal. Ainda que a coalizão que controla a Capital há 12 anos tenha sido derrotada, o vencedor saiu de um partido que era base até o ano passado, o PSDB, e com apoio de dois dos principais partidos que deram sustentação aos governos Fogaça e Fortunati, PP e PTB (no segundo turno).

Para a esquerda, as eleições foram uma grande derrota, que se torna ainda maior quando levado em conta que, antes da largada do pleito, Manuela D’Ávila (PCdoB) e Luciana Genro (PSOL) lideravam as pesquisas. Mesmo depois da desistência da Manuela, Luciana e Raul Pont (PT) lideraram as primeiras pesquisas com as candidaturas já anunciadas. No fim, Pont ficou em um distante terceiro lugar, seguido de perto por Maurício Dziedricki (PTB). De líder, a psolista caiu para a quinta posição.

03/10/2016 - PORTO ALEGRE, RS - Entrevista com Fernanda Melchionna, vereadora mais votada de Porto Alegre. Foto: Maia Rubim/Sul21
Fernanda Melchionna foi vereadora mais votada de Porto Alegre | Foto: Maia Rubim/Sul21

Em termos legislativos, a bancada eleita também é mais conservadora. Se em 2012 PT, PCdoB e PSOL tiveram oito vereadores eleitos, desta vez os comunistas não elegeram nenhum vereador e PT e PSOL somaram sete vereadores, quatro e três, respectivamente. A única notícia positiva para a esquerda foi o fato de Fernanda Melchionna ter dado novamente ao PSOL o posto de vereador mais votado da cidade – em 2012 havia sido Pedro Ruas.

Tão surpreendente quanto foi, para parte do eleitorado, o fato de a esquerda ficar de fora do segundo turno, foi o crescimento meteórico do tucano Nelson Marchezan Jr. (PSDB) mesmo em uma eleição atípica, com menos tempo de televisão,  menos dinheiro para propaganda e em que esperava-se que houvesse pouco espaço para crescimento de campanhas menores. Ainda que fosse esperado que PT e PSOL perdessem fôlego ao longo da disputa, o favoritismo do pleito era todo de Sebastião Melo (PMDB), candidato da atual gestão que ostentava o apoio de mais de dez partidos e, consequentemente, a maior parte do tempo de propaganda em rádio e televisão (cerca de um terço do total). O que se viu, porém, foi logo no primeiro turno uma ascensão rápida de Marchezan Jr., que viria a ser confirmada por uma margem de mais de 20%.

O segundo turno, porém, foi marcado por uma disputa pesada entre Melo e Marchezan, com ataques e contra-ataques contínuos nas mensagens de televisão e rádio. De um lado, o tucano criticava a falta de atitude e a incapacidade da gestão atual, por exemplo, para concluir as obras. De outro, o vice-prefeito reclamava que o PSDB tinha estado dentro do governo até poucos meses antes do início da eleição e criticava a falta de experiência administrativa e de conhecimento da cidade por parte do tucano.

Os ataques foram escalando até o final de semana dos dias 15 e 16 de outubro, quando uma série de ações levaram a campanha para as páginas policiais. Primeiro, no dia 16, uma operação da Justiça Eleitoral na sede municipal do PMDB levou Melo a publicar um vídeo denunciando que a ação foi acompanhada ilegalmente por representantes da candidatura de Marchezan. Na madrugada de segunda-feira, o estouro de vidraças da sede do tucano levou à especulação de que o local tinha sido alvo de um ataque a tiros – posteriormente, a polícia apontou que tratou-se apenas da força do vento.

| Foto: Guilherme Santos/Sul21
Morte de Plínio Zalewski chocou a cidade durante as eleições | Foto: Guilherme Santos/Sul21

O capítulo mais trágico, porém, veio na manhã do dia 17, quando funcionários da sede estadual do PMDB descobriram em um dos banheiros do local o corpo de Plínio Zalewski, um dos coordenadores do Plano de Governo de Melo, morto no dia anterior – a polícia aponta que ele se suicidou, mas a investigação não foi concluída. A morte fez os candidatos declararem luto e suspenderam a campanha por um dia. No retorno, a troca de ataques diminuiu de intensidade.

Moradores em situação de rua

Em dezembro, a Fundação de Assistência Social e Cidadania de Porto Alegre (Fasc) e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) anunciaram que, a partir de um levantamento feito desde março, a população em situação de rua da Capital foi contabilizada em 2.115 adultos, o que representava um crescimento de 57% em cinco anos, quando o último estudo sobre o assunto tinha sido realizado. Os números, porém, seriam ainda maiores. De acordo com o Movimento Nacional da População de Rua (MNPR), estariam entre 5 e 6 mil pessoas.

As justificativas para o aumento não ficam claras no estudo, mas, segundo a Prefeitura, passariam pelo agravamento da crise econômica. Durante o ano, porém, movimentos sociais reclamaram, em diversas oportunidades, de atrasos no pagamento do aluguel social pela Prefeitura, o que estaria obrigando muitas pessoas a voltar para rua por não terem condições de manter seus locais de moradia. Por outro lado, a visualização dessas pessoas, como de costume, passou a ser tema de discussão apenas em dezembro, quando órgãos da Prefeitura e a Brigada Militar realizaram uma operação para remoção de quem ocupava o Viaduto Otávio Rocha, na Av. Borges de Medeiros.

15/12/2016 - PORTO ALEGRE, RS - Fasc debate senso sobre população de rua da cidade / tags: viaduto otávio rocha / borges de medeiros / moradores de rua. Foto: Guilherme Santos/Sul21
Moradores em situação de rua sob o viaduto Otávio Rocha | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Disputa pelo IPTU

Antes do ano acabar, ainda deu tempo para um embate público marcar a troca de governo. Inicialmente, a transição entre os governo Fortunati e Marchezan foi pacífica. Em 1º de novembro, o tucano foi ao gabinete do atual prefeito para “ouvir conselhos” e ambos disseram que o clima de tensão da campanha eram águas passadas.

A paz, no entanto, deu lugar à polêmica do IPTU no final de novembro. Como ocorre todos os anos, a Prefeitura anunciou então o calendário de pagamentos antecipado do tributo com desconto. A decisão, porém, foi seguida por um pedido público do prefeito eleito para suspensão do adiantamento, sob a alegação de que a atual gestão estava se apropriando de recursos que não lhe pertenciam.

Inicialmente, Fortunati chegou a acatar o pedido de Marchezan, mas, diante de uma iniciativa da Câmara após pressão de municipários indignados com possibilidade de que a Prefeitura não tivesse condições de arcar com o pagamento do 13º salário, ele decidiu levar adiante o calendário de pagamentos com desconto.

Marchezan reagiu, levando a questão à Justiça, que considerou legal a antecipação, pelo fato de os recursos não pertencerem a uma gestão ou outra, mas à cidade. Em 26 de dezembro, o prefeito eleito tomou outra medida inusitada, oferecendo então desconto maior para quem pagasse o IPTU em janeiro e pedindo que a população não quitasse este débito na atual gestão. Ainda prefeito, Fortunati declarou, no dia 27, que sua decisão era a única que tinha validade legal.

Prefeito eleito da Capital, Nelson Marchezan Jr. visita José Fortunati na prefeitura / paço municipal Foto: Guilherme Santos/Sul21
Transição de Fortunati (dir.) a Marchezan começou pacífica, mas acabou em embate público | Foto: Guilherme Santos/Sul21

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