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14 de janeiro de 2017
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15:34

Depois de 3 anos longe dos filhos, haitiana lança ‘vaquinha’ para trazê-los ao Brasil

Por
Sul 21
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Monette segura a foto dos filhos, um dos últimos momentos que viveu com eles no Haiti, e fala de saudade | Foto: Reprodução/YouTube

Fernanda Canofre

Monette Esperance tinha 24 anos quando soube que havia ficado viúva. No mesmo dia em que seu visto de residência para o Brasil foi aprovado, ela recebeu uma ligação em português. Do outro lado da linha, queriam avisá-la que seu marido, Jean Bermann Jean, havia morrido em um hospital de Manaus. Jean estava há menos de um ano no País quando descobriu um câncer em estágio avançado. Monette planejava deixar o Haiti para ajudá-lo durante seu tratamento. Não deu tempo.

Quatro meses depois de perder o marido, sem dinheiro nem perspectiva de um emprego no Haiti, Monette tomou uma das decisões mais difíceis de sua vida. Deixou com a mãe os três filhos Djodjy, Adjy e Betchnailie – de 6, 5 e 3 anos – e resolveu ela mesma migrar atrás de uma maneira de sustentar a família. Pediu dinheiro emprestado à mãe e à irmã, com a condição de que lhes pagaria assim que chegasse a Caxias do Sul, onde Monette já tinha um conhecido que lhe ajudaria a arrumar emprego. O dia em que embarcou com destino a São Paulo – 3 de julho de 2013 – foi a última vez que viu os filhos.

Agora, passados 3 anos e 6 meses, Monette lançou uma campanha de financiamento coletivo para tentar trazer as crianças para viver com ela em Caxias, na Serra Gaúcha. Do total de R$ 22 mil que ela precisa para as passagens aéreas, até agora conseguiu angariar pouco mais de R$ 5 mil. As doações seguem ainda até o dia 21 de fevereiro, mas Monette diz que já não sabe se o valor será suficiente, com o preço do dólar instável.

Além da saudade, a decisão de trazer as crianças este ano veio por necessidade. A mãe de Monette, que cuidava das crianças até agora, avisou que não poderá mais ficar com elas. Para cuidar dos netos, a mãe dela deixou de trabalhar. Na situação crítica que o país se encontra, porém, ela terá que voltar a buscar emprego. Não há dinheiro para a comida e as crianças ainda não conseguiram frequentar uma escola.  “Se não tem um parente que trabalha no governo, lá é difícil para conseguir (uma vaga)”, conta ela.

Monette também já não consegue mandar dinheiro para casa há algum tempo. Há dois anos, ela está desempregada. Quando chegou ao Brasil, em 2013, logo conseguiu emprego na equipe de limpeza da Randon, empresa de implementos rodoviários, em Caxias. Faltava um mês para que completasse um ano na empresa quando uma prima adoeceu e Monette precisou partir para Macapá, no norte do país, para ajudá-la. Depois de alguns meses no Amapá, de volta para o sul, ela descobriu que estava grávida pela quarta vez e já não conseguiu mais trabalho em lado nenhum.

“Um emprego é difícil para a pessoa conseguir. Eu estava esperando, não sei se por eu ser estrangeira, ele pegou gente na minha frente. Dizia que ia me chamar e não me chamou, mas não sei porque”, relata ela, sobre uma empresa de frigorífico onde já perdeu a conta de quantas vezes tentou uma vaga nos últimos dois anos.

Monette com os filhos Djodjy, Adjy e Betchnailie, no Haiti, pouco tempo antes de ela deixar tudo e vir tentar a sorte no Brasil | Foto: Arquivo Pessoal

Sonho é dar escola e futuro às crianças

O mesmo conhecido que a trouxe para Caxias, deixou o Brasil no ano passado com destino aos Estados Unidos por também não ter nenhuma oportunidade de emprego aqui. “Minha tia tem um ano aqui e não trabalhou nenhum dia ainda. Não conseguiu nada. Tem muito haitiano aqui que está sem trabalhar”, diz ela. Os que não conseguem trabalho, se mantêm com ajuda dos demais haitianos. A tia, por exemplo, está morando com conhecidos em Flores da Cunha.

Já Monette, para sobreviver, começou a revender cosméticos e perfumes. No ano passado, porém, acabou acumulando um calote de R$ 4 mil por vender fiado às vizinhas brasileiras. Por outro lado, conheceu um novo namorado, também haitiano, quem paga hoje o aluguel da casa onde vive com ele e com a filha de um ano e meio, Monalisa. Os gastos da casa custam em torno de R$ 540 por mês.

Mesmo com a vida difícil que tem levado no Brasil, o choro de Monette vem apenas quando pensa nas três crianças que deixou no Haiti. Ela tenta conversar com os filhos todos os dias, por WhatsApp, mas em meio as condições ainda mais duras na ilha, no subúrbio de Croix des Bouquets, a 12 km de distância da capital Porto Príncipe, onde as crianças vivem, nem sempre há luz para carregar a bateria do telefone. Os créditos para comprar poucos minutos de internet também são caros.

“Eles estão crescendo. Minha filha já tem 8 anos, ela cresceu e eu não vi. Eu não conseguia comer, não conseguia dormir pensando sobre eles e o que vai ser”, lembra Monette emocionada. Do outro lado, a 6 mil km de distância, os filhos pedem à mãe para conversar com a irmã que ainda não conhecem. “Eles dizem: mãe, quero falar com a minha irmã. Mas a Monalisa fala português, ela não sabe creole, não consegue conversar com eles”, ri.

Dois dias antes da conversa de Monette com o Sul21, o filho mais velho havia completado 10 anos. “Ele me ligou: mãe, tu não vai me buscar? Eu me sinto muito mal, eu fico emocionada. Ontem mesmo aconteceu uma situação que eu chorei, chorei. É muito complicado”. A situação a que ela se refere foi um golpe que lhe custou R$ 2 mil. Monette confiou em um homem indicado pelo primo para fazer os passaportes dos filhos o mais rápido possível. Nove meses depois, o homem avisou que não seria possível fazer os documentos das crianças, parou de atender o telefone e sumiu com o dinheiro dela.

Se Monette quiser tentar o passaporte das crianças outra vez terá de desembolsar mais R$ 2 mil. Segundo ela, buscar pelos meios tradicionais, pode demorar tempo demais. Um tempo que está ficando cada vez mais difícil para as crianças que estão “passando por dificuldades”. Ela, aqui, planeja poder trazê-los logo e vê-los estudando nas escolas públicas do Brasil.

A vida de Monette já está em Caxias, cidade onde ela sonha em ter sua família reunida de novo e ver os filhos tendo acesso a tudo que foi perdido para gerações no Haiti, desde o terremoto de 2010. “Lá é uma situação bem dura mesmo. Eu pretendo trazer a mãe, mas como ela não trabalha é difícil. Mas se Deus quiser, eu vou trazer. Agora não vai dar o dinheiro”, diz ela com esperança. “Esperance”, afinal, é seu segundo nome.

Para mais informações sobre a campanha que tenta trazer os filhos de Monette Esperance ao Brasil, aqui.


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