Campo teme perder suporte tecnológico para aumento da produção com extinção da Fepagro

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Pesquisadores desenvolveram variedades de feijão que aumentam em 30% a prdutividade|Foto: Fernando Dias/Seapi
Pesquisadores desenvolveram variedades de feijão que aumentaram em 30% a produtividade das lavouras, como em Maquiné, Litoral Norte |Foto: Fernando Dias/Seapi

Jaqueline Silveira

O anúncio de extinção da Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária (Fepagro) pelo governo José Ivo Sartori (PMDB) como uma das medidas do ajuste fiscal teve eco no campo, semeando preocupação entre os produtores rurais. E não é para menos. Hoje, o feijão mais macio e com caldo grosso que chega à mesa dos gaúchos tem uma pitada do trabalho dos pesquisadores da Fepagro. Também as frutas mais saudáveis e saborosas, como abacaxi, uva, maça e pêssego, morango, bergamota, laranja e kiwi, produzidas nos pomares do Rio Grande do Sul têm a mão dos técnicos da fundação. As pesquisas que resultam na maior qualidade dessas sementes e mudas é chamado de melhoramento genético e atualmente é aplicado em diversas culturas, como do milho, sorgo, soja, trigo, forrageiras, além do feijão, da bata-doce e das frutas.

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O melhoramento genético tem reflexos não só na qualidade do que é consumido pela população gaúcha, mas também no aumento da produtividade nas propriedades rurais, que são cerca de 430 mil no Estado. As duas variedades de sementes de feijão desenvolvidas pelos pesquisadores, por exemplo, aumentaram em 30% a sua produtividade. Sem falar que cozinha mais rápido. O produtor Tarcisio Cereta é testemunha dos bons resultados. “A Fepagro chegou na melhor variedade de feijão para colher de colheitadeira, um feijão bom para a panela, de alto rendimento” avaliou  ele, fazendo um apelo pela manutenção da instituição pelo benefício de suas pesquisas aos agricultores.

Já a muda de bata-doce viola desenvolvida em unidades da Fepagro aumentará de 15 para 70 toneladas do produto por hectare. “É bem significativo, o produtor com a mesma área e insumo vai produzir muito mais”, comentou o pesquisador Carlos Oliveira, diretor regional Sul do Conselho Nacional de Sistemas Estaduais de Pesquisa Agropecuária (Consepa), sobre a importância do suporte das pesquisas para o campo.

Esse trabalho, conforme os técnicos da Fepagro, leva alguns anos de pesquisa, uma vez que envolve vários estudos, inclusive, as regiões mais propícias para seu cultivo. No caso da bata-doce viola, foram oito anos de pesquisa. “São coisas para facilitar a vida do agricultor”, resumiu a engenheira agrônoma Sonia Regina de Mello Pereira, pesquisadora do Centro de Pesquisa de Viamão, uma das unidades da Fepagro, sobre as pesquisas de melhoramento genético.

O trabalho da fundação alcança 21 municípios de diferentes regiões do Estado|Foto: Reprodução Fepagro
O trabalho da fundação alcança 21 municípios de diferentes regiões do Estado|Foto: Reprodução Fepagro

Preocupada com o consumo de produtos mais saudáveis, pesquisadores do laboratório de Fitopatologia da Fepagro trabalham, ainda, para diminuir o uso de agrotóxicos e adubos químicos. Isso ocorre por meio do desenvolvimento de produtos biológicos visando o controle “de plantas invasoras, pragas e doenças” em culturas como o tomate, o abacaxi e o feijão. “A ideia é buscar uma produção mais sustentável”, comentou o pesquisador Carlos Oliveira. Atualmente, a fundação tem 18 cadeias produtivas, como de aves, frutas, hortaliça, bovina e apicultura, que contribuem com o trabalho dos agricultores em 21 municípios de atuação da Fepagro em diferentes regiões do Estado.

Diagnósticos laboratoriais

Assim como na produção vegetal, a fundação tem um trabalho fundamental na área animal. São os laboratórios da Fepagro, por exemplo, encarregados da análise laboratorial para conceder o certificado de sanidade animal da carne comercializada no Rio Grande do Sul e também para a exportação. Isso é possível porque os laboratórios são credenciados junto ao Ministério da Agricultura. Se a extinção da Fepagro se confirmar, a instituição de pesquisa agropecuária se reduzirá a um departamento da Secretaria da Agricultura, que não poderá fazer esse trabalho e, como consequência, conceder o certificado de sanidade animal. “A gente não pode fazer laudo sem esse credenciamento. O Rio Grande do Sul ficará sem programa de controle do Ministério da Agricultura”, explicou o diretor regional Sul do Conselho Nacional de Sistemas Estaduais de Pesquisa Agropecuária.

Também é nos laboratórios da Fepagro que são feitos os diagnósticos laboratoriais para verificar os casos de suspeita de raiva tanto animal quanto humana. A fundação ainda tem contribuição importante em relação às vacinas contra febre aftosa enviadas para o rebanho do Rio Grande do Sul. O estoque fica armazenado nas câmaras frias da instituição de pesquisa. Aliás, os pesquisadores trabalham de forma constante nos laboratórios para o desenvolvimento de novas vacinas, bem como de produtos e mecanismos que possam controlar doenças nos animais. Produtor de gado da raça Braford nos campos de Guaíba, Região Metropolitana, e de Caçapava do Sul, na Região Central, Valdo Vieira se beneficia há 15 anos de uma pesquisa desenvolvida pela Fepagro Sanidade Animal para o controle do carrapato em seu rebanho.

Apelo dos beneficiados

Antes de se valer das orientações técnicas dos pesquisadores, o gado do produtor perdia em crescimento e peso, devido ao estresse do manejo sanitário mais seguido – procedimentos de higienização do rebanho para evitar doenças. “Antes, os animais iam mais vezes à mangueira para serem tratados, o que reduzia sua produção. A gente, primeiro, tinha que ver o carrapato, para depois combatê-lo. Agora, com o manejo estratégico, aplicamos o carrapaticida indicado antes da manifestação. E o manejo caiu pela metade”, contou Vieira, que fez um apelo ao governador Sartori para a manutenção da instituição. “Sem a Fepagro, nós não temos apoio para produzir, nós não temos apoio contra o carrapato, nós não temos apoio contra a verminose. Então, nós precisamos da Fepagro viva, por favor!”

O trabalho da Fepagro que reflete na vida dos produtores rurais e consumidores e também impacta na economia do Estado tende a ficar muito limitado se a Assembleia Legislativa aprovar a extinção da instituição estadual de pesquisa agropecuária. O governo pretende eliminar nove fundações sob o argumento do enxugamento da máquina pública e de uma economia para os cofres do Piratini, o que permitiria redirecionar esses recursos para áreas essenciais como saúde, segurança e educação. O governo calcula uma economia de R$ 137, 1 milhões por ano, recurso que seria investido em serviços essenciais, porém só depois de o governo sanar a crise financeira.

Pesquisador da Fepagro Saúde Animal, João Ricardo Martins estuda o controle do carrapato comum dos bovinos|Foto Solange Brum
Pesquisador da Fepagro Saúde Animal, João Ricardo Martins estuda o controle do carrapato comum dos bovinos|Foto Solange Brum

Economia contestada

Com 290 servidores, a ampla maioria pesquisadores, os trabalhadores da Fepagro contestam a economia, já que do orçamento de R$ 20,2 milhões, R$ 16,4 milhões são para o pagamento da folha, e como os funcionários são estáveis permanecerão no quadro do Estado, mantendo também a despesa de pessoal. O restante do orçamento, cerca de R$ 3,8 milhões, é para o custeio das despesas, entre outras, com água, luz, telefone e internet. Diretor-presidente da fundação, Adoralvo Antonio Schio disse que a extinção da Fepagro é uma decisão do Piratini. “A decisão não pertence a meu escalão, é uma decisão de governo, que entendeu que precisa extinguir alguns órgãos”, explicou ele.

Questionado se um departamento na Secretaria da Agricultura teria condições de absorver as atividades da Fepagro e manter o trabalho desenvolvido, Schio afirmou que é preciso aguardar a criação e funcionamento desse órgão. “Tem de ver como o departamento vai funcionar, ninguém tem bola de cristal, mas acredito que manterá os serviços”, comentou o diretor-presidente da Fepagro.

Presidente da Associação dos Servidores da Pesquisa Agropecuária, Nelson Bertoldo enfatizou que vê “com muita tristeza” a proposta de extinção da fundação, a qual  ele acompanhou a inauguração, em 1994, no governo Alceu Collares (PDT), com o fim de dar mais agilidade às atividades de pesquisa agropecuária. Na opinião dele, será um “retrocesso” para um Estado essencialmente agrícola e que o agronegócio representa 40,5% do Produto Interno Bruto do Estado (PIB), a pesquisa agropecuária ser reduzida a um departamento da Secretaria da Agricultura. “O Estado não coloca um centavo em pesquisa, o orçamento é só para pagar a folha e os custos operacionais. Não vamos ter nenhuma economia”, argumentou Bertoldo. Além disso, alertou ele, o Estado irá perder os recursos captados para realização das pesquisas, estimados atualmente em R$ 25,5 milhões, já que a secretaria não é instituição científica, inviabilizando pleitear essas verbas.

Pesquisadores desenvolvem pesquisas com a fruticultura na Serra ||Fernando Dias/Seapi
Trabalhadores desenvolvem pesquisas com a fruticultura na Serra |Fernando Dias/Seapi

Retorno à sociedade

Sem o suporte das pesquisas da Fepagro, conforme o presidente da associação, a cadeia produtiva será prejudicada, bem como a própria economia do Estado. “O RS vai ser o único Estado agrícola que não vai ter unidade de pesquisa estadual”, criticou Bertoldo, destacando que os órgãos de pesquisas no Brasil estão revoltados com a possibilidade de extinção da Fepagro. O lucro da fundação, enfatizou ele, é para “a cadeia produtiva, para a sociedade.” Pelos cálculos dos servidores, a cada R$ 1 de toda a verba aplicada na Fepagro, o retorno à população gaúcha é de R$ 36,03. “Todo o trabalho visa ao desenvolvimento regional. Se você não investir em pesquisa, o PIB vai reduzir. Não vão captar, porque a Secretaria da Agricultura não é instituição científica. Acabou, por exemplo, o melhoramento do feijão”, comentou a pesquisadora Sonia de Mello Pereira.

Além disso, segundo os funcionários, as tecnologias (confira abaixo) e conhecimento gerados pelas pesquisas têm um impacto na economia do Estado de R$ 780 milhões por anos, e de R$ 93 milhões na receita do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). “A gente vai ficar estagnado tecnologicamente”, alertou o pesquisador Carlos Oliveira, sobre as consequências do fim da fundação.

O projeto da extinção da Fepagro pode ser votado a partir da próxima terça-feira (20). Se o fim da fundação se confirmar, o Rio Grande do Sul tende a ficar mais pobre em pesquisa agropecuária e menos competitivo em relação a outros Estados agrícolas quanto ao uso de tecnologias agrícolas.

 

Trabalho da Fepagro

Em pesquisa

ProjetosCoordena mais de 100 projetos nas áreas de produção animal, produção vegetal, recursos naturais renováveis e sanidade mental

Tecnologias geradas (produtos e processos desenvolvidos com pesquisa da Fepagro) – 38

Projetos de pesquisa em desenvolvimento coordenados por pesquisadores da Fepagro – 124

Recursos captados com projetos (Capes, Finep, CNPq) – R$ 9,5 milhões

Em prestação de serviços

Exames na área vegetal –70.727 – receita gerada – R$ 249.472,30

Diagnósticos da área animal – 42.032 – receita gerada – R$ 200.195, 81

 

Movimentação financeira na Fepagro

Orçamento anual – R$ 20,2 milhões

Despesas com folha de pagamento – R$ 16,4 milhões

Custos operacionais (água, luz, telefone, internet, etc.) R$ 3,8 milhões

Receita com a comercialização de resíduos de pesquisa e serviços prestados – R$ 5,7 milhões por ano

Impacto econômico pelas tecnologias e conhecimento gerados – R$ 780 milhões por ano

Arrecadação com ICMS (via produtos agropecuários) – R$ 93 milhões por ano

Receita da captação de recursos – R$ 25,5 milhões

Onde a Fepagro está presente com unidades

Fepagro Sede – Porto Alegre

Fepagro Aquicultura e Pesca – Centro de Pesquisa Herman Kleerekoper – Terra de Areia

Fepagro Campanha – Centro de Pesquisa Iwar Beckman – Hulha Negra

Fepagro Campanha Meridional – Dom Pedrito

Fepagro Cereais – Centro de Pesquisa José Pereira Alvarez – São Borja

Fepagro Florestas – Centro de Pesquisa em Florestas – Santa Maria

Fepagro Forrageiras – Centro de Pesquisa Anacreonte Ávila de Araújo – São Gabriel

Fepagro Fronteira – Centro de Pesquisa da Região da Fronteira Sudoeste – Santana do Livramento

Fepagro Fronteira Oeste – Centro de Pesquisa da Região da Fronteira Oeste – Uruguaiana

Fepagro Litoral Norte – Centro de Pesquisa do Litoral Norte – Maquiné

Fepagro Nordeste – Centro de Pesquisa da Região Nordeste – Vacaria

Fepagro Noroeste – Centro de Pesquisa da Região Noroeste – Santa Rosa

Fepagro Saúde Animal – Instituto de pesquisas veterinárias Desidério Finamor (Ipvdf) – Eldorado do sul

Fepagro Sementes – Centro de Pesquisa de Sementes – Júlio de Castilhos

Fepagro Serra – Centro de Pesquisa Carlos Gayer – Veranópolis

Fepagro Serra do Nordeste – Centro de Pesquisa Celeste Gobbato – Caxias do Sul

Fepagro Serra do Sudeste – Centro de Pesquisa da Região da Serra do Sudeste – Encruzilhada do Sul

Fepagro Sul – Centro de Pesquisa Domingos Petroline – Rio Grande

Fepagro Vale do Taquari – Centro de Pesquisa Emílio Schenk – Taquari

Fepagro Viamão – Centro de Pesquisa de Viamão – Viamão



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