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12 de novembro de 2016
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16:02

Projeto de mineração ameaça uma das últimas áreas preservadas do Pampa, advertem entidades

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Sul 21
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Rincão dos Francos, rio Camaquã, perto de Bagé. Votorantim quer minerar chumbo, zinco e cobre nesta região, considerada uma das sete maravilhas naturais do Rio Grande do Sul. (Foto: União pela Preservação Rio Camaquã-Palmas, Reprodução/Facebook)
Rincão dos Francos, rio Camaquã, perto de Bagé. Votorantim quer minerar chumbo, zinco e cobre nesta região, considerada uma das sete maravilhas naturais do Rio Grande do Sul. (Foto: União pela Preservação Rio Camaquã-Palmas, Reprodução/Facebook)

Marco Weissheimer

A luta contra um projeto de mineração de chumbo, zinco e cobre em Caçapava do Sul, às margens do rio Camaquã e numa das raras áreas ainda preservadas do Bioma Pampa, está mobilizando comunidades de várias cidades da região que questionam os possíveis impactos ambientais e sociais do empreendimento planejado pelas empresas Votorantim Metais e Mineração Iamgold Brasil. No último dia 6 de novembro, mais de 400 pessoas participaram, na localidade de Palmas, de um ato em defesa do rio Camaquã. Organizada pela Frente de Autodefesa do Camaquã, a manifestação contou com a presença de moradores e entidades de várias cidades da região, preocupados com o impacto do projeto, pois a mina, a céu aberto, e os seus rejeitos, ficarão localizados às margens do Camaquã, no limite dos municípios de Bagé e Caçapava do Sul, logo abaixo da nascente do rio.

Na manifestação, foi lançado o Manifesto de Palmas que declara “resistência total e absoluta à instalação de uma mineradora de chumbo, cobre e zinco nas margens do rio Camaquã”. O documento será encaminhado ao governador José Ivo Sartori que, no dia 14 de junho deste ano, recebeu em audiência o diretor-presidente da Votorantim Metais, Tito Martins, que apresentou o “Projeto Caçapava do Sul”, que prevê a implantação de uma mina para a produção de 36 mil toneladas de chumbo contido, 16 mil toneladas de zinco e cinco mil toneladas de cobre contido, por ano. O prefeito de Caçapava do Sul, Otomar Vivian (PP), também participou da audiência e defendeu a proposta da retomada da mineração no Estado, definindo o projeto como “estratégico para o Rio Grande do Sul”.

As empresas garantem que o projeto é sustentável e não oferece nenhum risco para o meio ambiente. Integrante da Frente de Autodefesa do Camaquã, a advogada Ingrid Birnfield observa que a mineração não é uma atividade 100% segura, ainda mais depois do que aconteceu em Mariana, e que o Comitê Gestor do Plano da Bacia do Rio Camaquã apontou a necessidade de se estabelecer áreas de restrição à mineração nesta região.

“Projeto é uma ameaça ao Bioma Pampa”

Mas essa avaliação está longe de ser um consenso na região. Em artigo publicado no jornal “O Minuano”, diz 7 de novembro, o prefeito eleito de Bagé, Divaldo Lara, manifestou-se contra o projeto dizendo que apesar de ser apresentado como um grande investimento estratégico, na verdade, ameaça o Bioma Pampa e, em especial, o rio referência de Palmas. No artigo, Lara assinala ainda que houve um subdimensionamento no relatório de impacto ambiental protocolado em janeiro deste ano na Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam).

No dia 6 de novembro, mais de 400 pessoas participaram, na localidade de Palmas, de um ato em defesa do rio Camaquã. (Foto: Reprodução/Facebook - União Pela Preservação rio Camaquã/Palmas)
No dia 6 de novembro, mais de 400 pessoas participaram, na localidade de Palmas, de um ato em defesa do rio Camaquã. (Foto: Reprodução/Facebook – União Pela Preservação rio Camaquã/Palmas)

Além disso, não teria sido realizado um estudo adequado do impacto do projeto sobre a fauna e a flora da região, que é considerada a região mais preservada do Bioma Pampa. Esses problemas na avaliação do impacto ambiental motivaram uma representação junto ao Ministério Público Federal que acabou determinando a realização de novas audiências públicas nos municípios de Bagé, Pinheiro Machado e Santana de Boa Vista.

Os autores da representação assinalaram que, conforme o próprio EIA/RIMA apresentado na Fepam, Caçapava do Sul é o município que tem a menor porcentagem do seu território (menos de um terço) na Bacia Hidrográfica do Rio Camaquã e está localizado há cerca de 90km do empreendimento. Já o município de Bagé possui mais da metade (50,28%) do seu território na bacia e está localizado a cerca de 800 metros do local onde estão projetadas para ficar as pilhas de rejeitos, que ficariam localizadas próximas ao rio. Do mesmo modo, o município de Pinheiro Machado possui 57,65% do seu território localizado na bacia, sendo o segundo município com maior percentual territorial inserido na bacia do Alto Camaquã.

Além disso, sustentou ainda a representação, a área do empreendimento está situada na cabeceira do rio, um ponto critico no caso de um acidente com eventual contaminação. O documento lembra o acidente ocorrido em 1981, na mesma região, nas instalações da antiga Companhia Riograndense do Cobre, que deixou vestígios até a cidade de Cristal.

“Uma das sete maravilhas naturais do Estado

A representação destaca ainda que a área onde a Votorantim pretende instalar uma mineradora possui dois sítios considerados de alta relevância em termos de patrimônio geológico, que figuram na lista “Sítios Geológicos e Paleontológicos do Brasil” e fazem parte do patrimônio Geológico Brasileiro. Essa mesma área faz parte do polígono Palmas/Bagé-Rincão do Inferno-Santana da Boa Vista, considerada de relevância extremamente alta para o Ministério do Meio Ambiente, que já possui indicação de criação de unidades de conservação. A beleza cênica dessa região já serviu de cenário para vários filmes como “Valsa para Bruno Stein”, “Anahy das Missões”, “Neto perde sua alma” e várias cenas da série “O Tempo e o Vento”.

“Toda a região das Guaritas, onde pretende se instalar o empreendimento, há muitos anos é reconhecida pela Secretaria de Turismo do Estado do Rio Grande do Sul como uma das sete maravilhas naturais do estado, de forma que faz parte do patrimônio cultural e histórico de todos os gaúchos, e não apenas dos cidadãos de Caçapava do Sul”, defendem os autores da representação.

As condições do relevo e do solo acabaram impedindo o avanço da agricultura sobre a região. (Foto: Ricardo Moglia Pedra)
As condições do relevo e do solo acabaram impedindo o avanço da agricultura sobre a região. (Foto: Ricardo Moglia Pedra)

Qual modelo de desenvolvimento?

A polêmica envolvendo o projeto de mineração está ligada também ao debate sobre qual a melhor opção para o desenvolvimento da região. As formações rochosas e a prevalência do chamado “campo sujo”, onde campo e pedras se misturam, fizeram dela a área mais preservada do Bioma Pampa no Rio Grande do Sul. Hoje, no Estado, apenas 3% do Bioma Pampa está em unidades de conservação. As condições do relevo e do solo acabaram impedindo o avanço da agricultura sobre a região, ao contrário do que ocorre em outras regiões do Pampa, que vem sofrendo o avanço de lavouras de soja principalmente. Ao invés dessas lavouras tradicionais, prevaleceu na região uma estratégia de desenvolvimento da pecuária familiar.

A Associação para o Desenvolvimento Sustentável do Alto Camaquã (ADAC), que abrange oito municípios da parte superior da bacia do Rio Camaquã (Lavras do Sul,   Encruzilhada do Sul, Canguçu, Bagé, Caçapava do Sul, Pinheiro Machado, Piratini e Santana da Boa Vista), tem promovido a organização social dos pecuaristas familiares da região em torno da Rede Alto Camaquã Essa rede é formada por 24 associações e opera em defesa de uma estratégia de desenvolvimento que tem na valorização dos recursos locais (naturais e culturais) e na promoção de produtos com as marcas da sustentabilidade e da exclusividade a sua principal estratégia.

Na avaliação das entidades que estão se mobilizando pela defesa do rio Camaquã, os prejuízos que poderão ser causados pela instalação do projeto de mineração, extrapolam a esfera da destruição dos recursos naturais e paisagens, comprometendo também esse modelo de desenvolvimento diferenciado.  Além dos problemas ambientais, uma das principais preocupações dessas entidades é que se repita o panorama registrado a partir de 1996, quando ocorreu o enceramento das atividades da mineração de cobre na região, deixando para trás um passivo de impactos ambientais até hoje presentes, abandono social e declínio econômico individual e coletivo na região.


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