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23 de novembro de 2016
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16:21

Mais de 5 anos após atropelamento coletivo de ciclistas, Ricardo Neis começa a ser julgado

Por
Sul 21
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23/11/2016 - PORTO ALEGRE, RS - Julgamento do Ricardo Neis, na 1ª Vara do Júri da Capital. Foto: Maia Rubim/Sul21
Julgamento do Ricardo Neis, na 1ª Vara do Júri da Capital. Foto: Maia Rubim/Sul21

Fernanda Canofre

Cinco anos e 10 meses depois de ter atropelado 17 pessoas na Cidade Baixa, em Porto Alegre, o bancário Ricardo Neis chegou a júri popular nesta quarta-feira (23). No início da noite de 25 de fevereiro de 2011, 150 pessoas participavam de um passeio convocado pela Massa Crítica, quando Neis jogou o carro sobre os ciclistas. O caso que inicialmente o acusava por 17 tentativas de homicídio foi revertido pela defesa para 11 tentativas e 5 casos de lesão corporal dolosa – quando há intenção por parte do réu.

Neis chegou a ter prisão preventiva decretada poucos dias após o atropelamento coletivo. Um mês depois ele foi liberado para responder ao processo em liberdade. Na mesma época, ele teve a carteira de motorista suspensa e segue até hoje impedido de dirigir. O caso foi passado para o Tribunal do Júri – que julga crimes contra a vida – ainda em 2012.

23/11/2016 - PORTO ALEGRE, RS - Julgamento do Ricardo Neis, na 1ª Vara do Júri da Capital. Foto: Maia Rubim/Sul21
Julgamento do Ricardo Neis, na 1ª Vara do Júri da Capital. Foto: Maia Rubim/Sul21

Eduardo Iglesias foi a primeira testemunha ouvida nesta manhã. No vídeo que mostra o momento do atropelamento em massa, Eduardo é o ciclista que aparece sobre o capô do carro de Neis, sendo carregado por alguns metros. Em depoimento, Eduardo disse que estava atrasado para o encontro e que viu Neis no caminho já “nervoso”. Segundo ele, o bancário estava com a cabeça para fora da janela do carro xingando os ciclistas: “Ele dizia bando de filho da puta, vagabundos, que ele tinha o direito de passar e nós não tínhamos o direito de trancar o trânsito”.

O ciclista disse que comentou com companheiros da Massa Crítica que havia “um cara exaltado lá atrás”, mas que a resistência de alguns motoristas diante da passagem das bicicletas era algo já conhecido por eles. Poucos minutos depois, ele ouviu o “estouro” e se viu em cima do para-brisa do carro. Segundo Eduardo, o tempo em que ficou sobre o capô e antes de perder a consciência, foi o suficiente para ele notar que o motor estava sendo acelerado pelo motorista.

Uma das 11 vítimas listadas nas tentativas de homicídio que podem recair sobre Neis, Eduardo conta que o acidente o deixou com sequelas graves. Ele afirma que depois do atropelamento desenvolveu atrite, passou a sofrer dores crônicas no inverno, foi contaminado por uma bactéria durante o atendimento no hospital, mesmo sua rotina com a bicicleta ficou comprometida – antes ele costumava pedalar 500 km por semana, agora diz que não consegue chegar a 100 km. “Para quem era atleta, hoje estou vivendo como moribundo”, declarou.

A segunda testemunha a falar, Thiago, participava há seis meses da Massa Crítica quando ocorreu o atropelamento. Em seu depoimento, Thiago disse que viu Neis “muito alterado, muito bravo” com os ciclistas desde o início do passeio, no Largo Zumbi dos Palmares. Antes de chegar ao cruzamento das ruas José do Patrocínio e República, onde o fato ocorreu, ele teria testemunhado o motorista encostando o carro contra as rodas de uma bicicleta, o que gerou uma discussão breve entre ele e os ciclistas.

Antes do início da audiência, o promotor Eugênio Paes Amorim falou rapidamente com a imprensa. Amorim ressaltou que foi o réu deu início à “violência” e disse que pretende pedir pena de 25 anos em regime fechado para ele.

Já a defesa, durante os depoimentos, tentou chamar atenção para o fato de que a Massa Crítica não teria autorização de órgãos de trânsito para a mobilização e sobre outros conflitos entre ciclistas participando do movimento e motoristas. Das cinco testemunhas que a defesa pretendia trazer, três desistiram, uma delas era um taxista que teria sido agredido por ciclistas.

Naian Sader/Especial
Protesto em 2011, quando Ricardo Neis foi ouvido | Naian Sader/Especial

Cinco anos depois, situação piorou, segundo vítima 

Durante os depoimentos, Eduardo Iglesias mencionou também como o episódio envolvendo Neis transformou a própria Massa Crítica. O movimento espontâneo, horizontal, que pretendia chamar atenção para a bicicleta como alternativa dentro das cidades, teria passado de 250 para 1.500 participantes logo após o acidente. Segundo ele, isso atraiu pessoas “que não entenderam como funcionava” a Massa.

A imprensa também teria ajudado a inflar a opinião contra os ciclistas. Apesar do caso ter despertado interesse internacional – já que era um ataque inédito contra um movimento que existe em diversos países – um jornal de grande circulação local usou uma foto dos ciclistas erguendo bicicletas sobre as cabeças para dizer que eles estavam ameaçando os carros.

“O justo vai ser o que o juiz decidir. Acho que tem que ser dado um recado para a sociedade. Hoje, o trânsito de Porto Alegre é extremamente feroz, os motoristas têm essa sensação de impunidade. Se o julgamento vier a punir o Ricardo Neis e isso refletir na sociedade, acho que é válido”, diz Eduardo.

Embora os casos de acidentes envolvendo ciclistas tenham caído nos últimos anos, para quem anda nas ruas a situação não parece ter mudado tanto assim.

A rua José do Patrocínio, onde o acidente ocorreu, por exemplo, não possuía ciclovia. O que não mudou em nada a segurança de ciclistas, segundo Eduardo. “[A situação] piorou muito. As ciclovias não resolvem absolutamente nada, porque as ciclovias de Porto Alegre começam em lugar nenhum e dão em lugar nenhum. Elas não servem para mobilidade urbana”, afirmou ele.

Segundo números da EPTC, em 2015, foram 213 acidentes de trânsito envolvendo ciclistas, com três mortes. Em 2011, ano em que Neis atropelou o grupo na Cidade Baixa, foram registrados 254 acidentes, com sete mortes. O número de mortes subiu ainda mais em 2013, chegando a nove. Em 2016, até agora, já são quatro.

O julgamento, que entrou em recesso no fim da manhã e foi retomado no início da tarde, deve se estender ainda por quinta e sexta-feira.

Quatro das cinco testemunhas de defesa foram ouvidas na manhã desta sexta-feira | foto: Ramiro Furquim/Sul21
Foto: Ramiro Furquim/Sul21

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