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9 de novembro de 2016
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10:19

Leandro Karnal fala de literatura e de como ditaduras sempre propuseram reformar o ensino

Por
Sul 21
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08/11/2016 - PORTO ALEGRE, RS - Palestra do historiador Leandro Karnal na Feira do Livro. Foto: Guilherme Santos/Sul21
Palestra do historiador Leandro Karnal na Feira do Livro (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Fernanda Canofre

Leandro Karnal movimentou o maior público da Feira do Livro de Porto Alegre na tarde desta terça-feira (8). O Teatro Carlos Urbim, montado na Avenida Sepúlveda, ficou lotado de pessoas à espera da conversa com o historiador. Nas laterais, mais filas de fãs de Karnal que tentavam um espaço qualquer em busca de uma foto do professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Nascido em São Leopoldo, Leandro Karnal passou de professor a autor de livros que estão nas listas de mais vendidos e fenômeno nas redes sociais. Todas as entrevistas e falas públicas onde participa acabam gerando milhões de visualizações e outros tantos milhares de compartilhamentos. E o público é variado. Na fila de autógrafos da Feira, Dona Leda, de 90 anos, aguardava ansiosa, com três livros dele nas mãos, por uma foto. “Não perco um Café Filosófico com ele e com o outro que eu adoro, o Pondé”, diz ela. “Vejo sempre eles no iPad”.

No começo de sua fala, Karnal lembrou dos tempos de estudante de História na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e da importância que a mesma Feira tinha para ele. “Livros são sempre sementes, sem exceção. Garrafas lançadas ao oceano. Se eu pudesse dar um conselho aos jovens seria: leiam”, disse à plateia.

O segundo conselho veio de uma resposta que tinha dado algumas horas antes, em uma entrevista. Enquanto o jornalista perguntou se Karnal se considerava “guru dos jovens”, o historiador preferiu a contramão: “Não sejam gurus. Não sejam gurus no sentido de autoridade, porque conhecimento não supõe autoridade”.

Durante uma hora de fala, ele lembrou da importância que autores como Cervantes, Shakespeare, Clarice Lispector, Raduan Nassar e Dostoiévski tiveram na sua formação. Karnal foi da sua teoria de como Julieta poderia ter morrido mais velha, com filhos e feliz, depois de passar uma vida organizando chás beneficentes e lendo “uma certa revista semanal”, se não fosse por sua aventura, ao impacto que os três irmãos Karamázov – especialmente o intelectual Ivan e o trecho com a peça “O Grande Inquisidor” – geraram durante suas repetidas leituras.

08/11/2016 - PORTO ALEGRE, RS - Palestra do historiador Leandro Karnal na Feira do Livro. Foto: Guilherme Santos/Sul21
O teatro Carlos Urbim lotou com público para ouvir Karnal (Foto: Guilherme Santos/Sul21)


Hitler, Pinochet, Mussolini e a reforma no ensino

Como alguém que viveu 30 anos dentro de salas de aula, ele também tocou na questão das reformas de ensino propostas pelo governo de Michel Temer (PMDB), mesmo sem citar o nome do atual presidente da República. A plateia, no entanto, entendeu o recado e o interrompeu para gritar: “fora, Temer!”.

Karnal defendeu que, apesar de as pessoas que optam pelos cursos de humanas geralmente serem as únicas que têm de se explicar para a família, que eram essas mesmas áreas que sempre despertam o interesse de regimes autoritários. “Hitler, Pinochet, Mussolini: todos eles sempre tinham proposta de reforma no ensino. Nós não damos importância a essa aéreas tanto quanto os governantes dão. As ditaduras dão uma importância imensa à área de humanas. Talvez a gente possa ver até como uma homenagem”, declarou irônico.

Um de seus vídeos de maior sucesso nas redes sociais é o trecho de uma participação sua no Programa Roda Viva, da TV Cultura, onde fala sobre as propostas de “Escola Sem Partido” que se reproduzem Brasil afora. No vídeo com 2,5 milhões de visualizações, ele diz: “Escola sem partido é uma asneira sem tamanho, é uma bobagem sem tamanho. É coisa de gente que não é formada na área.”

No encontro da Feira do Livro, o historiador voltou a criticar quem levanta a proposta, ainda que sem citá-la nominalmente. “De todos os meus alunos, nenhum terminou o Ensino Médio pensando em sindicato, mas sim num iPhone7”, disse ele. “Nós não temos o poder que acham que temos”.

A grande decepção de Karnal dentro de sala de aula é quando se depara com obstáculos para ensinar aquilo que diz considerar sua grande paixão: tolerância. Para ele, “todo o racista é alguém com limitação intelectual profunda”. Criticando as ondas de manifestações racistas e machistas, as quais tenta derrubar através da educação, confessa que são elas que o fazem esmorecer algumas vezes. “Eu tenho vontade de me aposentar um pouco antes, porque sinto que não fiz nada”.

Sem tempo para entrevistas com a imprensa, a agenda em Porto Alegre foi apertada. Da Feira do Livro, Karnal seguiu direto para um evento na Federasul. Mesmo assim, estendeu um pouco mais o tempo cronometrado que teria para autógrafos e pediu para receber também fãs que não tinham conseguido senhas. Uma delas saiu comemorando a assinatura na folha de rosto e comentando: “Até se ele falasse sobre batatas seria bom”.

08/11/2016 - PORTO ALEGRE, RS - Palestra do historiador Leandro Karnal na Feira do Livro. Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21

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