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14 de outubro de 2016
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23:23

PT-RS quer congresso extraordinário já. ‘Sem mudança, situação fica insustentável’, diz Pont

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Sul 21
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Raul Pont: "É impossível manter o PT sem um novo pacto interno programático e organizativo. Não tem como". (Foto: Guilherme Santos/Sul21)
Raul Pont: “É impossível manter o PT sem um novo pacto interno programático e organizativo. Não tem como”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Marco Weissheimer

O Diretório Estadual do PT do Rio Grande do Sul aprovou, na quinta-feira (13), um manifesto defendendo a convocação imediata de um congresso extraordinário do partido para fazer um balanço da atual conjuntura política, construir uma nova política e uma nova direção em nível nacional. Segundo o presidente estadual do PT, Ary Vanazzi, o partido precisa reafirmar seus compromissos fundantes e trazer de volta as lutas pelas reformas agrária, urbana, tributária e política.

“Não basta trocar os dirigentes, é preciso debater a linha política da direção. Por isto é um erro querer primeiro eleger a direção no PED (Processo de Eleições Diretas) e depois fazer o Congresso. Por isto é um equívoco trocar o debate pelo voto em urna. A realização de mais um PED não é suficiente. Defendemos a renovação da direção em todos os níveis, a começar pela necessária renovação da direção nacional do PT. Mas quem deve decidir como renovar a direção é um Congresso plenipotenciário do Partido”, afirma o manifesto que será lançado oficialmente no dia 27 de outubro, com a presença da militância e de lideranças do partido no Estado.

Em entrevista ao Sul21, Raul Pont fala sobre o sentido e os objetivos dessa decisão do PT gaúcho e destaca que ela é uma das últimas cartadas para se tentar mudar os rumos do partido. “É impossível manter o PT sem um novo pacto interno programático e organizativo. Não tem como. Se a maioria insistir com a postura que está defendendo, o partido vai se fragmentar da pior maneira possível. Se a maioria decidir contra a realização do congresso extraordinário, independentemente da marcação do PED para março ou abril, a ideia do Muda PT é chamar um encontro extraordinário para quem quiser participar e decidir o que vamos fazer”.

Sul21: Qual o significado dessa decisão tomada pelo PT do Rio Grande do Sul em defesa da convocação de um congresso extraordinário do partido?

Raul Pont: A questão mais importante que está se colocando agora é essa disputa em torno da proposta de realização de um congresso extraordinário do partido. A maioria da Executiva é contra a realização desse congresso e propõe a antecipação do PED (Processo de Eleições Diretas) do final de 2017 para a metade do ano, ainda sem data marcada. Essa proposta será apresentada agora na reunião do Diretório Nacional que ocorrerá nos dias 9 e 10 de novembro. As forças que compõem o Muda PT não concordam com isso. Integram o Muda PT, a Mensagem, a Articulação de Esquerda, a Militância Socialista, a Esquerda Popular e Socialista e o Avante. Esses grupos, que têm hoje entre 35% e 40% do Diretório, defendem a convocação de um congresso extraordinário para discutir os rumos do partido. A decisão do diretório estadual do PT gaúcho faz parte desse movimento.

É impossível manter o PT sem um novo pacto interno programático e organizativo. Não tem como. Se a maioria insistir com a postura que está defendendo, o partido vai se fragmentar da pior maneira possível. Vários deputados e prefeitos já fizeram isso na janela de transferência partidária no ano passado. Ocorreram diversas saídas individuais. As pessoas irem saindo individualmente do partido é a pior forma de fragmentação. O mais importante é buscar uma alternativa que possa manter o máximo do partido. Caso não haja realmente acordo, uma eventual saída do partido só poderia ocorrer com uma força suficientemente implantada nacionalmente para não voltarmos à estaca zero e criar um pequeno grupo de propaganda, depois de o partido ter chegado à presidência da República.

"É preciso haver uma repactuação que, entre outras coisas, explique o que aconteceu". (Foto: Guilherme Santos/Sul21)
“É preciso haver uma repactuação que, entre outras coisas, explique o que aconteceu”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Para que ocorra um acordo dentro do partido é preciso haver uma repactuação que, entre outras coisas, explique o que aconteceu. Não tem como não enfrentar os temas da política de alianças, da tese da governabilidade via alianças dentro do Congresso e das assembleias estaduais. Esse problema não é só nacional, repetindo-se também nos estados. Também precisamos discutir os casos dos processados, indiciados, presos e condenados. Mesmo reconhecendo que as situações são diferenciadas e que há uma orquestração muito grande por parte do Judiciário e da mídia para criminalizar a política, os partidos em geral e especialmente o PT, não podemos ficar sem uma definição clara do que aconteceu em cada caso. O partido precisa debater internamente esse tema para deixar claro os casos onde há perseguição política e aqueles que têm algum problema. Para isso, precisamos de informações que o conjunto do partido não tem.

Quando a crítica vem para cima de nós, o alvo não é ao João, ao Pedro ou ao Manoel, mas sim o partido. Isso acaba se transformando em uma situação insustentável. Nós estamos jogando uma das últimas cartadas para tentar recompor uma nova direção no PT. O partido tem uma vida democrática e uma história de convivência interna que é muito forte e importante. Não é por acaso que o PT, apesar de tudo o que sofreu, é o partido que continua sendo a principal referência nas pesquisas de opinião sobre a simpatia partidária do eleitorado. Mesmo agora no patamar mais baixo da sua história, continua acima do PMDB, do PSDB e dos demais partidos. Mas estamos no limite. Se o partido não mudar, a nossa avaliação é que ele não resistirá como conjunto político.

Sul21: Essa reunião do Diretório Nacional será então um marco definidor desse processo?

Raul Pont: Creio que sim. Nós não somos contra o PED, mas esse processo tem problemas desde que nasceu. Um deles é fazer o processo eleitoral sem a realização de um debate programático prévio. As chapas apresentam seus programas, mas o centro do debate acaba sendo o processo eleitoral em si mesmo. Ocorrem alguns debates nas capitais, mas a maioria do partido não participa de uma discussão mais programática. Não tem como separar o processo eleitoral do debate político. Essa é a essência de qualquer partido democrático. Se a maioria decidir contra a realização do congresso extraordinário, independentemente da marcação do PED para março ou abril, a ideia do Muda PT é chamar um encontro extraordinário para quem quiser participar. O objetivo é, à luz desse encontro, ver se temos força, unidade e coesão suficientes para construir outro partido ou promover uma saída organizada do PT buscando a formação de uma frente com outras forças políticas do campo da esquerda. Esse encontro seria realizado independentemente de a direção do partido legitimar ou não.

Sul21: Quando ocorreria esse encontro? Ainda este ano?

Raul Pont: Sim, a ideia é fazer ainda este ano, em dezembro provavelmente. Essa questão é central hoje para o campo da esquerda brasileira. Ou mudamos o PT e recuperamos a capacidade de diálogo com a sociedade, com uma explicação sobre o que aconteceu com começo, meio e fim, ou teremos que buscar outra alternativa. Não se trata apenas de uma questão orgânica, ela é também programática e envolve política de alianças. Nós tivemos uma estratégia definida na origem do partido que foi sendo modificada ao longo do crescimento muito rápido do partido e, principalmente, no processo da primeira eleição do Lula.

Também não há como não reconhecer que, em 2015, houve uma ruptura com o programa partidário. O governo Dilma, no primeiro ano do seu segundo mandato, que acabou interrompido por um golpe, não ouviu o PT, não houve nenhum debate. Desde que começaram a surgir as primeiras notícias, ainda em 2014, de que Henrique Meirelles ou alguém do mercado financeiro poderia voltar para a Fazenda para promover um ajuste fiscal, nós nos posicionamos contra isso dentro do Diretório. Na metade de 2015, a maioria da direção do partido já expressava uma opinião claramente contrária ao que estava acontecendo, sem capacidade de incidência para mudar os rumos do governo. Nós reconhecemos que os governos precisam ter certa autonomia. Mas essa autonomia não pode significar aplicar um programa que é o oposto daquilo que o partido defende. Pode-se entender que a presidenta Dilma fez isso em função de uma pressão muito grande. Mas, por maior que seja o cerco, pior é abandonar as nossas principais bandeiras nesta área.

"Nós estamos jogando uma das últimas cartadas para tentar recompor uma nova direção no PT". (Foto: Guilherme Santos/Sul21)
“Nós estamos jogando uma das últimas cartadas para tentar recompor uma nova direção no PT”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

 Sul21: Na sua avaliação, essa guinada na política econômica também teve impacto no resultado das eleições municipais?

Raul Pont: Todos os balanços que estão circulando dentro do partido colocam, quase que em igualdade de condições, o massacre midiático, a seletividade do Judiciário e o golpe político com a política econômica aplicada em 2015, como razões para a nossa brutal derrota eleitoral. Muitos dizem que essa política econômica teve até um peso maior do que o tema da corrupção porque atingiu diretamente a nossa base social, provocando uma perda de confiança muito grande e fazendo com que ela deixasse de votar ou votasse em outras candidaturas. Pelos números, fica evidente que há uma franja muito grande do nosso eleitor que acabou não votando. A direita não cresceu muito. Ela ganhou as eleições, mas em número de votos praticamente manteve votações anteriores. O que atingiu em cheio o PT foi esse índice de abstenções, votos brancos e nulos, que provocou uma de nossas maiores derrotas da história partidária.

Caímos de 5.500 vereadores para 2.800 no país. No Rio Grande do Sul tínhamos mais de 600 vereadores. Elegemos 475. Tínhamos 72 prefeituras, caímos para 39. Isso que, aqui, tivemos um dos resultados menos ruins, comparando com o que ocorreu em outros estados. Tivemos uma derrota política e eleitoral fragorosa que tem que ser reconhecida. Caso contrário, vamos ficar nos enganando a nós mesmos. Não podemos nos atrapalhar na justificativa disso. Há uma parte das razões da derrota que tem a ver com os erros que cometemos, outra está relacionada com a política de alianças e o modelo de governabilidade que adotamos. O partido enfraqueceu a relação que tinha com os movimentos sociais, sindicatos e organizações de juventude. Isso é mais fácil de recuperar. Os movimentos de rua estão mostrando que há uma juventude muito grande disposta a lutar e que não irá automaticamente para o PT ou para outras forças de esquerda. Para que isso ocorra é preciso ter um partido que tenha organicidade e um projeto de esperança e futuro a apresentar.

Sul21: Na sua opinião, que panorama político se abre no curto prazo a partir do resultado das eleições municipais?

Raul Pont: A criminalização dos partidos e da política teve como uma de suas principais expressões o voto em indivíduos que se apresentaram como sendo desvinculados de partidos. Tivemos um festival de individualidades como o Crivella, no Rio de Janeiro e o Dória em São Paulo, um dândi construído pela grande mídia. Aqui em Porto Alegre, tivemos a figura do Marchezan que passou a campanha inteira dizendo que estava se lixando para o PSDB. Se você liquida os partidos, a política passa a ser obra de individualidades. Isso é uma tragédia para o Brasil e põe em risco a nossa própria experiência democrática. A campanha organizada pela grande mídia cumpriu seu papel: está destruindo os partidos e a democracia. Nós precisamos ter um partido forte para enfrentar esse processo. Precisamos recuperar o PT para essa tarefa ou construir outra coisa. Esse é o grande desafio que temos pela frente.

Sul21: Como está acompanhando o desenrolar da campanha do segundo turno aqui em Porto Alegre?

Raul Pont: Acredito que nossa decisão de não apoiar nenhuma das candidaturas é correta politicamente. Respeitamos as pessoas que pretendem votar em uma delas. A soberania popular escolheu duas candidaturas que representam o mesmo bloco político. Estamos nos dirigindo aquelas que não se sentem contempladas pelas mesmas. As duas candidaturas que sobraram compõem o mesmo campo político que governo o país, o Estado e o município de Porto Alegre. Estão juntas com Sartori e Temer. Nós recusamos essas candidaturas. Isso não é nenhuma afronta à democracia.

 


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