Areazero
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3 de outubro de 2016
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21:13

Com trajetória iniciada na luta estudantil, Melchionna chega ao 3° mandato na Câmara como a mais votada

Por
Luís Gomes
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03/10/2016 - PORTO ALEGRE, RS - Entrevista com Fernanda Melchionna, vereadora mais votada de Porto Alegre. Foto: Maia Rubim/Sul21
Fernanda Melchionna foi a vereadora mais votada em Porto Alegre | Foto: Maia Rubim/Sul21

Luís Eduardo Gomes

Em meio à amarga derrota da esquerda e à vitória da atual gestão nas eleições municipais de Porto Alegre, a oposição ao prefeito José Fortunati terminou o domingo com ao menos um motivo para comemorar: dos 36 vereadores eleitos para a Câmara Municipal, a mais votada foi Fernanda Melchionna, do PSOL. Apesar de ter apenas 32 anos, ela chega ao seu terceiro mandato como uma das principais forças no município na luta contra o elevado preço das tarifas de ônibus e por uma solução digna para as famílias que não têm moradia regularizada.

Natural de Alegrete, Melchionna conta que começou na atividade política em 1997, ainda no Ensino Fundamental, quando participou de passeatas contra as privatizações promovidas pelo governo de Antonio Britto, no Estado, e Fernando Henrique Cardoso, no Brasil. “Ali me despertou a ideia de que a rua precisa ser ocupada e a rua é o espaço das grandes transformações”, diz.

Um segundo marco em sua formação política, segundo ela, foi uma palestra que acompanhou do sociólogo Marcos Rolim sobre desigualdade social e violência. Ficou encantada. Como seu pai tinha participado do PT desde sua fundação, resolveu se filiar ao partido. “Participei do PT em todo o Ensino Médio”, lembra.

Sua afirmação política viria no movimento estudantil universitário ao passar no vestibular para o curso de Biblioteconomia da UFRGS e voltar para Porto Alegre – antes tinha morado na Capital apenas um ano. “Me aproximei das lutas pela universidade pública popular, da luta pela democratização da UFRGS e contra os ataques e tentativas de sucateamento da nossa universidade”, diz Melchionna, que foi coordenadora-geral do DCE da Universidade.

O desencanto com o PT e a aproximação com o PSOL vieram ainda nesse período. “Em 2003, o Lula assumiu a começou a chamar os representantes das elites para compor ministérios, já tinha feito a ‘Carta aos Brasileiros’, o estopim foi a expulsão da Heloísa Helena, Luciana Genro, Babá e João Fontes por serem coerentes e votarem contra da reforma da previdência, que tirava os direitos dos trabalhadores. Eu também decidi me desfiliar, porque, a mesma porta pela qual a Luciana Genro foi expulsa, foi a porta que o PT abriu pro PMDB, PP, pras representações dos partidos tradicionais começarem a governar junto”, diz, acrescentando que, naquele momento, já tinha a ideia da necessidade de participar da formação de uma nova esquerda.

Vereadores Fernanda Melchionna e Pedro Ruas / Divulgação CMPA
Fernanda Melchionna ao lado de Ruas em seu primeiro mandato na Câmara, em 2010 | Foto: Divulgação/CMPA

Após graduar-se em 2006, Melchionna atuou em sua área de formação até ser aprovada em concurso do Banrisul, em 2008. Sua atuação como bancária, porém, foi breve. No mesmo ano foi eleita vereadora de Porto Alegre pela primeira vez, aos 24 anos.

Na ocasião, Fernanda Melchionna fez 2.984 votos, se elegendo na esteira dos 13.569 do correligionário Pedro Ruas, o segundo mais votado na época. Em 2012, quando Ruas foi o mais votado, com 14.610 votos, ela subiu para 7.214. Desta vez, com Ruas eleito deputado estadual em 2014, ela alcançou a votação de 14.630, a maior entre todos os candidatos do município.

A votação de Melchionna é a sexta maior da história da cidade. Em 2000, o atual prefeito José Fortunati, ainda no PT, fez incríveis 39.989 votos. Em 1996, Maria do Rosário (PT) conquistou 20.838 votos. Também em 2000, João Dib (PPB) fez 16.530. Em 2008, Maurício Dziedricki (PTB), que se candidatou a prefeito este ano, fez 15.454 votos. Em 1996, Henrique Fontana fez 14.696 votos.

Para Melchionna, a expressiva votação é um reconhecimento às causas e movimentos que defendeu em seus mandatos anteriores. “Fizemos uma bela campanha, uma campanha militante, uma campanha orgânica, que enfrentou as máquinas eleitorais, enfrentou as campanhas tradicionais dos partidos do regime. Uma campanha corpo a corpo, uma campanha nos bairros e que, ao mesmo tempo, teve reconhecimento do povo das lutas que nós travamos, contra o aumento abusivo das tarifas, a luta contra o privilégio dos políticos, a favor da moradia digna, dos camelôs, dos municipários, da juventude, por mais liberdades democráticas para mulheres, LGBTs, negros e pelos direitos humanos”, afirma. “Ao mesmo tempo, acho que essa concepção do nosso mandato como uma trincheira de resistência, de esperança das lutas sociais, das demandas populares, é o diferencial”.

PSOL aposta na eleição de Luciana Genro como vereadora e na reeleição de Fernanda Melchionna e Pedro Ruas. Foto: Gabrielle Tolotti
Melchionna, Ruas, Luciana Genro e Roberto Robaina antes da campanha de 2012 | Foto: Gabrielle Tolotti

Na oposição durante seus dois mandatos, Melchionna conseguiu ter voz ativa dentro da Câmara. Foi presidente da Comissão de Direitos Humanos da Casa e autora, ao lado de Ruas, do projeto que demarcou 14 ocupações urbanas como Áreas Especiais de Interesse Social (AEIS), cujos terrenos só poderiam ser destinados para a habitação popular. O projeto chegou a ser vetado pelo prefeito Fortunati, mas o veto foi derrubado com o apoio da bancada do PDT, o que motivou o prefeito a pedir licença por um ano do partido.

Curiosamente, as AEIS vieram à tona no último debate eleitoral do primeiro turno por meio do vice-prefeito Sebastião Melo, que o considerou como um exemplo de política de habitação feita pela atual gestão. “Nós organizamos o projeto da AEIS com 14 ocupações, com o Conselho Regional da Moradia Popular, com o IAB (Instituto de Arquitetos do Brasil), fizemos um mutirão. Aprovamos. Eles vetaram. Derrubamos o veto. E ele foi até a Justiça para que o povo não tivesse o direito à moradia digna. Quando ele foi para a TV falar que ia fazer AEIS, eu pensei ‘quanta demagogia’. Uma pena que a gente tenha só 12 segundos para desmascarar esses projetos porque eles conseguem, muitas vezes, o voto do povo mentindo descaradamente, como nesse episódio do debate e em tantos outros. Mas, por outro lado, dá mais força para lutar junto com as ocupações urbanas pelo direito legítimo à moradia num país em que morar ainda não é um direito”, afirma.

Vitória de Fernanda, derrota do PSOL

Quando as primeiras pesquisas de intenção de voto para prefeito foram divulgadas, em agosto, a expectativa era que o PSOL, com a candidatura de Luciana Genro, pudesse chegar à Prefeitura ou ao menos disputar o segundo turno. Esta possibilidade, porém, foi minguando nas últimas semanas e, nas urnas, o partido acabou apenas na quinta colocação.

Para Melchionna, a desidratação da campanha foi uma oportunidade perdida de se discutir outro modelo de cidade. “Nós fizemos, de modéstia parte, um programa que foi muito bem construído, que condensava essas lutas populares, as demandas sociais, com referente na ideia de construir uma prefeitura que pudesse ser um irradiador de uma nova política, mas, ao mesmo tempo, com propostas para melhorar a vida do povo e para combater essa lógica das cidades dos negócios, da cidade da privatização, das empreiteiras, e construir uma cidade para a população, que lute e garanta uma moradia digna, que garanta outros modais de transporte, que combata a máfia do transporte coletivo. Isso não foi possível, mas eu tenho a convicção de que com a ampliação de nossa bancada, ampliamos ela em 50%, vamos fazer dela uma trincheira da oposição e da resistência, qualquer que seja o projeto que ganhe”, avalia.

03/10/2016 - PORTO ALEGRE, RS - Entrevista com Fernanda Melchionna, vereadora mais votada de Porto Alegre. Foto: Maia Rubim/Sul21
Melchionna lamenta a oportunidade perdida para se discutir um modelo alternativo de cidade para Porto Alegre | Foto: Maia Rubim/Sul21

Prometendo votar 50 no segundo turno, e consequentemente anular seu voto, a vereadora avalia que as candidaturas remanescentes, de Sebastião Melo (PMDB) e Nelson Marchezan Jr (PSDB), são agora duas faces da mesma moeda. “Sebastião Melo é a representação política desses 12 anos de governo em Porto Alegre e que tem deixado a cidade cada vez mais abandonada, sucateada, autoritária, menos democrática, e, ao mesmo tempo, temos uma direita reacionária, encabeçada pelo Marchezan, que tenta fazer demagogia dizendo que é oposição, quando na verdade governou junto nesses 12 anos como parte dos partidos da base alugada do Fortunati e do Melo e que são parte da defesa do governo ilegítimo do Temer”, pontua.

Dentro desse quadro, ela afirma que, independente do resultado, será preciso fortalecer a oposição dentro da Câmara de Vereadores e construir o argumento de que é possível ter um modelo de cidade alternativo. “Nós sabemos que esses projetos querem atacar os direitos dos municipários, parcelar salários, querem seguir esse projeto privatista na cidade, seguir governando para a especulação imobiliária e nós vamos estar no carro chefe dessa oposição firme e responsável”, pondera.

Para isso, defende que é preciso construir uma nova esquerda que mostre sua indignação não apenas em momentos de eleição. “Eu acho que a primeira coisa é romper com essa ideia de que política se faz só em eleição. É necessário ganhar a população para a ideia de se enraizar, de se organizar em associação, se organizar em coletivos, de se filiar e ajudar a construir uma nova esquerda, porque os tempos que virão são tempos de resistência”.

Redução da participação feminina

Apesar de Melchionna ter sido a vereadora mais votada, a presença feminina na Câmara irá diminuir a partir de 2017, visto que, em 2012, haviam sido eleitas cinco mulheres e, desta vez, foram apenas quatro. Para a vereadora, isso é um resultado de como o sistema político ainda reproduz o machismo vigente na sociedade brasileira.

“O machismo se reproduz de muitas maneiras: na desigualdade social, na violência contra a mulher e na cultura do estupro, mas também se reproduz nas representações políticas de um regime apodrecido. Os velhos partidos são extremamente caciquistas e têm sempre os homens como protagonistas. Nós temos muito orgulho de termos tido a única candidata mulher, com a força da Luciana, e termos tido a vereadora mais votada. Eu acho que esses dois exemplos fortalecem a luta das mulheres”, afirma.

Por outro lado, ela defende que “não basta ser mulher” para defender uma agenda feminista. Sem citar nomes diretamente, ela lembra que uma vereadora – Mônica Leal (PP) – votou a favor de uma emenda que retirou temas de gênero e sexualidade do Plano Municipal de Educação da Capital, em 2015. “É preciso ser mulher e estar comprometida com as lutas feministas”, diz.

Por outro lado, ela pondera que os movimentos feministas, os quais ela chama de quarta onda da luta feminista no Brasil, foram fundamentais nas mobilizações contra o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB), um notório defensor de pautas machistas, como o projeto que dificulta o acesso ao aborto mesmo em casos de estupro. “É preciso ocupar as ruas. É preciso que a Primavera das Mulheres siga. É necessário seguir lutando e apostando na mobilização como método das grandes transformações”, afirma.

03/10/2016 - PORTO ALEGRE, RS - Entrevista com Fernanda Melchionna, vereadora mais votada de Porto Alegre. Foto: Maia Rubim/Sul21
Melchionna promete fazer um mandato de mais resistência na Câmara | Foto: Maia Rubim/Sul21

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