Luís Eduardo Gomes
O Conselho Universitário (Consun) da UFRGS aprovou nesta sexta-feira (30) o parecer 239/2016, que modifica a resolução 268/2012, sobre o Programa de Ações Afirmativas na universidade. O parecer foi aprovado com uma emenda que não altera o atual percentual de vagas destinadas a alunos cotistas, ponto que causou polêmica e motivou a ocupação da reitoria da instituição por estudantes ligados ao movimento negro.
Após três votações adiadas e mudanças na redação a partir de um acordo firmado entre a reitoria e representantes do movimento Balanta (Nenhum cotista a menos), que organizou a ocupação, o parecer foi aprovado por unanimidade no início da tarde. A decisão foi comemorada pelos alunos, que prontamente iniciaram o processo de desocupação da reitoria, que estava “akilombada” desde o dia 22.
“Em nenhum momento a gente se encontra satisfeito, no sentido de que não era nem para isso estar acontecendo. A gente teve todo um trabalho para ler regimento, para entender de lei, o que tinha que ter sido feito pela reitoria da universidade. A gente sai contente no sentido de que mostramos que, além de sermos pretos, pobres, pardos, indígenas e cotistas sociais dentro da universidade, temos muito entendimento para mexer na administração pública e que nossos direitos a gente não negocia”, afirma Negralisi da Rosa, estudante de Enfermagem.
Originalmente, o parecer 239 previa que, ao se inscreverem para prestar vestibular na UFRGS, candidatos deveriam escolher entre disputar vagas reservadas para cotistas ou de acesso universal. Para o Balanta – termo que significa “aqueles e aquelas que resistem” e é o nome de uma tribo de Guiné Bissau que lutou contra a colonização europeia -, esta mudança reduziria o número de vagas ofertadas a cotistas porque, atualmente, estudantes que têm direito a cotas, ao atingirem notas suficientes para ingressar via acesso universal, acabam abrindo espaço para mais cotistas. Na prática, isso acabaria criando a reserva de vagas para estudantes de escolas particulares.
Representante discente no Consun, Kassiele Nascimento, estudante de Relações Públicas e coordenadora-geral do Diretório Central de Estudantes, salienta que a principal conquista dos estudantes foi a garantia de não retrocesso, mas pondera que agora a universidade precisa avançar em políticas para garantir a permanência de estudantes cotistas.
“A gente sabe que os avanços que estão no parecer são apenas uma parte de toda a questão de concretizar as políticas afirmativas dentro da universidade. Mas o principal é o não retrocesso que estava colocado no parecer”, diz.
Além da manutenção da concomitância na disputa por vagas, o parecer também traz outras mudanças no acesso de cotistas à UFRGS: acaba com as regras que acabavam colocando a grande maioria dos estudantes cotistas para iniciar seus cursos no segundo semestre; garante o direito de estudantes que passaram para o segundo semestre não terem o início no curso remanejado em caso de novos chamamentos; permite que estudantes de escolas públicas de qualquer país disputem vagas reservadas; cria regras de transparência para a divulgação dos aprovados para cotas com o objetivo de evitar fraudes; determina que qualquer revisão na política de cotas da universidade permaneça obrigatoriamente tendo que ser aprovada pelo Consun, e não sendo automaticamente vinculada à lei federal, como já é adotado em algumas universidades federais; e cria uma comissão especial dentro do conselho universitário para, a partir de 2017, debater alterações nas políticas afirmativas com a presença de estudantes.
“Alunos cotistas da UFRGS só entravam no segundo semestre, o que gerava todo um constrangimento, beirando a discriminação. Nos cursos mais elitistas, tem muito disso: ‘Ah, é a turma dos cotistas, não quero dar aula’. Agora, o que está inserido nesse parecer é que os alunos vão entrar nos dois semestres. Outra coisa que causava transtorno é a questão do remanejo: abriu uma vaga em algum semestre e aquele estudante do Sisu, por exemplo, que estava se preparando para vir no segundo semestre, muitas vezes perdia a vaga por conta de não saber ou não conseguir se organizar”, avalia Kassiele.
União do movimento negro na UFRGS
Logo após o anúncio da decisão pelo reitor Rui Vicente Oppermann, que tomou posse ontem, os estudantes começaram a deixar o prédio da reitoria da UFRGS, muitos deles há mais de uma semana dormindo no local. Para Alexandre Cardoso, do Direito, além da vitória na pauta, a ocupação da reitoria deve ser comemorada pela união de diversos movimentos negros – o Balanta foi criado para a mobilização.
“A gente saiu muito fortalecido entre os estudantes negros e negras dessa universidade. Há divergências políticas, mas chegou um momento que a gente parou, pensou e concluiu que temos que estar juntos nessa parada. A partir do momento que a reitoria acha que uma simples revisão não vai ferir substancialmente a política de cotas, eles estão errados. Se mexer na política de cotas, a gente vai estar ainda mais de olho agora”, disse.
Para Negralisi, O movimento negro sai mais fortalecido para participar da luta estudantil. “Saímos de cabeça erguida e retornaremos sempre porque esse é só o início do processo, até porque a reitoria se mostra muito autoritária e não dialoga. Nós vamos estar sempre lembrando que existimos e que queremos dialogar”, afirma.