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19 de julho de 2016
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20:14

Estudantes ainda aguardam reformas, mas comemoram pequenas vitórias após desocupações

Por
Luís Gomes
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19/05/2016 - PORTO ALEGRE, RS - Instituto de Educação General Flores da Cunha ocupado. Foto: Joana Berwanger/Sul21
Instituto de Educação General Flores da Cunha foi um dos colégios ocupados na Capital | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Luís Eduardo Gomes

Foram mais de 30 dias dormindo em salas de aulas, ginásios e salas de professores. Dois acordos diferentes firmados com a Secretaria de Educação (Seduc) e o governo do Estado. Promessas de liberação de milhões para obras. Mas as ocupações mudaram alguma coisa? Passado o primeiro mês da desocupação das escolas, a reportagem do Sul21 voltou a conversar com alguns dos estudantes ouvidos durante a mobilização secundarista que se espalhou por mais de 150 escolas do Estado para saber se alguma mudança concreta já pode ser sentida em suas escolas e como tem sido o convívio com professores e colegas na retomada das aulas.

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O dinheiro para reformas emergenciais, uma das principais pautas dos estudantes, já foi depositado na conta das escolas, mas as reformas ainda não foram feitas. Por outro lado, os relatos dão conta de que há uma maior abertura para a participação dos alunos em sala de aula e de diálogo com professores e direção, outra reivindicação do movimento.

A estudante Nathália Silveira, estudante do 3º ano e uma das participantes da ocupação do Colégio Estadual Protásio Alves, considera que o movimento secundarista foi vitorioso. Ela cita como pontos positivos a chegada de verba de R$ 50 mil para reformas na escola a previsão de que mais recursos cheguem até o final do ano, a não criminalização do movimento e a retirada de tramitação do PL 44, que prevê a possibilidade de cessão da administração de escolas públicas para a organizações sociais (OSs), considerada a terceirização do ensino.

No entanto, pondera que a luta do movimento continua. “A gente não pode esquecer que o governador é o Sartori, que está cortando e vai fazer mais cortes na educação porque não é uma prioridade dele”, diz. “A luta pela educação é todo dia na sala de aula”.

Tobias Camisolão, estudante do 3º ano que participou da ocupação no Instituto de Educação Flores da Cunha, o IE, é outro que avalia o movimento positivamente. “Eu considero que [o movimento] saiu vitorioso. Tanto moral como materialmente”, afirma. O IE recebeu um depósito de R$ 100 mil para reformas emergenciais. A escola, no entanto, se encontra em uma posição diferente da maioria da rede estadual, uma vez que já está passando por uma grande reforma desde 2015.

18/07/2016 - PORTO ALEGRE, RS - Maria, estudante secundarista do Colégio Estadual Paula Soares. Foto: Maia Rubim/Sul21
Maria Saldanha, estudante do Paula Soares, faz o relato do que mudou na escola após as ocupações | Foto: Maia Rubim/Sul21

A mesma quantia foi recebida pelo Colégio Estadual Paula Soares. Para Maria Saldanha, uma das ocupantes da escola, a grande vitória do movimento foi ter conseguido um acordo com o governo e mostrar que a mobilização deles deu resultado. “Ver que a gente tem autonomia para, se ver que algo que não está dando certo, tentar alguma coisa”.

Segundo ela, o movimento de ocupações vai servir de exemplo para as próximas gerações de alunos secundaristas. “A gente vai sair da escola aqui um pouco, mas a nossa luta não vai acabar. A gente está mostrando para a geração que vai vir que é muito importante ter uma voz e que, se algo está errado, é preciso tomar uma atitude para mudar, porque nada vai mudar só parado reclamando”.

Verba chegou, obras ainda não

No dia 16 de maio, a reportagem visitou o Colégio Estadual Paula Soares, vizinho do Palácio Piratini, em Porto Alegre. Em uma visita à escola, foi possível perceber poças da água no chão, rachaduras no piso de algumas salas, ver banheiros interditados e ouvir os relatos de que o corrimão da principal escada da escola dava choque. Em novo contato, ouvimos o relato de que a situação permanece a mesma.

Genecy Segala, diretora do Paula Soares, confirma que foram depositados na conta do colégio R$ 100 mil, mas que a direção ainda aguarda orientação da Seduc sobre o destino de dinheiro. “A gente sabe que essa verba é destinada para obras emergenciais”, afirma. “Estamos contentes com os R$ 100 mil, mas o nosso colégio continua chovendo dentro e dando choque”.

16/05/2016 - PORTO ALEGRE, RS - Colégio Estadual Paula Soares é ocupado. / ocupação / estudantes / Foto: Joana Berwanger/Sul21
Rachaduras no piso foram um dos problemas encontrados no Paula Soares em maio | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Ana Maria de Souza, diretora do Protásio Alves, confirma que o colégio recebeu R$ 50 mil, mas disse que não foi possível notar mais diferenças. “No mais, não mudou nada. A gente continua na mesma, a luta é a mesma”, afirmou. “Alguns professores dizem que estão discutindo mais, falando mais, mas de concreto ainda não vi nada”, pontuou.

Quando o primeiro acordo foi firmado entre estudantes e a Seduc, em 14 de junho, o governo se comprometeu a fazer o repasse de verbas para reformas emergenciais nas escolas – outro acordo foi firmado dias depois com o Comitê de Escolas Independentes (CEI). A Seduc diz que efetuou, no final de junho, o repasse de R$ 40,8 milhões para a conta de 353 estabelecimentos de ensino, um recurso oriundo de empréstimos do Banco Mundial (Bird) e destinado para todas as regiões do Estado seguindo quatro critérios – urgência, escolas de tempo integral, escolas técnicas e escolas agrícolas.

No entanto, salienta que ainda está realizando a capacitação dos 353 diretores dessas instituições sobre como contratar as empresas que irão contratar as obras, uma vez que a pasta deseja agilizar e desburocratizar esse processo. “Este método de descentralização das contratações foi testado, em menor escala, no início de 2016, durante o vendaval que atingiu cerca de 80 escolas da Capital. À época, as direções conseguiram executar as melhorias necessárias para dar início ao ano letivo no período de um mês”, disse a Seduc em nota de resposta aos questionamentos da reportagem.

Genecy, do Paula, diz ainda que os alunos devem participar da tomada de decisão sobre o destino da verba. “Acho que é justo ouvir a gurizada”, pondera, ressaltando ainda que todas as decisões tomadas pela direção passam pela avaliação do conjunto da comunidade.

Foto: Guilherme Santos/Sul21
Estudantes protestam durante ato de secundaristas em 9 de junho | Foto: Guilherme Santos/Sul21

O retorno após a ocupação

Outra das principais queixas dos alunos registradas durante as visitas às escolas era sobre o modelo de educação registrado nas escolas estaduais, que abriria pouco espaço para a participação dos alunos e para o debate de temas que eles consideravam importantes.

“Após a ocupação, parece que a gente está vivendo outro ambiente. Eu me sinto me sinto mais livre. Sinto que estou no meu espaço”, diz Tobias do IE.

Ele diz que essa mudança se vê até mesmo em coisas pequenas. Segundo ele, anteriormente, os alunos tinham o constrangimento de pedir para ir ao banheiro e em alguns casos tinham o pedido negado. “Hoje se tem a ciência de que não precisa pedir para ir no banheiro. Hoje o aluno tem mais liberdade. Nessas pequenas coisas que a gente vai percebendo que valeu a pena”, afirma.

O estudante do IE também afirma que mesmo professores que eram contrários ao movimento de ocupações conversaram abertamente com ele e outros colegas sobre o tema. “Inclusive, alguns deles elogiaram a nossa atitude. Eu fiquei surpreso”, afirmou.

Nathália, do Protásio, concorda que após a ocupação está ocorrendo uma maior abertura para os alunos debaterem política em sala de aula. “Eles se obrigaram a abrir o debate. Não poderiam fechar os olhos para o que estava ocorrendo no Estado. Isso possibilitou um debate muito mais rico em termos políticos do que a gente tinha antes”, afirma.

19/05/2016 - PORTO ALEGRE, RS - Colégio Protásio Alves ocupado. Foto: Joana Berwanger/Sul21
Nathália Silveira participou da ocupação no Protásio Alves | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Ela também salienta que é possível perceber um “despertar” da consciência política também dos alunos que não participaram das ocupações e mesmo naqueles que são contrários ao movimento. “Antes muita gente ficava em cima do muro. Agora todo mundo tem opinião”, diz, acrescentando que acha muito positivo que mesmo os alunos que tem opiniões contrárias estão mais motivados a participar do debate político.

Antes mesmo de desocupar a escola, mas já pensando no retorno, os alunos do Paula Soares promoveram uma mudança na forma com que as salas de aula são organizadas e colocaram cartazes com dizeres como “zona livre de preconceito”. “A forma que a gente tem aula é o que se denomina jesuíta, com as classes separadas, de frente para o quadro e com o professor na frente. A gente queria algo que fosse mais humano. Com rodas, por exemplo, em que todo mundo pode olhar um para o outro e não se sentir como se fosse algo obrigatório de professor superior e aluno como aquele que só tem que ouvir. A gente tem opinião e quer ser ouvido”, afirma. “Alguns professores continuaram, outros não”.

Por outro lado, Genecy, diretora da escola, afirma que foi possível notar uma amadurecimento de parte dos alunos que ocuparam a escola. “Eles olham para a escola de outra forma. O trabalho que se faz aqui, que antes passava batido, da faxineira, da senhora que cuida da porta, agora eles olham e sabem o que acontece”, afirma.

Outro ponto do acordo com a Seduc foi justamente a realização de reuniões periódicas que contassem com a participação dos alunos e nas quais fosse debatido os rumos da educação no Estado, discutidas reivindicações das comunidades escolares e fizesse o acompanhamento da execução das medidas acordadas.

Um grupo composto por secundaristas, instituições de ensino e sociedade civil, que está sendo chamado de Fórum Farol do Futuro, se reuniu pela primeira vez no dia 29 de junho, em encontro que também contou com a participação de representantes do Ministério Público, Defensoria Pública, Procuradoria-Geral do Estado, Conselho Estadual de Educação, Federação das Associações e Círculos de Pais e Mestres, Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente e Movimento de Mães e Pais pela Educação. Ficou decidido que os encontros ocorrerão sempre na última quarta-feira de cada mês.

Sem relatos de perseguição

Uma das maiores preocupações dos estudantes para o pós-ocupação é de que alunos que estiveram no movimento pudessem ser alvo de perseguição por parte de professores, direção e até da Secretária de Educação. A garantia de não criminalização do movimento, inclusive, era uma das exigências deles para firmar o acordo de desocupação com o governo do Estado.

Oficialmente, a Seduz diz que “não faz qualquer distinção entre os alunos que participaram da ocupação e os demais” e que ninguém foi punido administrativamente.

Foto: Evandro Oliveira/Seduc RS
Representantes da Seduc e estudantes de escolas independentes participam de reunião de conciliação no dia 21 de junho | Foto: Evandro Oliveira/Seduc RS

Tobias diz que os estudantes que participaram da ocupação no IE chegaram a criar um grupo com ex-alunos, estudantes universitários, pais e professores para servir de apoio a alunos que pudessem sofrer algum tipo de perseguição e de denunciar casos. “A gente iniciou esse grupo porque tinha receio que os alunos sofressem repressão, para manter o pessoal unido, mas não aconteceu nenhum caso que eu saiba”, diz.

Nathália, do Protásio Alves, salienta que também estava preocupada com a possibilidade de perseguição a alunos, mas que isto não ocorreu ou limitou-se apenas a “piadinhas” de colegas. “Todas as turmas tem alunos contrários a gente e eles fazem piadinhas de vez em quando, dizendo que a ocupação não deu em nada. Mas a gente vai passar nas salas para dizer que não é bem, para abrir esse debate”.

Segundo Maria, não houve punição a alunos que participaram da ocupação, mas salienta que alguns deles foram alvos de piadinha e foram “humilhados” diante dos colegas. “Alguns professores disseram que ele vinham lutar pela educação mas não faziam o papel deles de alunos. Eles sofreram humilhações. Foi bem ruim”, afirma.

A diretora do Paula Soares diz que não há relatos de perseguição ou punição a estudantes. Porém, Genecy afirma que ainda permanece uma certa mágoa de um grupo de pais, que atuou no chamado movimento Desocupa, em relação aos alunos da ocupação. Um dos motivos de ressentimento após o término das ocupações é o fato de que a as aulas precisarão ser estendidas até o dia 12 de janeiro. “Tem um grupo de pais do turno da manhã que s se manifestou muito contrário à ocupação e continua com um sentimento negativo, mas é uma minoria”, aponta.

Ela ressalta que, durante a ocupação, optou por não tomar partido, mas sim deixar o movimento acontecer naturalmente, e que acabou resistindo a pressões para combater o movimento. “Várias vezes eu recebi orientação para chamar a polícia, mas não fiz isso e não faria”.

Para aparar as arestas que restam abertas, Genecy afirma que a direção pretende promover um encontro entre os alunos e a comunidade para que cada lado expresse suas motivações e posicionamentos. “Ninguém vai ficar contra a ocupação porque todos queremos a mesma coisa”, avalia.


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