Últimas Notícias > Geral > Areazero
|
4 de julho de 2016
|
19:34

‘Essa guerra contra as drogas é irracional’, diz secretário de Segurança do Rio de Janeiro

Por
Luís Gomes
[email protected]
04/07/2016 - PORTO ALEGRE, RS - Secretário de Segurança do Estado do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, palestra na reunião do Comitê Permanente de Segurança Metropolitano. Com presenças de Cassio Trogildo, Vantuir Jacini e José Fortunati. Foto: Guilherme Santos/Sul21
Secretário de Segurança do Estado do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, palestra na reunião do Comitê Permanente de Segurança Metropolitano | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Luís Eduardo Gomes

O secretário de Segurança do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, palestrou na manhã desta segunda-feira (4) em encontro do Comitê Permanente de Segurança Metropolitano, mediado pela Câmara de Vereadores. Ele fez um diagnóstico da Segurança no país e de exemplos bem-sucedidos aplicados no Rio de Janeiro que poderiam ser seguidos pelo Rio Grande do Sul. Apesar de não abordar em sua palestra possíveis mudanças na legislação de drogas, após o encontro, afirmou que essa questão também precisa ser discutida. “O combate às drogas, do jeito que ele está sendo feito, não funciona. Isso tem que ser revisto”, disse.

Beltrame salientou, porém, que antes de concluir o debate sobre legalizar ou descriminalizar é preciso criar condições e promover transformações no Estado para que essa mudança dê resultados positivos. “Eu fui a Portugal, ver porque lá liberaram, mas lá eles tem clínicas com o Ministério Público, com juízes, com assistentes sociais, com psicólogos, com policiais, chamam a família, enfim, tem toda uma estrutura por trás dessa liberação. Não é simplesmente um artigo no código que faz com que as coisas aconteçam”, disse. “O que eu vejo é o seguinte: se vai se caminhar para isso aí, ok, mas o Estado precisa se organizar para ver como vai fazer isso. Se vai continuar combatendo, eu também acho que tem que se organizar, porque essa guerra contra as drogas, do jeito que ela está sendo feita, ela é irracional”.

No evento, que teve a presença do prefeito José Fortunati, do secretário de Segurança do RS, Wantuir Jacini (com breve passagem pelo evento), do deputado Maurício Dziedricki, representando a Assembleia Legislativa, de vereadores e de representantes de diversas instituições de segurança, Beltrami foi incentivado a falar de como políticas de Segurança implementadas no Rio de Janeiro e que poderiam servir de exemplo para o Rio Grande do Sul. No entanto, ele salientou que as soluções não passam apenas por uma questão de polícia. “A polícia é parte da solução, não é a solução. A polícia está esgotada”, disse.

04/07/2016 - PORTO ALEGRE, RS - Secretário de Segurança do Estado do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, palestra na reunião do Comitê Permanente de Segurança Metropolitano. Com presenças de Cassio Trogildo, Vantuir Jacini e José Fortunati. Foto: Guilherme Santos/Sul21
Beltrame, que é nascido no RS, toma chimarrão durante o evento | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Ele salientou que iniciativas de sucesso instaladas no Rio de Janeiro, como as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), o Sistema Integrado de Metas (SIM) e o regime adicional de serviço, que permite que policiais de folga possam ser pagos para prestar serviços adicionais para órgãos públicos, são políticas que podem servir de exemplo para o RS, mas salientou que é preciso adequar as políticas à realidade local. “As UPPs podem ter inúmeros problemas, mas aquelas comunidades estão infinitamente melhores”, disse, acrescentando, porém, que era uma medida que precisava ter sido complementada por outras áreas. “A UPP nada mais foi que uma anestesia que se deu num paciente que necessitava de uma cirurgia, mas não aconteceu a cirurgia, que é uma cirurgia de cidadania”.

Respondendo a questionamentos sobre mudanças promovidas por ele na Secretaria de Segurança do Rio, Beltrame destacou a criação de um banco de talentos para buscar profissionais de maior qualidade para atuar na formação das academias de polícia, aumento do foco nas áreas de direitos humanos e ciências sociais no treinamento de novos agentes, o fato de as promoções terem passado a ser exclusivamente meritocráticas e de ter dado mais autonomia para as instituições vinculadas à pasta. Segundo ele, 90% dos recursos repassados pelo governo do Estado à Secretaria são geridos pelas próprias entidades.

Beltrame defendeu que a Segurança seja analisada com um olhar “mais empresarial e menos político”. “A organização e planejamento são chave. No Rio de Janeiro, a Rocinha tem 110 mil habitantes e tem duas ruas, o resto é tudo beco que não passa nem bicicleta. Como patrulhar uma área dessa?”, questionou Beltrame. Segundo ele, soluções para a Segurança passam necessariamente por políticas habitacionais. “Homologaram a desordem e, se tem desordem, tem insegurança”, avaliou.

04/07/2016 - PORTO ALEGRE, RS - Secretário de Segurança do Estado do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, palestra na reunião do Comitê Permanente de Segurança Metropolitano. Com presenças de Cassio Trogildo, Vantuir Jacini e José Fortunati. Foto: Guilherme Santos/Sul21
Palestre de Beltrame foi ouvida por políticos e dezenas de representantes da área de segurança | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Ele afirmou que mesmo em momentos de falta de recursos, como o vivido atualmente pelos governos do RS e do RJ, é preciso tirar o ‘s’ de crise e transformar em ‘crie’. “Conversar, buscar alternativas, parcerias com outras instituições, prefeituras, governo federal, sociedade organizada, bairros. Enfim, fazer uma verdadeira tempestade de ideias para ver o que se consegue efetivamente fazer”, afirmou.

O secretário também defendeu a revisão do regime de progressão de pena, a necessidade de se aumentar a pena para menores infratores e que a polícia precisa de ajuda de outras instituições do Estado.

Beltrame reconheceu que há problemas na atuação das polícias e que elas podem e até devem ser criticadas, mas disse que também é preciso questionar, por exemplo, o papel da assistência social na reinserção. “Alguma coisa está sendo negligenciada no sistema para o bandido retornar ao crime”, disse. “O caso do jovem que matou o médico na Lagoa Rodrigo de Freitas. Prendemos o rapaz em 48 horas. Ele tinha sido preso 16 vezes. Na décima sexta, ele resolveu matar. O que fizeram com ele na quinta, oitava e décima?”.

Ele ainda criticou o fato de que, na Constituição de 1988, o financiamento da Segurança ficou a cargo praticamente apenas da União, diferentemente de Educação e Saúde, que são cofinanciadas pelos governos federal, estadual e municipal, e a burocracia necessária para a compra de equipamentos. Segundo ele, para comprar colete à prova de balas é preciso pedir autorização para o Exército e tem um prazo de, no mínimo, 90 dias. “O bandido vai ali e compra uma Ak-47”, diz. “Temos uma licitação que acha que todo administrador público é bandido e o menor preço é sempre melhor”.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora