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4 de junho de 2016
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12:12

Ocupação do Iphan: ‘Não lutamos por pequenas verbas, mas por cultura no seu sentido amplo’

Por
Sul 21
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Iphan em Porto Alegre está ocupado desde o dia 19 | Foto: Guilherme Santos/Sul21
Iphan em Porto Alegre está ocupado desde o dia 19 | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Débora Fogliatto

Trabalhadores da cultura e apoiadores que ocupam a sede do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) de Porto Alegre receberam, nesta sexta-feira (3), deputados integrantes da Comissão de Cultura da Câmara de Deputados para falar sobre o momento político atual e apresentar suas reivindicações. O prédio está ocupado desde o último dia 19, em uma ação conjunta de setores artísticos de todo o país que ocuparam sedes ligadas ao Ministério da Cultura (MinC) em diversas cidades brasileiras.

As ocupações começaram em protesto contra a extinção do Ministério, além de não reconhecer o governo interino de Michel Temer e exigir a ampliação de políticas culturais. Por isso, mesmo com a notícia de que o MinC voltaria a existir, os manifestantes não têm data para sair do prédio. “Lutamos pelo Fora Temer, para que caia esse governo golpista, que não reconhecemos. E para que não haja nenhuma diminuição das políticas culturais e sociais, queremos avançar em temas muito importantes, como a discussão e as políticas para a arte negra”, afirmou André Jesus, da Tribo de Atuadores Ói Nós Aqui Traveiz.

A ocupação não está focada na questão de verbas e editais para a cultura, mas sim abrange a arte como algo mais amplo, ligado a seu sentido social. “Tem uma questão que temos discutido sobre outras formas de construir relações. Recebemos o apoio da população com a presença física, doação de alimentos, isso vai construindo uma outra forma de pensar e de possibilitar uma outra cultura, não baseada nos princípios monetários e financeiros, mas valorizando outras formas de convívio”, completou Karine Paz, artista cênica.

Deputados foram recebidos por artistas da ocupação | Foto: Guilherme Santos/Sul21
Deputados foram recebidos por artistas da ocupação | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Na ocupação, há cartazes se opondo ao governo Temer e criticando o fato de todos os ministérios serem comandados por homens brancos heterossexuais. “A sociedade educa seus jovens a partir de uma estrutura velha, europeia, que dá uma perspectiva histórica branca, construído pela visão do homem. Isso ficou bem claro com esse ministério composto por homens, brancos, cisgêneros, heterossexuais, fundamentalistas religiosos”, avaliou Karine, que disse ser “seu sonho” que haja uma educação feita através da arte. “Esse é o momento em que podemos plantar essa sementinha, de agentes culturais começarem a entrar nas escolas e conversar com esses jovens que estão sedentos por conhecimento. Eles estão cansados desse modelo de educação que não se sustenta mais”, apontou.

Nesse sentido, a bailarina Gabriela Maia destaca os cortes no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), que já afetam a área artística. “O PIBID das artes era uma forma de a universidade provocar seus alunos, que são futuros professores, a compartilharem e provocarem estruturalmente a instituição de ensino. E foi o primeiro a ser cortado”, lamentou.

Diálogo com deputados 

A Comissão de Cultura, presidida pelo deputado Chico D’Ângelo (PT-RJ), tornou-se uma “trincheira de resistência” dentro da Câmara, segundo os parlamentares. O presidente esteve na ocupação do Iphan em Porto Alegre acompanhado pelos companheiros de partido gaúchos Maria do Rosário e Henrique Fontana, que também integram a comissão. “Acho que o governo do golpe extinguiu o MinC muito pelo papel que vocês estão tendo na resistência democrática. Após a audiência pública e as mobilizações, ele recuou e manteve o MinC”, lembrou D’Ângelo.

Uma das questões levantadas, especialmente por funcionários do Iphan, foi a criação da Secretaria Nacional do Patrimônio Histórico e Artístico, a qual temem que retire atribuições do Instituto. “Não sabemos qual a intenção da criação dessa Secretaria. Deve haver alguma intenção, existem boatos de que seja para passar por cima da questão do licenciamento que é atribuição do Iphan”, disse o superintendente do órgão em Porto Alegre, Eduardo Hahn.

Henrique Fontana, Chico D'Ângelo e Maria do Rosário dialogaram com ocupantes | Foto: Guilherme Santos/Sul21
Henrique Fontana, Chico D’Ângelo e Maria do Rosário dialogaram com ocupantes | Foto: Guilherme Santos/Sul21

O cineasta Otto Guerra, que trabalha com animação, destacou o crescimento na produção cinematográfica do país, que teve um desenho indicado ao Oscar neste ano. Diversos participantes do diálogo reiteraram que não pretendem conversar com o novo ministro da Cultura e que não reconhecem o governo interino. A atriz Núbia Quintana mencionou que o movimento é “contra a velha e rançosa política tradicional”. “Não estamos lutando por pequenas verbas, mas por cultura em um sentido mais amplo”, acrescentou.

O artista plástico e curador Gaudêncio Fidélis destacou que está acontecendo uma “desqualificação da classe artística”. “Nunca pensei que veríamos o Chico Buarque, com todo o legado que construiu para o Brasil, ser atacado da forma como foi. Se está havendo ataques a pessoas como ele, imagina o que sobra para a cultura indígena, para a cultura LGBT, de outros grupos marginalizados?”, questionou. O estudante Frederico, que participa da ocupação do Instituto de Educação, apontou que é preciso avançar, e não apenas se preocupar com retrocessos, e afirmou que o “modo de ensino atual é muito autoritário”.

A deputada Maria do Rosário destacou que o Congresso se transformou em um local em que “não há espaço para ideias fluírem”, lembrando que não há representatividade de indígenas e pouquíssima de negros e mulheres. Ela destacou a retirada das discussões de gênero do Plano Nacional de Educação e o projeto de lei 5069, que exige que as mulheres “comprovem” terem sido estupradas para ter acesso ao aborto e direitos sexuais. “Estamos vivendo vários golpes ao mesmo tempo. É uma série de projetos e movimentos retrógrados, e na Comissão conseguimos preservar um espaço para refletir sobre a nossa insatisfação”, afirmou.

Ela também falou do fato de leis estarem sendo aprovadas baseadas em princípios religiosos e, concordando com Fidélis, disse que há “uma campanha difamatória contra artistas e a intelectualidade brasileira”. “A cultura vai além das artes, é a formação de um povo que convive. E esse governo não representa esse povo”, colocou.

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Ocupação pretende se manter por tempo indeterminado | Foto: Guilherme Santos/Sul21
Ocupação pretende se manter por tempo indeterminado | Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21
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