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25 de abril de 2016
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18:35

‘Nossa luta é por dignidade’, diz presidente de Federação em evento sobre trabalhadoras domésticas

Por
Sul 21
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Foto: Joana Berwanger/Sul21
Creuza criticou patrões que não querem pagar FGTS e horas-extras às trabalhadoras | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Débora Fogliatto

Embora seja uma das profissões mais antigas do país — considerada herança do período escravocrata — o trabalho doméstico só começou a ser regulamentado em 2015. As trabalhadoras, em sua grande maioria mulheres negras, tinham direito à carteira assinada desde os anos 1970, mas apenas em 2013 foi aprovada a proposta de emenda constitucional (PEC) que determinou que elas começariam a receber horas extras, adicional noturno e FGTS. No entanto, na prática, isso só foi regulamentado dois anos depois. Para debater a situação dessas mulheres e as necessidades que a categoria ainda enfrenta, o Ministério do Trabalho realizou nesta segunda-feira (25) o seminário “Os direitos das Trabalhadoras Domésticas: Avanços e Desafios”, no auditório do Ministério da Fazenda em Porto Alegre.

O evento teve como palestrantes o ministro do Trabalho e Previdência Social, Miguel Rossetto, a Presidenta da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas, Creuza Oliveira, e o presidente da Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados), Marcos Mazoni. O seminário foi o primeiro de uma série que irá percorrer todas as regiões brasileiras para debater o assunto, em razão do Dia do Trabalhador Doméstico, comemorado nesta quarta-feira (27).

Baiana, Creuza nasceu no interior, onde viveu até ter pouco menos de 10 anos, quando foi para Salvador morar com uma família que prometeu que iria “criá-la”. Na realidade, a menina parou de ir à escola e ficou morando na casa dos patrões, trabalhando como doméstica desde criança. Só conseguiu completar sua alfabetização aos 16 anos. Como ela, muitas outras crianças e adolescentes eram levadas para trabalhar ainda menores de idade, por patrões que consideravam que assim conseguiriam “moldá-las”. Apenas em 2008, após reivindicações da categoria, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou um decreto classificando o trabalho doméstico infantil como parte da lista de Piores Formas de Trabalho Infantil. Depois disso, passaram-se cinco anos até se concretizar a PEC que regularizou a profissão.

 Foto: Joana Berwanger/Sul21
Seminário irá percorrer todas as regiões do Brasil | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Creuza estima que, das mais de 8 milhões de trabalhadoras domésticas existentes no Brasil, apenas 1 milhão estão cadastradas e regularizadas. Ela percebe essa defasagem como uma resistência por parte de certos patrões. “Tem empregadores que dizem que é muito caro. Olha, para quem recebe um salário mínimo, o FGTS é R$ 72, é 8% do salário. Não é nada absurdo. Algumas profissionais estão sendo demitidas, e isso parece ser uma espécie de punição pelos direitos alcançados. Porque a sociedade sempre viu o trabalhador doméstico dentro da lógica da Casa Grande e Senzala, isso é pensamento da época da escravidão”, afirma, acrescentando que espera que com o tempo, a aceitação cresça e a regulamentação seja generalizada.

A categoria é majoritariamente formada por mulheres negras, conforme aponta Creuza, as quais muitas vezes são chefes de família, por isso as trabalhadoras também lutam por creches públicas e escolas em tempo integral. “Nossa luta é por dignidade. Essas mulheres saem para cuidar dos filhos dos patrões e deixam seus próprios filhos sozinhos em casa. É uma pessoa que está dando condições de o patrão trabalhar, uma profissão que tem um valor social muito grande”, destaca. A luta das trabalhadoras começou ainda na década de 1930, mas as conquistas demoraram a chegar, relatou ela.

Atualmente, elas reivindicam que o Brasil assine a Convenção 189 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que estabelece uma série de recomendações a serem cumpridas por quem emprega trabalhadores domésticos. “É uma categoria que trabalha no âmbito privado, que ninguém ouve o que acontece, ninguém vê os assédios morais e sexuais, as violências, a exploração, as acusações falsas. Porque se some alguma coisa da casa do patrão, a primeira a ser acusada é a doméstica”, destaca Creuza.

Nesse sentido, o ministro Miguel Rossetto anunciou que a presidenta Dilma Rousseff ratificou a Convenção e a enviou para aprovação no Congresso na semana passada. “É importante deixar no passado essa relação que não era vista como trabalho pela cultura patriarcal e racista. Direitos estão sendo conquistados e é por isso que existe tanta resistência por parte da elite branca”, apontou.

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Rossetto apresentou dados e relatou que Dilma assinou convenção da OIT | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Segundo ele, até 30% da categoria já está formalizada ou em processo de formalização para conseguir obter todos os direitos. “Quando não é formalizado, as trabalhadoras ganham cerca de 80% do valor do salário mínimo. Mas quando acontece a formalização, a média é de 120% do salário mínimo, ou seja, a partir da regulamentação, temos mais direitos e maior renda”, informou o ministro. Ele lembrou das diferenças de renda entre mulheres e homens, destacando as mulheres negras, que são maioria no emprego doméstico. “As mulheres negras recebem, em média, 40% do que recebem os homens brancos”, afirmou.

Buscando não entrar em detalhes sobre o momento político atual, Creuza apenas lembrou que as conquistas da categoria são devidas também aos governos do PT nos últimos anos. “Ainda não perdi a esperança de nossa presidenta continuar governando nosso país. Temos uma tradição de ser uma sociedade racista, machista, homofóbica, e temos medo de retrocessos”, afirmou.

Região Metropolitana de Porto Alegre

Segundo dados divulgados nesta segunda-feira (25) pela Federação Estadual de Economia (FEE) e pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos), houve um aumento do emprego doméstico com carteira assinada em Porto Alegre e Região Metropolitana no ano de 2015. Há um total de 88 mil trabalhadores com ou sem carteira assinada, dos quais 96% são mulheres. Destas, a grande maioria são negras, representando 79,2% do total da categoria na região.

Além disso, chama atenção também a idade das domésticas: 77,2% têm 40 anos ou mais, o que é reflexo do decreto que proíbe o trabalho infantil e do fato de, na maioria dos casos, elas permaneceram no emprego por muitos anos. Em 2015 houve um aumento de mais 2 mil vagas ocupadas na comparação com 2014, o qual interrompe uma tendência de declínio observada desde 2008.

Foto: FEE/ Reprodução
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