Últimas Notícias > Geral > Areazero
|
13 de abril de 2016
|
18:08

‘Não existe veneno que não seja tóxico e não existe dose que não faça mal’

Por
Luís Gomes
[email protected]
13/04/2016 - PORTO ALEGRE, RS - Aula Pública "Alimentação saudável e a saúde humana: os efeitos dos agrotóxicos e dos transgênicos", com Maria Guazeli e o deputado estadual Edegar Pretto, na Praça da Matriz. Foto: Joana Berwanger/Sul21
Deputado Edegar Pretto participou da aula pública “Alimentação saudável e a saúde humana: os efeitos dos agrotóxicos e dos transgênicos” | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Luís Eduardo Gomes

Em mais uma da série de aulas públicas que estão sendo realizadas ao longo desta semana no Acampamento da Legalidade, na Praça da Matriz, o deputado Edegar Pretto (PT) e a engenheira agrônoma Maria José Guazzelli debateram, na manhã desta quarta-feira (13), os efeitos dos agrotóxicos na alimentação. Sob o título “Alimentação saudável e a saúde humana: os efeitos dos agrotóxicos e dos transgênicos”, a aula foi acompanhada por uma plateia formada principalmente por militantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) que estão acampados na praça e são adeptos da agroecologia, modo de produção que não utiliza agrotóxicos e venenos químicos.

Leia mais:
Para MST, arroz sem agrotóxicos e transgênicos indica caminho para novo modo de produção
AL debate agrotóxicos: ‘não é justo propagar o câncer em nome do lucro de meia dúzia’
Entidades criticam liberação de agrotóxicos em audiência pública na Assembleia Legislativa

A primeira a falar foi a engenheira agrônoma Maria Guazzelli, que participou ativamente da elaboração da Lei de Agrotóxicos do RS na década de 1980 e é autora de diversos livros que abordam os efeitos nocivos da utilização do componente e alternativas a ele. Ela lembrou que, no Brasil, existe um lobby pesado na defesa da utilização dos agrotóxicos que encontra respaldo na chamada bancada ruralista. Um dos benefícios concedidos é a redução de impostos. “Os agrotóxicos praticamente não pagam impostos no Brasil”, explicou.

13/04/2016 - PORTO ALEGRE, RS - Aula Pública "Alimentação saudável e a saúde humana: os efeitos dos agrotóxicos e dos transgênicos", com Maria Guazeli e o deputado estadual Edegar Pretto, na Praça da Matriz. Foto: Joana Berwanger/Sul21
Maria José Guazzelli abriu a aula pública na Praça da Matriz | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Além das vantagens já concedidas às fabricantes de agrotóxicos e à produção que utiliza produtos químicos, Guazzelli salientou que a bancada ruralista na Câmara Federal quer aprovar leis que sejam ainda mais benéficas para o setor. Como, por exemplo, o fim da identificação nos rótulos de produtos transgênicos – projeto do deputado Luis Carlos Heinze (PP-RS) -, um projeto que mudaria a denominação dos agrotóxicos para “produtos fitosanitários” na legislação brasileira, que já foi arquivado, e outro que libera o comércio das sementes Terminator, que são propositalmente estéreis para não poderem ser replantadas – de autoria do deputado Alceu Moreira (PMDB-RS).

O deputado estadual Edegar Pretto, que lidera na Assembleia a Frente Parlamentar em Defesa da Alimentação Saudável, fez uma palestra sobre os três projetos encaminhados pelo seu mandato e pela frente que tentam barrar ou diminuir a utilização dos agrotóxicos nas lavouras gaúchas.

O primeiro deles diz respeito à proibição do 2,4-D, que é um agrotóxico feito a partir do ácido diclorofenoxiacético, o mesmo componente do Agente Laranja, que foi utilizado como arma química na Guerra do Vietnã e atualmente é liberado no Brasil.

“Não tem como praticar a agroecologia em uma região onde tem um produtor ou um fazendeiro que pulveriza com esse veneno, porque, dependendo do vento, ele leva o 2,4-D por 3, 4 km. Ele é tão forte, os malefícios são tão graves que ele mata parreira, bergamoteira, principalmente as folhas largas, ele destrói. Mata abelhas, por isso que tem essa mortandade de abelhas e está cada vez mais difícil de ter um mel puro”, afirmou.

O segundo projeto visa obrigar a indústria a colocar no rótulo dos produtos informações sobre os agrotóxicos que foram utilizados na produção. “É levar informação para os consumidores para que eles saibam se aquele quilo de arroz que ele está comprando no supermercado teve agrotóxico ou químico, que seja colocada pela indústria essa informação na rotulagem”, explicou Pretto.

O terceiro defende a proibição da pulverização aérea. Segundo o deputados, apenas 30% dos produtos despejados em ações de pulverização aérea atingem o alvo, enquanto os outros 70% são espalhados pelo vento para outros locais.

13/04/2016 - PORTO ALEGRE, RS - Aula Pública "Alimentação saudável e a saúde humana: os efeitos dos agrotóxicos e dos transgênicos", com Maria Guazeli e o deputado estadual Edegar Pretto, na Praça da Matriz. Foto: Joana Berwanger/Sul21
Plateia foi formada quase inteiramente por representantes do MST acampados na Praça | Foto: Joana Berwanger/Sul21

“Os dados nos indicam que a grande maioria do veneno jogado não alcança o alvo. No caso do Rio Gravataí, além de secar a mata ciliar na beira do rio, envenenou o rio, matou peixes. As pessoas não podem aceitar isso como algo natural. Envenenar o rio envenena a mata, a água, em nome do lucro de alguns”, disse.

No entanto, ele reconhece que todos os projetos vão enfrentar forte resistência na Assembleia. “Imagina o que significa você tirar a possibilidade de os grandes latifundiários a pulverização aérea. Mexe diretamente com o lucro deles”, ponderou. “Têm deputados que me contaram que foram procurados por sindicatos dos aviadores agrícolas que teve aqui na AL, visitando quase todos os deputados da CCJ, dizendo que o nosso projeto é um absurdo e que vai mexer com a economia do RS, quando nós sabemos que vai mexer no lucro ou diminuir o lucro de alguns. Tem outras formas de produzir em escala, produzir bem, de maneira que respeite a natureza e, principalmente, a vida humana”.

Em sua fala, Guazzelli também fez a defesa da viabilidade da agroecologia. “Há alguns anos, se dizia que a agroecologia não era sustentável, mas hoje sabemos que isso não é verdade. Se a planta for bem alimentada, for sadia, elas vão ser resistentes a pragas”, disse.

13/04/2016 - PORTO ALEGRE, RS - Aula Pública "Alimentação saudável e a saúde humana: os efeitos dos agrotóxicos e dos transgênicos", com Maria Guazeli e o deputado estadual Edegar Pretto, na Praça da Matriz. Foto: Joana Berwanger/Sul21
A engenheira fez um alerta sobre a dificuldade de se combater os efeitos dos agrotóxicos no organismo | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Doenças causadas pelos agrotóxicos

Outro tema discutido na aula pública foi o efeito dos defensivos químicos na saúde. Guazzelli também fez um alerta sobre as doenças causadas pela utilização de agrotóxicos. “Todos vocês conhecem alguém na família que já teve problemas por contaminação por venenos e agrotóxicos. Estamos vendo muitos casais jovens que não conseguem ter filhos porque se tornam estéreis por causa dos agrotóxicos. Muitas doenças causadas por alterações na tireoide, como a depressão”, afirmou.

E alertou que, apesar de causarem diversos prejuízos ao organismo, há pouca pesquisa científica ligando agrotóxicos a doenças específicas. “Os médicos têm pouquíssima informação sobre os efeitos que os agrotóxicos fazem na saúde e não conseguem fazer diagnósticos adequados. Enchem os pacientes de remédios e não atacam as causas, os agrotóxicos”.

Edegar Pretto citou um estudo do Instituto Nacional de Câncer (Inca) que afirma que o aumento dos casos de câncer no Brasil está ligado à utilização dos agrotóxicos. “Doenças que eram raras já não são mais raras”.

Segundo o Inca, o cidadão brasileiro consome, em média, 7,5 litros de veneno por ano em consequência da utilização de agrotóxicos. No Rio Grande do Sul, este nível é ainda mais elevado, chegando a 8,3 litros. Na região noroeste do Estado, é ainda pior, superando os 16 litros por ano.

Ao final de sua aula, Maria Guazzelli deixou um alerta. “Não existe veneno que não seja tóxico e não existe dose que não faça mal. Todo agrotóxico é veneno”.

13/04/2016 - PORTO ALEGRE, RS - Aula Pública "Alimentação saudável e a saúde humana: os efeitos dos agrotóxicos e dos transgênicos", com Maria Guazeli e o deputado estadual Edegar Pretto, na Praça da Matriz. Foto: Joana Berwanger/Sul21
Deputado Edegar Pretto lidera frente parlamentar que tenta limitar utilização de agrotóxicos nas lavouras gaúchas | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora