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21 de abril de 2016
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12:16

Movimento de boicote a Israel busca se fortalecer e unificar lutas na América Latina

Por
Sul 21
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 Foto: Guilherme Santos/Sul21
Ativistas falaram em atividade na UFRGS nesta quarta-feira | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Débora Fogliatto

A luta por auto-determinação, igualdade de direitos e contra a discriminação por parte do povo palestino existe há pelo menos cinco décadas, desde 1967, quando a ocupação israelense em territórios da Cisjordânia e da Faixa de Gaza foi iniciada. Mas há onze anos, um novo movimento global propõe uma forma de tentar mudar esta realidade a partir de boicote, desinvestimentos e sanções (BDS), baseando-se na experiência que derrubou o apartheid racial da África do Sul. Apontando as semelhanças entre estas duas situações e buscando articular o crescimento do BDS na América Latina, ativistas da Palestina e da África do Sul estiveram em Porto Alegre nesta quarta-feira (20), quando participaram de palestras na PUC-RS e na UFRGS.

A comissão do Comitê Nacional Palestino do Movimento BDS, acompanhada de uma porta-voz sul-africana do movimento, viajou por São Paulo, Buenos Aires, Santiago e Montevidéu antes de chegar à capital gaúcha, buscando focar sua estratégia na América Latina. “Já temos grande coalizão de movimentos sociais e organizações na Europa e nos Estados Unidos, e é isso que estamos tentando construir aqui. Consideramos a América Latina como aliados históricos, porque são povos que sofreram com ditaduras, colonialismo, sentimos que temos lutas parecidas”, avalia o coordenador-geral do Comitê, Mahmoud Nawajaa.

Ele, que mora na Cisjordânia, relatou como é a vida sob a ocupação israelense. “É um regime de apartheid e ocupação, há um muro de separação, com as colônias ilegais, estradas que não podemos usar. A juventude palestina está sendo morta e violentada nos checkpoints (barreiras controladas pelos israelenses pelas quais palestinos precisam passar para se locomover dentro do território)”, define ele, acrescentando que há mais de 7.500 prisioneiros políticos, dos quais seis são integrantes do Parlamento Palestino. “Além do confisco de terras, limpeza étnica, colônias construídas apenas para judeus. É pior do que isso ainda, não tem como resumir. Muitas crianças têm que pegar ônibus e passar por dois checkpoints apenas para chegar à escola, levam o dia inteiro entre ir e voltar”, lamenta.

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Mahmoud relatou como é a vida na Cisjordânia, onde vive, e em Gaza | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Na Faixa de Gaza, a situação é ainda pior. Identificada por Israel como local de onde partiam ataques terroristas, o território está sob cerco há dez anos, desde que o Hamas, considerado uma organização terrorista, foi eleito por voto popular para governar o local. “As pessoas lá não conseguem tratamento médico, não podem sair, não têm permissão para ter uma educação decente. Muitos palestinos deixam de estudar por causa disso. Eles não têm acesso à eletricidade, água encanada. E não se pode ir da Cisjordânia para Gaza, precisa de uma permissão especial para ir para Gaza, a qual não é fornecida para palestinos”, conta Mahmoud.

Ele aponta que as negociações de paz entre os governos israelense e palestino falharam, e dentre os cidadãos israelenses, pensamentos segregadores têm ganhado espaço. Por outro lado, o BDS é um instrumento bastante efetivo, na opinião dele, por funcionar de forma a isolar Israel tanto retirando investimentos de empresas quanto de modo acadêmico e cultural. “Israel e suas instituições mantêm o apartheid, mas o BDS é eficiente porque consegue prejudicar a economia israelense. Segundo a Organização das Nações Unidas, irá afetar a economia pelos próximos dez anos em cerca de 1% a 2% da receita total, ou seja, bilhões de dólares. A empresa Caterpillar, que constrói assentamentos em terras palestinas, também está sofrendo com a tirada de investimentos”, afirma.

Ele explica que o BDS é um movimento de direitos humanos, que trabalha de forma pacífica a partir de três objetivos: acabar com a ocupação israelense, com o regime de apartheid e com a discriminação, e dar o direito de retorno aos palestinos refugiados , o que já foi inclusive determinado pela ONU. A possível solução de um ou dois estados não é pauta do movimento, de acordo com Mahmoud. “Os nossos direitos são o requisito mínimo para qualquer solução política. As pessoas precisam ter seus direitos, o povo palestino deve ter o direito de auto-determinação para a solução”, apontou.

Ligação com a África do Sul 

Durante o regime de apartheid sul-africano, um dos maiores “amigos” do governo do país era justamente Israel, segundo Kwara Kekana, porta-voz nacional do movimento BDS África do Sul. “Nem todo mundo sabe disso, mas Israel fornecia armas, promovia treinamento militar para os soldados da defesa nacional, o que reforçava o apartheid. Algumas das legislações israelenses atualmente são baseadas nas da África do Sul, como a segregação e a prisão sem julgamento, chamada ‘detenção administrativa'”, relata ela.

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Kwara apontou semelhanças entre apartheid israelense e sul-africano | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Enquanto em seu país havia ônibus só para pessoas brancas e locais onde só eles podiam entrar, o mesmo se aplica a Israel, com ônibus, estradas e locais apenas permitidos para judeus. Por isso, a tática de lutar contra o apartheid também foi baseada na tática que funcionou na África do Sul. “O BDS é parte da solução, os palestinos nos pediram como comunidade internacional para fazer isso até que Israel atenda às leis internacionais. Vemos as lições do BDS na África do Sul, com o boicote acadêmico, o cultural, o embargo militar, a adesão de ativistas internacionais. No final dos anos 1970, a África do Sul foi expulsa de praticamente todas as competições esportivas, incluindo as Olimpíadas, por exemplo. Foram campanhas bem-sucedidas de isolamento”, explicou Kwara.

Assim como havia no país africano, também em Israel há empresas que lucram com o apartheid, segundo a ativista, como a britânica G4S, que fornecia equipamentos para as prisões e checkpoints israelenses e foi alvo do movimento BDS em 2014, anunciando que encerraria suas atividades no país. A estratégia pode ser muito eficiente, e Kwara afirma que espera que os resultados sejam mais rápidos na Palestina do que foram na África do Sul. “Vemos nos últimos dois, três anos muitas vitórias, até a igreja Presbiteriana nos Estados Unidos parou de investir em empresas ligadas ao apartheid, e vemos governos também tendo posições mais fortes. Depois do massacre de 2014 em Gaza, a Bolívia por exemplo cortou laços com Israel. Mas exige paciência”, avalia.

Movimento na América Latina

Conforme o coordenador Latino-Americano do Comitê Nacional Palestino do Movimento BDS, Pedro Charbel, a campanha já teve muitos resultados no continente. Ele lembra que, em 2011, argentinos fizeram uma campanha contra contrato da Mekorot, empresa de água israelense que é acusada por ativistas de tirar água das terras palestinas e levar para israelenses, e conseguiram suspender o contrato. Em 2014, o governo do Rio Grande do Sul cancelou contratos com a Elbit, empresa israelense de tecnologia militar, após pressão de ativistas. “Mais recentemente, na Bahia, foi iniciada a campanha ‘do nordeste à Palestina temos sede de justiça’, também criticando a Mekorot.  Na Colômbia, fizeram com que uma rede de restaurantes deixasse de contratar a G4S”, relata.

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Empresas israelenses boicotadas na Europa investem na América Latina, explica Pedro | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Da mesma forma, acadêmicos brasileiros fizeram uma carta pedindo o boicote a Israel, e na Argentina esta estratégia tem crescido muito também, segundo Pedro. “Há muitos desafios na América Latina, porque muitas empresas vêm para cá devido ao crescimento do BDS na Europa e EUA como segunda opção de mercado. Até a própria Faculdade de Educação da UFRGS tem uma parceria com a Faculdade Hebraica, que inclusive tem partes do campus em território ocupado palestino”, descreve.

Ao mesmo tempo, ele avalia que as lutas e movimentos sociais estão conectados. “Há muito potencial de se relacionar de forma internacional. Uma empresa que detém vínculos com o apartheid, que participou de ditaduras na América Central, hoje treina o Batalhão de Operações Especiais (Bope) no Rio de Janeiro. A Polícia Militar de São Paulo, a que mais mata no mundo, compra equipamentos de Israel. Então, esse sistema está sendo globalizado”, resume ele, lembrando de uma frase que ouviu de militantes pelo retorno dos estudantes desaparecidos em Ayotzinapa, no México: “Quando os Estados internacionalizam a barbárie, temos que internacionalizar a resistência. E é isso que o BDS procura fazer”.


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