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25 de setembro de 2015
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10:50

Aumento de prisões de jovens de periferia agrava superlotação e fortalece facções nos presídios

Por
Sul 21
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Segundo dados da Brigada Militar, o Presídio Central de Porto Alegre conta hoje com 4.193 detentos, quando sua capacidade estrutural é para 1.905 pessoas. (Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21)
Segundo dados da Brigada Militar, o Presídio Central de Porto Alegre conta hoje com 4.193 detentos, quando sua capacidade estrutural é para 1.905 pessoas. (Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21)

Marco Weissheimer

A população prisional do Rio Grande do Sul registrou um crescimento de 11% no último ano, índice muito acima da média histórica dos últimos anos. Segundo dados da Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe), 31.191 pessoas estavam presas em 16 de agosto de 2015 (29.395 homens e 1.796 mulheres), contra 28.059 em junho de 2014. Cerca de 50% das pessoas presas hoje no Estado foram levadas pelo tráfico de drogas. Na maioria, jovens de periferia, de cor negra (53%), com posse de pouca quantidade de droga na hora da prisão. Apenas 4,6% respondem por homicídios e 6,0% por latrocínio. O crime de furto aparece com 7% e o de roubo com 6,9%. Quase a metade dessa população (46%) é composta por jovens (de 18 a 29 anos).

Os dados acima são do relatório da Subcomissão do Sistema Prisional Gaúcho, coordenada pelo deputado estadual Jeferson Fernandes (PT), que fez um diagnóstico sobre a situação atual do sistema prisional do Rio Grande do Sul, identificando problemas e apontando propostas para superá-los. Esse diagnóstico, construído ao longo de 120 dias, está baseado no relatório de 2014 do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) sobre o sistema prisional brasileiro, construído em conjunto com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Aumento das prisões de jovens de periferia

Além de apontar deficiências estruturais crônicas do sistema prisional gaúcho, o relatório manifesta preocupação com o crescimento expressivo de prisões de jovens de periferia por porte de pequenas quantidades de drogas. Além de não abalar o poder dos grandes traficantes, essa multiplicação de prisões faz com que essa juventude, muitas vezes sem antecedentes criminais e sem uma assistência jurídica adequada, acabe reforçando o contingente das facções organizadas dentro do Presídio Central, adverte Jeferson Fernandes. Na avaliação do deputado, as informações apontadas no relatório indicam que o Estado deve discutir melhor a sua política de controle do tráfico.

Deputado estadual Jeferson Fernandes (PT) coordenou elaboração do relatório da Subcomissão do Sistema Prisional Gaúcho. (Foto: Divulgação)
Deputado estadual Jeferson Fernandes (PT) coordenou elaboração do relatório da Subcomissão do Sistema Prisional Gaúcho. (Foto: Divulgação)

Outro debate que deve ser feito com urgência, sustenta o parlamentar, é a relação direta entre o crescimento das prisões provisórias, a permanência por vários meses na prisão sem condenação e a quantidade de pessoas presas acusadas de tráfico. Essa combinação de fatores, diz ainda Jeferson Fernandes, só vem agravando o problema da superlotação nos presídios e fortalecendo as facções criminosas que seguem organizadas dentro desses estabelecimentos.

73% dos detentos aguardam mais de 90 dias em prisão provisória

Cerca de 35% dos detentos no sistema prisional gaúcho estão na condição de provisórios, ainda sem sentença condenatória. O índice fica um pouco abaixo da média nacional, que é de 41%, mas está bem acima do verificado em outros países com grande população carcerária como é o caso dos Estados Unidos (20,4%) e Rússia (17,90%). No Rio Grande do Sul, 73% dos detentos aguardam mais de 90 dias em prisão provisória, sem condenação. Há hoje uma superlotação da ordem de 6.146 presos provisórios.

Entre 2005 e 2014, a população prisional do Rio Grande do Sul cresceu 24%, passando de 22.639 presos para 28.059. No mesmo período, a média nacional aumentou 66%. Segundo dados da Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe), em abril deste ano esse número já havia subido para 30.577 presos. O Rio Grande do Sul é, hoje, o sexto estado do país em número de presos. Esses números não incluem os presos reclusos em quarteis da Brigada Militar e do Exército, em delegacias da Polícia Civil, presos domiciliares, pessoas cumprindo penas com tornozeleiras eletrônicas, nem aquelas que possuem mandados de prisão sem cumprimento, por falta de espaço para o encarceramento.

Os números do sistema prisional gaúcho

Segundo dados do Infopen 2014, o Rio Grande do Sul conta hoje com 96 estabelecimentos prisionais, sendo 13 para prisões provisórias, 46 para o regime fechado, 10 para o semiaberto, 2 para medida de segurança e 25 para outros tipos de regime. Apenas 10 desses estabelecimentos tem até 5 anos de construção. O Estado possui o maior percentual de prédios antigos em todo o país: 27% passam de 50 anos. Desse total de casas prisionais, 74 são masculinos, apenas 5 são femininos e 17 são mistos.

Em 2013, iniciaram-se as obras do Complexo Prisional de Canoas, com quatro unidades que vão gerar 2.808 vagas no regime fechado. (Foto: Divulgação)
Em 2013, iniciaram-se as obras do Complexo Prisional de Canoas, com quatro unidades que vão gerar 2.808 vagas no regime fechado. (Foto: Divulgação)

Em 2013, iniciaram-se as obras do Complexo Prisional de Canoas, com quatro unidades que vão gerar 2.808 vagas no regime fechado. Já foram investidos cerca de R$ 100 milhões nas obras de complexo, mas ainda faltam cerca de R$ 12 milhões que devem ser repassados pelo governo do Estado à Prefeitura de Canoas para a sua conclusão. Além disso, mesmo com as obras concluídas, haveria um problema para o seu funcionamento hoje: a falta de servidores. Considerando o quadro da Susepe (3.808 efetivos, mais 87 cargos comissionados) e da Brigada Militar (588), há hoje 4.069 servidores trabalhando no sistema prisional gaúcho, uma média de um para cada 12,2 presos. Segundo recomendação do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), a proporção desejada é de um agente para cada cinco presos.

A situação do Presídio Central

Segundo dados da Brigada Militar, o Presídio Central de Porto Alegre conta hoje com 4.193 detentos, quando sua capacidade estrutural é para 1.905 pessoas. Portanto, há 2.288 presos acima dessa capacidade, um índice de 119% acima do que deveria ser a população do estabelecimento. De 2013 até hoje, ingressaram uma média de 69 presos por dia no Central. Segundo a administração do presídio, mais de 90% desses presos são capturados em flagrantes. O tenente coronel Marcelo Gayer Barbosa informou à Subcomissão o Sistema Prisional Gaúcho que, antes da Lei de Drogas 11.343/2006, os aprisionamentos por conta desse tipo de crime eram de, no máximo, 5%. Hoje, representam mais de 50% dos casos, em geral envolvendo pessoas com uma pequena quantidade de droga.

Segundo pesquisa feita pelo Instituto Porto Alegre, da Rede Metodista de Educação do Sul (IPA), dentro do projeto Observatório da Juventude em Situação de Prisão, 39% dos detentos pesquisados no Presídio Central não possuem qualquer tipo de defesa técnica, outros 26% são atendidos pela Defensoria Pública Estadual e 34% tem advogado particular. A sondagem feita num universo de 261 participantes, de 18 a 29 anos, mostrou que 53% destes sequer viu seu advogado uma única vez.

Lauro Rocha / OAB RS
Pesquisa realizada pelo Observatório da Juventude em Situação de Prisão, do IPA, mostrou que
39% dos detentos no Presídio Central não possuem qualquer tipo de defesa técnica.
(Foto: Lauro Rocha / OAB RS)

O relatório da Subcomissão registra que, em 15 anos, houve apenas quatro rebeliões no Presídio Central de Porto Alegre. No entanto, assinala, pouco se fala sobre os “acordos” que os agentes do Estado são obrigados a firmar com facções organizadas dentro das galerias do presídio que, em muitos aspectos, acabam controlando a gestão da vida diária nestes espaços:

“Nas galerias, não há separação de acordo com o perfil ou o tipo de delito cometido e tampouco há uma separação por celas. Em uma galeria que seria para 30 pessoas, estão 300. Todos circulando no seu interior e fazendo o que só quem está ali sabe. O gerenciamento desse pessoal geralmente se dá por um prefeito , o qual faz valer seu poder, a partir da influência que o tráfico de drogas oportuniza (..). A facção disponibiliza desde roupas de cama, materiais de higiene, vestuário, comida até armas e proteção, em troca de obediência e disciplina”. Inclusive o não cometimento de crimes dentro do PCPA tem de ser muito bem combinado entre as autoridades públicas e os ‘prefeitos’. Caso isso não ocorra, ‘a casa cai’”.

Propostas para o sistema prisional

O relatório da subcomissão da Assembleia gaúcha também apresenta um conjunto de propostas para superar problemas como a superlotação das casas prisionais, falta de efetivo de servidores, pouco orçamento para custear despesas essenciais e inexistência de uma política de ressocialização. Entre essas propostas, destacam-se:

– Organização de conferências regionais nos territórios que sediam as 96 unidades prisionais no RS e, no prazo máximo de um ano, uma conferência estadual como forma de envolver as comunidades locais, visando a ressocialização;Convênio entre o Estado e a APAC Canoas para dar início à experiência da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados, que vem se mostrando exitosa principalmente no estado de Minas Gerais;

– Convênio entre o Estado e universidades com o objetivo de qualificar ainda mais o diagnóstico do sistema prisional gaúcho, à luz do método utilizado pelo levantamento do Infopen, de junho de 2014;

– Autorização do setor de engenharia da Susepe e da Secretaria Estadual de Obras para execução das obras patrocinadas pelos conselhos das comunidades;

– Imediata avaliação e definição das unidades prisionais que têm condições para colocar em funcionamento oficinas de trabalho;

– Dotar de infraestrutura externa o Complexo Prisional de Canoas para que se inicie a ocupação das mais de 2800 vagas nele construídas;

– Dar continuidade ao programa Fornecer, para compras governamentais, como forma de diminuir os custos e melhorar a qualidade nas áreas de alimentação;

– Fortalecer a política educacional implantada nos NEEJAS, existentes em 14 unidades prisionais e criá-los nos demais estabelecimentos;

– Estruturar um programa estadual de prevenção ao uso de drogas no âmbito prisional;

– Concurso público para agentes penitenciários e agentes administrativos, o mais breve possível.

– Implementação das Audiências de Custódia em todas as Comarcas do RS.

– Construção de um Projeto de Lei que estabeleça uma Política Estadual para o Sistema Prisional.


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