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30 de agosto de 2015
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20:25

Às vésperas da extinção da Fundergs, secretário garante manutenção de projetos e afirma: ‘O CETE é nosso e não será privatizado’

Por
Luís Gomes
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Foto: Caroline Ferraz/Sul21
CETE é um dos principais recursos do Estado sob administração da Fundergs atualmente | Foto: Caroline Ferraz/Sul21

Luís Eduardo Gomes

No início de agosto, o governo do Estado encaminhou à Assembleia Legislativa projetos prevendo a extinção de três fundações do Estado: a Fundação Zoobotânica (FZB), a Fundação Estadual de Produção e Pesquisa em Saúde (FEPPS) e a Fundacao de Esporte e Lazer do Estado do Rio Grande do Sul (Fundergs). Após forte mobilização, na sexta-feira, o governo deu um passo atrás e admitiu que deve discutir mais o fechamento da FZB. Contudo, para as outras duas, o caminho deve ser mesmo a extinção – o projeto deve ser votado no início de setembro. No caso da Fundergs, o secretário de Turismo, Esporte e Lazer, Juvir Costella, garante que este processo não trará prejuízos para o desporto gaúcho, mas atletas e comunidade esportiva são reticentes.

A Fundergs é o órgão estadual responsável atualmente pela elaboração de editais para apoio financeiro de projetos esportivos, realização de competições em todos os níveis, por programas de Polos Regionais de Desenvolvimento do Esporte e do Lazer e também pela administração do Centro Estadual de Treinamento Esportivo (CETE).

Segundo explica o ex-campeão mundial de judô e atual deputado federal João Derly (PCdoB), a Fundergs é responsável por diversas políticas públicas implementadas pelo governo do Estado e é “de suma importância por trazer saúde, educação e esporte à sociedade”.

O deputado federal João Derly é um dos principais críticos da extinção da Fundergs | Foto: Divulgação
O deputado federal João Derly é um dos principais críticos da extinção da Fundergs | Foto: Divulgação

Questionado sobre sua posição a respeito da extinção do órgão, Derly é veemente. “Sou completamente contrário”, diz. “Por ser um retrocesso grande para o desporto gaúcho e significar a perda de recursos federais importantíssimos para diversos projetos de esporte do nosso estado, desde a base até o alto rendimento, desmantelando uma estrutura que, se não é a ideal, evoluiu bastante e tem muita importância no papel do Estado como fomentador do esporte gaúcho”.

O secretário Costella diz respeitar a opinião de Derly e de outros desportistas que já se posicionaram contrariamente à extinção da Fundergs, mas diz que está ocorrendo uma espécie de mal-entendido. “Eu não uso o termo extinção da Fundergs. Na verdade, ela está sendo incorporada à Secretária de Turismo e Esporte do RS. O CNPJ da fundação é que deixa de existir”, afirma, acrescentando que as ações de fomento ao esporte continuarão através da secretaria. “Isso é 100% garantido. Permanece. Os calendários esportivos, todos os campeonatos se mantém”.

Uma preocupação de Derly é sobre o destino dos cerca de R$ 600 mil reais que a Fundergs recebe mensalmente oriundos da loteria esportiva e garantidos pela Lei Pelé. Contudo, Costella também garante que o recurso continuará sendo recebido pela secretaria e tendo como destino o esporte.

“A lei é clara: diz que o recurso será disponibilizado para secretarias de Esporte do Estado ou fundações vinculadas. Quando não há fundação, o dinheiro vem para uma conta específica da secretaria e só pode ser utilizado para esporte. Não pode pagar nem custeio, nem pessoal. É um recurso para fomentar a prática de esportes em todas as áreas e está garantido”, diz, salientando ainda que este é o único recurso captado pela Fundergs.

Outra crítica que se faz é sobre o total da economia que será feita pelo Estado com a extinção da Fundergs. “Acredito que é uma ação inócua se analisarmos o macro da grave crise financeira que o Rio Grande do Sul enfrenta, mas que na outra ponta terá um efeito devastador para o esporte gaúcho”, diz Derly.

Secretário Costella diz que extinção da Fundergs trata-se, na verdade, de incorporação da entidade à secretaria | Foto: Divulgação
Secretário Costella diz que extinção da Fundergs trata-se, na verdade, de incorporação da entidade à secretaria | Foto: Divulgação

Costella discorda do argumento de que a economia não fará diferença para o Estado. “Economizar R$ 2,5 milhões não resolve o problema do Estado. Pode não resolver, mas nós estamos fazendo a nossa parte. Estamos fazendo sobrar R$ 2,5 milhões para devolver à classe esportiva”, diz.

Segunda a secretaria, o custo com a folha de pessoal da entidade estava na casa de R$ 2,5 milhões, e esse seria basicamente o principal recurso a ser economizado com a extinção da Fundergs. “A Fundergs, até uma semana, tinha cerca de 70 servidores, nenhum concursado. Ela foi criada em 2001. Em 14 anos, não tem nenhum servidor concursado. Ou eles são contratados emergenciais ou são cargos de confiança celetistas. Este corpo de funcionários chegou a ter 43 contratados e 29 CCs celetistas”, explica Costella, ressaltando que a entidade já estava passando por um enxugamento de pessoal devido a uma ação do Ministério Público que exigia, até 24 de agosto, a demissão de todos os profissionais que atuavam na situação de contratos emergenciais.

Grande parte desses profissionais eram professores e instrutores que atuavam nos Polos Regionais e no CETE. Costella afirma que eles já estão sendo substituídos por profissionais do quadro da secretaria e que também estão sendo firmadas parcerias com entidades e universidades para que, por exemplo, estudantes de Educação Física possam realizar estágios obrigatórios nos espaços geridos pela Fundergs.

Foto: Caroline Ferraz/Sul21
CETE é o principal centro esportivo do Estado | Foto: Caroline Ferraz/Sul21

CETE ameaçado de extinção?

Quando começou-se a falar sobre a extinção da Fundergs, uma das principais preocupações da comunidade esportiva era a possibilidade de extinção ou privatização do CETE, um centro de excelência esportiva localizado no bairro Menino Deus, em Porto Alegre. Além de ser um espaço para os moradores da cidade praticarem corridas e caminhadas de forma gratuita em uma pista de atletismo de reconhecido padrão internacional, o CETE oferece atualmente de forma gratuita aulas de 25 modalidades esportivas, boa parte delas disponíveis tanto para crianças e adolescentes, quanto para adultos.

É um espaço utilizado por federações gaúchas para o desenvolvimento de projetos de alto rendimento desenvolvidos pelo Ministério do Esporte, como ginástica, judô, badminton e esgrima em cadeira de rodas. Além disso, abriga projetos sociais, como uma parceria de ressocialização através do esporte com a Fundação de Atendimento Sócio-Educativo do RS (Fase). Tudo isso com professores de alto nível, como o instrutor de boxe Cafuringa, que já treinou o campeão peso-pesado do UFC, Fabrício Werdum, e dá aulas voluntariamente pela manhã e à noite na instituição.

“Eu tive a oportunidade de conhecer todos os países da América, 18 estados do Brasil, e não tem nenhum que tenha um centro como o CETE. Todos que vêm para cá de outros países e estados ficam boquiabertos por causa desse monte de modalidades oferecidas gratuitamente”, diz Victorious Itagiba, coordenador-técnico do CETE, acrescentando que mais de 3 mil pessoas passam pelo espaço diariamente.

O próprio Itagiba é responsável por coordenar um dos projetos sociais desenvolvidos no CETE, o Hapkido Educar, que, segundo ele, vem mudando a vida de pessoas, como Hícaro Rodrigues.

Foto: Caroline Ferraz/Sul21
Hícaro começou como aluno e hoje dá aulas de Hapkido no CETE | Foto: Caroline Ferraz/Sul21

Aos 16 anos, Hícaro teve a mãe presa. “Ela estava no lugar errado, na hora errada, com as pessoas erradas”, diz. Sobrou para ele cuidar de um irmão de 6 anos, com quem morava na Vila Cruzeiro, na zona sul de Porto Alegre. Precisou abandonar os estudos, no 1º ano do Ensino Médio, para trabalhar.

Através de Itagiba, um dia conheceu do Hapkido Educar e o CETE e se apaixonou. “O tempo que eu não estava em casa, estava treinando”. Em 2010, já dava aula, antes mesmo de obter a faixa preta. No ano seguinte, se tornaria campeão mundial de Hapkido na categoria até 85 kg, feito que repetiria três anos mais tarde.

Há três meses, Hícaro abriu uma academia no bairro Vila Protásio Alves em que dá aulas de Hapkido e Taekwondo, modalidade que também pratica. “É um pequeno espaço que eu alugo, um espaço humilde, mas é um sonho que eu tinha”. Ao mesmo tempo, continua dando aulas de forma voluntária no CETE todas as quartas e sextas-feiras.

O CETE também é um espaço essencial para a promoção do desporto paralímpico no Estado. Mônica Santos, uma das principais esgrimistas em cadeira de rodas do Brasil treina no local de segunda a sexta-feira, de manhã e à tarde, mesmo morando em Santo Antônio da Patrulha.

Mônica ficou paraplégica há 13 anos. “Eu tive um angioma medular quando estava com dois meses de gestação. E aí tinha a opção de fazer o aborto e não me tornar paraplégica ou esperar para ganhar o nenê e me tornar paraplégica para depois fazer a cirurgia. Minha filha tem 12 anos, linda, maravilhosa e perfeita. Acho que foi a melhor escolha que eu fiz”, diz.

Ela conta que antes de conhecer a esgrima, passou por vários esportes. “Experimentei kart, vela, tênis de mesa, tiro e fiquei no basquete por quatro anos”, conta. Como neste último não havia times femininos, treinava  entre os homens mesmo, o que lhe rendeu o apelido de “Mônica Monstrinha”.

Foto: Caroline Ferraz/Sul21
Mônica treina diariamente no CETE | Foto: Caroline Ferraz/Sul21

Através da indicação de um amigo do basquete, também começou a praticar esgrima para cadeirantes no final de 2011. Após 20 dias de treinos, participou de sua primeira competição. “Tirei terceiro lugar. Aí eu pensei: ‘acho que me encontrei'”.

Mônica conta que, quando começaram a surgir informações sobre o fim da Fundergs, ficou preocupada com o possível fechamento do CETE. “Nós todos ficamos muito preocupados. Aqui é um lugar muito bom e tudo voluntário, nada tu precisa pagar”, diz, salientando, porém, que sente-se mais tranquila após os primeiros boatos de fechamento do CETE terem sido esclarecidos. “Agora, já estamos mais tranquilos, mas não 100%”.

Javel se diz preocupado com a extinção da Fundergs | Foto: Caroline Ferraz/Sul21
Javel se diz preocupado com a extinção da Fundergs | Foto: Caroline Ferraz/Sul21

Outros usuários ainda estão muito preocupados com a extinção da Fundergs, como o árbitro auxiliar da Federação Gaúcha de Futebol (FGF), José Javel Silveira. “Acho que toda a diminuição é preocupante. Tem a garantia que não vai mudar, que não vai piorar nada, mas a gente sempre fica preocupado, não tem como não ficar. Estamos em um ciclo olímpico importante”, lembra.

Na sexta-feira (28), ele participou de uma sessão de testes físicos ao lado de outros árbitros no CETE. Contudo, ele conta que frequenta o espaço há anos. “Há 15 anos que eu venho treinar ao menos duas vezes por semana. Trago a filha, ela fica brincando enquanto eu corro”, diz o bandeirinha. “Sempre foi uma área boa para a comunidade, porque é cercado e seguro”.

Sobre o CETE, o secretário Costella garante: “O CETE é nosso. É da comunidade. O gerenciamento e coordenação do CETE já é da secretaria e é um dos projetos prioritários”, afirma.

Para justificar essa posição, ele cita o fato de que, neste momento, ocorre a finalização de uma pista de caminhada ao redor da pista de atletismo e que também já está em processo uma licitação, com recursos garantidos pelo Ministério do Esporte, para a ampliação do ginásio poliesportivo do CETE.

Costella ainda faz mais uma garantia. “O CETE não será privatizado e a prática esportiva não passará a ser cobrada”.

CETE também conta com espaços de lazer para a comunidade | Foto: Caroline Ferraz/Sul21
CETE também conta com espaços de lazer para a comunidade | Foto: Caroline Ferraz/Sul21

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