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3 de junho de 2015
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12:22

Moradia e idioma são os problemas mais urgentes enfrentados por novos imigrantes

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Sul 21
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Audiência pública proposta pela deputada Manuela D’Ávila (PCdoB)  e pelo deputado Pedro Ruas (PSol), reuniu representantes dos imigrantes e de diversos órgãos públicos e organizações da sociedade envolvidas no tema. Foto: Guilherme Santos/Sul21
Audiência pública proposta pela deputada Manuela D’Ávila (PCdoB) e pelo deputado Pedro Ruas (PSol), reuniu representantes dos imigrantes e de diversos órgãos públicos e organizações da sociedade envolvidas no tema. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Marco Weissheimer

Moradia, língua e formação profissional: esses são os três principais problemas enfrentados por haitianos, senegaleses e imigrantes de outras nacionalidades que têm chegado ao Rio Grande do Sul nos últimos anos em busca de uma vida melhor. A identificação desses problemas foi feita por Mor Ndiaye, presidente da Associação de Senegaleses de Porto Alegre, que participou, no início da noite desta terça-feira, da audiência pública realizada pela Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa gaúcha para debater a situação dos imigrantes. A audiência, proposta pela deputada Manuela D’Ávila (PCdoB) e pelo deputado Pedro Ruas (PSol), reuniu representantes dos imigrantes e de diversos órgãos públicos e organizações da sociedade envolvidas no tema.

Mor relatou algumas das principais dificuldades enfrentadas pelos imigrantes e apontou a moradia como a mais urgente a ser resolvida. Muitas pessoas, segundo ele, estão vivendo em condições de moradia impróprias para um ser humano. “Há algumas casas alugadas, com dois ou três quartos, que chegam a abrigar mais de 30 pessoas”, afirmou. O presidente da associação de senegaleses agradeceu a acolhida da maioria da sociedade gaúcha, mas manifestou surpresa com algumas manifestações de preconceito que tem presenciado. “Fico com o queixo caído com algumas palavras que escutei. Somos trabalhadores, sonhadores e seres dignos, não somos bandidos. A maioria de nós deixou seu país, sua família e amigos para buscar construir uma vida melhor aqui”, afirmou o representante dos imigrantes senegaleses.

Manuela D'Ávila destacou a intensidade do fluxo migratório no Estado nos últimos anos – mais de 7 mil imigrantes nos últimos três anos – e a importância de prestar atenção para problemas como preconceito e exploração de mão de obra.  Foto: Guilherme Santos/Sul21
Manuela D’Ávila destacou a intensidade do fluxo migratório no Estado nos últimos anos – mais de 7 mil imigrantes nos últimos três anos – e a importância de prestar atenção para problemas como preconceito e exploração de mão de obra. Foto: Guilherme Santos/Sul21

“Ter onde ficar e dormir é fundamental”

Abdou Lahat Noiaye (Bili), presidente da Associação dos Senegaleses de Caxias do Sul, lembrou que o primeiro sofrimento vivido pelos imigrantes foi ter deixado família e amigos para trás e vir para o Brasil em busca de uma vida melhor. “Todo imigrante precisa ouvir boas vindas quando chega e agradeço muito por essa acolhida que tivemos aqui”. Bili também falou sobre as difíceis condições de moradia que muitos imigrantes enfrentam, vivendo em casas super lotadas, mas ressaltou que há um compromisso firmado entre eles de não deixar ninguém vivendo na rua. “Ter onde ficar e onde dormir é fundamental para que a pessoa possa começar a pensar em outras coisas”, afirmou, acrescentando que ele já conseguiu abrir uma loja em Caxias do Sul e contratou uma brasileira para trabalhar com ele.

Uma das proponentes da audiência pública, a deputada Manuela D’Ávila destacou que a reunião tinha, entre outras coisas, alguns objetivos de esclarecimento a respeito do número atualizado de imigrantes vivendo no Rio Grande do Sul e da sua situação real situação do ponto de vista das condições de vida e de trabalho. A parlamentar destacou a intensidade do fluxo migratório no Estado nos últimos anos – mais de 7 mil imigrantes nos últimos três anos – e a importância de prestar atenção para problemas como preconceito e exploração de mão de obra. “Uma de nossas preocupações é com a possibilidade de imigrantes estarem vivendo em situação análoga ao trabalho escravo. Já tivemos problemas desse tipo com imigrantes bolivianos em São Paulo”, lembrou Manuela.

Pedro Ruas chamou a atenção para a ameaça da exploração no trabalho que ronda os novos imigrantes. “O Brasil também é uma sociedade de classes e aqui também se explora.  Foto: Guilherme Santos/Sul21
Pedro Ruas chamou a atenção para a ameaça da exploração no trabalho que ronda os novos imigrantes. “O Brasil também é uma sociedade de classes e aqui também se explora. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Falta de regulação e planejamento

O deputado Pedro Ruas lembrou que a imigração é constitutiva da história do Rio Grande do Sul e que é um orgulho receber agora essas comunidades de senegaleses, haitianos e de outras nacionalidades. Na mesma linha apontada por Manuela D’Ávila, Ruas chamou a atenção para a ameaça da exploração no trabalho que ronda os novos imigrantes. “O Brasil também é uma sociedade de classes e aqui também se explora. Um exemplo disso foi o caso que envolveu a empresa Zara que colocou imigrantes bolivianos em situação de trabalho escravo. Não podemos desprezar esse risco”, advertiu. O deputado do PSol lembrou também que já houve casos de despejo de haitianos em Porto Alegr e lamentou a ausência de um representante da Superintendência Regional do Trabalho na audiência pública.

Representando o governo do Estado, o secretário de Justiça e Direitos Humanos, César Faccioli, defendeu a necessidade de garantir uma boa acolhida aos novos imigrantes, lembrando que isso está previsto inclusive na Constituição brasileira que define a exigência de respeito integral à pessoa humana, seja qual for sua nacionalidade. Faccioli criticou a falta de regulação e planejamento da atual política migratória brasileira e a ausência de comunicação verificada no processo de saída de imigrantes do Acre para outros estados. “Em parceria com a prefeitura de Porto Alegre, tivemos que constituir uma estratégia de gestão de crise nas últimas semanas. Esse fluxo migratório tem sido tão concentrado e intenso que devemos priorizar o planejamento para poder dar uma boa acolhida a essas pessoas”, disse o secretário.

Secretário César Faccioli informou que, segundo os últimos levantamentos, há cerca de 7 mil haitianos, 4 mil africanos de várias nacionalidades e 500 asiáticos também de várias nacionalidades vivendo hoje no Estado. Foto: Guilherme Santos/Sul21
Secretário César Faccioli informou que, segundo os últimos levantamentos, há cerca de 7 mil haitianos, 4 mil africanos de várias nacionalidades e 500 asiáticos também de várias nacionalidades vivendo hoje no Estado. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Falta de comunicação com o Acre

Faccioli informou que, segundo os últimos levantamentos da Secretaria, há cerca de 7 mil haitianos, 4 mil africanos de várias nacionalidades e 500 asiáticos também de várias nacionalidades vivendo hoje no Estado. Luciano Marcantônio, secretário municipal de Direitos Humanos de Porto Alegre, também criticou a falta de planejamento e de comunicação que marcou a vinda dos imigrantes para o Rio Grande do Sul até aqui. “Solicitamos ao governo do Acre que não houvesse mais esse tipo de encaminhamento sem que conversassem conosco antes para podermos receber bem essas pessoas. Os estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo vivem o mesmo problema. O único Estado que recebe recursos do governo federal é o Acre, que envia os imigrantes para a região Sul sem sequer conversar conosco. O Ministério da Justiça reconheceu todas essas falhas e se comprometeu a construir uma nova política para evitar esses problemas”, disse Marcantônio, que informou ainda que há cerca de 4 mil imigrantes vivendo em Porto Alegre.

Fernanda Hahn, da Defensoria Pública Federal, assinalou que o problema envolvendo a recepção dos imigrantes não é novo e vem pelo menos desde 2010. Hahn defendeu que não é mais possível seguir trabalhando com a lógica de gestão de crise e de políticas provisórias. “A vinda de imigrantes do Acre está ocorrendo de forma desorganizada e irresponsável. O problema central até aqui é a total falta de comunicação com o governo do Acre. Ficamos quatro anos desarticulados com as pessoas vindo para cá de forma precária e fragilizada. Temos um novo caminho agora, do ponto de vista da integração entre diferentes esferas de governo. Chega de situações precárias e provisórias. Não se faz política pública dessa forma. Porto Alegre precisa ter um casa de acolhimento ao imigrante. Não é a Igreja Pompeia que deve fazer isso”, assinalou a defensora pública.

Secretário Municipal de Direitos Humanos, Luciano Marcantônio, informou que há cerca de 4 mil imigrantes vivendo em Porto Alegre. Foto: Guilherme Santos/Sul21
Secretário Municipal de Direitos Humanos, Luciano Marcantônio, informou que há cerca de 4 mil imigrantes vivendo em Porto Alegre.
Foto: Guilherme Santos/Sul21

Ao final da audiência pública, a vereadora Titi Alvares (PCdoB) apresentou duas propostas para enfrentar os problemas mais urgentes vividos pelos imigrantes. Citando a experiência do Fórum Social Mundial, sugeriu à prefeitura de Porto Alegre que organize um cadastro de moradores dispostos a receber imigrantes por um determinado período no sistema de hospedagem solidária. Em segundo lugar, propôs a assinatura de convênios com universidades, especialmente a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que já conta com muitos estudantes de outros países em regime de intercâmbio, para ministrar cursos de língua portuguesa para os novos imigrantes.


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