Luiza Bulhões Olmedo
A taxação das grandes fortunas é um assunto levantado há muitos anos no Brasil, e apesar de constar na nossa Constituição, de 1988, nunca foi regulamentada. Em um período de aperto econômico e corte de gastos do governo, o aumento do imposto sobre os mais ricos volta a aparecer como possível solução para as contas públicas.
Os conservadores argumentam que um imposto como esse, confiscatório, afugentaria os ricos e resultaria em um menor crescimento do país, o que seria ainda pior para a nossa economia. De fato, mudanças tributárias envolvem uma estrutura complexa de impostos, e se não forem bem pensadas podem ter consequências indesejadas. Entretanto, as sociais-democracias escandinavas, por exemplo, sugerem que há sim caminhos possíveis para uma tributação justa e eficiente.
Após o final da Segunda Guerra Mundial, o crescimento europeu baseado no estado de bem-estar social, com pesados impostos aos mais ricos, contribuiu para a distribuição de renda. Entretanto, a partir do dos anos 1980, muitos países que aplicavam uma tributação mais progressiva voltaram atrás, de modo que cada vez mais só os ricos e os muito ricos se beneficiam do crescimento econômico.
A proposta dos impostos sobre fortunas voltou à tona no âmbito internacional após a crise de 2008, e, mais recentemente, com o sucesso do livro “O Capital No Século XXI” (2013), do economista francês Thomas Piketty, para quem não discutir impostos sobre riqueza é loucura. Para Piketty, o ajuste da desigualdade de riqueza em todo o mundo deve passar por um imposto sobre a riqueza global, de modo que haja uma cooperação entre os países sobre os ativos financeiros transfronteiriços.
De acordo com um estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a literatura internacional mostra que os impostos sobre riqueza, bem como os impostos sobre herança, são os mais eficazes em termos distributivos. Para que a arrecadação seja alta e eficiente, o país deve ser desigual em termos de riqueza, e contar com muitas famílias muito ricas. Além disso, a incidência do imposto deve ser sobre pessoas físicas e jurídicas, a tributação deve ser especial para não residentes e deve haver severas normas contra evasão fiscal.
Impostos sobre o capital parado, que rende sem que as pessoas precisem organizar a sua utilização produtiva, por meio das aplicações especulativas, permitiriam tanto reduzir a dívida pública, como financiar mais políticas sociais, e bancar investimentos tecnológicos e produtivos em geral.
Engana-se quem acredita que todos os ricos são contra essa taxação. Poderosos empresários, como Bill Gates, Warren Buffet, George Soros e Donald Trump, manifestam-se favoravelmente a essa medida, que no longo-prazo beneficia seus próprios negócios, já que a população pode consumir mais.
A experiência internacional
Ao longo do século XX, países que adotaram um sistema de tributação progressiva sobre renda, riqueza e heranças desconcentraram continuamente renda e riqueza. Na verdade, quase todos os países da Europa Ocidental já adotaram um imposto deste tipo. Mesmo sociedades mais liberais, como Reino Unido e Estados Unidos implementaram uma forte tributação sobre heranças, que contribui para equilibrar problemas distributivos.
Nos anos 1990, quando todos esses países já alcançavam um bom nível de desenvolvimento e de igualdade, o imposto sobre riqueza foi abolido na Áustria (1994), Itália (1995), Dinamarca, Alemanha (1997), Islândia (2005), Finlândia (2006), Suécia (2007), Espanha (2008) e Grécia (2009). Os motivos principais que se aponta são: transferência de capitais para paraísos ficais (ou para ativos subvalorizados, como imóveis); o alto custo administrativo; e distorções quando o imposto é aplicado a pessoas jurídicas.
Por outro lado, em alguns países em que essa tributação foi mantida, como França, Uruguai e Argentina, houve tendência de crescimento da arrecadação e do número de contribuintes. Esses países, com o passar dos anos, desenvolveram uma legislação e administração bem detalhada e complexa. Recentemente, países como Islândia e Espanha reinstituíram o imposto como resposta à crise financeira e fiscal que tem assolado a Europa desde 2009.
Atualmente, na Europa, a Holanda, França, Suíça, Noruega, Islândia, Luxemburgo, Hungria e Espanha possuem o imposto sobre riqueza. Cada país possui uma estrutura de taxação diferente, mas o resultado comum é a cobrança de impostos sobre os patrimônios mais elevados. A França é o caso de maior destaque, pois além de possuir um “Imposto de Solidariedade sobre a Fortuna” (inspiração do prospectivo Imposto sobre Grandes Fortunas no Brasil), em 2012 aprovou um imposto especial – válido por dois anos – de 75% sobre os altos rendimentos superiores a um milhão de euros por ano.
Nos Estados Unidos, o assunto é frequentemente discutido. O imposto sobre heranças já é bem elevado no país (30%), sobretudo quando comparado com o brasileiro (4%), e atualmente, um dos candidatos à presidência em 2016, Bernie Sanders, é um fervoroso defensor do imposto sobre grandes fortunas. No Reino Unido a propriedade (imobiliária) é muitas vezes o principal ativo nas mãos dos mais ricos, e tem sido muito taxada.
Na América do Sul, Argentina (desde 1972), Uruguai (desde 1991) e Colômbia (desde 1935) são exemplos de países que tributam progressivamente a riqueza. E na Ásia, têm-se conhecimento que o Japão o adotou por um curto período de tempo (1950-3), a Índia o possui desde a década de 1950 e há experiências no Paquistão e Indonésia.
E no Brasil?
A discussão sobre um sistema tributário mais justo e eficiente é recorrente no mundo todo, e pela experiência dos outros países, algumas conclusões podem ser aplicadas ao caso brasileiro. Nosso padrão de desigualdade, o tamanho de nossa economia, o nível de tecnologia que dispomos e a baixa tributação de heranças e propriedades no Brasil são fatores que indicam que a tributação de grandes fortunas pode sim ser efetiva aqui.
Atualmente 56% dos impostos brasileiros são cobrados indiretamente, como nos produtos nas prateleiras do supermercado, de modo que ricos e pobres pagam igual. É o chamado imposto de consumo. Como o brasileiro mais pobre gasta a maior parte de sua renda em consumo, paga mais impostos. Considerando apenas essa tributação indireta, a carga dos mais pobres é de 29,1%, contra 10,7% dos mais ricos.
Se nossos impostos fossem mais direcionados a taxar a riqueza, a partir de impostos sobre transferências bancárias ou heranças, seria possível começar a equilibrar essa conta. O Brasil tem uma boa quantidade de famílias passíveis de serem tributadas. No ranking das famílias mais ricas do mundo, o Brasil está em 7º lugar, acima de países como Holanda, Suíça e Argentina, que tributam riqueza.
A tributação de grandes fortunas, como afirma Thomas Piketty, trata-se de uma questão global. Enquanto houver paraísos fiscais, a taxação dos mais ricos sempre será um desafio, em qualquer lugar do mundo. Mesmo assim, em um país tão desigual em termos de renda e riqueza, como o Brasil, esse imposto poderia ser um primeiro passo.