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5 de junho de 2015
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11:23

A maioria dos países desenvolvidos taxa ou já taxou as grandes fortunas

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Sul 21
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Impostos sobre o capital parado permitiriam tanto reduzir a dívida pública, como financiar mais políticas sociais, e bancar investimentos tecnológicos e produtivos em geral.

Luiza Bulhões Olmedo

A taxação das grandes fortunas é um assunto levantado há muitos anos no Brasil, e apesar de constar na nossa Constituição, de 1988, nunca foi regulamentada. Em um período de aperto econômico e corte de gastos do governo, o aumento do imposto sobre os mais ricos volta a aparecer como possível solução para as contas públicas.

Os conservadores argumentam que um imposto como esse, confiscatório, afugentaria os ricos e resultaria em um menor crescimento do país, o que seria ainda pior para a nossa economia. De fato, mudanças tributárias envolvem uma estrutura complexa de impostos, e se não forem bem pensadas podem ter consequências indesejadas. Entretanto, as sociais-democracias escandinavas, por exemplo, sugerem que há sim caminhos possíveis para uma tributação justa e eficiente.

Após o final da Segunda Guerra Mundial, o crescimento europeu baseado no estado de bem-estar social, com pesados impostos aos mais ricos, contribuiu para a distribuição de renda. Entretanto, a partir do dos anos 1980, muitos países que aplicavam uma tributação mais progressiva voltaram atrás, de modo que cada vez mais só os ricos e os muito ricos se beneficiam do crescimento econômico.

A proposta dos impostos sobre fortunas voltou à tona no âmbito internacional após a crise de 2008, e, mais recentemente, com o sucesso do livro “O Capital No Século XXI” (2013), do economista francês Thomas Piketty, para quem não discutir impostos sobre riqueza é loucura. Para Piketty, o ajuste da desigualdade de riqueza em todo o mundo deve passar por um imposto sobre a riqueza global, de modo que haja uma cooperação entre os países sobre os ativos financeiros transfronteiriços.

De acordo com um estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a literatura internacional mostra que os impostos sobre riqueza, bem como os impostos sobre herança, são os mais eficazes em termos distributivos. Para que a arrecadação seja alta e eficiente, o país deve ser desigual em termos de riqueza, e contar com muitas famílias muito ricas. Além disso, a incidência do imposto deve ser sobre pessoas físicas e jurídicas, a tributação deve ser especial para não residentes e deve haver severas normas contra evasão fiscal.

Impostos sobre o capital parado, que rende sem que as pessoas precisem organizar a sua utilização produtiva, por meio das aplicações especulativas, permitiriam tanto reduzir a dívida pública, como financiar mais políticas sociais, e bancar investimentos tecnológicos e produtivos em geral.

Engana-se quem acredita que todos os ricos são contra essa taxação. Poderosos empresários, como Bill Gates, Warren Buffet, George Soros e Donald Trump, manifestam-se favoravelmente a essa medida, que no longo-prazo beneficia seus próprios negócios, já que a população pode consumir mais.

 A experiência internacional

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Quase todos os países da Europa Ocidental já adotaram um imposto progressivo sobre renda, riqueza ou herança.

Ao longo do século XX, países que adotaram um sistema de tributação progressiva sobre renda, riqueza e heranças desconcentraram continuamente renda e riqueza. Na verdade, quase todos os países da Europa Ocidental já adotaram um imposto deste tipo. Mesmo sociedades mais liberais, como Reino Unido e Estados Unidos implementaram uma forte tributação sobre heranças, que contribui para equilibrar problemas distributivos.

Nos anos 1990, quando todos esses países já alcançavam um bom nível de desenvolvimento e de igualdade, o imposto sobre riqueza foi abolido na Áustria (1994), Itália (1995), Dinamarca, Alemanha (1997), Islândia (2005), Finlândia (2006), Suécia (2007), Espanha (2008) e Grécia (2009). Os motivos principais que se aponta são: transferência de capitais para paraísos ficais (ou para ativos subvalorizados, como imóveis); o alto custo administrativo; e distorções quando o imposto é aplicado a pessoas jurídicas.

Por outro lado, em alguns países em que essa tributação foi mantida, como França, Uruguai e Argentina, houve tendência de crescimento da arrecadação e do número de contribuintes. Esses países, com o passar dos anos, desenvolveram uma legislação e administração bem detalhada e complexa. Recentemente, países como Islândia e Espanha reinstituíram o imposto como resposta à crise financeira e fiscal que tem assolado a Europa desde 2009.

Atualmente, na Europa, a Holanda, França, Suíça, Noruega, Islândia, Luxemburgo, Hungria e Espanha possuem o imposto sobre riqueza. Cada país possui uma estrutura de taxação diferente, mas o resultado comum é a cobrança de impostos sobre os patrimônios mais elevados. A França é o caso de maior destaque, pois além de possuir um “Imposto de Solidariedade sobre a Fortuna” (inspiração do prospectivo Imposto sobre Grandes Fortunas no Brasil), em 2012 aprovou um imposto especial – válido por dois anos – de 75% sobre os altos rendimentos superiores a um milhão de euros por ano.

Nos Estados Unidos, o assunto é frequentemente discutido. O imposto sobre heranças já é bem elevado no país (30%), sobretudo quando comparado com o brasileiro (4%), e atualmente, um dos candidatos à presidência em 2016, Bernie Sanders, é um fervoroso defensor do imposto sobre grandes fortunas. No Reino Unido a propriedade (imobiliária) é muitas vezes o principal ativo nas mãos dos mais ricos, e tem sido muito taxada.

Na América do Sul, Argentina (desde 1972), Uruguai (desde 1991) e Colômbia (desde 1935) são exemplos de países que tributam progressivamente a riqueza. E na Ásia, têm-se conhecimento que o Japão o adotou por um curto período de tempo (1950-3), a Índia o possui desde a década de 1950 e há experiências no Paquistão e Indonésia.

 E no Brasil?

A discussão sobre um sistema tributário mais justo e eficiente é recorrente no mundo todo, e pela experiência dos outros países, algumas conclusões podem ser aplicadas ao caso brasileiro. Nosso padrão de desigualdade, o tamanho de nossa economia, o nível de tecnologia que dispomos e a baixa tributação de heranças e propriedades no Brasil são fatores que indicam que a tributação de grandes fortunas pode sim ser efetiva aqui.

Atualmente 56% dos impostos brasileiros são cobrados indiretamente, como nos produtos nas prateleiras do supermercado, de modo que ricos e pobres pagam igual. É o chamado imposto de consumo. Como o brasileiro mais pobre gasta a maior parte de sua renda em consumo, paga mais impostos. Considerando apenas essa tributação indireta, a carga dos mais pobres é de 29,1%, contra 10,7% dos mais ricos.

Se nossos impostos fossem mais direcionados a taxar a riqueza, a partir de impostos sobre transferências bancárias ou heranças, seria possível começar a equilibrar essa conta. O Brasil tem uma boa quantidade de famílias passíveis de serem tributadas. No ranking das famílias mais ricas do mundo, o Brasil está em 7º lugar, acima de países como Holanda, Suíça e Argentina, que tributam riqueza.

A tributação de grandes fortunas, como afirma Thomas Piketty, trata-se de uma questão global. Enquanto houver paraísos fiscais, a taxação dos mais ricos sempre será um desafio, em qualquer lugar do mundo. Mesmo assim, em um país tão desigual em termos de renda e riqueza, como o Brasil, esse imposto poderia ser um primeiro passo.


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