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31 de março de 2015
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23:00

Vereadoras e movimentos cobram melhor atendimento a mulheres vítimas de violência

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Sul 21
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Foto: Vicente Carcuchinski/ CMPA
Foto: Vicente Carcuchinski/ CMPA

Débora Fogliatto

O caso da jovem que foi estuprada no Parque da Redenção e repercutiu nas redes sociais pode servir como um marco para buscar melhorias nos serviços para mulheres vítimas de abuso e violência. É o que propõe a Comissão de Direitos Humanos e Direitos do Consumidor (Cedecondh) da Câmara de Porto Alegre, que realizou nesta terça-feira (31) reunião para tratar da negligência no atendimento relatada pela vítima.

A reunião uniu representantes de diversos setores públicos relacionados ao caso, incluindo a Delegacia de Atendimento a Mulher (Deam), a Secretaria Municipal de Segurança Pública, o Departamento Médico Legal (DML). Por outro lado, também estiveram presentes representantes de movimentos sociais, como a União Brasileira de Mulheres e a Marcha Mundial das Mulheres, assim como a Patrulha Maria da Penha e uma representante do grupo Se Essa Rua Fosse Nossa, que publicou o relato da jovem.

Foto: Vicente Carcuchinski
João Helbio destacou falta de efetivo na Guarda Municipal | Foto: Vicente Carcuchinski

A presidente da Comissão, vereadora Fernanda Melchionna (PSOL), começou o encontro, que durou cerca de três horas e meia, recapitulando o caso: uma jovem foi violentada ao meio-dia enquanto passava pelo Parque da Redenção, para dentro de onde foi arrastada e onde foi abusada, por dois homens. Ela procurou a Delegacia da Mulher, onde recebeu críticas por parte dos policiais por estar denunciando o caso. Ao ser encaminhada para o DML, desistiu do exame de corpo de delito ao saber que seria feito por um perito homem.

Detalhes, como a porta que ficou aberta durante o atendimento da vítima, podem parecer pequenos, mas são essenciais para o conforto dela, conforme apontou Júlia Franz, artista plástica que representou o coletivo Se Essa Rua Fosse Nossa. “Os policiais chegaram a dizer que não tem o que fazer, que ‘se tu quiseres vai para a mídia’, então ela publicizou o caso e magicamente conseguiram encontrar o agressor. Se não fosse isso, ia ser mais um caso sem solução”, denunciou.

“Muitas outras denúncias apareceram, de mulheres que procuraram DML e delegacia e foram induzidas a não registrar. Menos de uma semana depois, uma vítima em Venâncio Aires foi prestar ocorrência e foi mandada para o hospital de maneira omissa, e acabou sendo assassinada assim que saiu do hospital, pelo homem de quem havia ido buscar proteção”, apontou Fernanda.

A repercussão do caso deve servir para que se analise como as vítimas são tratadas de forma em geral, conforme defendeu o vereador Alberto Kopittke (PT). “Se não fizermos isso, vamos estar sempre trabalhando numa lógica reativa, como se prendesse os responsáveis por esses casos fosse resolver tudo. Precisamos analisar a política estrutural em relação a esses assuntos”, defendeu.

Falta de efetivo prejudica atendimento

Todos os responsáveis pela segurança presentes na mesa concordaram na necessidade de se aumentar o efetivo e a quantidade de servidores, tanto da Guarda Municipal quanto dos peritos do DML e policiais mulheres na delegacia especializada. O secretário-adjunto de Segurança, João Helbio, apontou que a Guarda Municipal tem priorizado, em 2015, a segurança das escolas públicas. Ele ainda lembrou que o número mínimo necessário, previsto pela legislação municipal, seria de 1.200 guardas para a cidade, que atualmente conta com 514.

Para facilitar o trabalho e inibir crimes, serão instaladas 21 novas câmeras na Redenção, segundo ele, até o final de 2015. Cobrado pela vereadora Fernanda sobre cursos de formação para assuntos referentes a gênero e sexualidade, o secretário-adjunto colocou que existe dificuldade para se conseguir horários para tal, mas se comprometeu a avaliar a viabilidade.

Foto: Vicente Carcuchinski
Delegado Cléber apontou que há metade dos policiais necessários na Deam | Foto: Vicente Carcuchinski

O delegado Cléber Ferreira, da Polícia Civil, explicou que o ideal para atendimento na Deam seria ter 16 policiais, enquanto atualmente há metade disso. “A situação é complicada não só na Deam. Não temos gente, eu não tenho como remanejar mais. Não tem mais condições”, lamentou, destacando a instalação da sindicância administrativa.

Melhorias na estrutura, mencionadas por Maria do Carmo Bittencourt, da Marcha Mundial das Mulheres, também são necessárias. “Precisamos muito melhorar estrutura, principalmente porque parede não sobe até o teto, tem divisórias e não paredes completas. Então mesmo com porta fechada, voz passa para a outra sala. Estamos batalhando para melhorar”, afirmou a delegada da polícia Civil Laura Rodrigues Lopes. Ela garantiu que a atitude dos policiais relatada pela jovem “não é a posição como instituição” da Polícia e contou que houve um convênio com a Unesco para ter assistentes sociais e psicólogas no local durante seis meses, o que considerou uma “excelente parceria”.

Atendimento feito por um homem

Sobre as reclamações da vítima em relação ao DML — especialmente de que o atendimento seria feito por um homem — o diretor Luciano Haas justificou que há poucas peritas mulheres no local. “Só temos duas peritas mulheres, tem poucas mulheres que se inscrevem para o concurso do DML. Geralmente são cirurgiões homens e naquele dia não tinha mulheres”, explicou. Ele disse que o último concurso para o departamento foi feito em 2008.

As vereadoras Fernanda e Mônica Leal (PP), que geralmente ficam em pontas opostas nas discussões ocorridas na Câmara, concordaram sobre a necessidade do atendimento ser feito por mulheres. “É humanamente impossível aceitar que uma mulher vítima de estupro seja examinada por um homem. A causa aqui é única, é a proteção das mulheres”, apontou Mônica.

A assessora da Comissão, Nina Becker, e Júlia Franz sugeriram que o atendimento fosse invertido no DML, passando primeiro pelo psicológico e social para depois realizar o exame. Já Fernanda propôs que a Sala Lilás (onde as vítimas de violência aguardam atendimento) fosse colocada em um local que não precisasse encontrar os detentos que estão no mesmo prédio.

Encaminhamentos

Foto: Vicente Carcuchinski
Fernanda presidiu a reunião da comissão, da qual Alex Fraga (PSOL) também é membro| Foto: Vicente Carcuchinski

A Polícia Civil encaminhou uma sindicância interna para apurar o tratamento dado à jovem, a qual Fernanda pediu para ter acesso quando for concluída. Outros encaminhamentos da reunião foram uma reforma na infraestrutura da Deam; convênio para que se tenha psicólogas e assistentes sociais nas delegacias; um posicionamento do governo do estado sobre a falta de efetivo para segurança pública; a inversão do fluxo no DML, para que vítimas sejam primeiro atendidas por assistência social e psicólogas antes do exame de corpo de delito. Além disso, a Comissão deve fazer uma inspeção em todos os equipamentos voltados aos atendimentos para as mulheres.

Por sugestão de Maria do Carmo Bittencourt, da Marcha Mundial das Mulheres, foi colocado também que se invista em divulgação do Disque 180, canal federal para atender as vítimas de violência, e do número disponibilizado pela Rede Lilás no estado. “É importante principalmente uma grande campanha de ação de mídia para que mulheres se encorajem a denunciar e ter direito ao espaço público”, apontou ela, citando também um novo protocolo de atendimento a vítimas lançado pelo Ministério da Saúde.


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