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28 de dezembro de 2014
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18:02

Mais um gringo no comando do Estado

Por
Sul 21
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José Ivo Sartori será mais um político com sobrenome italiano a assumir o Palácio Piratini
Ex-prefeito de Caxias do Sul, José Ivo Sartori mantém a sequência de sobrenomes  italianos no Palácio Piratini |Foto: Ramiro Furquim/Sul 21

De Maria Wagner

Há um aspecto na política gaúcha que chama a atenção. De uns tempos para cá ele reaparece em cada campanha eleitoral para o governo do Estado, praticamente antecipando o resultado que sairá das urnas: o eleitor gaúcho não reelege candidato ao Palácio Piratini. Em 2014, isso se confirmou mais uma vez. Buscando a reeleição, Tarso Genro (PT) perdeu para José Ivo Sartori (PMDB), que toma posse no dia 1º de janeiro.

Há, no entanto, mais um aspecto bem interessante na política estadual. E, embora ele venha tomando forma desde a primeira metade do século XX, até agora não foi objeto de estudo acadêmico. Ou nada foi divulgado a respeito. Além disso, repórteres, editores e comentaristas da área ainda não lhe dedicaram nem mesmo algumas poucas linhas, seja porque não se deram conta do fenômeno, seja porque não lhe dão o devido valor: é a frequência do sobrenome italiano no cargo de governador do Rio Grande do Sul a partir do começo dos anos 50.

Ildo Meneghetti foi um dos governadores com sobrenome italiano|Foto: Memorial Santa Clara
Ildo Meneghetti iniciou a sequência de sobrenome italiano no comando do Rio Grande do Sul|Foto: Portal Itália

Os anais da nossa história documentam uma sequência que se iniciou com Ildo Meneghetti, em 1950, e seguiu com Leonel Brizola, depois dele novamente Meneghetti, Walter Peracchi, Euclides Triches, Synval Guazelli, Germano Rigotto, Antonio Britto, Yeda Roratto e, agora, José Ivo Sartori. Quando este “gringo” – termo usado em título de matéria de jornal local – deixar o Palácio Piratini, em 2018, os mandatos protagonizados por descendentes de imigrantes italianos desde 1950 somarão 43 anos.

Ou mais, porque há um terceiro aspecto a ser considerado: com exceção de Brizola, Britto e Yeda, todos os outros governadores de sobrenome italiano nasceram e foram criados na Serra Gaúcha. E de lá também veio Pedro Simon. Sim, mas a origem dele é libanesa. É verdade, concorda o jornalista Carlos Bastos. Ele não é descendente de italianos, mas nasceu e foi criado em Caxias do Sul; portanto, também é representante da região da uva e do vinho e isso acrescenta mais quatro anos à presença da Serra no Piratini.

De onde vem essa força?

Carlos Bastos lembra que nas décadas de 50 e 60 Caxias do Sul sempre tinha três representantes na Assembleia Legislativa. Estava em pé de igualdade com Vacaria, município menos poderoso, que também tinha três deputados no Legislativo – Porcínio Pinto, PSD; Synval Guazzelli, UDN; e Getúlio Marcantonio (PL). Até então, “as lideranças políticas, principalmente as da geração da Revolução de 30, eram da Fronteira, de onde vieram Getúlio Vargas, Oswaldo Aranha e Flores da Cunha”. Essa hegemonia acabou, segundo Bastos, por causa da economia. “O desenvolvimento industrial da Serra catapultou lideranças políticas como Meneghetti, Peracchi e Simon”.

Mestre em Direito – desenvolve linha de pesquisa sobre novas cidadanias e novas forma de soluções de conflitos -, o professor da UniRitter Samuel Cunha acredita que, sozinha, a economia não explica a migração de poder que ocorreu no Estado, deixando os criadores de gado na sombra. Ele diz que uma análise da força dos descendentes de italianos e, em consequência, da região da uva e do vinho na política do Rio Grande do Sul deve levar em conta uma abordagem histórica e sociológica que recua à formação do Estado, quando pessoas não autóctones desempenharam papel importante – inicialmente os portugueses, dominantes, e os espanhóis.

A esses se juntaram os alemães, a partir de 1825, e, 50 anos mais tarde, os italianos. Uns e outros alimentavam a expectativa de aqui

Os italianos trabalharam para colonizar parte do Rio Grande do Sul|Foto: Divulgação
Italianos cobriram a Serra de parreirais e transformaram a uva em sucos, geleias e vinhos|Foto: Portal Itália

construir um futuro melhor que seu passado na Europa. Uns e outros trabalharam

muito. Os imigrantes germânicos eram fortes na agricultura familiar, mas, entre eles, também havia artesãos que deram início ao desenvolvimento da indústria do calçado no vale do Rio dos Sinos, começando pelo tamanco até chegar aos sapatos de couro. Os italianos, igualmente fortes na lida agrícola, cobriram a paisagem com parreirais, “plantando mudas trazidas da Itália ou obtidas com os colonos alemães”, segundo informa o Círculo Ítalo-Brasileiro de Farroupilha, mas agregaram valor à uva colhida transformando-a em sucos, vinhos e geleias. Essas novidades foram ganhando importância na economia do Estado, até então baseada na pecuária – a carne e o couro não beneficiado –, e contribuíram para mudar o quadro político.

Mas se alemães e italianos são igualmente laboriosos, por que a transferência do poder político sobrevoou o Vale do Sinos e pousou na Serra? Para Carlos Bastos, isso aconteceu porque “os italianos são mais carismáticos, mais insinuantes e mais simpáticos que os alemães, o que é fundamental principalmente em campanha eleitoral”. Samuel Cunha concorda, mas acrescenta que há outros aspectos em jogo. Um deles é o perfil que se mostra inclusive na religião dos imigrantes. “É italiano? Então é católico. E o católico caminha levado pelo dogma”, explica. Para os luteranos – predominantes entre os imigrantes alemães – a fé é uma questão mais individual e permite a contestação. Ao contrário dos católicos, que veem a Terra como um lugar de passagem para a eternidade, os luteranos a encaram como um lugar de consolidação em que o trabalho é uma bênção. O professor acredita que “os italianos são mais gregários que os alemães”; cultivam mais a convivência na comunidade, promovem isso aproximando as famílias, normalmente numerosas, e criam lideranças que se alternam. São grupais.Essa característica foi importante para sua sobrevivência, para torná-los fortes na economia e, em decorrência disso, fortes também na política.

A força do trabalho dos italianos também ajudou a fortalecer na politica|Foto:Divulgação
Os italianos são considerados gregários e grupais e costumam formar lideranças|Foto: Portal Itália

Jogo de cintura na adaptação ao meio

No fim e ao cabo, o que se pode concluir é que os descendentes dos imigrantes italianos ganharam e continuam ganhando o jogo político no Estado porque tem um tremendo “jogo de cintura” e conseguiram se adaptar ao meio, que, embora lhes tenha colocado dificuldades no caminho, não lhes foi hostil. A comunicação com os habitantes locais lhes foi facilitada porque, assim como o italiano, o português deriva do Latim. Além disso, em maioria proveniente do Vêneto, aqui os imigrantes encontraram um eco do canto que entoavam lá contra a unificação da Itália: um dos heróis da Revolução Farroupilha  – terminada em 1845 – era  o italiano Giuseppe Garibaldi.

Portanto, a forte presença do sobrenome italiano na política gaúcha tem um precedente anterior à vinda desses colonizadores. Mas ela se solidificou na primeira metade do século XX, chegou ao Palácio Piratini em 1950, teve participação no movimento pela queda do então presidente do Brasil, João Goulart, e três dos governadores indicados pelo regime militar instalado no país em 1964 tinham origem italiana – Peracchi, Triches e Guazzelli.

Aliás, José Ivo não é o primeiro Sartori na política gaúcha.Na década de 60, o sobrenome aparece na figura do então bispo de Santa Maria, Dom Victor Sartori, que emprestou sua casa à primeira reunião de preparação ao Golpe de 64 liderada pelo general Olympio Mourão. O jornalista Elmar Bones faz referência a isso na página 37 do livro 1966 – A conciliação impossível, mas a atuação do bispo recebe olhar mais demorado na tese construída por Mateus Capssa sobre o mesmo golpe. Ele diz: “O bispo da cidade, Dom Luiz Victor Sartori, participou ativamente da conspiração golpista e praticava uma pregação anticomunista aos moldes do que fazia o Arcebispo Dom Vicente Scherer em Porto Alegre (KONRAD, 2006; CEREZER, 2012). Mourão Filho considerava Sartori “um revolucionário entusiasmado” (1978: 32)”. Através de sua assessoria, o governador eleito, que já militou no Partido Comunista, informou que é “parente distante de Dom Victor Sartori”.

Dedo na cara e muito barulho

É curioso, diz Samuel Cunha, mas os italianos não têm uma direita clássica. Atuam de forma apaixonada, com o dedo na cara, brigam e se estapeiam. Fazem barulho. Mas se unem quando o perigo ameaça de fora. “Penso neles como gregários”, repete o professor. Preferem seduzir, oferecendo um novo projeto, em vez de cultivar a hostilidade. Contornam. “Brizola reagiu dessa maneira quando, em vez de chorar as pitangas diante das dificuldades financeiras do Estado, criou as brizoletas; e Rigotto – em situação periclitante – formou o Pacto pelo Rio Grande em vez de aumentar a base aliada”.

Então é hora de dizer um strepitoso “Bah!” diante de tanta habilidade para a política? Que seja, mas sem jurar por todos os santos que essa interjeição foi inventada pelo gaúcho de bota e espora. Na verdade, ela é mais uma prova da forma como o italiano se misturou à paisagem cultural rio-grandense, porque o Bah! foi trazido pelos imigrantes e até hoje pode ser ouvido nos programas da RAI – televisão italiana. “Tem a ver com bárbaro”, diz Samuel Cunha. É contribuição trazida de lá, assim como o Tche, que, segundo dizem, pode ser uma abreviação de celeste, palavra que em italiano é pronunciada como Tcheleste.


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