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17 de fevereiro de 2019
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12:00

‘Sobreviventes’ do governo Sartori, servidores de fundações aguardam em ‘limbo’ por posição de Leite

Por
Luís Gomes
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Luís Eduardo Gomes

Desde que a Assembleia Legislativa aprovou, em dezembro de 2016, a extinção de nove fundações estaduais, servidores das entidades mantém na Justiça uma batalha em duas frentes: pela manutenção dos seus empregos e pela continuidade dos serviços prestados pelas instituições. O governo de José Ivo Sartori (MDB) se encerrou em dezembro passado sem que as disputas judiciais fossem resolvidas, visto que liminares garantem, ao menos temporariamente, o direito à estabilidade dos concursados para as fundações e que algumas delas continuem ativas até que o Estado justifique como continuará a realizar suas atividades. Eduardo Leite (PSDB) herdou o impasse ao chegar ao Palácio Piratini, mas em que pé estão os servidores e os serviços que eram realizados pelas fundações?

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De acordo com a Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão (Seplag), liminares impedem a extinção formal da Fundação Piratini, da Fundação Zoobotânica  e da Cientec, mas os seus servidores já foram absorvidos pela administração direta e respondem, respectivamente, à Secretaria de Comunicação (Secom), à Secretaria de Meio-Ambiente e Infraestrutura (Sema) e à Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Turismo (Sedetur). Já estão extintas formalmente FEE e FDRH, com os funcionários estáveis ou garantidos em seus empregos por liminares vinculados à própria Seplag. Os funcionários da Metroplan permanecem vinculados à fundação. Há ainda o caso da Fepps, Fepagro e FIGTF, que já tinham sido extintas anteriormente.

A Seplag diz que “todos os serviços definidos como essenciais ainda na gestão passada têm sido mantidos no atual governo”, mas não elaborou sobre o que fazem os servidores remanescentes que não podem ser demitidos pelo governo e em que condições realizam seus trabalhos. O Sul21 procurou representantes dos servidores de quatro destas fundações para tentar entender em que situação elas se encontram no início do governo Leite.

Cientec realizava pesquisas para obras de infraestrutura no RS, agora paralisadas | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Cientec

Dos 231 servidores que a Fundação de Ciência e Tecnologia (Cientec) tinha, 68 foram demitidos (53 aderiram ao PDV) em maio passado, quando o RS anunciou a extinção da fundação, posteriormente suspensa pela Justiça. Os 163 remanescentes foram absorvidos pela Secretaria do Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia (SDECT), em um quadro especial, mas uma grande parte foi posteriormente realocada para outras secretarias.

Pesquisador da fundação, o engenheiro Leandro Franco Taborda diz que, com a suspensão da extinção, cerca de 60 servidores permaneceram vinculados de alguma forma à Cientec, comparecendo às instalações e registrando ponto, mas o trabalho de pesquisa e de apoio tecnológico para diversos setores da economia gaúcha desenvolvido no passado está paralisado por orientação do governo. Taborda diz que não tem conhecimento se alguma parte desse trabalho está sendo desenvolvida pela iniciativa privada. “Muitas empresas até ligam pedindo para fazer alguns serviços”, diz. “As atividades da Cientec estão suspensas, porque não há previsão de ser retomada, mas não dá para dizer que estão encerradas, porque existe uma ação do Ministério Público contra a extinção”.

Taborda destaca ainda que em função da troca de governo a SDECT foi dividida em duas — a Secretaria do Desenvolvimento Econômico e Turismo e a Secretaria de Inovação, Ciência e Tecnologia –, os remanescentes, como ele, sequer sabem a quem devem responder. “Eu devo estar alocado em algum lugar, mas ninguém me diz nada”, afirma. Questionado sobre o que servidores da Cientec estão fazendo no momento, responde: “Aguardando para sermos designados”. Enquanto isso, os laboratórios da Cientec que realizavam serviços como a homologação de equipamentos e desenvolvimento de produtos estão parados. “Está tudo fechado, com os equipamentos lá dentro”.

Na quinta-feira (14), houve uma novidade no processo. A 1ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre autorizou o realocamento de servidores que se encontravam vinculados à Cientec, que devem passar então para outros órgãos da administração direta.

Cactário da FZB sem telhado em imagem de setembro de 2018 | Foto: Divulgação

FZB

Outra fundação que sobreviveu à extinção graças a uma liminar da Justiça é a Fundação Zoobotânica (FZB), mas, diferentemente da Cientec, suas atividades continuam a ser realizadas. Jan Karel, presidente da Associação dos Funcionários da FZB, diz que atualmente 157 servidores permanecem atuando nas instituições ligadas à FZB — Parque Zoológico de Sapucaia, Jardim Botânico e Museu de Ciências Naturais –, que continuam abrindo ao público de terça a domingo.

Ele destaca que o trabalho mais afetado pelo processo de extinção da FZB foi o de pesquisas, visto que alguns pesquisadores deixaram a instituição pelo PDV oferecido pelo governo Sartori e não foram substituídos, e também pelo fato de que as pesquisas de campo foram restringidas. As realocações para a Sema ocorreram principalmente entre aqueles servidores que trabalhavam em áreas administrativas, diz. “A gente continua nos mesmos setores que estávamos originalmente, só que com muitas incertezas”, afirma.

Na quarta-feira, o Jornal do Comércio publicou que a 10ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre determinou que o ex-governador Sartori e a ex-secretária do Meio Ambiente, Ana Pellini, se manifestassem sobre os danos ambientais e patrimoniais causados à FZB. A decisão é uma resposta a uma ação de ambientalistas que denunciou a morte de exemplares de espécies ameaçadas de extinção pela falta de condições adequadas de conservação no Jardim Botânico.

Karel afirma que os servidores se reuniram com o secretário do Meio Ambiente e Infraestrutura, Artur Lemos Jr., no início de janeiro para entender qual seria a destinação dada à fundação na gestão de Eduardo Leite. “O que foi dito para a gente é que eles estavam se inteirando ainda do processo todo e que nas próximas semanas teria uma reunião de governo para definir a nossa situação. Só que desde então a gente não teve retorno”, diz. Ele diz ainda que nenhuma medida foi adotada com relação a FZB e seus servidores na atual gestão e que eles continuam em compasso de espera, aguardando a nova reunião. “Os gestores do governo anterior continuam aqui na FZB”, afirma.

Protesto contra a extinção da Fundação Piratini em dezembro de 2016 | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Fundação Piratini

Apesar de terem sido transferidos para a Secom e para o comando da administração direta do Estado, a maioria dos servidores da Fundação Piratini segue atuando na FM Cultura e na TVE. Lirian Sifuentes, representante dos servidores da fundação, diz 162 servidores permanecem atuando nas duas emissoras.

Ela destaca que, apesar da perda de alguns programas e apresentadores clássicos, como Paulinho Moreira e Demétrio Xavier, a FM Cultura permanece com programação diária ativa. A situação da TVE é diferente. Apenas dois programas inéditos vão ao ar diariamente, o Radar e a Estação Cultura. O Frente a Frente é outro programa inédito semanal realizada pelos servidores. Já o jornalismo diário é resumido a boletins que entram ao longo da programação, mas não há mais um horário exclusivo para o noticiário.

Lirian diz que, com a troca de governo, os servidores acabaram ficando praticamente em uma situação de autogestão, já que não há mais CCs (cargos de confiança) indicados pelo governo atuando na redação. Nesse cenário, ela destaca que os servidores estão se organizando para retomar a produção de um telejornal diário.

Circula uma informação de que a cedência temporária de cerca de 40 ex-servidores da Piratini para outras áreas do governo irá acabar no próximo dia 28 e, com isso, abriria-se uma oportunidade para que eles retornassem para a TVE e a FM cultura. Lirian ressalva, no entanto, que não há confirmação por parte do governo de que essa possibilidade de fato seja real e nem de que os profissionais estariam interessados nesse retorno. “É claro que um repórter de TV não está fazendo o que fazia aqui”, mas mesmo assim está com uma qualidade de vida e um emocional melhor que tinha aqui e não quer voltar”, diz Lirian.

FEE

Carina Furstenau, delegada sindical que representa os servidores da Fundação de Economia e Estatística (FEE), destaca que, após a extinção da fundação, uma parte do seu quadro foi transferida para o Departamento de Economia e Estatística (DEE), criado dentro da então SPGG, e outra parte passou a atuar em outras áreas da administração direta. Alguns profissionais foram transferidos, por exemplo, para atuar no setor de estatísticas criminais da Polícia Civil.

Dos 107 ex-servidores da FEE, cerca de 50 estão no DEE, isto é, permanecem atuando no antigo prédio da FEE, mas agora dividem com servidores da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), cuja sede em Porto Alegre sofreu um incêndio em junho passado. No entanto, ela diz que houve descontinuidade das atividades a partir do encerramento da função, uma vez que não ocorreu uma organização sistemática de trabalho do departamento. “O DEE ficou praticamente parado”, diz.

Uma das principais atividades da FEE, o cálculo do Produto Interno Bruto (PIB) do Estado foi repassada para a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe). No entanto, há um impasse jurídico e técnico sobre a questão do PIB, uma vez que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) não pode compartilhar dados sigilosos do Sistemas de Contas Nacionais com a Fipe, o que leva a questionamentos sobre a metodologia adotada pela fundação.

Carina diz que, com a troca de governo, percebe-se uma vontade da secretária do Planejamento, Leany Lemos, de retomar as atividades que eram realizadas pela FEE, que também incluíam pesquisas em diversas áreas do conhecimento. Ela conta ainda que um servidor da FEE foi nomeado diretor do DEE e, em uma reunião, Leany teria aberto a possibilidade de retorno ao departamento de funcionários que estão atuando em outras áreas do governo. “Acho que a secretária tem um viés de valorização da pesquisa e uma disposição ao diálogo. Essa é uma mudança de postura em relação ao governo anterior, que em momento algum nos ouviu”, diz.

Acordos coletivos

Uma questão importante levantada pelos servidores das fundações é que, ao passarem para a administração direta, seus antigos acordos coletivos deixaram de valer. Lirian destaca que, desde maio passado, a categoria dos jornalistas está sem receber benefícios previstos no acordo como vale-alimentação, auxílio-creche e auxílio saúde — este último substituído pela redução no desconto para quem optar por acessar o IPE. A categoria dos radialistas se encontra na mesma situação, mas desde novembro passado. Segundo Lirian, o corte nos benefícios significa uma perda salarial de cerca de R$ 1 mil.

Além disso, o acordo previa licenças mais extensas, como seis meses para maternidade, 20 dias para paternidade, oito dias após o casamento, e agora todas foram equiparadas à CLT. Outra questão é que o acordo coletivo era uma data-base para negociações salariais e, com sua extinção, ela teme que os servidores “nunca mais” tenham os salários reajustados, uma vez que o governo raramente concede aumentos lineares para todo o funcionalismo, optando por negociar separadamente com cada categoria.

Taborda, da Cientec, diz que vários de seus colegas estão entrando com ações individuais na Justiça para garantir os direitos garantidos pela antiga convenção trabalhista. “Vai ter uma enxurrada de ações trabalhistas”, diz.

Délcio Caye, advogado da Frente Jurídica em Defesa das Fundações, diz que Estado e servidores permanecem em um processo de negociação coletiva mediado pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT), mas que há “pouca coisa de novidade” com relação à troca de governo. Ele destaca que o objetivo principal da Frente, neste momento, é negociar a situação dos servidores que ele classifica como “no limbo”. Mas, segundo ele, o governo Leite ainda não começou a discutir a questão. O advogado destaca também que a Frente prossegue atuando na discussão judicial sobre a garantia de estabilidade dos servidores concursados das fundações, mantida apenas em caráter liminar e ainda questionada pelo Executivo.

Na quarta-feira, o Semapi, sindicato que representa os servidores das fundações, enviou um ofício à Procuradoria-Geral do Estado, cobrando um posicionamento sobre o pedido de recomposição do pagamento do auxílio-rancho (equivalente a 15 vale-alimentação) aos trabalhadores das fundações extintas (os trabalhadores da Fundação Piratini não recebiam o benefício). A PGE respondeu que está analisando o impacto da manutenção do benefício, mas que ainda não tinha uma resposta sobre o assunto. Em caso de negativa, a intenção do Semapi é ajuizar uma ação para reivindicar a manutenção do auxílio.


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