Opinião
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14 de setembro de 2017
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16:00

Ramiro Rosário e os insensíveis (por Cristiano Goldschmidt)

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Sul 21
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Ramiro Rosário e os insensíveis (por Cristiano Goldschmidt)
Ramiro Rosário e os insensíveis (por Cristiano Goldschmidt)
“Quando partilhamos da ideia de que um heterossexual não pode ter uma relação íntima de amizade com um gay, estamos reforçando o preconceito contra o qual tanto lutamos”. Na foto, Cristiano e Ramiro. Imagem: Arquivo pessoal de Cristiano Goldschmidt.

Meu artigo sobre a relação de amizade que mantive com Ramiro Rosário, ligado ao MBL, teve enorme repercussão, gerando algumas especulações e levantando uma polêmica: a existência de insinuações ou mensagens subliminares que dariam a entender uma relação homoafetiva entre nós.

Essa situação me fez refletir sobre uma cultura que, infelizmente, ainda está incrustada na sociedade: a da impossibilidade de amizades e de troca de afetos entre pessoas do mesmo sexo, ou até entre sexos opostos, como se um homem, quando se aproxima de uma mulher, sempre é com a intenção de “come-la”, ou como se um homem heterossexual, quando mantém uma relação muito próxima com um gay, é porque ainda não assumiu sua homossexualidade.

Quando partilhamos da ideia de que um heterossexual não pode ter uma relação íntima de amizade com um gay, estamos reforçando o preconceito contra o qual tanto lutamos. Quando trabalhamos com a ideia de que um homem não pode ter uma relação afetiva com outro, sendo ele gay, estamos jogando no abismo todo o discurso do qual nos valemos para sermos respeitados. É jogar no abismo o discurso do qual nos valemos para combater o ódio do qual somos vítimas diariamente.

Desde a publicação de meu artigo, recebi muitas mensagens, e a primeira delas já tocava na questão de um possível subtexto dentro do meu texto. Minha intenção, com aquele desabafo, foi justamente buscar entender onde foi parar a sensibilidade de um amigo com quem tive tanta intimidade, e de quem tive muito orgulho por muito tempo. Quero entender para onde foi o cara sensível, homem de teatro e das artes, que tantos momentos de alegria dividiu comigo e com o grupo do qual fazíamos parte. Não o reconheço atualmente em suas atitudes. Não o reconheço em suas manifestações raivosas e preconceituosas.

Questionar a sexualidade do Ramiro Rosário a partir do texto escrito por um homem gay e que narra a trajetória de amizade entre ambos mostra o insensível que habita em cada um de nós. Aventar sobre suas preferências sexuais a partir do texto escrito por um homem gay não é o que deveria ser posto em pauta. E lamento que isso tenha acontecido.

O que todos deveriam se perguntar é: como se dá a transformação tão radical de uma pessoa que teve acesso a todos os bens culturais e que mesmo assim acaba escolhendo outro caminho que não o da tolerância e do respeito. Como se dá a transformação de alguém, cuja trajetória até determinado momento foi a de uma pessoa que primava pelo amor às artes e que repentinamente, ou nem tão repentinamente assim, passa a atacar os artistas e suas obras? É isso o que me propus a fazer em meu artigo. É isso o que de fato me preocupa e deveria preocupar a todos.

Por fim, eu não quero uma sociedade em que um homem heterossexual tenha vergonha ou receio de assumir sua amizade com um gay, a ponto de negá-lo. Eu não quero uma sociedade em que um heterossexual não possa andar na rua com um amigo gay, com medo dos julgamentos dos demais amigos. Digo isso a partir das mensagens que recebi. Precisamos unir forças para tornar as relações de afeto, sejam elas quais forem, como acontecimentos normais, como de fato são. A partir do momento em que deixar de ser importante a sexualidade do outro, teremos naturalizado as relações humanas nas suas mais diversas possibilidades, e é isso o que importa, é isso o que buscamos.

***

Cristiano Goldschmidt é mestrando em Artes Cênicas na UFRGS.

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