Noticias|Últimas Notícias>Política
|
20 de novembro de 2012
|
17:27

Lobby no Congresso Nacional ameaça texto do Marco Civil da Internet

Por
Sul 21
[email protected]
Lobby no Congresso Nacional ameaça texto do Marco Civil da Internet
Lobby no Congresso Nacional ameaça texto do Marco Civil da Internet
“O plenário terá que enfrentar esta discussão. Quanto mais o tempo passa, mais aumentam as restrições em torno deste projeto”, diz relator do Marco Civil da Internet | Foto: Rodolfo Stuckert / Agência Câmara

Rachel Duarte

Embora o jogo de palavras dos políticos tente dizer o contrário, a verdade é que a internet do jeito que se conhece pode estar com os dias contados no Brasil. A previsão de votação do Marco Civil da Internet, que irá definir as regras da rede, é para esta terça-feira (20), segundo o relator do projeto na Câmara Federal, deputado Alessandro Molon (PT-RJ). Porém, alguns pontos do texto devem receber emendas parlamentares de última hora que poderão alterar a essência do projeto construída em consulta pública com a sociedade. Além disso, partidos como PMDB e PSD estão dispostos a adiar novamente a votação da matéria, que já deveria ter sido votada em setembro.

“O plenário terá que enfrentar esta discussão. Quanto mais o tempo passa, mais aumentam as restrições em torno deste projeto. Este é um caso que o ingrediente tempo não contribui”,  fala Molon. Porém, o relator não garante que haverá unidade da base aliada do governo federal na votação do projeto. “Vou lutar para aprovar como está, mas não posso garantir que haverá unidade”, salienta.

Se depender do PSD não haverá votação, garante o deputado federal Ricardo Izar (PSD-SP). Para ele, o debate sobre a regulação da internet precisa amadurecer e acompanhar as discussões globais sobre o tema. “Não concordo com o texto em seus artigos 7º, 9º, 12º e 15º. Eu não sei porque esta pressa para aprovar esta matéria. Isto é desejo pessoal do presidente da Câmara (Marco Maia –PT/RS) que quer deixar o mandato como o presidente que aprovou o Marco Civil da Internet”, critica.

A primeira tentativa de votação do projeto de regulação a internet no Brasil ocorreu no dia 07 de novembro, mas foi adiada em razão de divergências dos parlamentares sobre os artigos 9º e 15º, que tratam da neutralidade na rede e da liberdade de expressão, respectivamente. O primeiro refere-se à garantia da não discriminação de tráfego na rede e o segundo sobre o a regra para remoção de conteúdos pelos provedores de internet sem mandado judicial.

Neutralidade na rede

Para o ativista de software livre, Marcelo Branco, mudanças no texto podem jogar consulta popular no lixo | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

A neutralidade de rede impede que provedores de acesso à internet (empresas como Net, Vivo, entre outras), que oferecem serviços de banda larga, gerenciem os pacotes de dados que circulam em suas redes. Isso impediria que essas empresas privilegiassem o tráfego de dados de alguns consumidores em detrimento de outros.

Para o ativista em software livre Marcelo Branco, que participou da construção do Marco Civil na consulta de 2009, houve uma inflexão no Ministério das Comunicações que está refletida na base do governo na Câmara e atende a pressão das teles. “A primeira combinação era de que esta gestão seria feita pelo governo, a partir de uma orientação do Comitê Gestor da Internet Brasileira, que é quem administra a internet no Brasil desde sua origem e é considerado exemplo de gestão. Mas, a partir de uma inflexão do ministro Paulo Bernardo (Comunicações), isto passou a ser considerado como demanda para a Anatel que atende ao setor de telecomunicações, justamente o maior inimigo da liberdade na rede”, afirma.

Para ele, a importância da neutralidade na rede é indiscutível e alterar esse quesito é ferir todo o processo de construção coletiva feito com a sociedade. “Tememos que, como está o texto agora, não fique claro que a neutralidade na rede tem que ser total e exceções sejam regulamentadas. Os interesses comerciais das teles vão transformar o serviço de internet no antigo modelo de telefonia, tarifando os serviços de navegação”, acredita Branco.

Ministro das Comunicações, Paulo Bernardo | Foto: Agência Brasil
‘Temos que acabar com a ideia romântica da rede totalmente neutra”, diz ministro das Comunicações, Paulo Bernardo. | Foto: Agência Brasil

O Ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, declarou publicamente, antes mesmo da (não) aprovação pelo plenário, que seria melhor, de fato, a neutralidade ser regulamentada pela Anatel. “É um argumento tosco dizer que o projeto favorece as operadoras do setor de telecomunicações. É a Anatel que tem competência para definir as regras. Com o modelo de negócios hoje na internet, nem tudo que parece ser de graça é de fato de graça e os grandes sites de busca hoje estão ‘trilionários’.É preciso superar a ideia romântica de que a rede deve ser totalmente neutra, porque existem questões muito complexas, por exemplo os direitos autorais, o que mostra a necessidade de uma maior discussão”, falou em nota no dia 07 de novembro, quando ocorreria a primeira votação do texto.

É justamente na questão do direito autoral que mora a complexidade do debate e o jogo de lobbies no Congresso Nacional. Após reunião recente na Academia Brasileira de Letras, os intermediários do direito autoral decidiram que este debate deve ficar de fora do Marco Civil da Internet e ser abordado na futura discussão sobre a reforma da Lei 9.610/98 (Lei de direitos autorais – LDA). “O artigo 15, do jeito que está, obriga que, diante de casos de obras de autores reproduzidas de forma deliberada e ilícita na internet, a retirada do conteúdo só aconteça mediante mandado judicial. Com uma justiça paralisada como a brasileira, a expropriação da obra irá continuar até ter uma decisão que ainda irá correr na esteira do contencioso até a decisão final”, defende o advogado especialista em direito autoral Hildebrando Pontes.

Denúncias poderão retirar conteúdos do ar sem direito à defesa

Conforme o advogado do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Guilherme Varella, atualmente a ausência de uma regulação sobre o uso da internet já deixa a decisão sobre os conteúdos que estão disponíveis na rede na interpretação dos juízes. Com a alteração do artigo 15 do Marco Civil da Internet, ele prevê a institucionalização da indústria da notificação. “Será a lógica do notifica e retira do ar. As pessoas têm liberdade de comunicar e colocar suas opiniões na rede. Se o Marco Civil não der esta segurança, quem irá decidir o que é justo ou não serão os provedores quando acionados por qualquer notificação”, alerta.

Conteúdos poderão ser retirados do ar sem mandado judicial./ Ramiro Furquim/Sul21

Segundo o advogado, por cautela jurídica, os provedores vão evitar julgar o que é certo ou errado na rede e atenderão a todas as notificações. “Se você tiver um vídeo no Facebook com a música ou conteúdo de suposto autor, ele se sentindo ferido poderá notificar e o conteúdo ser retirado do ar. Hoje com a garantia do mandado judicial, é garantido ao menos o direito de defesa e o conteúdo é retirado provisoriamente até o julgamento. Não em definitivo, como poderá vir a ser”, compara.

Varella defende que se a intenção do relator Alessandro Molon foi tratar direito autoral em uma legislação específica, a mudança feita no texto do Marco Civil da Internet não contribuiu para isso. “Abre brecha para que, mesmo sem comprovação de que determinado conteúdo (vídeo, foto, música) viola direito autoral, uma simples notificação do eventual titular é suficiente para que o provedor, num julgamento privado, retire esse conteúdo do ar, com medo de ser penalizado. Caberá depois ao usuário prejudicado, geralmente com menos condições para isso, o ônus de procurar a Justiça para reaver seu conteúdo suprimido”, alega.

Do lado dos autores, o advogado Hildebrando Pontes também concorda que o texto como está “irá gerar uma problemática judiciária incontrolável”. Ele considera o texto “de uma miopia e de má intencionalidade inequívoca”. Para Pontes, a melhor alternativa seria aguardar um melhor momento para votar o Marco Civil da Internet, para evitar mudanças em plenário. “O fundamental é que estas questões não podem ser utilizadas desta maneira na esteira da rede. Os que acham que podem meter a mão na obra dos outros, por certo que defendem esta posição.O processo cultural do povo depende da criação de autores e não podem ser eles os penalizados”, defende.

Se a votação do Marco Civil da Internet não acontecer antes de dezembro, os ativistas da liberdade na rede entendem que haverá mais um risco ao projeto. Em dezembro, representantes dos Estados-membros da União Internacional de Telecomunicações (UIT), agência da ONU de Genebra, estarão em Dubai discutindo a atualização do Regulamento de Telecomunicações Internacionais (RTI). A intenção é determinar se a internet deve ser regulada nos mesmos termos e controles regulatórios que televisão, telefone e rádio.

Leis locais em Dubai e nos Emirados Árabes Unidos proibem usuários de internet de acessar páginas de internet de encontros, pornografia, nudez, homossexualidade, apostas e blasfêmeas, entre outras categorias proibidas. Quando representantes dos Estados-membros da UIT chegarem ao Estado para decidir sobre o futuro da internet, eles devem entender cada página de internet bloqueada como um aviso sobre as consequências que um novo RTI para a internet poderá ter em relação à liberdade de expressão. Porém, somente os Estados-membros da UIT podem ter acesso aos documentos preparativos com as propostas de alteração do RTI, deixando os grupos da sociedade civil e a própria sociedade sem qualquer informação.

O deputado federal Ricardo Izar, um dos contrários ao texto atual do Marco Civil da Internet, já aponta para a necessidade de aguardar o desfecho da Conferência Mundial sobre Telecomunicações Internacionais (CMTI). “Essa regulação só foi aprovada no Chile e nós conversamos com o ministro chileno que ficou arrependido de ter aprovado. Ele viu o nosso e disse que estamos ainda pior que eles. Haverá um fórum em Dubai importante sobre o assunto. Porque não esperamos o mundo resolver o que é melhor e esperamos para aperfeiçoar o nosso texto?”


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora