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22 de novembro de 2012
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17:46

Especialistas projetam desafios do Brasil com retorno ao Conselho de Direitos Humanos da ONU

Por
Sul 21
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Brasil reassume mandato no Conselho de Direitos Humanos da ONU com desafio de exercer protagonismo, dizem especialistas | Foto: Roberto Stuckert FIlho/Presidência da República


Samir Oliveira

O Brasil voltou a ter uma vaga no Conselho de Direitos Humanos da ONU no dia 12 de novembro, quando a assembleia-geral da organização aprovou a eleição do país por 184 votos. Na ocasião, Argentina e Venezuela também conseguiram um assento no organismo, tendo obtido 176 e 154 votos, respectivamente. As três nações foram escolhidas para representar a América Latina e o Caribe no órgão.

Composto por 47 países – com mandatos de três anos para cada um –, o Conselho de Direitos Humanos da ONU foi criado em 2006 para substituir a desacreditada comissão que havia para o tema na missão de fiscalizar e promover os direitos humanos no mundo. Até junho de 2011, o Brasil sempre contou com uma cadeira no órgão.

A atuação brasileira seguia a linha ondulante da diplomacia comandada pelo ex-presidente Lula (PT): defendia, no discurso, a defesa dos direitos humanos mas, na prática, em alguns casos, se omitia de fazer coro a condenação pública a alguns países. Especialistas ouvidos pelo Sul21 apontam que o Palácio do Planalto ocupou papel central na criação e no fortalecimento do conselho, tendo votado e proposto resoluções importantes na defesa da liberdade de imprensa, por exemplo. Entretanto, há fortes críticas quanto à omissão do Brasil, que tem se recusado a emprestar sua voz e seu crescente prestígio internacional para defender de forma mais veemente flagrantes violações de direitos humanos em países como Coreia do Norte, Síria, Irã, Congo, Sri Lanka e Cuba.

Uma análise mais acurada dos posicionamentos da diplomacia brasileira no que diz respeito aos direitos humanos demonstra que a política externa do país vem optando por uma espécie de neutralidade em casos muito polêmicos. Neutralidade que, para alguns, é tida como uma postura correta diante dos interesses econômicos do Brasil, além de ser uma forma de não alinhar-se automaticamente a diretrizes norte-americanas, que costumam colocar a defesa dos direitos humanos ao sabor de suas convicções políticas e de sua concepção de democracia.

Para outros, no entanto, essa neutralidade representa uma omissão e, até certo ponto, um estímulo ao desrespeito aos direitos humanos. A professora do Instituto de Relações Internacionais da USP, Deisy Ventura, acredita que é possível adotar uma agenda propositiva para os direitos humanos sem se deixar levar pela pauta norte-americana.

“Parte da esquerda considera que direitos humanos são direitos burgueses. E outra parte considera que tratar de direitos humanos na política externa é seguir os interesses dos Estados Unidos. Isso acontece, por exemplo, sempre que se questiona a construção de Belo Monte”, critica.

Deisy avalia que a esquerda precisa evoluir nesse debate. “Não é porque os Estados Unidos instrumentalizam o tema que vamos deixar de defender os direitos humanos. Não há somente duas alternativas, existe um caminho intermediário que precisa ser construído”, entende.

Orientação diplomática mudou muito pouco com a troca de governo

O novo mandato que o Brasil assume no Conselho de Direitos Humanos da ONU será cumprido durante o governo da presidenta Dilma Rousseff (PT). Apesar da troca de comando no Palácio do Planalto, pouco ou quase nada deve se modificar no papel desempenhado pelos direitos humanos na política externa do país.

Dilma assumiu afirmando que os direitos humanos são um “compromisso inegociável” nas relações do Brasil com outros países. O professor do programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFRGS, Rodrigo González, entende que a orientação diplomática se define muito mais nos gabinetes do Itamaraty do que nas convicções de um presidente da República. “A política brasileira para direitos humanos é definida basicamente dentro do Itamaraty e tem permanecido a mesma nos últimos 25 anos. Claro que o presidente Lula tinha uma forte presença de mídia nesse sentido e a Dilma não costuma se manifestar muito”, compara.

Dilma exerce menos a diplomacia presidencial, diz Camila Asano | Foto: Roberto Stuckert FIlho/Presidência da República

Coordenadora de política externa e direitos humanos da ONG Conectas, Camila Asano diz que havia expectativa de que Dilma promovesse algumas inflexões na política externa. “A política externa de direitos humanos segue com ambiguidades que marcavam as atitudes do governo Lula. No caso do Irã, Dilma chegou a dizer, antes de tomar posse, que votaria as resoluções do conselho de forma diferente (condenando as violações no país). Mas, quando esteve em posição de mudar, continuou com o mesmo posicionamento (de se abster)”, recorda.

Professora de Relações Internacionais na Fundação Armando Álvares Penteado, Camila reconhece que é difícil comparar a atuação de Lula e Dilma nessa área. “Ela exerce menos a diplomacia presidencial e tem uma agenda internacional menos intensa. São perfis muito diferentes. Mas Dilma não quis se posicionar sobre Cuba, um país onde ainda existem presos políticos. Como ex-presa política, esperava-se que ela tivesse uma posição sobre isso”, lamenta.

Para Deisy Ventura, a presidente possui uma “percepção datada” sobre direitos humanos. “Para a geração dela, a defesa dos direitos humanos é a defesa da recuperação dos direitos civis e políticos. Ela pode, mais do que ninguém, testemunhar o que é uma ditadura. Mas direitos humanos não se resume a isso”, explica.

A professora da USP diz que os programas de distribuição de renda do governo federal – apresentados nas instâncias internacionais como as maiores conquistas do país – não contemplam, necessariamente, os direitos humanos. “A população incluída economicamente está mais relacionada ao consumo. Há um largo caminho a ser percorrido. Muitas pautas do governo federal, como o tratamento dispensado aos indígenas, dão a entender que os direitos humanos não são uma prioridade”, critica.

“Democracia brasileira é um ativo mal aproveitado na política externa”, diz assessor da Anistia Internacional

Assessor de direitos humanos do escritório da Anistia Internacional no Brasil, Maurício Santoro acredita que o país não aproveita a força de sua voz na comunidade internacional para defender os direitos humanos de forma ampla. “O Brasil foi um país muito ativo no processo que levou à criação do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Mas há uma relutância muito grande em denunciar e criticar países que são grandes violadores de direitos humanos”, aponta.

Maurício Santoro critica “diplomacia silenciosa” do país em relação a nações violadoras de direitos humanos | Foto: Roberto Stuckert FIlho/Presidência da República

O cientista político explica que, nesses casos, o Brasil opta por uma “diplomacia mais silenciosa” e pela pressão nos bastidores. “Esse tipo de atuação é a não-atuação. A melhor maneira de lidar com esses temas é por meio de uma pressão pública que envolva vários governos e as sociedades desses países. Assim, os diferentes instrumentos da ONU podem ser postos em funcionamento”, defende.

Maurício Santoro acredita que a mudança na agenda internacional dos direitos humanos no Brasil dependerá mais da conjuntura geopolítica do que de uma troca de governos. “Está se criando uma pressão cada vez maior sobre o Brasil. Devido à sua importância, o país é chamado a se manifestar. Mas ainda adota uma postura muito tímida em relação à primavera árabe, por exemplo, relutando em pressionar por mudanças profundas na região”, analisa.

Para o assessor da Anistia Internacional, o país está subestimando sua importância no cenário global ao não pautar de forma mais intensa a defesa dos direitos humanos. “O Brasil pode falar de direitos humanos no Oriente Médio sem o peso de nações que possuem um histórico de colonialismo e intervenção militar na região. Mas o país tem se omitido de assumir a responsabilidade plena nos fóruns internacionais. Se olharmos o vigor da nossa democracia e dos nossos movimentos sociais, perceberemos que existe uma lacuna entre o que vivemos internamente e o que exercermos em nossa política externa”, compara.

Maurício Santoro entende que o Brasil não tem assumido o protagonismo que lhe caberia junto aos países em desenvolvimento para defender os direitos humanos. “A democracia brasileira é um ativo mal aproveitado em nossa política externa, principalmente se compararmos o Brasil com os outros integrante do BRIC. A Rússia manda cantores críticos ao governo para campos de trabalhos forçados na Sibéria e a China tem uma longa história de violência política contra sua população”, argumenta.

Abertura aos mecanismos internacionais de direitos humanos coloca em xeque a eficiência de suas cobranças

O Brasil tem sido um dos países mais abertos às intervenções dos organismos internacionais de defesa dos direitos humanos. O país já se submeteu duas vezes à Revisão Periódica Universal elaborada pelo Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos (ACNUDH).

A revisão é o principal mecanismo adotado pelas Nações Unidas para verificar a agenda de um país para os direitos humanos e o cumprimento de objetivos assumidos para a área. Além disso, ela traz uma série de sugestões de relatores da ONU de diversos países para a nação em análise.

Sede do Conselho de Direitos Humanos da ONU | Foto: Jean-Marc Ferré/ONU

Foi a partir da Revisão Periódica Universal concluída neste ano, por exemplo, que a Dinamarca sugeriu a extinção da polícia militar no Brasil. O relatório da ONU constatou que a tortura ainda existe no país graças à manutenção de aparatos herdados da ditadura, como a política militar.

Mas até que ponto as pressões e constatações do chamado Sistema internacional de Direitos Humanos possuem efeito sobre a política interna do país? “Desde 2007, o Brasil assumiu o compromisso de criar um comitê nacional de prevenção à tortura, com profissionais de diversas áreas, que pudessem ter acesso aos locais de privação de liberdade, e até agora isso não ocorreu”, lembra Camila Asano, da ONG Conectas.

O professor do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da UFRGS, Raul Enrique Rojo, critica o descumprimento da sentença proferida contra o Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) – que instou o país a anular a Lei da Anistia para poder julgar os crimes cometidos por agentes do Estado durante a ditadura militar.

“Até agora, o ponto mais alto foi a criação da Comissão da Verdade. Mas há uma posição deste governo que ratifica a Lei da Anistia e considera que ela é válida inclusive para os crimes de lesa-humanidade. O que é paradoxal, pois eles são considerados imprescritíveis diante da jurisprudência internacional e o Brasil já foi condenado quanto a isso pela CIDH”, reforça.

Assessor de direitos humanos da Anistia Internacional no Brasil, Maurício Santoro é um pouco mais otimista em relação à eficiência dos mecanismos internacionais nessa área. “A participação do Brasil no Conselho de Direitos Humanos da ONU é uma maneira de reforçar a aplicação de políticas públicas internas”, entende.

O cientista político observa que “as sentenças da CIDH em relação à Lei da Anistia têm levado a uma série de debates e têm servido como base para a abertura de processos penais no país”. Para Santoro, “a fronteira entre política internacional e política doméstica para direitos humanos está cada vez mais tênue e permeável”.


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