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30 de novembro de 2012
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08:00

A Mãe Palestina: ativistas falam sobre resistência feminina no FSMPL

Por
Sul 21
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Mesa de debates “A luta de resistência das mulheres palestinas” ocorreu na quinta-feira (29) | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Natália Otto

Em uma prisão de Israel, uma prisioneira política passa por um calvário que não é comum a seus companheiros homens: soldados israelenses tocam uma fita de áudio com os gritos de seus dois filhos chamando por seu nome. O berro das crianças, a pior das torturas, pretende incitar uma confissão que não vem. A cena é contada pela jovem Hannin Nassar, que reconta as memórias da mãe, a presa política Maha Nassar, falecida em 2008.

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“Ao sair da prisão, estava irreconhecível de tão magra”, conta Hannin. “Mas nunca esteve tão bonita como quando correu de volta para casa para rever os filhos”, emociona-se. A cena é parte do filme sobre mulheres palestinas que abriu a mesa de debates A luta de resistência das mulheres palestinas, que ocorreu nesta quinta-feira (29), integrando o Fórum Social Mundial da Palestina Livre. O documentário, dirigido pela jornalista Salam Hindawi, deu o tom da fala das palestrantes, todas militantes palestinas: a luta das mulheres da região, que precisam encontrar o balanço entre o ativismo e a proteção da própria família.

Como acontece em todo o conflito no mundo, há certas agruras da ocupação israelense da Palestina que afligem mais as mulheres da região. Prisões políticas, demolições de casas, revistas abusivas nos check points estão entre as dores das mulheres palestinas – e entre os motivos de sua luta. Sobre isso falaram as ativistas reunidas no Salão de Festas da UFRGS, em uma atividade auto-gestionada organizada pela Marcha Mundial das Mulheres, Federação Democrática Internacional das Mulheres, União Brasileira das Mulheres, Confederação de Mulheres Brasileiras, CUT e MST.

Abla Sa’adat: “Israel destruiu as famílias palestinas com barreiras e muros” | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Esposas de presos políticos continuam a luta dos companheiros

Hoje, 36 mulheres são presas políticas de Israel. Todas sofrem com o isolamento da família, especialmente do marido e dos filhos. Ainda há o grande número de mulheres que sofrem com a prisão política mesmo fora dos centros de detenção: são seus maridos e filhos que vivem isolados. Cabe às esposas de militantes, sozinhas, criarem seus filhos e conduzirem a luta de seus companheiros.

Abla Sa’adat, esposa do ativista e atual preso político Ahmad Sa’adat, compartilhou sua experiência com o público. “Nós, esposas de militantes, aprendemos a usar da resistência e da paciência frente a todos os desafios da vida”, afirmou. “Quando o esposo é preso, a mulher precisa continuar sua luta”.

Para Abla, a maior dor do preso político é justamente o isolamento da família. “Assim, eles não conseguem saber nem o que está acontecendo na vida de seus entes queridos, nem as notícias do mundo. Ele fica fora da realidade”, explicou. Abla, ela própria uma ativista, contou que têm quatro filhos, dois homens e duas mulheres. O mais novo, de 21 anos, cresceu com o pai na cadeia.

“Assumi sozinha a responsabilidade pelos filhos”, contou ela. “Nunca esqueço quando eles se formaram na universidade. Todos os formandos tinham pai e mãe, apenas eles não. Eu estava sozinha”, lamentou.

Para Abla, esse sofrimento está gravado na memória coletiva de todas as mulheres palestinas e não as deixa esquecer da luta contra a ocupação israelense. “Esse inimigo destruiu as famílias palestinas com barreiras e muros”, acusou. “Somos palestinas, esposas de militantes palestinos que amam a vida e a liberdade, e por isso lutamos!”, bradou, em meio aos aplausos do público e das colegas de mesa.

“Como explicar para uma filha de cinco anos que Gaza está sobre ataque?”, pergunta Arabiya Mansur | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

A dor e a responsabilidade das mães palestinas

Ser mãe na Palestina é viver com o constante medo de perder os filhos – para uma bomba, para um tiro, para uma prisão. A palestrante Arabiya Mansur compartilhou com o público histórias dessas mães.

“Como explicar para uma filha de cinco anos que Gaza está sobre ataque?”, questionou. “Como mandá-la se esconder debaixo de uma mesa? A mulher palestina vive diaramentessa revolta”. Araibya ainda falou da dor das mães que têm os filhos mortos em ataques de soldados israelenses e, ao buscar justiça legal, não encontram ninguém que possa ajudá-las.

Outra imagem emblemática foi a história de uma família que teve a casa bombardeada. Arabiya conta que uma criança foi encontrada ainda mamando nos seios ensanguentados da mãe falecida. “São as nossas sinas. Mas, apesar de todas as dificuldades, a mulher palestina continua com a luta através da crianção dos filhos”, afirmou.

Na região, cabe à mãe transferir a identidade nacional às novas gerações e, assim, a causa palestina. No filme exibido na abertura do debate, a ativista e presa política Maha Nassar questiona a ideia de que se deveria criar os filhos “com neutralidade”, deixando-os escolher suas batalhas sozinhos. “Se não consigo influenciar nem meu filho, como vou convencer todos os outros povos a ficar do meu lado?”, perguntou, indicando que, para ela e muitas outras mulheres palestinas, a revolução começa dentro de casa.

Mães evitam falar de política aos filhos para evitar que se transformem em militantes, diz Thaira Zoabi, da Juventude Palestina | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Palestinas sofrem tortura e perseguição sexual 

Mas nem todas as palestinas encontram nas mães uma inspiração política. Thaira Zoabi, da Delegação da Juventude Palestina, contou que cresceu em um lar apolítico. “Minha família não tinha consciência política, só sabiam que o território onde viviam estava ocupado por israelenses. Mas não sabiam nada sobre os refugiados”, contou.

Thaira, hoje com 28 anos, foi obrigada em estudar em escolas israelenses devido aos seus documentos, que lhe concediam cidadania. “As mulheres sofrem opressão e deformação de suas memórias. Na escola, nunca aprendi nada sobre minha própria história e a história do meu povo, tudo era manipulado”, lamentou.

“As mães têm medo de sensibilizar seus filhos nas questões políticas porque temem que eles virem militantes. Não querem que eles sejam presos nem tenham problemas com as autoridades”, ponderou a jovem, que já foi presa e vítima de tortura. “Quando palestinos saem para manifestar, nos batem, nos torturam. Sofri muito na cadeia, inclusive perseguição sexual”, afirmou.

As palestrantes terminaram suas falas sob os gritos das mulheres da plateia: “Sou feminista, não abro mão. Vou para a Palestina fazer revolução!” Dentro e fora do domínio de suas casas, as palestinas resistem. Não parece à toa que Palestina é substantivo feminino, nem que seu povo a chama carinhosamente de mãe.


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