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20 de outubro de 2012
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14:51

O que se vê quando se olha uma obra de arte?

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Sul 21
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Ali está não somente um objeto, mas uma carga simbólica que nele é depositada pela sociedade que o reconhece como artístico dentro de uma tradição de beleza e perenidade. No Brasil esta tradição da arte, com seus valores, se institui no século XIX, mais especificamente a partir de 1816, com a criação da Academia Imperial de Belas Artes, Rio de Janeiro, sob influência da Missão Artística Francesa. Esta era constituída por um grupo de artistas vindos da França, entre os quais Jean Baptiste Debret, Nicolas-Antoine Taunay e o arquiteto Grandjean de Montigny, que vieram a convite da família imperial portuguesa quando esta se mudou para a colônia, fugindo da invasão de Napoleão Bonaparte a Portugal. Uma arte que se instaurou como uma imposição da nobreza e que a população local foi aos poucos assimilando como símbolo de status. Esse será, talvez, um dos fatores que faz com que a arte aqui tenha pouca tradição e inserção social? Diferentemente de outros locais, como, por exemplo, o México, onde ela encontrou sentido para camadas mais amplas da sociedade.

Mas isso não é um processo irreversível, a arte pode e deve ampliar suas possibilidades de inserção social, e este objetivo tem estado em muitos projetos artísticos no País. Mas como se forma o gosto e o interesse pela arte? Talvez a primeira resposta seja, pela educação. Nesse sentido, os inúmeros programas de arte Educação e visitas monitoradas desenvolvidos por museus e outras instâncias, que se desenvolvem com crescente demanda desde os anos 80, podem ser considerados um impulso nesta expansão do público de arte no Brasil. Outra resposta pode ser pelo desenvolvimento do meio social. Nesse caso, algumas políticas culturais por parte de instituições públicas e privadas podem colaborar, apoiando artistas e trazendo ao grande público possibilidades de acesso às experiências de vivências artísticas. Uma terceira resposta pode ser pela ação da família. Essa é uma expansão mais difícil de ativar, pois pressupõe mudanças estruturais no corpo social e opções que passam pelos indivíduos e seus desejos. Essa é também a via mais pessoal e íntima.

Certa vez, um amigo, de origem humilde, nascido na Holanda, contou que gostava de arte porque seu pai operário, nos domingos, levava a família a passear, visitando museus. Nessa situação se articulam duas condições, uma família que, embora de baixa renda, tinha aspirações culturais e a sociedade, que favorecia este tipo de expectativa com museus de qualidade e atrativos.

No Brasil é difícil o interesse pela arte local. Será porque estão nos museus europeus a maioria das obras-primas que valem a pena ser vistas? Talvez seja importante pensar que a história da arte que se conhece foi escrita a partir dessas coleções de objetos. Será que se tem consciência disso quando se diz que a verdadeira arte só pode ser vista no exterior? Ou quando só se vai à exposição de arte fora do País?

É verdade que as coleções de obras da arte local muitas vezes se encontram em museus de história, dispersas pelo vasto território nacional, dificultando uma valorização de suas qualidades e o reconhecimento de seus significados simbólicos. Mudanças nessa estrutura envolvem interesses políticos e complexos aspectos do universo simbólico da sociedade. Para que se tenha uma ideia da magnitude desse tipo de ação e suas implicações, basta lembrar que quando, na França, foi organizado o Museu D´Orsay , concentrando nele a produção artística do século XIX – retirando obras do Louvre e outros museus – a resistência da sociedade foi enorme, gerando debates e fortes reações contrárias. Mas, quem já visitou o Museu Nacional de Belas Artes , no Rio de Janeiro, onde se encontra, possivelmente, o maior acervo público da produção artística nacional do século XIX?

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Para conhecer essa arte e sua história, uma boa dica é a coleção “Historiando a Arte Brasileira”, editada pela, C/Arte, em Belo Horizonte. Nesta coleção, organizada para fins didáticos, podem ser encontrados já os seguintes volumes: Arte pré-histórica no Brasil, Arte afro-brasileira, Arte indígena no Brasil, Arte brasileira no século XIX, Arte abstrata no Brasil e Arte moderna no Brasil. Para finalizar a coleção estão previstos, para 2013, Arte no Brasil nos anos 60-70 e Arte contemporânea no Brasil. Com textos de especialistas em cada um dos temas abordados, e fartamente ilustrados, eles permitem uma aproximação fácil e bem fundamentada. Afinal, o conhecimento desperta interesses.

E o conhecimento dessa história tão interessante pode levar pelo caminho da busca pelas obras em museus. Se a arte não muda o mundo, ela pode mudar a forma de ver o mundo. Com certeza um olhar sensibilizado por imagens que articulam o real o imaginário e o simbólico capta o mundo com mais significados, mais profundidade, mais texturas e tessituras, mais rico e colorido.

Quando se olha uma obra de arte histórica se olha o passado, mas também o presente. Georges Didi-Huberman diz que uma imagem tem três tempos: aquele anterior à vida do artista, que constitui todo o legado visual que ele recebe de seus anteassados e incorpora de uma maneira ou de outra em seu trabalho; o tempo do artista que corresponde a suas vivências pessoais, seus contemporâneos, suas influências artísticas, tendências e influências. e finalmente, o tempo do espectador, que, ao olhar uma imagem do passado, a vê pela perspectiva de seu momento e suas experiências pessoais e sociais. Essa riqueza de sentidos é sutil, mas oferece muitas possibilidades de descobertas.

Claro que muitas tarefas necessárias à ampliação do interesse pela arte passam por ações políticas e empresariais, fugindo a escolhas e decisões individuais. Mas acusar o descaso das autoridades não resolve nada. Nas circunstâncias atuais, para conhecer a arte no Brasil é preciso um esforço pessoal. Mas vale a pena, pois inúmeras e agradáveis surpresas esperam aqueles que se aventuram.


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