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23 de junho de 2012
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05:21

Arte e política, arte política ou política da arte?

Por
Sul 21
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Alguém se lembra de que Frederico de Moraes, curador da I Bienal de Artes Visuais do MERCOSUL estabeleceu três vertentes para organizar a mostra, sendo uma delas “Política – arte e seu contexto”?

Com o estabelecimento dessa vertente, ele pareceu segmentar determinadas obras, restringindo a política a alguns artistas e produções. Entretanto, verifica-se que é difícil pensar em fugir a essas relações, que se imbricam em tantas interconexões. As três expressões colocadas no título da coluna não são sinônimos, cada uma delas evidencia uma determinada problemática nas complexas ligações da arte com seu contexto. A expressão “arte e política” diz respeito a todo tipo de possibilidades de interconexões da produção artística com os movimentos políticos. “Arte política” é aquela em que o artista se assume como protagonista de uma ação política, buscando produzir efeitos nas estruturas de poder vigentes, sejam para sua transformação ou para sua manutenção. A expressão “política da arte” se refere às correntes políticas que se estabelecem dentro do campo da arte definindo posições e poderes. Apesar de se falar tanto de política em nosso meio, contraditoriamente, no entanto, muito pouco se fala de suas relações com a arte.

No entanto, como afirma Jacques Ranciere, “arte e política têm em comum o fato de produzirem ficções. Uma ficção não consiste em contar histórias imaginárias. É a construção de uma nova relação entre a aparência e a realidade, o visível e o seu significado, o singular e o comum.” É sob esta ótica que vale a pena ver a exposição “Expressões da revolução”, com curadoria de Demétrio Portugal, que se encontra no Centro Cultural Usina do Gasômetro, de 13 junho a 14 de julho, como parte das atividades do Democracine.

Demétrio Portugal é um dos mais ativos membros da Matilha Cultural, uma entidade independente e sem fins lucrativos, instalada em um edifício de três andares no centro de São Paulo. Inaugurada em 2009, a Matilha resultou de um trabalho coletivo de profissionais de diferentes áreas, tendo como principais objetivos apoiar e divulgar produções culturais e iniciativas socioambientais do Brasil e do mundo. A mostra “Expressões da revolução” também foi ali apresentada.

Na Usina do Gasômetro a mostra está organizada e distribuída em três espaços – Galeria Iberê Camargo, Galeria dos Arcos e Galeria Lunara. A mostra promove uma reflexão sobre os processos revolucionários em andamento no Oriente Médio, reunindo diferentes fotógrafos e manifestações artísticas do Egito e da Tunísia.

Na Galeria Iberê Camargo encontra-se a vídeo-instalação que reúne imagens do trabalho de Ahmed Basiony denominado “30 dias correndo sem sair do lugar”, juntamente com imagens da praça Tahrir durante o período dos conflitos que levaram à queda do ex-ditador Mubarak. Nessa performance, realizada em 2010, o artista usava uma roupa de plástico confeccionada por ele mesmo, com um dispositivo para medir seus passos e transpiração ao correr durante uma hora diariamente. Em um painel digital esses dados eram apresentados transformados em imagens e cores. O artista, ativista político, se referia ao desperdício de energia durante os 30 anos do governo Mubarak. Na Bienal de Veneza, em 2011, a curadoria trouxe polêmica ao apresentar a obra do artista assassinado nos conflitos do Cairo.

Ahmed Basiony, “30 Days of Running in the Space”, 2010 from Jizaino on Vimeo.

Na galeria dos Arcos, encontram-se a coletiva de fotos tunisiana sobre o processo de revolução até as eleições no país curada por Lotfi Kaabi, em parceria com a Anistia Internacional – Londres. Também podem ser vistos ilustrações e intervenções urbanas de graffiti de Ganzeer; artista e designer gráfico da nova geração do Egito.

Na Galeria Lunara, encontra-se uma produção bem diversificada, info-vídeo sobre os processos revolucionários na Primavera Árabe, desenvolvido pelo coletivo Paulista BijaRi, além de manifestações de stenci e graffiti das ruas do Cairo, vídeos contextualizadores etc. Destacam-se os vídeos do media ativista, artista visual e estudioso das estruturas em rede, Aalam Wassef, que inspirou os egípcios a ações subversivas na internet com vídeos e táticas revolucionárias. Wassef, que estudou artes plásticas na França, de 2006 a 2011, produziu vários trabalhos em diferentes meios, sob diferentes identidades, por conta do cunho político anti Osni Mubarak. Depois da queda deste, revelou-se como artista, assumindo a autoria destes trabalhos

Ali se encontram, também, as imagens do projeto “Game over”, exposição produzida em parceria com o grupo Planet Art Exchange (organização baseada no Reino Unido, sobre estratégias de resistência para defender as aspirações reais da revolução tunisiana), que reúne o trabalho de quarto artistas revolucionários  – Wassim Ghozlani, Sameh Arfaoui, Amine Landoulsi e Hamideddine Bouali e a intervenção de Amira Aleya,  professor de história nacional na Universidade Manuba, da Tunísia. A mostra traz 50 trabalhos sobre os primeiros momentos dos conflitos tunisianos até a queda de Ben Ali, ditador tunisiano.

Também, podem ser vistos ali pôsteres, stencils e graffitis, resultados de expressões da arte de rua do Cairo, feitos por Ganzeer,.E, ainda, Tahrir!”, exposição fotográfica que esteve em cartaz em abril na Galeria de Fotos da Universidade Americana do Cairo. O projeto reúne imagens de 20 fotógrafos com registros de momentos do Egito desde 25 de janeiro, o primeiro dos protestos que derrubaram o ditador Mubarak.

Segundo Demétrio Portugal, “A temática do Oriente Médio e do Norte da África está relacionada ao debate da questão do “poder de mudança” que o povo tem e a dignidade de fazê-lo por meios pacifistas e em prol dos direitos humanos e dos cidadãos – colocando questões religiosas, étnicas e de classe em segundo plano… É um processo de geração de conteúdo, confiança, construção de rede de contatos e troca entre culturas num dos momentos mais transformadores de uma sociedade que, no caso do Egito, representa também uma das civilizações mais antigas do mundo. A “Expressões Revolucionárias”, portanto, é o reflexo e o compartilhamento de toda essa experiência.”

Comentando para o Canal Contemporâneo a grande mostra “Documenta”, recentemente inaugurada em Cassel, na Alemanha, Daniela Bousso afirma: “ Há uma urgência em recusar o atual estado das coisas e, pelas vias da arte, propor espaços de expressão libertária que parecem, loucamente, querer retomar as utopias perdidas do maio de 1968. Um dia John Lennon declarou: “”O sonho acabou” e seguimos meio que anestesiados pela vida afora, entre o inconformismo e o conformismo, nós e também a arte, por meio século. E se o sonho de fato não tivesse acabado, mas apenas adormecido, e agora?” Talvez um comentário semelhante possa ser utilizado em todos os diferentes momentos e formas em que a arte, hoje, perpassa o social, abandonando seu reduto museológico para se enredar no mundo, fazendo política em inúmeras novas tipologias.


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