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4 de novembro de 2011
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16:03

Alergias, cânceres e produtos para bebês

Por
Sul 21
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Você gasta alguns bons trocados para dar um belo banho no seu bebê usando um xampu da marca mais famosa do mundo, a Johnson & Johnson, depois seca-o suavemente, coloca a fralda, uma roupa limpa e então leva-o, com o tradicional cheirinho de bebê”, ao pediatra. Você acredita que um bebê deve estar perfumado e que o xampu, por ser específico para bebês, protege o pequeno das famosas bactérias da vida, agora superpopularizadas como um mal que espreita seu bebê a cada espirro. Faz um tempo que ele apresenta alergias, o pediatra desconfia de todos os alimentos naturais que seu filho come, da banana à maçã, o vilão pode estar na feira ou em alguma coisa que você ingere, já que ele mama no seu peito. Você pode passar meses tentando descobrir a causa, mas é provável que jamais desconfie dos produtos higiênicos que usa no seu filhote. É que você não sabe, porque a propaganda do xampu J&J não avisa, que o líquido viscoso, colorido e cheiroso, que não arde nos olhos, leva em sua fórmula um conservante que libera formaldeído, substância que pode causar alergias e alguns tipos de câncer.

Um grupo de ativistas da saúde, representados por mais de 150 Ongs, incluindo a Ação pela Água Limpa, o Fundo para o Câncer de Mama e a Amigos da Terra, juntaram-se à Campanha por Cosméticos Seguros e pedem, desde a última terça-feira, um boicote aos xampus que usam conservantes liberadores de formaldeídos. Desde 2009 que a Campanha por Cosméticos Seguros apontou o uso do quartenium-15 na linha de xampus para bebês vendida nos Estados Unidos e em outros países onde a multinacional comercializa seus produtos.

A J&J garante que desde 2009 está empenhada em diminuir o uso do quartenium-15 e também do 1,4-dioxane, outro carcinogênico utilizado em produtos para higiene de bebês.

Em países como Japão, Holanda, África do Sul e Reino Unido, os xampus para bebês da J&J já estariam livres das substâncias nocivas. Segundo a empresa, em nota divulgada pela Reuters, “sabemos que alguns consumidores estão preocupados com o formaldeído e estamos eliminando gradualmente esses tipos de conservantes em nossos produtos para bebês no mundo, mas ainda não é possível prever quando todos os produtos estarão totalmente livres de fomaldeídos”.

O Departamento de Saúde dos EUA afirma que o formaldeído é sabidamente cancerígeno, mas que é difícil evitar a exposição a ele, pois a substância é muito usada em diversos produtos e traços dela podem ser encontrados no ar e especialmente dentro de casa. A exposição constante aumenta o risco de reações alérgicas, segundo a Agência de Proteção Ambiental dos EUA. O assunto, em voga desde 2009, continua sem um ponto final.

Ficaria bastante difícil entender porque a empresa não corta a compra e o uso desses produtos a fim de proteger ou ao menos deixar de expor os bebês do mundo inteiro a um agente sabidamente cancerígeno e alergênico, se não fosse tão claro o motivo: comercial. Um mercado que gira bilhões de dólares, só cresce e nada pode perder para investir em prevenção de patologias invisíveis, as chamadas doenças da civilização, que vão de alergias e síndromes a cânceres.

Os acordos internacionais para uso de pesticidas em comidas e outros produtos químicos como corantes e conservantes em alimentos e cosméticos constituem um jogo muito duro; as empresas são “obrigadas” a utilizar, é uma questão de relacionamento, de licenciamento, de tal forma que a compra de aditivos faz parte do complexo quadro comercial que cerca os movimentos das empresas.

É mais fácil derrubar a fabriqueta de xampus e sabonetes naturebas da esquina porque foi encontrado um resto de pum numa embalagem, do que retirar de uma tacada um conservante cancerígeno que está firme no business industrial.

O argumento de que estamos envoltos por um nuvem de formaldeídos e que dificilmente se pode vincular uma alergia ou um câncer infantil ao uso de um simples xampu para bebês, só protege o cartel. Mais nos valeria saber que produtos são esses e boicotá-los todos, mas para isso deveríamos desenvolver uma consciência ativa de nossa vida econômico-social e ambiental maior, afinal a água dos banhos de nossos bebês vai parar nos rios e dos rios vem a água que nós todos bebemos. Sempre lembrando que cloro e sulfato de alumínio não limpam formaldeídos. A cadeia é simples, fácil de entender, mas difícil é praticar um viver com o requinte de inteligência e esperteza à altura dos perversos comandos do mercado. Teríamos que aprender a boicotar as grandes marcas e garimpar marcas mais limpas de fato, que são raras, têm puns largamente divulgados, não são protegidas pelos cartéis, não contam com um bom marketing, não são bons anunciantes e assim não vingam na mídia.

É sabido de todos que o marketing, ainda que afirme inverdades, faz a cabeça das pessoas. Apelos sobre praticidade, eficiência, luxo e bem-estar somados à necessidade humana de sentir-se adequada, rezando a missa da maioria, levam bilhões de pessoas de vários continentes e com culturas absolutamente diferentes a desenvolverem comportamentos de consumo idênticos.

É o caso das fraldas descartáveis, um dos maiores nichos econômicos da indústria que explora o consumidor-bebê no mundo inteiro. Elas não vazam, quanto menos vazam mais abafam o xixi e as fezes do bebê porque vêm com perfume, géis incríveis importados da indústria química, e camadas de plástico. Para a saúde do bebê e para o desfralde são péssimas, mas como são baratas! Alguém aí já se perguntou como uma fralda descartável pode ter o custo baixo que tem? Muito curioso que o maior argumento das mulheres que usam fraldas descartáveis em seus bebês é que elas são práticas, não necessitam ser lavadas. Incrível, num mundo repleto de máquinas de lavar e secar, esse argumento ainda valer alguma coisa. Na Inglaterra, país de baixa insolação, existe um serviço de lavagem e entrega de fraldas de pano a domicílio; no Brasil temos um pequeno movimento ainda, pelo menos na contracultura se multiplicam as usuárias e costureiras de fraldas de pano lisas ou estampadas que não machucam o bebê, são fáceis de lavar e ajudam muito na hora do desfralde, já que para desfraldar o bebê precisa se sentir molhado, entrar em contato com os efeitos dos atos que são involuntários no início da vida deles, mas tornam-se voluntários conforme crescem e percebem-se molhados.

O cheiro, a falta, a cor e o excesso de urina, por exemplo, sempre foram pistas sábias para a mãe ou a pessoa que cuida do bebê identificar alguma doença, algum início de desidratação e as fraldas de pano sempre foram fiéis companheiras. Os benefícios do uso de fraldas de pano não se encerram na economia doméstica e ambiental. Não há evidências de que os géis e demais produtos utilizados nas fraldas descartáveis são totalmente inócuos, os perfumes causam alergias e atrapalham o olfato do bebê em desenvolvimento. Já as fraldas de pano, por mais seguras contra vazamentos, não lacram o contato entre o corpo do bebê e nosso olfato, a troca fica vinculada às necessidades do bebê e a sensação dele de estar molhado é um incentivo ao desfraldamento natural.

Hoje existe uma verdadeira legião de mulheres tentando desfraldar crianças de 4, 5 anos, literalmente entre tapas e beijos, apenas porque as crianças só puderam sentir o prazer de estarem sempre sequinhas. A fralda descartável é uma das maiores burrices culturais e ambientais que fabricamos e apoiamos. Leva de 200 a 500 anos para se decompor na natureza e mistura dois lixos que não deveriam ser misturados: o pior do orgânico com o pior do químico. Como separar isso?

As velhas fraldas de pano têm a resposta e na versão moderna, sem perder a praticidade e o charme.

http://youtu.be/7A1ikaiatXs

Mudar a forma de ver as coisas, interpretar o que há por trás das propagandas e decidir fazer melhor o bastante, conseguir visualizar o que significa poluir as águas, o ar e os delicados corpos de nossas próprias crianças com uso de produtos químicos nocivos à saúde, seja pela comida ou pela pele, é difícil porque estamos programados para atender à indústria e seus apelos mercadológicos. Acreditamos piamente na balela exagerada das bactérias que sempre estiveram aí e nem de longe desconfiamos que no excesso de limpeza, na verdadeira paranóia da ultrassepsia vingam nossos maiores inimigos: as doenças da civilização. Uma das propagandas que mais apelam ao ideal da ultrassepsia é essa, do sabonete protex, que além de proteger contra a natureza, garante um futuro e tanto. Nem vamos falar da lição educativa via projeção no futuro da criança.

A consciência ativa sobre o uso e o abuso de produtos químicos, o boicote, é a única e a mais eficiente ferramenta que temos. Os argumentos, baseados em evidências, de que os xampus dos bebês não devem conter produtos nocivos à saúde, de que as fraldas descartáveis mais atrapalham do que ajudam a micro e macronatureza e de que nossa comida conta com infindáveis aditivos desnecessários e tóxicos, são grãos de areia para o sistema econômico enquanto houver um bom faturamento, enquanto insistirmos em não desconfiar e não agir contra o que ingenuamente nos submetemos, como gado tocado.

http://youtu.be/gQ2sQk9q-30

Cláudia Rodrigues, jornalista, terapeuta reichiana, autora de Bebês de Mamães mais que Perfeitas, 2008. Centauro Editora. Blog: http://buenaleche-buenaleche.blogspot.com


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