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21 de agosto de 2011
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10:00

Todos os cantos de Gisele De Santi

Por
Sul 21
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Felipe Prestes

“Artista é tipo passarinho. Tem que estar um pouquinho em cada canto”, diz Gisele De Santi, ao explicar porque deixou Porto Alegre em meados de 2010 para viver em São Paulo. A jovem cantora e compositora, de apenas 25 anos, conta que a mudança foi motivada não pelas poucas possibilidades que a capital gaúcha oferece. “Se for apenas pelo mercado, tu não precisas sair de Porto Alegre, podes viajar e voltar. Foi mais pela necessidade de me enxergar em outro ambiente, compor de forma diferente, saber de outros assuntos, conhecer novos parceiros. Se o artista é de São Paulo também tem que sair, ir para outro lugar.”

A busca de Gisele por estar “um pouquinho em cada canto” se dá nos dois sentidos da palavra canto. Por um lado, nem bem chegou a São Paulo e ela já projeta ir atrás de novos ares quando sentir necessário. Por outro, em seu primeiro disco, Chama-me, lançado em agosto do ano passado, o canto de Gisele passeia por samba, bossa, baião, chamamé; flerta com funk (o original, dos Estados Unidos) e com o samba-rock jorgebeniano e nunca perde a identidade marcada pelo intimismo.

A portoalegrense de 25 anos vive desde 2010 em São Paulo. "Foi mais pela necessidade de me enxergar em outro ambiente" | Foto: Cristine Rochol/Divulgação

Explicando porque consegue navegar em tantos ritmos sem ficar à deriva, Gisele chega até a maior influência, o alagoano Djavan. “Acho ele um cara extremamente polivalente: tem a sofisticação do jazz, tem a brasilidade do samba, da música nordestina e tem a marca dele em todos os ritmos que faz”, comenta.

Plenamente adaptada à capital paulista, Gisele tem cumprido uma agenda de shows constante e diversa, que vai de livrarias importantes, como Cultura e Saraiva, até o metrô de São Paulo. Recentemente, ela participou do projeto Encontros, em que artistas levam sua música para a estação Paraíso do metrô paulistano. “Tem palco, cadeiras, é um projeto bem profissional, para um público que não conheceria teu trabalho de outra forma. Tinha desde domésticas até engravatados. Muitas pessoas ficaram uma hora paradas na estação para assistir”, conta Gisele, que repetirá a dose nesta sexta-feira (26), às 18h, também na estação Paraíso. No dia anterior, ela toca na Livraria Saraiva do Shopping Ibirapuera, às 19h.

Para tantos formatos diferentes de shows, a cantora usa diversas formações de banda. O grupo todo tem sete integrantes, mas há formações com cinco, três e até dois músicos – com ela, acompanhada por guitarra semi-acústica. “O legal disso é que está sempre refazendo os arranjos, conhecendo novamente as canções.”

“Não me sinto nada sozinha”

O objetivo de conhecer novos parceiros também tem sido concretizado na Pauliceia. Só em São Paulo, Gisele de Santi conheceu a escritora e também gaúcha, de Uruguiana, Cris Lisboa. A cantora já fez pocket show no lançamento do livro Nunca fui a garota papo firme que o Roberto falou, de Cris Lisboa, em Porto Alegre e no Rio de Janeiro. A obra traz poemas em prosa, um dos quais Gisele musicou, o início de uma parceria. Ela também tem trocado figurinhas com as jovens cantoras e compositoras Juliana Kehl e Serena Assumpção, filha do pretobras Itamar Assumpção.

Estas companhias fazem com que Gisele não se sinta nem um pouco só como compositora. A geração atual é diferente da de Gal, Elis, Bethânia, que pouco ou nada compunham, apesar das interpretações brilhantes. “Não me sinto nada sozinha. E acho ótimo que não estou sozinha. Estou super encontrando as meninas que compõem. A própria Serena compõe muito. Estou encontrando muitas meninas compositoras”, diz, ressaltando que respeita quem interpreta canções dos outros e considera uma missão até mais difícil do que interpretar as próprias canções. “Acho que elas estão aparecendo muito. Tiê, Tulipa Ruiz, Tereza Cristina. As mulheres estão a mil. Acho que sempre houve compositoras, a própria Maysa. Agora estão surgindo mais”, completa.

"As mulheres estão a mil. Acho que sempre houve compositoras, a própria Maysa. Agora estão surgindo mais" | Foto: Claudio Neves/Divulgação

Além delas, Gisele também tem um parceiro especial. O guitarrista e violonista Fabrício Gambogi é não apenas de sua banda, como noivo dela e, atualmente, o maior parceiro para compor. “A gente começou a namorar e começou a compor juntos. Aí eu vi que tínhamos muita afinidade musical. A partir daí, a parceria foi inevitável. A gente compõe muito juntos”, conta.

Os dois se conheceram na Faculdade de Música da Ufrgs, onde Gisele diz não ter tido problemas com o suposto ranço com a música popular que haveria na universidade. “Achei que ia sofrer muito, mas o pessoal de lá toca muita música popular”, esclarece. E diz que utiliza muito dos conhecimentos obtidos por meio da música erudita em seu trabalho. “Hoje, digo que sou um pouco menos medíocre que antes. Tem umas disciplinas que te abrem o horizonte: harmonia, estética musical, história da música. A própria técnica do canto lírico. Foi uma escola tremenda. Só tive a ganhar.”

A cantora é disciplinada não apenas com os estudos, mas como compositora. Encara a composição como um exercício, uma tarefa a ser cumprida constantemente. “Acho importante estar sempre compondo. O compositor não pode esperar vir a grande inspiração. Tem que ser um exercício. Tem que encarar como uma profissão”, diz, e revela ter mergulhado nesta profissão. “Estou totalmente imersa na carreira autoral. Faço pouco jingle, dou pouca aula de canto, só para amigos – mais como forma de desopilar um pouquinho. Mas a minha energia toda acaba sendo canalizada para isso.”

Chama-me reúne um apanhado de canções que Gisele escreveu desde os 14 anos. O encarte do disco traz, inclusive, o ano em que cada música foi criada. Apesar de a música tema, feita em parceria com Fabrício, ser um chamamé, a cantora revela não ter grande intimidade com a música folclórica do Rio Grande do Sul. “A música gaúcha está sempre a nossa volta. A gente ouve desde que nasce, mas não tenho uma relação direta, não tenho em casa. Mas faz tão parte da minha vida e eu aceito sem nenhum tipo de preconceito. Ouço muito as milongas do Vitor Ramil, o Marcelo Delacroix.”

Autonomia musical

Uma das apresentações mais recentes de Gisele em Porto Alegre foi no Teatro do CIEE, viabilizada por um sistema chamado crowdfunding, com o qual se arrecada previamente os recursos necessários para a realização do evento com pagamentos feitos pela internet. No caso do show de Gisele, o sistema foi feito pelo site Catarse. Foram estabelecidos diferentes valores, com os quais se podia adquirir o ingresso e o disco, ou apenas ajudar o projeto a sair do papel. “Pessoas que não poderiam ir no show compraram CD para ajudar a executar o projeto. Acho fantástico. Aqui no Brasil ainda é novidade, mas acho que em breve vai bombar aqui”, prevê a cantora.

Ela afirma que uma das vantagens do crowdfunding é que permite ao artista ter a noção sobre a demanda que seu projeto tem, sua viabilidade, correndo menos riscos. O sistema também permitiu que o ingresso para o show custasse R$ 20, um preço acessível, segundo Gisele, que revela que pretende utilizar o crowdfunding novamente.

Independente, Gisele De Santi lançou Chama-me por meio do Fumproarte, fundo que fomenta a cultura em Porto Alegre. Diz que não gostaria de fazer parte do esquema tradicional das gravadoras. “Nos moldes antigos com aquele contrato para vários discos, eu não gostaria. Como todo artista independente, acho que a gente tem a necessidade, não de ter o controle, mas de ter autonomia musical. Escolher o próprio repertório, os músicos, os produtores, ter afinidade com a equipe”, avalia.

"Quem não gosta de colecionar então baixe, faça download remunerado, ou baixe como puder. Acho que a música deve ser acessível para todo mundo" | Foto: Rafael Jacques/Divulgação

Mas acredita que as próprias gravadoras estão se transformando, fazendo contratos diferentes. “Às vezes fazem apenas a distribuição, ou só marketing, ou só a prensagem. Eu não fecho portas, mas até agora não surgiu nada que me despertasse para isso.”

Ainda assim, Gisele não considera o disco um formato obsoleto. Mais do que isso, revela ser uma amante dos discos, embora reconheça que a venda deles já não é o que promove a sobrevivência do artista. “Adoro o material físico. Faço downloads, mas sou compradora de discos. Eu gosto de ter o encarte, a ficha técnica. Ofereço para o público o que eu gostaria que me oferecessem.”

A cantora não teme a internet, nem o download de suas músicas. “Quem não gosta de colecionar então baixe, faça download remunerado, ou baixe como puder. Acho que a música deve ser acessível para todo mundo.” A relação dela com a rede mundial de computadores vai bem, obrigado. Gisele revela, inclusive, que prepara inclusive um songbook, com as partituras de todas as músicas de Chama-me, que será disponibilizado para download assim que o novo site, em construção, ficar pronto.

A moça deve aportar em Porto Alegre novamente em outubro. No dia 15 daquele mês participará do projeto Realidade Paralela Convida, de Marcelo Corsetti e Vanessa Longoni, no Café da Oca. No dia 18, do projeto Sons da Cidade, no Teatro Renascença, com Ian Ramil.

Correção: a matéria dizia que o show de Gisele de Santi na Estação Paraíso do metrô de São Paulo na “quinta-feira (26)”. Dia 26 é a data certa do show, sexta-feira e não quinta, como foi publicado


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