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22 de agosto de 2011
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10:25

Multa ao cartel da areia no rio Jacuí empoçou na Justiça

Por
Sul 21
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Geraldo Hasse
Especial para o Sul21

Condenadas há três anos e meio por formação de cartel, as três maiores mineradoras de areia da Grande Porto Alegre aguardam o julgamento de recurso judicial para não pagar multas equivalentes a 22,5% do seu faturamento no exercício de 2007. “Lutamos para reduzir ou anular a multa, que é fora de propósito”, diz Sandro de Almeida, presidente da Sociedade dos Mineradores de Areia do Jacuí, consórcio que explora o leito do rio Jacuí na região de Triunfo. As outras são a Aro Mineração e a Somar

Detectado por uma escuta telefônica, o cartel da areia foi investigado a partir de 2005 pela Polícia Federal. Depois de passar pelo Ministério Público Federal, a Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) do Ministério da Fazenda, as três “piratas do rio” foram condenadas em janeiro de 2008. No mesmo processo foi condenada também a empresa de consultoria contábil Comprove, que fez os estudos de viabilidade financeira do cartel.

O desmanche do cartel provocou o aumento da disputa por jazidas de areia na região metropolitana | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Uma das consequências da punição do cartel foi o aumento da vigilância ambiental sobre a atividade das areeiras. Apenas no Baixo Jacuí e nos rios Caí e dos Sinos, principais fontes de areia grossa para concretagem na Grande Porto Alegre, há uma centena de dragas em operação, muitas delas a serviço do trio. Todas as máquinas que dragam essas águas são obrigadas a usar GPS para que os órgãos públicos possam monitorá-las. Considerado pioneiro no Brasil, o sistema de monitoramento foi criado pelo geólogo Ricardo Serres Correa, funcionário da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), que em 2009 concorreu ao Prêmio Expressão de Ecologia, concedido por uma revista de Florianópolis.

O desmanche do cartel provocou também o aumento da disputa por jazidas de areia na região metropolitana. “Para mim seria melhor que os areeiros se entendessem um pouco”, diz o geógrafo Sergio Bizarro César, superintendente regional do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). Há 11 anos na chefia do órgão em Porto Alegre, ele espera um tiroteio cerrado entre cerca de 15 empresas que aguardam ansiosamente pelo zoneamento ecológico-econômico do Lago Guaíba, onde a extração de areia foi interditada em 2003, a mando da Justiça, em nome do equilíbrio ambiental. Se uma areeira não tiver sua área de lavra contemplada pelo zoneamento, ela certamente vai questionar judicialmente as concorrentes beneficiadas.

Corrida por areia, preocupação no mercado

O veto à mineração no Guaíba intensificou a extração no baixo rio Jacuí (acima da área de preservação do delta), desencadeou uma corrida para as várzeas da zona rural de Viamão e gerou uma onda de pedidos de licença para avaliar jazidas na Laguna dos Patos, provável fonte futura de abastecimento de areia para a região metropolitana, segundo o gestor do DNPM. Somando as demandas para extração subaquática nos arredores da capital, amontoam-se nas mesas e gavetas do DNPM cerca de 500 pedidos no Lago Guaíba e mais de uma centena na Laguna dos Patos.

O veto à mineração no Guaíba intensificou a extração no baixo rio Jacuí, desencadeou uma corrida Viamão e gerou uma onda de pedidos de licença para avaliar jazidas na Laguna dos Patos Foto: Ramiro Furquim/Sul21

A fila por licenças de extração não anda no órgão federal da mineração por falta do licenciamento ambiental da Fepam, que só poderá autorizar extração no Guaíba após um zoneamento ecológico-econômico exigido pela Justiça e prometido – agora – para o final deste ano. Para fazer o zoneamento orçado em R$ 1,5 milhões, a Fepam conta obter um financiamento do Banco Mundial. Nada de novo no cenário gaúcho, onde o governo não tem recursos para cumprir suas obrigações e os empresários são obrigados a pagar crescentes penitências ambientais.

Como a areia é insumo indispensável da indústria da construção civil, atividade que sustenta os alicerces econômicos de municípios grandes e pequenos, o represamento das licenças ambientais vem deixando inquieto o mercado de material construtivo. Sem saber para onde levar suas dragas e escavadeiras, os areeiros se envolveram numa guerra comercial que respinga no “boom” de obras privadas e públicas, a maioria delas financiadas pela Caixa Econômica Federal (saneamento básico; Minha Casa, Minha Vida), o BNDES (Polo Naval de Rio Grande, Copa de 2014) e o Tesouro (metrô, rodovias federais).

Mercado dobrou nos últimos cinco anos

Segundo estimativas do DNPM, a extração de areia no Rio Grande do Sul cresceu de 6,5 milhões de toneladas em 2006 para 12 milhões em 2010. Apesar da elevação do consumo, a cotação do insumo não saltou fora da linha d’água. “O nosso preço na jazida continua inalterado há quatro anos”, diz Fernando Machado Borges, diretor da Aro Mineração, que explora o leito do Jacuí acima da represa de Amarópolis, entre General Câmara e Rio Pardo. Na jazida, o preço da Aro está a R$ 9 o metro cúbico, mas esse valor é encarecido pelo transporte, item que representa o maior gargalo da mineração.

Na maior parte dos depósitos atacadistas situados no Cais Navegantes, em Porto Alegre, houve um reajuste de até 20% no início de 2011, elevando o preço médio do metro cúbico de areia para R$ 36, segundo um dos administradores do Comércio de Areia Guga, com 20 anos de experiência na beira do Guaíba. Enquanto isso, na Jazida São José, a mais antiga de Águas Claras, distrito de Viamão, com 12 anos de atividade, o preço do metro cúbico da areia média varia de R$16 para entrega na jazida até R$ 40 para entrega em qualquer ponto da capital, onde as lojas de material de construção cobram não menos de R$ 50 o metro cúbico.

Esses são valores unitários para o varejo, mas o maior volume do comércio de areia gira no atacado para atender construtoras e concreteiras, que têm contratos de longo prazo com seus fornecedores. Embora seja um item essencial, a areia representa apenas 15% do custo da concretagem, contra 15% da brita e 50% do cimento; no custo básico da construção, a areia pesa de 2% a 4%.

Como desdobramento da suposta futura crise de areia, cresce a hipótese do aproveitamento comercial da areia extraída de operações de dragagem hidroviária no Guaíba e adjacências | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Toda essa imensa variação de preço entre o que recebem os donos das jazidas, o que ganham os intermediários e o que pagam os consumidores finais deixa claro que o mercado de areia da região metropolitana de Porto Alegre “é um grande vespeiro”, como diz um dirigente do Sinduscon-RS, que prefere não entrar em detalhes sobre o tema, sempre muito polêmico. Em meados do primeiro semestre deste ano, a Smarja anunciou o temor de faltar areia, devido ao provável esgotamento de suas jazidas no rio Jacuí. A hipótese foi pulverizada pela Agabritas, a associação que congrega uma centena de produtores de brita, areia e saibro no Rio Grande do Sul. Segundo o presidente da Agabritas, Walter Fichtner, nos próximos dez anos não há perigo de faltar areia na Grande Porto Alegre, cujo mercado vem sendo abastecido não apenas pelo Baixo Jacuí, grande fornecedor de areia grossa, indispensável à concretagem, mas pelas jazidas de Águas Claras, em Viamão, que produzem areia média, boa para reboco; e pelas areeiras de Osório, pródigas em areia fina, boa para acabamento.

Pressão sobre a Fepam

Polêmicas à parte, o solitário alerta da Smarja tinha um endereço certo: visava cutucar o silêncio da Fepam sobre o futuro da extração de areia no Lago Guaíba. “Convenhamos, a extração de areia está longe de ser o maior problema ambiental do Guaíba”, diz o superintendente do DNPM, que não entende porque o órgão ambiental do Estado demora tanto para fazer o zoneamento ecológico-econômico que pode permitir (ou não) a retomada da extração de areia na mais antiga jazida subaquática de Porto Alegre. O Guaíba é repositório de outros problemas ambientais mais sérios, como o lançamento de esgotos e efluentes industriais em suas cabeceiras, especialmente no rio dos Sinos, onde são frequentes os “acidentes ecológicos” causados por centrais de resíduos industriais.

Como desdobramento da suposta futura crise de areia, cresce a hipótese do aproveitamento comercial da areia extraída de operações de dragagem hidroviária no Guaíba e adjacências. Baseada em estudo técnico da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a Fepam é contra a retirada do material contido nos bancos de areia que prejudicam a navegação no Guaíba. Segundo o engenheiro Hermes Vargas dos Santos, do quadro técnico da Superintendência de Portos e Hidrovias (SPH), o material de fundo nos canais de navegação do Guaíba não contém somente areia, mas argila, lodo e silte. Além disso, ele assegura que em nenhum lugar do mundo existe parceria entre dragagem hidroviária e produção de areia.

Já segundo Sergio César, do DNPM, a combinação de dragagem-extração é comum na maioria dos países que precisam desobstruir canais naturais ou artificiais de navegação. No Rio Grande do Sul, diz ele, seria lógico atribuir a dragagem hidroviária aos areeiros como compensação ambiental ao extrativismo, tudo sob severo controle dos órgãos responsáveis. “Eu acho essa ideia perfeitamente viável”, diz Fernando Machado Borges, diretor da Aro Mineração, “mas para colocá-la em prática será preciso tomar a iniciativa de sentar para conversar”.

Um dos adeptos desse casamento é o atual diretor da Superintendência de Portos e Hidrovias (SPH), Vanderlan Vasconselos, advogado disposto a buscar na extração de areia uma solução para desassorear os canais de navegação do Lago Guaíba e da Laguna dos Patos. Aventada em passado remoto, no entanto, a possível parceria areeiros-hidrovias foi soterrada quando se concluiu que a amortização de uma atividade pela outra redundaria na redução no orçamento do órgão público encarregado de contratar as dragagens.


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