Opinião
|
15 de junho de 2011
|
19:16

“Achismos” no debate da reforma da legislação autoral e conceito da música livre

Por
Sul 21
[email protected]

Por Everton Rodrigues *

Quais os motivos da “flexibilização” das leis de direito autoral? É preciso atualizar as leis a partir dos hábitos das novas gerações ou o estado deve continuar a transformar jovens em criminosos?

Mais um vez escrevo sobre esse tema e desta vez a motivação é fazer um contraponto à Opinião Pública publicada no dia 13 de junho no Sul21, Direito de autor, internet e democracia, de Carlos Hahn.

Pretendo seguir o caminho de provocar o debate com argumentos, sem instalar um campo de guerra entre os que defendem e os que são contra a atualização da legislação do direito autoral. Meu objeto será a música.

Primeiro, quero dizer que não concordo com o autor do post quando este afirma: “a flexibilização dos direitos autorais não resulta na democratização da cultura”, e que de alguma forma isto possa estar diretamente ligado ao não-pagamento ou até com acabar com os direitos do autor.

A internet já democratiza a cultura e flexibilizar a lei é retirar da ilegalidade todas as nossas práticas cotidianas de compartilhamento de músicas para fins não lucrativos.

É urgente atualizar as leis quando percebemos que vivemos um mundo interativo de possibilidades que fomenta a diversidade de acesso, produção e consumo de música através da internet, enquanto a força da lei do estado reforça monopólios, cria e convive com práticas “criminosas”.

A lei, tal como está hoje, é péssima para a cultura e para a música, não permitindo a ampla divulgação de bens culturais na rede, nem muito menos a transparência no processo de arrecadação e repasse dos valores de direitos autorais.

O estado, através desta lei do direito autoral, internalizou a ideia de que o acesso a bens culturais está ligado diretamente ao pagamento. Assim, quem pode pagar tem acesso e condições de divulgar, criar e produzir, enquanto que quem não pode pagar está excluído. E é dentro dessa lógica que a prática do jabá é comum.

O jabá é um dos principais crimes contra a diversidade musical e cultural brasileira. Ele surge a partir de três principais monopólios: a gravadora grava o fonograma e fica com os direitos patrimoniais, a rádiodifusão comercial dissemina e muitas vezes recebem de forma ilícita, e o ECAD arrecada por amostragem sem transparência.

Sim, devemos lutar para democratizar a radiodifusão que funciona a partir de concessões públicas e que, por isso, deveria prestar serviços à diversidade cultural, masque, ao contrário, transforma tudo em mercadoria. Mesmo que alcancemos a tão sonhada democratização da mídia, esta jamais permitirá a diversidade tal como permite a internet.

Por exemplo: somente a internet possibilita viventes do sul ter acesso às “guitarradas do norte” . Ou permite que a música de Percy Mayfield regravada pelo alemão Ulli Bögershausen, chegue à criança chinesa Sungha Jung que viu, aprendeu e também gravou. O resultado foi um encontro entre os dois.

Quando uma rádio ou televisão comercial executa uma música, também deve pagar direito autoral, assim como o sistema de fiscalização deveria permitir a verificação clara do cumprimento da cobrança do direito autoral para repasse ao artista correspondente, sem sistema de amostras, o qual não se mostra eficaz para à medida que exclui a maior parte da cadeia produtiva da música. A cobrança e o repasse envolvendo ainda a execução pública é outro elemento que precisa ser ajustado e melhor adequado aos ideais de transparência reiterados aqui.

É neste ambiente digital em rede que surge o conceito da música livre. Não reconhecido pela lei, este entendimento diferente busca benefícios para um número maior de artistas e quer oferecer diversidade musical aos cidadãos apreciadores de música.

Um estado moderno deve ter leis para reconhecer os interesses de diferentes grupos. O conceito de música livre garante a cada artista a escolha do modelo de licenciamento das suas músicas. Música livre não tem intermediários, não criminaliza seu público, porque atualmente os apreciadores são os principais divulgadores de música. Música livre não impõe um padrão, e sim aceita diferentes possibilidades respeitando os direitos do autor e ao mesmo tempo incluindo as licenças livres como importante elemento no funcionamento desse novo cenário.

Música livre adapta-se aos interesses dos artistas, que podem liberar uso de suas obras para qualquer fim: “criar, adaptar, copiar e distribuir música livre de restrições”. Ou, se preferir, o artista poderá liberar sua música apenas para uso social sem fins lucrativos, como na rádio difusão comunitária, livre e pública ou em blogs. Ou no mínimo abre-se a discussão acerca da liberação da música para cópia pelo público com permissão de colocar em diferentes dispositivos apenas para apreciação

A música livre fica acessível ao público parceiro do artista e para isso ser viável o criador deve apresentar postura transparente com quem aprecia sua arte, ou seja, artista e público são parceiros e não inimigos. É a colaboração ao invés da competição.

Nenhum governo deve ignorar propostas advindas da prática social. A musica livre em diferentes níveis já é praticada por muitos artistas, como por exemplo: Nei Lisboa (RS), Bataclã FC (RS), Banda SuperGuidis (RS), Wander Wildner (RS), O Teatro Mágico (SP), Leoni (RJ), Bnegão (RJ), ForFun (RJ), Hellen Oléria (DF), GOG (DF), Móveis Coloniais de Acaju (DF), Mombojó (PE), Macaco Bong (MT), etc.

Portanto, flexibilizar a legislação autoral é garantir autonomia do autor na governança das suas obras. Com a idéia de parceria para a ampliação da divulgação, o artista deverá abrir mão da cobrança de direito autoral do seu público e venderá mais shows.

A internet deve ser um “território livre” para o uso de todos nas mesmas condições, garantindo sempre a “neutralidade da rede”, sendo um campo onde as empresas monopolistas não podem controlar com seus cartéis. Devemos aprovar regimes públicos e participativos para a governança da internet. A internet livre será garantida se funcionar a partir dos “PRINCÍPIOS PARA A GOVERNANÇA E USO DA INTERNET NO BRASIL” declarados pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil – CgiBr.

Em, 1957 os soviéticos criaram o Sputnik o  primeiro satélite artificial lançado ao espaço, que aumentou da corrida tecnológica na guerra fria, travada entre EUA e ex-URSS. Após esse acontecimento pioneiro, os EUA, com medo de um ataque nuclear, estimulou o desenvolvimento de um sistema de comunicação que funcionava de forma descentralizada, e que conectava vários agentes, ou pontos de comunicação, para que, facilitasse a circulação de informações militares, nascendo assim a ARPANET.

Podemos dizer que os militares norte-americanos, sem qualquer sistema de controle, fomentaram especialistas em tecnologia de computadores em rede, hackers, que já tinham iniciativas na área e trocavam conhecimentos nas universidades norteamericanas. Hoje, com a importância econômica, cultural e social da internet, surgem iniciativas de controle da mesma, às quais devemos ser contrários.

Portanto, é importante dizer que a internet não nasceu nas mãos do Exército norte-americano, como afirmou Carlos Hahn em seu artigo.

* @GnuEverton, da Equipe executiva do @GabineteDigital do Governador @TarsoGenro


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora