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30 de janeiro de 2011
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16:30

João e Janete Capiberibe lutam por mandatos e contra domínio de Sarney em dois estados

Por
Sul 21
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Elza Fiúza / ABr
João Capiberibe | Foto: Elza Fiúza / ABr

Felipe Prestes

Aliado de todos os presidentes do país desde a ditadura militar, José Sarney (PMDB-AP) anunciou na quinta-feira (27) que aceita a indicação dos colegas do partido para a presidência do Senado. Enquanto isto, o ex-governador do Amapá João Capiberibe (PSB-AP) e sua esposa Janete Capiberibe, do mesmo partido, lutam para conseguir assumir os mandatos conquistados no voto, e perdidos no TSE. De 2009 para cá, o TSE foi algoz de duas pedras no sapato de Sarney — uma em cada um dos dois estados em que o ex-presidente exerce influência política.

Em 2009, o então governador do Maranhão Jackson Lago (PDT) foi cassado e o cargo foi ocupado por Roseana Sarney, que fora segunda colocada nas eleições. Lago foi acusado de abuso do poder político na terra conhecida pelo poder político da família Sarney. “Foi um deboche”, diz o jornalista e dirigente do PC do B do Maranhão, Márcio Jerry, sobre a decisão do TSE.

Um ano depois, João Capiberibe foi eleito para o Senado e sua esposa Janete foi a deputada federal mais votada do Amapá. Mas, três dias antes das eleições, em 30 de setembro, a ministra Carmem Lúcia do TSE havia cassado o registro dos dois candidatos, com base na Lei da Ficha Limpa. No dia 17 de dezembro, o plenário do TSE manteve a decisão da ministra, indeferindo as candidaturas.

Os dois foram acusados, em 2002, de terem comprado dois votos por R$ 26 cada, pagos em duas parcelas. A acusação partiu de Gilvam Borges, do PMDB-AP, aliado político de José Sarney, que ficara na terceira colocação na corrida pelo Senado. Agora, o casal busca reaver os mandatos no STF.

“Entrei com uma ação cautelar na semana passada, pedindo a minha posse. O ministro Cezar Peluso negou a liminar no dia 27, alegando que o meu processo ainda não havia subido para o STF”, conta João Capiberibe. A mobilização dos dois na internet chegou aos trending topics (os assuntos mais comentados) do Twitter nesta semana e já tem um site. Um abaixo-assinado virtual está disponível na internet.

Nesta sexta-feira (28), Capiberibe reuniu-se com o presidente do PSB nacional, cujo presidente, Eduardo Campos, garantiu que o partido vai lutar pela posse dos dois. A mobilização já conta com apoio de senadores como Cristovam Buarque (PDT-DF) e Eduardo Suplicy (PT-SP) e também de ONGs como o Greenpeace.

Detalhes do caso

Em 2002, João Capiberibe, que havia governado o Amapá desde 1995, deixou o governo para concorrer ao Senado, enquanto Janete concorreu à Câmara dos Deputados. O terceiro colocado para o Senado foi Gilvam Borges. O PMDB de Borges ingressou com pedido de investigação eleitoral, devido à suposta compra de dois votos pelos Capiberibe. O Ministério Público não encontrou provas e não ofereceu denúncia. O TRE-AP arquivou a acusação.

Borges entrou com recurso no TSE, que julgou a ação procedente, em 2004. Em 2005, os Capiberibe perderam seus mandatos. A acusação por compra de votos até hoje é nebulosa. Em matéria da revista Carta Capital um ex-cinegrafista do grupo de comunicação pertencente à família Borges, Roberval Araújo, revela ter participado de uma armação para incriminar os Capiberibe. O caso está sendo investigado pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal.

A acusação por compra de votos ainda não transitou em julgado. A decisão está nas mãos do ministro do STF Joaquim Barbosa desde 2006. João e Janete Capiberibe ainda podem ser inocentados pela acusação de suposta compra de votos.

Divulgação PSB
Janete e João Capiberibe | Foto: Divulgação PSB

Em 2006, Janete Capiberibe se consagrou a deputada federal mais bem votada na história do Amapá, com 10,35% dos votos. João Capiberibe tentou ser governador e não foi eleito. O vencedor daquela eleição Waldez Goes (PDT), aliado de Borges e Sarney, foi preso em 2010 na Operação Mãos Limpas, da Polícia Federal, junto com outras 17 pessoas, entre elas o vice-governador Pedro Paulo Dias (PP), que havia assumido o governo no início do ano, após renúncia de Goes para concorrer ao Senado.

Em 2010, a história de 2002 se repete: Borges fica em terceiro para o Senado, atrás de Capiberibe, e se faz valer da denúncia de 2002 e da recém aprovada Lei da Ficha Limpa, que prevê retroatividade na inelegibilidade de envolvidos em crimes eleitorais, para se eleger. Se antes os Capiberibe foram enquadrados por supostos R$ 26, agora eles entraram na Lei da Ficha Limpa por três dias, segundo a ministra Carmem Lúcia.

A Ficha Limpa prevê inelegibilidade de oito anos para crimes eleitorais. O suposto crime dos Capiberibe foi em uma eleição ocorrida no dia 6 de outubro de 2002. Como a eleição de 2010 foi no dia 3 de outubro, a ministra considerou que o prazo de oito anos não estava encerrado. O casal entende ter recuperado sua elegibilidade no dia 6 de outubro, podendo, portanto, ser diplomado. Os Capiberibe apontam que vários candidatos participam das eleições com o registro indeferido e, portanto, inelegíveis, conquistando depois o direito de se diplomar.

Enquanto o casal busca reaver seus mandatos, o filho Camilo Capiberibe assume, pela primeira vez, como governador do Amapá. “Isso é uma demonstração claríssima do respeito que sociedade amapaense tem por nós. Além de nos eleger, elegeu nosso filho governador”, afirma João.

Ele lamenta não poder ajudar o filho no Senado a reerguer o estado do Amapá, combalido pelos casos de corrupção. “A nossa não investidura nos cargos é um prejuízo para o Amapá e para o governador, porque nós poderíamos estar aqui articulando recursos para ajudá-lo a tirar da situação de extrema dificuldade em que se encontra. Os dois últimos governadores foram presos, os secretários (também). É uma situação muito delicada que vive o Amapá”.

Influência no Judiciário

Conhecedores da política do Maranhão e do Amapá contam como José Sarney consegue se beneficiar das decisões judiciais. “O próprio Sarney se vangloria de nunca ter perdido uma ação em tribunal algum”, conta Márcio Jerry. A influência de Sarney passa pelos cargos políticos que ocupa e ocupou, na presidência da República, por exemplo, tinha poder para indicar cargos como o de ministro do STF. Sua influência também está em seu poder econômico e passa até por onde ninguém espera, como a vaga que ocupa na Academia Brasileira de Letras.

Foi amplamente divulgado pela imprensa do Maranhão que o ex-ministro do STF Eros Grau contou com apoio do imortal José Sarney para entrar na Academia. Grau chegou a concorrer à vaga deixada por José Mindlin, em 2010, mas perdeu para o escritor e diplomata Geraldo Holanda Cavalcanti. Eros Grau foi o relator do processo de cassação do governador Jackson Lago. Não há provas de que tenha havido qualquer troca de favores entre Eros Grau e José Sarney, mas o caso é ilustrativo de que um homem que ocupa vários postos importantes, como Sarney, tem inúmeras formas de sedução.

Ainda no caso de Jackson Lago, o advogado que defendeu os interesses de Roseana Sarney foi Sepúlveda Pertence. Ministro do STF até 2006, Sepúlveda atacou com veemência Jackson Lago na sessão do pleno do TSE, em 2009, que definiu pela cassação do governador. O ex-ministro havia presidido o TSE em 2004 e atuou como advogado diante de ex-colegas. Sepúlveda foi procurador-geral do governo federal nomeado por José Sarney, que depois o nomeou para uma vaga no STF, em 1989.

No Judiciário maranhense, a família Sarney exerce poder com maior clarividência. Nelma Sarney, cunhada de José Sarney, casada com Ronald, irmão do ex-presidente, presidiu o TRE-MA nas últimas eleições. “Deveria ter se declarado impedida, uma vez que concorria Roseana Sarney”, afirma o jornalista maranhense Franklin Douglas.

Além do prestígio e do poder que Sarney tem pelos cargos que ocupa, ele também é um homem riquíssimo. “A família constituiu uma fortuna gigantesca, com o controle de empresas na área de comunicação, no setor elétrico”, conta Márcio Jerry. Este poder econômico, segundo João Capiberibe, também ajuda Sarney e aliados a vencerem batalhas judiciais. “Ele é um homem muito rico, contrata bancas poderosíssimas de advogados”.

Cargos federais

“Ele exerce o poder dele no Maranhão e no Amapá, a partir do poder que tem no Planalto”, diz o jornalista e dirigente do PC do B, Márcio Jerry. Relatos sobre a influência de Sarney no Amapá e no Maranhão convergem em um ponto: o ex-presidente detém um monopólio na indicação para cargos federais nos dois estados.

“Esse poder se manifesta na ocupação, desde sempre, dos cargos federais no estado. Não teve um governo, desde a ditadura militar, em que os cargos federais no Maranhão não sejam ocupados pela família Sarney”, diz Jerry. Alguns dos principais órgãos federais em termos de verbas e cargos no Maranhão são Funasa, Incra e Dnit. “Todas as representações do governo federal no Maranhão passam ou pela indicação, ou pelo consentimento dele”, completa.

“Ele tem o domínio, ele é quem distribui os cargos federais entre os correligionários dele, em órgãos como a Funasa e o Incra”, diz João Capiberibe sobre a situação no Amapá. Capiberibe conta que, entre 2003 e 2005, enquanto foi senador e Janete foi deputada, os dois, mesmo sendo dos mais importantes aliados naquele estado do governo Lula, tiveram direito a indicar somente um cargo no Incra. “Passamos a atacar os grileiros, os latifúndios. Rapidamente perdemos este cargo. Éramos da base do Governo Lula, mas não tínhamos um único cargo indicado no Amapá”.

O poder para estas indicações não poderia se dar, é claro, se Sarney não tivesse apoiado todos os presidentes da República desde a ditadura militar. E não fossem também suas demandas apoiadas com tanta presteza pelos governantes máximos do país. “A gente diz no Maranhão que os governos mudam, mas só o Sarney não muda”, diz Franklin Douglas. “No governo FHC, teve um filho dele (Zequinha Sarney) ministro (do Meio-Ambiente) por um longo período. No Governo Lula também teve uma força muito grande. Recebeu o apoio do Planalto para ser presidente do Senado, para escapar das denúncias que foram feitas contra ele em 2009 e tem o (Edison) Lobão como ministro (das Minas e Energia)”, diz Márcio Jerry.

José Cruz / Agência Senado
Foto: José Cruz / Agência Senado

“Só quem ousa enfrentar o poder do Sarney, somos nós e a PF”

João Capiberibe afirma que a conjunção de poder político e econômico que tem Sarney faz com que se torne “muito arriscado” desafiar o ex-presidente. “No Amapá, só quem ousa enfrentar o poder do Sarney, somos nós e a Polícia Federal”. O socialista diz que os políticos do Amapá se unem a Sarney por um misto de medo e desejo de proteção. “Eles não ousam se opor ao Sarney, morrem de medo. Acham que ele é extremamente poderoso e que, se eles o desobedecerem, vão presos”, diz.

Se o poder de Sarney amedronta, ele também serve, segundo o senador cassado, para proteger os políticos corruptos do estado. “Ele tem uma rede de proteção a políticos em situação de risco. Ele auxilia políticos com problemas na Justiça; empresários com processos na Receita Federal. Ele tem uma rede que protege quem tem alguma pendência, seja no Judiciário, seja com o fisco”, garante Capiberibe.

No Maranhão, a família Sarney possui meios de comunicação. No Amapá, a família de Gilvam Borges atua no mesmo ramo. “A família Borges é dona de meios de comunicação, conseguidos com o mandato de senador. Eles têm três canais de televisão e quinze emissoras de rádio. Gilvam Borges tem uma fidelidade canina ao Sarney”, diz Capiberibe.

Sarney chegou à política do Amapá de forma inusitada, sem nunca ter vivido no estado. Enquanto presidiu o país, aliou-se no Maranhão ao peemedebista Epitácio Cafeteira, que governou o estado no mesmo período. Em 1990, haveria eleição para apenas um senador. Sarney desejava se candidatar, mas Epitácio, muito popular, havia rompido com ele e se lançou candidato ao Senado.

Antevendo a derrota, Sarney transferiu seu título para um estado que abria suas primeiras três vagas para o Senado. O Amapá havia passado de território a estado em 1988, em decreto assinado pelo então presidente José Sarney.

As marcas políticas de Sarney, segundo seus adversários, não devem deixar saudades, nem no Amapá, nem no Maranhão. “Eu atribuo a má condução política no Amapá (se refere à Operação Mãos Limpas) à uma obediência quase canina das lideranças do Amapá ao senador José Sarney. A passagem do Sarney pelo Amapá é um desastre para o povo, como foi para o Maranhão. Não vai deixar lembranças”, afirma Capiberibe. Opinião semelhante à de Márcio Jerry. “Sarney sempre se aproveitou do Maranhão para ter força nacional, delegando o Maranhão ao que é hoje: o segundo estado mais pobre do país”.


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