A revisão do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental (PPDUA) de Porto Alegre está atrasada. Na verdade, já estava atrasada na gestão anterior da Prefeitura. A justificativa oficial para o atraso é a pandemia de covid-19. Contudo, alterações já realizadas no regramento urbanístico da cidade nos últimos anos indicam que os planos da Prefeitura, e do setor da construção civil da cidade, não poderiam esperar o “longo e penoso” processo de revisão, que sequer chegou à Câmara de Vereadores no momento da publicação desta série de reportagens.

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O Estatuto da Cidade prevê, em seu artigo 30, que revisões ou alterações de planos diretores municipais devem ocorrer a cada 10 anos. Como a última revisão ocorreu em 2009, uma nova deveria ser realizada em 2019.

A primeira movimentação da Prefeitura, então na gestão de Nelson Marchezan Júnior (PSDB), com relação ao Plano Diretor ocorreu em agosto de 2019, quando foi assinado um memorando de entendimento com a ONU-Habitat para que a entidade prestasse consultoria técnica.

Em dezembro de 2019 foi assinado um acordo de cooperação técnica com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), em que o órgão receberia cerca de R$ 11 milhões para fornecer subsídios para a elaboração do Plano Diretor.

Com a pandemia de covid-19, em 19 de março de 2020, a Prefeitura determinou a suspensão do processo de revisão do Plano Diretor, com exceção de atividades preparatórias e internas.

Ainda assim, em 30 junho daquele ano, assinou um contrato de financiamento do projeto de revisão, no valor de R$ 10,64 milhões, a serem pagos até 2021, com o Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE). O financiamento teve o objetivo de pagar o contrato firmado com o PNUD.

 

Região central da Capital está no centro das discussões sobre planejamento urbano. Foto: Luiza Castro/Sul21

O processo de revisão só foi retomado em agosto de 2022, já na gestão de Sebastião Melo (MDB). O primeiro evento da retomada foi a exposição “Diagnóstico POA 2030”, organizado pela Secretaria do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (SMAMUS), que assumiu a dianteira do processo. Na ocasião, foi apresentado o cronograma de atividades para a revisão, prevista então para ocorrer em 2023.

Após o evento, teve início a etapa de consulta à população em eventos nas regiões de planejamento (RPs) da cidade. Paralelamente, começou uma consulta pública online. Esta etapa, segundo a SMAMUS, tinha o objetivo de promover a “leitura da cidade”.

Em março de 2023, a secretaria realizou a Conferência de Avaliação do atual Plano Diretor de Porto Alegre, com o objetivo de discutir e apresentar moções em sete áreas temáticas a serem posteriormente analisadas pela Prefeitura.

A consultoria Ernst & Young, contratada no âmbito da parceria com o PNUD por R$ 6,5 milhões, apresentou o relatório com diagnóstico da cidade para o Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (CMDUA) em maio. Em julho, o documento foi exibido no seminário que encerrou a etapa de leitura da cidade. O documento, de 682 páginas, tem o objetivo de subsidiar o debate da revisão do Plano Diretor com informações sobre o território da cidade e as deficiências do atual planejamento urbano.

No evento de julho, um representante da consultoria afirmou que a revisão deve resultar em um Plano Diretor “bem diferente do atual” e defendeu a possibilidade de planos regionais — ao modelo do Centro Histórico e do 4º Distrito (como veremos a seguir) — e de pormenores para áreas especiais.

O processo de discussão ainda prevê a realização de uma Conferência de Revisão, que ocorreu nesta semana (entre 7 e 9 de novembro), e de uma audiência pública, prevista para dezembro. Concluído esse processo de discussão, a Prefeitura irá encaminhar o seu projeto de revisão do Plano Diretor para a Câmara de Vereadores.

A expectativa é de que a revisão seja aprovada em 2024. Contudo, na elaboração anterior, a discussão na Câmara se estendeu durante dois anos, entre 2007 e 2009.

Apesar de o projeto ainda não ter chegado para a análise dos vereadores, a Câmara homologou em maio a criação da comissão especial que irá avaliar o Plano Diretor, formada por 14 vereadores titulares e 11 suplentes. Anunciada em fevereiro e homologada em maio deste ano, até a publicação desta reportagem, a comissão especial não deu nenhum andamento concreto ao processo.

O atraso no processo não significa, contudo, que o regramento urbanístico da cidade se manteve inerte nos últimos 14 anos. Pelo contrário, uma série de leis com mudanças no Plano Diretor foram aprovadas ao longo dos últimos anos, um processo que foi acelerado durante o governo Melo com o avanço de projetos específicos para duas regiões da cidade: o 4º Distrito e o Centro Histórico.

Em novembro de 2021, a Câmara aprovou o Programa de Reabilitação do Centro Histórico. Com o objetivo de aumentar a densificação do Centro, com meta de quase dobrar a população, dos atuais 45 mil residentes para cerca 85 mil, o programa permite a flexibilização do regime urbanístico, facilitando o reaproveitamento de imóveis desocupados ou subocupados e a construção de novas edificações, que poderão ter alturas maiores do que as atuais. Em um dos cenários previstos, poderiam ser construídos prédios de até 200 m de altura.

Em 18 de agosto de 2022 foi a vez dos vereadores aprovarem o Programa +4D de Regeneração Urbana do 4º Distrito, região que abrange os bairros Floresta, São Geraldo, Navegantes, Humaitá e Farrapos. O programa estabelece regramentos urbanísticos específicos para a região, além de incentivos urbanísticos e tributários. À semelhança do projeto para o Centro, uma das metas do Programa +4D é ao menos triplicar o número de economias na região.

Em entrevista ao Sul21 em janeiro de 2022, o prefeito Sebastião Melo argumentou que o Centro e o 4º Distrito não poderiam esperar a conclusão do Plano Diretor. Além disso, defendeu uma visão de que a cidade deveria ter muitos “planos diretores” regionais. “Tu não pode tratar o Lami, o Cantagalo, a Boa Vista ou o Bom Fim como o Centro. Tu não pode tratar o 4º Distrito como se fosse o Rubem Berta”, argumentou.

Copresidenta do departamento gaúcho do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-RS), Clarice de Oliveira acredita que os planos do Centro Histórico e do 4º Distrito configuram um “adiantamento” do Plano Diretor, uma vez que tratam de questões que deveriam ser reservadas a ele.

 

Av. Farrapos esquina com a Av. São Pedro, bairro São Geraldo, no 4º Distrito. Foto: Luiza Castro/Sul21

“O Ministério Público encaminhou uma recomendação à Prefeitura de Porto Alegre, na época da chegada do plano do Centro Histórico na Câmara, apontando que era reserva de Plano Diretor e que isso deveria ter sido debatido em processo de revisão do Plano Diretor, e não num plano de bairro”, diz.

Para ela, os planos de bairros podem ser interessantes, uma vez que permitem olhar para realidades locais com uma “escala mais detalhada”. Porém, acredita que os planos do Centro e do 4º Distrito têm o objetivo de buscar um “retorno para os investimentos” feitos na região da orla do Guaíba.

“Sempre que a gente tem um incremento de infraestrutura, seja ela de transporte, abastecimento d’água, iluminação, espaços de lazer, cultura, etc., isso cria uma qualidade da vida urbana e o mercado imobiliário se apropria dessa qualidade de vida para gerar valor. Então, o que a gente percebe é que o programa do Centro Histórico vem na verdade numa viabilização de abrir as possibilidades para o mercado imobiliário aproveitar essa valorização de infraestrutura”, afirma Clarice.

A influência dos empresários nas mudanças do regramento urbanístico de Porto Alegre fica muito clara a partir da participação do secretário Germano Bremm, titular da SMAMUS, em duas lives promovidas pelo Sinduscon em 2020, ainda no governo Marchezan.

Na primeira delas, realizada em abril, chama atenção a cobrança do empresariado para a aceleração dos processos de licenciamento. Na ocasião, a Prefeitura acabara de implementar, por meio do Decreto 20.542/2020, medidas para o autolicenciamento de obras de baixo impacto ambiental. Entre elas, a definição de que a assinatura de um responsável técnico substituiria a vistoria para expedição da Carta de Habitação. O tema do autolicenciamento aparece, nas palavras do presidente do Sinduscon, Aquiles Dal Molin, como um “sonho” do setor.

No entanto é na segunda live, de outubro, que as reivindicações do empresariado e projeções da Prefeitura para o Plano Diretor ficam mais claras, entre elas o maior “adensamento da cidade”, para aproveitar a infraestrutura já instalada e a valorização promovida pelo “embelezamento” da Capital, como no caso da orla do Guaíba.

Consultor do Sinduscon, o arquiteto Antonio Carlos Zago questiona quanto tempo levaria para que o secretário Bremm pudesse atender as “ansiedades” das construtoras, como usar o índice máximo de solo criado. A mensagem é clara: o Plano Diretor é importante, mas o setor demanda mudanças mais urgentes.

 

Conferência de Avaliação do atual Plano Diretor de Porto Alegre. Foto: Alex Rocha/PMPA

Na mesma linha, a então diretora da RottaEly Construtora e Incorporadora — hoje na Melnick –, Lisandra de Lucena Theil, comemora que a Prefeitura vinha publicando uma série de decretos para o setor, mas cobra mais medidas para “limpar” a legislação antes da revisão do Plano Diretor. “Como a gente pode ter mais decretos, mais leis complementares, nos próximos um, dois anos, até a gente ter o Plano Diretor?”, questiona.

Uma reivindicação direta é feita pelo CEO da Melnick, Juliano Melnick, quando ele pede a simplificação dos processos de licenciamento, considerando que é um exagero a necessidade de as construtoras apresentarem um “projeto inteiro” na fase de Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU) e, em casos de modificação no projeto, o processo de licenciamento precisar ser reiniciado. Lisandra Theil sugere que EVUs de projetos especiais poderiam tomar como base projetos já aprovados, inclusive com as exceções já autorizadas sendo incluídas no Plano Diretor.

Ao responder às “ansiedades” do setor, a diretora de Planejamento Urbano da então Smams, Patrícia Tschoepke, explica que a ideia da pasta era buscar uma solução para o planejamento que fosse além do Plano Diretor, com mudanças no sistema como os processos são avaliados. Uma das ideias seria que o processo de licenciamento deixasse de olhar tanto para o lote – isto é, deixasse de ficar restrito a análises caso a caso – e passasse a olhar o território de forma mais estratégica.

Na prática, isso significaria, por exemplo, que um território que já tivesse sido analisado durante o processo de um EVU para um empreendimento não precisaria ser reanalisado em outro empreendimento próximo. Hoje, mesmo que sejam vizinhos, cada caso é analisado individualmente.

“A ideia é que essas avaliações de estudos de viabilidade passem a compor um território em si, e não simplesmente um lote”, diz Patrícia.

Ao longo dos últimos anos, Germano Bremm vem afirmando que está sendo construído um consenso com diversas entidades envolvidas no planejamento urbano e no mercado sobre mudanças que seriam necessárias na revisão do Plano Diretor. Se o consenso existe ou não na cidade, isso poderá ser avaliado quando a proposta da Prefeitura for apresentada e nas subsequentes discussões. No entanto, nas conversas que Melo e Bremm tiveram com o Sul21 nos últimos anos, é possível perceber que as demandas de um setor em especial, os empresários da construção civil, encontraram ressonância na gestão municipal.

A ideia de “reaproveitar” o EVU de um projeto para balizar outros apareceu, por exemplo, na entrevista concedida por Melo ao Sul21 em 2022. “Se a revisão do Plano Diretor vai determinar que não tem mais regra para projetos especiais, é uma decisão que a Câmara de Vereadores vai tomar”, disse. Contudo, acrescentou que a proposta da Prefeitura seria “bastante liberal, do ponto de vista urbanístico, permitindo adensamento”.

A liberação do limite de altura já está prevista para o Centro Histórico, a partir do programa de reabilitação aprovado em 2021. Pelas regras do programa, o limite passa a ser definido em cada quadra, sendo necessária a edição de um decreto para definir o regime máximo do território. A partir deste decreto, o maior prédio da região passa a servir de baliza para os demais.

 

Prefeito defende que novo Plano Diretor seja “bastante liberal”. Foto: Luiza Castro/Sul21

Em conversa com o podcast de De Poa, do Sul21, em maio de 2023, Germano Bremm detalhou a situação da revisão, reafirmando o final do ano como meta para envio à Câmara. Na ocasião, apontou que o desejo da Prefeitura é de que o poder público passe a atuar principalmente no monitoramento do regramento urbanístico, e não no que é permitido ou não em um lote privado.

“Dentro do lote privado, a gente deixa para o mercado, que tem condição, tem capacidade de fazer o melhor projeto da cidade. Nós vamos focar muito mais o nosso esforço para a área pública, atender aquilo que gera qualidade de vida, que melhora a condição das pessoas acessarem o mercado de trabalho, que impeça a invasão de áreas não urbanizadas, que a gente trabalhe na regularização”, disse.

Instado a explicar melhor o papel do ente público, Bremm afirmou que ainda seria necessário realizar a análise detalhada sobre impactos de empreendimentos de grande porte no território urbano, inclusive pela necessidade de adequação às redes de água, esgoto e mobilidade, entre outros. Porém, explicou que a ideia é de que, em uma área de ocupação intensiva, o Plano Diretor calcule qual o potencial construtivo do território, mas sem se aprofundar na forma como ele pode ser empregado pelo construtor. “A partir da mensuração prévia, uma vez estabelecida e aprovada no nosso Plano Diretor, dentro daqueles limites, tu tem uma certa liberdade”, afirmou.

Além da influência direta dos representantes do mercado imobiliário, outro fator de influência na revisão do Plano Diretor ganhou força em 2023, o urbanista francês Alain Bertaud. Autor do livro “Ordem sem Design”, ele entrou no debate ao conceder, em abril, uma entrevista à GZH no âmbito de sua participação no Fórum da Liberdade — evento patrocinado por grandes empresários do Estado com o objetivo de propagação da ideologia liberal.

Ganhou repercussão a defesa que Bertaud fez, na entrevista, da iniciativa privada para solucionar problemas urbanos, como a falta de moradia, e a gentrificação — processo de mudar o caráter de um bairro ou região de um perfil de renda baixa ou média para renda alta — para a preservação do Centro Histórico. “Se você quer manter algum tipo de centro histórico, minha experiência é que apenas a gentrificação pode fazer isso”, disse a GZH.

Bertaud foi convidado a participar, dois dias depois da publicação da entrevista, de uma conversa com o prefeito Melo, com o secretário Bremm e com o quadro técnico da SMAMUS. O caráter oficial da influência do francês na revisão viria no final do mês de outubro, quando ele foi o palestrante oficial do evento “Qual o papel dos Planos Diretores no Planejamento Urbano das Cidades?”, promovido pela secretaria.

Na palestra, Bertaud voltou a defender ideais que encontraram consonância nas falas de Melo e Bremm, como a crítica a planos diretores que sejam excessivamente focados em regras urbanísticas para cada lote, como necessidades de recuos e afastamentos para novas construções, e a defesa de que o planejamento urbano não deveria ficar limitado a planos de longo prazo, mas ser baseado em indicadores que possam ser monitorados “em tempo real”.

Ele defendeu que dados como acessibilidade das moradias, renda das famílias, média de aluguéis, preço da terra, tempo de deslocamento para o trabalho, entre outros, devem ser constantemente avaliados e levados em conta nas decisões urbanísticas tomadas pela cidade.

O foco no monitoramento, como vimos, já era defendido, em abstrato, pelo secretário Bremm, mas, até o momento, não está claro como ele passará a ocorrer em Porto Alegre e contrasta com a realidade de uma Prefeitura que tem grandes dificuldades em fornecer dados que seriam básicos para este trabalho. Após a palestra de Bertaud, ao ser questionado sobre o assunto, o secretário afirmou que um dos objetivos da proposta de Plano Diretor a ser encaminhada pela Prefeitura é fortalecer essa estrutura e reorganizar a SMAMUS para este fim.

 

Urbanista francês Alain Bertaud ministro a palestra “Qual o papel dos Planos Diretores no planejamento urbano das cidades?”. Foto: Alex Rocha/PMPA

O evento também serviu para o secretário apresentar os cinco objetivos gerais da Prefeitura para a revisão do Plano Diretor:

1) Qualificar os espaços públicos e potencializar a utilização do Guaíba;

2) Reduzir o tempo de deslocamento das pessoas nos trajetos diários;

3) Reduzir o custo da moradia e garantir o acesso de todos à cidade;

4) Adaptar os efeitos das mudanças climáticas e zerar as Emissões de Gases de Efeito Estufa;

5) Fortalecer o Planejamento Urbano com base na economia urbana para responder eficientemente às dinâmicas da cidade e potencializar suas formas de financiamento.

Como vimos nas matérias anteriores deste especial, os objetivos 3º e 4º também contrastam com os tipos de empreendimento que Porto Alegre vem autorizando nos últimos anos.

Para Clarice Oliveira, do IAB-RS, o foco no monitoramento não é uma proposta ruim. No entanto, ele passa obrigatoriamente por um processo anterior, que é definir parâmetros e indicadores que vão guiar esse monitoramento.

“Para ter monitoramento, antes precisa ter um planejamento de entender ‘olha, a densidade de um bairro vai atender um número X’. Então, o monitoramento vai entender que cidade vai até aqui, ‘olha, chegou nesse número X, não vai mais poder construir’. Mas, se a gente não tem esse planejamento da cidade como um todo, a gente não sabe o que isso vai atingir”, diz.

Clarice avalia que as propostas defendidas pela Prefeitura vão no caminho de flexibilizar parâmetros e normas urbanísticas. “Quando o prefeito Melo diz que Porto Alegre terá um plano muito liberal, é que talvez a cidade inteira vire um projeto especial, que tudo seja no caso a caso. E, se a gente não tem uma definição de quais são as características de cada região, de cada bairro, é conforme os interesses do mercado. É um monitoramento que vai servir não ao Estado, não à cidade, não à população, mas é um monitoramento que vai servir aos interesses do mercado”, afirma.

Uma partida de banco imobiliário começa sempre com os jogadores disputando o acesso à compra de terrenos. Quando não há mais terrenos a serem comprados, passam a fazer investimentos naqueles que já adquiriram, na expectativa de que eles se tornem mais valorizados e possam gerar renda ou lucros maiores. Ganha quem consegue extrair o maior valor possível desses terrenos.

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No jogo imobiliário da vida real, os grandes jogadores do mercado imobiliário atuam com o mesmo objetivo. A grande diferença, porém, é que uma parte importante dos investimentos que valorizam seus terrenos não é feita por eles, mas pelo poder público. Em Porto Alegre, uma rodada deste jogo está sendo disputada diante dos olhares de todos na região central, com os investimentos públicos nos processos de revitalização da orla do Guaíba, do Centro Histórico e do 4º Distrito.

Mariana de Azevedo Barretto Fix, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (Fauusp), se dedica a estudar o processo de financeirização da terra e do mercado imobiliário.

Um dos principais exemplos utilizados por ela é a construção da ponte estaiada Octávio Frias, em São Paulo. Hoje considerada uma obra icônica da capital paulista, ela foi construída, oficialmente, para interligar a região dos bairros residenciais Morumbi e Cidade Jardim a polos empresariais da cidade e ao aeroporto de Congonhas. Contudo, a professora argumenta que o objetivo da obra foi ser mais um “chamariz” para o mercado imobiliário do que uma solução para problemas de mobilidade.

 

Ponte Estaiada na capital paulistana. Foto: Alesp

Com investimento público final de R$ 233 milhões (em valores da época), a ponte estaiada foi inaugurada em 9 de maio de 2008. Algumas semanas depois, foi inaugurado o shopping que ancorava o empreendimento chamado de Parque Cidade Jardim. Projeto de 72 mil m² orçado em R$ 1,5 bilhão (em valores da época), incluiu também 12 torres, sendo nove residenciais, com apartamentos de até 1.700 m² e vendidos na planta por até R$ 10 milhões.

A existência de um empreendimento desse porte, diz a professora, só foi possível pela realização dos investimentos públicos de infraestrutura que, por um lado, qualificaram a região e, por outro, promoveram a remoção das cerca de 900 famílias que viviam na favela Jardim Edite, localizada na área da ponte. Ambos movimentos promoveram a valorização da área, sendo os ganhos desta valorização capturados pelo investidor privado.

A importância do financiamento público na acumulação de capital é exatamente o que se vê em Porto Alegre. Após as chamadas Obras da Copa do Mundo e a revitalização da orla do Guaíba – paga pela Prefeitura a partir de financiamentos internacionais –, grandes empreendimentos como o Shopping Pontal e o bairro privativo Golden Lake começaram a ser erguidos.

O Golden Lake levou dez anos para ser aprovado, passou por trocas na legislação, protestos e audiências públicas até ser viabilizado. O empreendimento está sendo publicizado como um bairro privado composto por sete condomínios, 18 prédios e aproximadamente 1,2 mil unidades. As torres terão entre 10 e 22 pavimentos, com unidades de 140 m² a 540 m². O primeiro dos sete condomínios já em construção é Lake Vitória, onde um apartamento de quatro quartos está sendo vendido a R$ 5,3 milhões. Unidades podem chegar a R$ 11 milhões e, conforme declarações do empreendedor, o Valor Geral de Vendas dos imóveis pode alcançar R$ 4 bilhões.

A origem do bairro privado é uma negociação iniciada em 2010, quando a ex-governadora Yeda Crusius (PSDB) sancionou Projeto de Lei 13.523 para doação de uma área que pertencia ao Estado ao Jockey Club do Rio Grande do Sul.

 

Golden Lake terá sete condomínios em terreno do antigo Jockey Club. Foto: Luiza Castro/Sul21

Logo em seguida, a área de 17 mil m² foi repassada à iniciativa privada em permuta – troca do terreno por uma torre comercial com 330 unidades –, mas, em 2021, se transformou em acordo financeiro entre o Jockey Club e a incorporadora, com valor não divulgado. A partir de dados disponibilizados em demonstrativos financeiros da Multiplan, o Sul21 apurou que o negócio girou em torno de R$ 150 milhões.

Assim como ocorreu no caso da ponte estaiada, o projeto também tem relação com investimentos públicos e habitação social. Em 2010, a cidade se preparava para receber a Copa do Mundo de 2014 e uma das obras previstas para garantir maior fluidez no trânsito entre a zona sul e o restante da cidade era a duplicação da Avenida Tronco.

Para executar as obras, a Prefeitura deu início à remoção de cerca de 1,5 mil famílias do trajeto pelo qual a avenida passaria. Em 2011, ainda sem um lugar definitivo para morar, a comunidade fez forte apelo aos representantes da Câmara Municipal para que se comprometessem em transformar a área do Jockey Club em Área Especial de Interesse Social (AEIS) e desta forma assentar as famílias que foram removidas de suas casas por conta da duplicação da Tronco. Não foi atendida.

Em meio ao processo de revitalização do Centro Histórico e do 4º Distrito, estão em fase de licenciamento os projetos de duas torres que pretendem estar entre as maiores da cidade. Para a rua Sete de Abril, bairro Floresta, está prevista a construção de uma torre de 117 metros de altura, o que só é possível pela flexibilização dos parâmetros urbanísticos pelo Programa +4D de Regeneração Urbana do 4° Distrito, lançado na gestão do prefeito Sebastião Melo. Já para um terreno entre as duas Duque de Caxias e Fernando Machado, está previsto um complexo residencial e comercial de 41 andares, que pode chegar a até 133,91 m de altura – as informações sobre o projeto, ainda em fase de licenciamento, são imprecisas.

A valorização da região central da cidade pelos investimentos públicos é destacada em fala do presidente do Sinduscon, Aquiles Dal Molin Jr., em live da entidade com a participação do secretário Germano Bremm, realizada em outubro de 2020. Ao advogar por mudanças no regramento urbanístico da cidade, ele pontua que o retorno dos investimentos públicos em infraestrutura, na forma de impostos pagos ao longo do tempo, estaria limitado pelo atual potencial construtivo.

“A cidade de Porto Alegre aproveita pouco esse capital construtivo, comparado a outras capitais. O retorno que Curitiba tem do investimento de infraestrutura é três vezes mais do que Porto Alegre tem com suas construções”, disse.

Contudo, para Mariana Fix, estes processos são marcados pela socialização dos custos de investimentos públicos, como no caso da expulsão dos moradores da favela Jardim Edite, e pela captura da valorização resultante de investimentos por agentes privados. Além disso, ela ressalta que a remoção da favela não resultou na saída das famílias da ilegalidade, o que indica que as ocupações são toleradas, desde que não interfiram na produção do lucro.

Mesmo em períodos de crise econômica, o valor médio de imóveis não apresentou desvalorização no Brasil. Ao contrário, os últimos anos foram de consolidação de grandes grupos imobiliários capazes de centralizar o capital em torno de si mesmos.

O Índice Geral do Mercado Imobiliário Residencial (IGMI-R) de setembro de 2023, calculado pelo Instituto Brasileiro de Economia (IBRE) em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), aponta que os imóveis residenciais valorizaram 10,28% nos últimos 12 meses, superando a inflação no período — calculada em 5,19% pelo IPCA — e as taxas dos principais títulos de renda fixa e dos fundos imobiliários.

Em artigo escrito com a professora Leda Maria Paulani, da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da Universidade de São Paulo, Mariana Fix destaca que a singularidade do mercado imobiliário é reunir em uma única atividade três formas de mais-valia: lucro, juro e renda. De forma resumida, o lucro com a venda dos empreendimentos, os juros sobre as operações financeiras e a renda sobre a propriedade, seja a do aluguel ou de atividades ligadas ao uso dela.

O processo de financeirização é demarcado pelo descolamento do valor de um terreno ou imóvel da atividade produtiva que é realizada nele (indústria, comércio, agricultura, etc.). Em vez disso, o valor passa a ser determinado, tal qual um ativo financeiro, pela renda futura esperada. Na prática, isso significa que o valor do imóvel passa a estar mais atrelado ao potencial de valorização como ativo financeiro do que pelo seu uso.

Uma vez entendida como ativo de capital, a terra então está sujeita ao fenômeno da especulação. O termo especulação financeira, no senso comum, é entendido como uma ação em que o proprietário mantém um terreno ou imóvel desocupado aguardando um momento de valorização que irá aumentar os seus ganhos. Contudo, ao virar ativo financeiro, ela é afetada por outro tipo de especulação.

“Os ganhos realizados nas Bolsas de Valores, quando se compra hoje a preços reduzidos ações que amanhã são vendidas por preços mais elevados, são típicos ganhos especulativos. Eles não estão relacionados, nem direta, nem indiretamente, à geração de valor novo ou valor excedente, mas tão somente às mudanças de mãos de determinados estoques de riqueza, sendo que cada agente visa, com essas operações, valorizar os seus próprios estoques”, escrevem Fix e Paulani.

Este processo é acentuado quando a terra está ligada à abertura de capital das empresas do setor. “Essa alteração tende a colocar sobre as empresas a pressão geral que a concorrência franqueada nas Bolsas entre os capitais de diferentes setores exerce sobre resultados, rendimentos e distribuição de lucros (dividendos), aumentando dessa forma a pressão por ganhos especulativos ainda maiores. Para que as empresas do setor imobiliário sejam bem-vistas nas Bolsas, passa a ser importante, por exemplo, a posse de estoques de terrenos (bancos de terra), o que evidentemente faz crescer a especulação”, afirmam.

Das dez empresas analisadas no especial Donos da Cidade, duas estão entre as construtoras com mais metros quadrados construídos em Porto Alegre. A aquisição de número elevado de terras faz parte do projeto de expansão da gaúcha Melnick Even. Após a abertura de capital na Bolsa de Valores de São Paulo, em 2020, a empresa ampliou os recursos captados através do IPO – Oferta Pública Inicial – que permite que outras pessoas tornem-se sócias da empresa, e tem aplicado os rendimentos, majoritariamente, na compra de terrenos para compor o chamado landbank – “banco de terrenos”.

 

Na esteira da Melnick, Cyrela Goldsztein também mantém o foco nas construções residenciais. Foto: Luiza Castro/Sul21

Na esteira da Melnick, a Cyrela Goldsztein também mantém o foco nas construções residenciais para consumidores de alta renda, em áreas de maior infraestrutura e, por consequência, com os terrenos mais caros da cidade. Em plena pandemia, a incorporadora arrematou R$ 6,7 milhões em um único apartamento em um edifício no bairro Moinhos de Vento. No ano passado, a receita líquida da empresa ultrapassou R$ 1,37 bilhão, superando os R$ 600 milhões de 2020. O crescimento também é parcialmente sustentado por ações na Bolsa de Valores.

A relação entre as mudanças reivindicadas pelas empresas para o Plano Diretor e o mercado financeiro ficou clara em intervenção de Juliano Melnick na já citada live do Sinduscon. Na ocasião, o CEO da Melnick afirma que, durante o processo de abertura de capital, a empresa precisou ajustar o discurso feito a investidores. Em vez de apresentar e defender a capacidade da construtora, ele se via, diz, precisando defender a praça em que atuava. No caso, Porto Alegre.

“As dúvidas, as restrições e, às vezes, até um descrédito que existem em grupos de fora do Estado é tão grande que nós tivemos que fazer uma defesa da nossa praça”, disse.

A percepção de que o mercado imobiliário de Porto Alegre está aquecido nos últimos anos foi constatada no Censo Demográfico de 2022. Em 2010, a cidade tinha 574.831 domicílios particulares permanentes. Já em 2022, esse número saltou para 686.414.

Contudo, este crescimento não pode ser facilmente explicado pela demanda habitacional, uma vez que o mesmo Censo apontou que a população de Porto Alegre caiu 5,4% no mesmo período, indo de 1.409.351 de habitantes, em 2010, para 1.332.570 moradores em agosto de 2022.

Por um lado, como argumenta a Prefeitura de Porto Alegre, há uma mudança na característica do mercado imobiliário, como o aumento de famílias monoparentais e o envelhecimento da população. Isto é, menos pessoas por domicílio. O Censo indica que a cidade tem 2,37 moradores por domicílio, contra uma média de 2,75 em 2010.

Por outro, o número de domicílios vagos mais que dobrou, passando de 48.934, em 2010, para 101.013. Outros 27.250 são de uso ocasional. Isto é, um em cada sete domicílios de Porto Alegre estão vagos.

Para quem, então, está sendo construída a cidade de Porto Alegre? A resposta está no mercado financeiro.

“A produção é desproporcional no seu ritmo e quantidade. Parece ter uma dinâmica de produção de unidades num número maior do que o crescimento da população. Isso por um lado. Por outro lado, alguém pode dizer que tem problema de habitação na cidade. Tem muita gente que mora mal, que mora na periferia distante e etc. E essa produção que a gente enxerga na cidade não é para essa faixa da população. Então, aí nós temos duas questões que nos remetem a pensar o seguinte: para quem é essa produção fundiária e imobiliária? Ela valoriza áreas em termos de valor da terra e produz edifícios para escritórios, para áreas de trabalho ou para unidades domésticas?”, questiona o professor Eber Marzulo, do Programa de Pós Graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Os novos imóveis, portanto, teriam como função principal fazer parte do portfólio de investidores. “Tanto do grande investidor, dos fundos de pensão que entram nas operações financiando a operação, quanto lá na ponta final, dos compradores. Na maior parte das vezes, os compradores finais compram o imóvel como investimento. O sujeito tem um portfólio de investimento e para ele pode ser interessante colocar R$ 2 milhões num loft, por exemplo”, diz Eber.

Fix destaca que, no caso da construção da Torre Norte do chamado World Trade Center, localizada a menos de 1 km da ponte estaiada, o empreendimento foi financiado por recursos do Fundação dos Economiários Federais (Funcef), fundo de previdência complementar dos funcionários da Caixa Econômica Federal. O Funcef, à época, possuía uma carteira de imóveis com 13 shoppings centers, 4 hotéis, 3 outros fundos de investimentos imobiliários e 130 imóveis para renda, um patrimônio de R$ 1,96 bilhão.

Em Porto Alegre, a participação de um fundo de pensão em um grande empreendimento imobiliário foi notória no Consórcio Cais Mauá do Brasil, que, em 2010, venceu a licitação para a revitalização do Cais Mauá.

O Fundo de Investimento em Participações Cais Mauá do Brasil, responsável por 90% dos recursos captados para o investimento nas obras, era formado quase integralmente por institutos de previdência de servidores públicos, a maioria de prefeituras, chamados de Regime Próprio de Previdência Social (RPPS). Em abril de 2019, o fundo foi alvo de uma operação da Polícia Federal que apurava desvios em fundos de investimentos com aplicações em projetos de construção civil. O contrato foi posteriormente rompido, com um novo processo de licitação em andamento.

Mariana Fix destaca que, apesar de financiarem este tipo de investimento, os servidores públicos não têm controle sobre onde seus recursos são aplicados. “As escolhas e as justificativas oferecidas pelos gestores indicam que a finalidade ética, social ou política de um investimento não pode estar no horizonte de decisões dos fundos ou, ao menos, acima do compromisso com a concessão de benefícios de aposentadoria e pensão de seus participantes. É o que explica o fato de os fundos fazerem frequentemente aplicações contrárias aos interesses dos trabalhadores, de modo análogo do que ocorre no mercado de ações, no qual se veem obrigados a busca papéis com maior capacidade de valorização, muitas vezes, hoje, aqueles pertencentes às empresas que melhor executam programas de redução do número de trabalhadores, terceirização e flexibilização de mão-de-obra”, escreve a professora.

O economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Fabian Scholze Domingues acrescenta ainda que o boom da construção civil em um contexto de perda de renda dos consumidores pode ser explicado a partir de alguns fatores: o preço do metro quadrado construído, que é muito barato em relação ao custo do terreno, e o fato de o empreendimento ser vendido pelo valor do endereço, ou seja, a localização de um imóvel influencia diretamente no custo final de comercialização. Daí a preferência das construtoras por determinado bairro em detrimento de outros.

A fórmula baixo-custo-de-construção/alta-lucratividade também explica a lógica que está por trás do intenso processo de verticalização das cidades brasileiras hoje, diz Domingues: “Um andar a mais em um terreno valorizado rende um lucro extraordinário”.

O economista alerta ainda para o alto estoque de terras acumulado pelas incorporadoras, que, consequentemente, impacta no preço de mercado. Em seu entendimento, o resultado dessa equação, em um primeiro momento, são bairros cada vez mais caros e, no longo prazo, a desindustrialização da cidade.

A literatura do Urbanismo aponta para a existência de três tipos de agentes econômicos que atuam no mercado de terras em cidades. O acidental, que busca extrair renda de um negócio imobiliário. O ativo, que antecipa mudanças de regramentos urbanísticos em alguma área e busca extrair lucro da diferença de valor atual e futuro. E o estrutural, que não apenas antecipa mudanças, como atua ativamente para promover essas mudanças na legislação por meio de influência política.

Qualquer semelhança com o que acontece em Porto Alegre não é mera coincidência.

Entre os bairros de maior interesse das construtoras está, por exemplo, o Petrópolis, que na última década recebeu, praticamente, um novo empreendimento por ano. Um deles, com potencial de modificar significativamente a região, é o Complexo Belvedere que está em fase de construção. Há quatro anos, o investimento era estimado em R$ 850 milhões.

 

Complexo Belvedere avança no Petrópolis. Foto: Luiza Castro/Sul21

O projeto é do grupo Máquinas Condor – que no final dos anos 1980 figurava como um dos maiores proprietários de terras de Porto Alegre. Durante quase três décadas, o empreendedor pleiteou a liberação para construir um grande empreendimento no terreno que inclui uma fonte de água mineral e, portanto, é uma área delimitada para preservação natural.

Pela legislação, a propriedade de minérios, incluindo a pesquisa e a exploração, cabe à União. Por isso, é de responsabilidade federal a concessão ou autorização da prática da exploração da fonte, mesmo que em propriedade privada.

Protocolado em 1995 apenas como um shopping center, o projeto foi originalmente aprovado em 2004, mas suspenso em razão de uma ação do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS), que questionou o impacto do projeto nas reservas subterrâneas de água no terreno.

Um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) foi firmado em 2006, mas o projeto ficou guardado por uma década, até 2016, quando foi firmado o termo de compromisso entre Prefeitura e Belvedere Participações LTDA. Naquele momento, contudo, o empreendimento contemplava um shopping com 146,5 mil m², um hipermercado Zaffari com 33,4 mil m² e duas torres comerciais com 32 mil m².

Em agosto de 2018, a então Secretaria Municipal do Meio Ambiente e da Sustentabilidade (Smams) emitiu a Licença Prévia do empreendimento e, dois anos depois, em julho 2020, a Licença de Instalação (LI), que permitiu o início das obras.

A “demora” para a liberação da obra permitiu ao empreendedor esperar para que o poder público municipal providenciasse infraestrutura e serviços urbanos na região, como a construção da Terceira Perimetral, que viria a valorizar o empreendimento. No momento, a construção do hipermercado do complexo Belvedere já está em andamento. As obras do shopping e das torres ainda não começaram.

O professor Fabian Domingues avalia que a Prefeitura falha ao não frear a especulação imobiliária e que o resultado está sendo sentido pela população. “Temos visto uma fuga de estudantes e empreendedores que não conseguem pagar os altos custos da cidade e vão embora para outros lugares. A sociedade perde em nome de uma valorização imobiliária que atende os interesses de um único grupo. Do ponto de vista público, o que a Prefeitura deveria fazer é colocar na balança essas questões”, lamenta.

Uma das principais reivindicações das construtoras, a densificação de alguns bairros, está na pauta das discussões de revisão do Plano Diretor da cidade. Durante a Conferência de Avaliação do atual Plano Diretor de Porto Alegre, realizada março deste ano, o prefeito Sebastião Melo indicou que, se dependesse só dele, a cidade não teria um limite de altura para construções. Na ocasião, ele chegou, inclusive, a citar o futuro prédio mais alto da Capital, que será construído no 4º Distrito. “Não é ainda o ideal, 127 metros ainda tá baixo”.

 

Prédio projetado para a rua Sete de Abril é um dos espigões com mais de 100 m de altura autorizados pela Prefeitura. Foto: Divulgação/SMAMUS/PMPA.

No mesmo evento, representantes de setores ligados à construção civil pediram liberação de índices de altura das edificações e mais liberdade para os projetos imobiliários. Por outro lado, entidades representativas da sociedade civil criticaram a falta de participação ampla da população nas discussões do Plano Diretor.

A professora da USP e urbanista, Raquel Rolnik, referência nacional nas discussões de planejamento urbano, ressalta que o setor imobiliário sempre participou e tem toda a legitimidade para participar desses processos colocando em debate os valores que têm a ver com o seu negócio.

No entanto, avalia que o destino de uma cidade não pode ser pautado apenas por esses interesses. “Valores como ambiência urbana, história, memória, racialidade e questões ambientais não podem ser ignorados”, diz.

Para a urbanista, a ideia de cidade em que o único valor relevante é a rentabilidade do solo acaba impondo aluguéis impagáveis, despejos e endividamento.

Quando uma região da cidade é cuidada e recebe investimentos, tudo que existe nela passa a valer mais. Quem não pode pagar esse novo preço precisa ir embora. O processo de gentrificação de uma cidade não é novo. O Sul21 já contou como ele se deu, historicamente, em Porto Alegre. A questão é que ele segue ocorrendo. O processo de expulsão da população de menor renda se dá em diferentes frentes: dos bairros mais centrais, onde se planeja adensar e atrair novos negócios, mas também das periferias pontualmente escolhidas para grandes condomínios e residenciais, que modificam tudo ao seu redor. A cidade feita para quem pode pagar se espalha em metros quadrados que valem milhares de reais e, não raro, permanecem inabitados, enquanto a cidade da população de baixa renda se encolhe em vielas e áreas de risco.

Entenda como mapeamos os projetos especiais que mudaram Porto Alegre nos últimos 10 anos

No início de março de 2004, um incêndio de grandes proporções atingiu o loteamento Santa Terezinha. Por volta das 2h da madrugada do dia 19, o fogo começou a consumir a Vila dos Papeleiros, na rua Voluntários da Pátria, na zona norte da Capital, e só foi contido após destruir 200 casas. 600 pessoas ficaram desabrigadas. Duas sofreram queimaduras leves. Ninguém morreu. As famílias foram transferidas provisoriamente para a Casa de Passagem – assentamento que pertence ao Departamento Municipal de Habitação –, até que a Prefeitura reconstruísse as casas, o que ocorreu em 2006.

Na época, o então vereador Sebastião Melo (PMDB) falou sobre o ocorrido e lamentou que Porto Alegre tenha várias zonas de risco com características similares à área atingida. Afirmou ainda, em sessão plenária na Câmara de Vereadores, que o quadro era resultado da falta de priorização da política habitacional pelo Poder Executivo e que era preciso repensar a forma como a administração pública vinha tratando a questão. Em 2005, uma nova tragédia queimou mais 40 moradias, o que se repetiu em 2015 e 2019, devido às precárias condições de infraestrutura das casas aglomeradas e das instalações elétricas irregulares. Quase 20 anos depois e com o então vereador no comando da cidade, como está o planejamento urbano de Porto Alegre?

Ao tentar dimensionar o problema da habitação, a Ernst & Young, consultoria contratada pela Prefeitura em setembro de 2022 para subsidiar a revisão do Plano Diretor de Porto Alegre, precisou resgatar dados do IBGE de 2010 e baseou sua análise nos indicadores do censo organizados pelo ObservaPOA. O diagnóstico inicial apontou para um baixo investimento do Município em empreendimentos habitacionais para população de baixa renda, assentamentos precários, irregulares, sem infraestrutura básica e população vivendo em áreas de risco.

Há 13 anos, os indicadores já mostravam aumento de moradias precárias no município, com 13,68% da população (cerca de 55 mil pessoas) vivendo nessas condições. Entre os bairros com maior número de domicílios precários estavam o Santa Tereza, na zona sul, onde 7.813 habitações sofriam com inadequação de um ou mais serviços; como esgoto a céu aberto, compartilhamento do medidor de energia elétrica ou falta de abastecimento público de água potável. Em segundo lugar estava o bairro Mário Quintana, região nordeste, com 4.795 residências na mesma situação, seguido de São José (4.408) e Bom Jesus, na zona leste (4.237) e Farrapos, na zona norte (2.344).

 

Na Vila Areia, comunidade reclama de falta de estrutura de saneamento, coleta de lixo e mobilidade. Foto: Luiza Castro/Sul21

A redução desse índice só é possível com aumento da oferta de habitações de interesse social que atenda a população de baixa renda, concluiu a consultoria. Devido à relevância desses indicadores, o relatório enfatizou que o uso de dados defasados em uma revisão de Plano Diretor poderia acarretar distorções de interpretação e não corroborar com a solução de problemáticas atuais.

A Ernst & Young não conseguiu caracterizar a demanda habitacional como pretendia. Para isso, era necessário identificar assentamentos precários considerando as características dos imóveis, urbanos e edificados, conhecer o uso regulamentar do solo (de acordo com o zoneamento) e o uso real da terra. Com essas informações seria possível apontar áreas em que a atividade atual não está de acordo com a regulamentação estabelecida e avaliar os impactos de projetos futuros para melhorar a qualidade de vida nessas áreas. Os mapas de zoneamento foram solicitados às secretarias responsáveis, mas não foram recebidos, disse a empresa.

A partir do levantamento dos empreendimentos construídos, em andamento e projetados nos últimos dez anos, o Sul21 produziu uma cartografia que identifica onde estão localizadas as construções e a quem se destinam, considerando o tipo de domicílio e público-alvo das construtoras pesquisadas para o Especial Donos da Cidade. O mapa mostra que as áreas historicamente com melhor infraestrutura continuam destinadas às pessoas de média e alta renda e recebendo os melhores investimentos.

Dos 90 empreendimentos residenciais projetados no período, 30 foram para habitação de interesse social propostos por quatro construtoras especializadas no programa Minha Casa, Minha Vida. Destes, sete estão concluídos, a maioria entre as macrozonas 3 e 5. Nessas regiões estão alguns dos bairros de menor renda média da Capital e que pouco interesse despertam no mercado imobiliário, como é o caso de Bom Jesus e Mário Quintana que, juntos, tinham mais de 9 mil moradias precárias em 2010. De acordo com as informações fornecidas pela Prefeitura, nenhum deles recebeu projetos de habitação nos últimos dez anos.

 

Unidades habitacionais entregues em 2019 no bairro Chapéu do Sol são do programa Minha Casa, Minha Vida. Foto: Cesar Lopes/PMPA

O Rubem Berta, zona norte da Capital, recebeu 720 imóveis até 2020, projetados pela MRV e Tenda, menos da metade necessária para suprir as mais de 1.500 moradias precárias do bairro. Na zona sul, o bairro Vila Nova foi o único a receber habitação de interesse social, ainda em 2013. Outros cinco empreendimentos foram projetados em 2020 e estão em andamento.

Desde outubro de 2017, quando foi entregue o empreendimento Maria da Conceição, no bairro Partenon, nenhuma habitação de interesse social é construída em terrenos de propriedade do Departamento Municipal de Habitação (Demhab) ou da Prefeitura de Porto Alegre.

Junto com a revisão do Plano Diretor, o poder público vem conduzindo as discussões propondo um novo modelo de planejamento urbano chamado de “Planos Regionais”. Os primeiros bairros eleitos pelo atual governo são o Centro e o 4º Distrito, contemplados nos programas Reabilitação do Centro Histórico e +4D de Regeneração Urbana do 4º Distrito. Para incentivar o setor da construção civil nessas localidades, o Executivo municipal decidiu conceder incentivos fiscais e urbanísticos aos empreendedores que forem construir novos prédios ou investir no chamado retrofit – quando se moderniza um imóvel já existente.

A arquiteta e urbanista Clarice de Oliveira acompanhou a elaboração dos projetos para o Centro Histórico e 4º Distrito. Mesmo fatiando o Plano Diretor, ela acredita que os planos de bairros são uma ferramenta de planejamento urbano muito potente, inclusive para olhar de maneira mais detalhada e entender o que cada localidade precisa. No entanto, critica que a Prefeitura tenha feito o oposto ao não priorizar nesses programas moradias para a população de baixa renda que vive na região.

 

Centro Histórico foi contemplado em projeto especial do Município. Foto: Luiza Castro/Sul21

A copresidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil no Rio Grande do Sul esteve em todas as etapas que envolveram a participação da sociedade nos projetos e diz que o tema foi deixado de lado. Uma das falhas dos programas, segundo Clarice, é justamente o fato do empreendedor poder escolher quais ações vai realizar ao aderir ao regime especial que irá conceder a ele determinados benefícios, como isenções fiscais e outras flexibilizações para construir.

A vinculação da isenção fiscal à produção de habitação de interesse social chegou a ser discutida durante as oficinas de debate, mas o Executivo não enviou o texto para ser votado na Câmara de Vereadores. A redação final deixou como opção ao empresário algumas ações como melhoria das calçadas, qualificação do passeio na frente do imóvel, tratamento de fachadas e atendimento de habitação prioritária. A urbanista diz que, da maneira como foi colocada, a isenção de tributos é insuficiente para que se promova esse incentivo. “Se ele pode escolher os requisitos que favorecem e valorizam o próprio empreendimento, por que ele vai construir um prédio para uma parcela da população que não tem um bom poder aquisitivo?”, questiona Clarice.

O secretário municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade, Germano Bremm, admite que a região é um território fértil para produzir esse tipo de habitação, mas diz que a Prefeitura não tem a solução hoje. “Tem inúmeras oportunidades ali e a gente tem que achar ferramentas, formas de trabalhar cada vez mais isso. É um desafio, não sabemos se é esse caminho ou outro, mas a gente tem um time bem qualificado trabalhando para discutir esse tema”.

Para Clarice, as ações da Prefeitura vão na contramão do que é dito publicamente. Para ela, o resultado do documento aprovado na Câmara de Vereadores prova que o poder público não tem a intenção de priorizar moradias e, sim, empreendimentos.

Construída em 2004, a Casa de Passagem, que abrigou inicialmente os desalojados da Vila dos Papeleiros, passou a receber, a partir de 2007, os moradores das Vilas Tio Zeca e Areia que foram removidos de suas casas pelo Demhab por conta da construção da nova Ponte do Guaíba. A proposta do poder público era abrigar as famílias por um ano e meio enquanto novas moradias seriam feitas pela Prefeitura. A promessa não foi cumprida e o que era provisório tornou-se definitivo.

O assentamento fica entre as ruas Voluntários da Pátria e Frederico Mentz, no bairro Navegantes. As casas minúsculas instaladas em um amplo corredor de passagem lembram celas de penitenciárias. Ligações elétricas irregulares, esgoto a céu aberto, lixo, infestação de ratos, problemas de abastecimento de água e incêndios constantes compõem a realidade de 80 famílias que esperam há mais de 15 anos para que as suas moradias sejam construídas.

Antes do início da obra, 600 famílias estavam cadastradas para serem reassentadas pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, que havia prometido novas moradias antes da conclusão da ponte, o que está longe de acontecer. Inaugurada em 2020, a obra está inacabada e sem previsão de avanço. O contrato com a construtora Queiroz Galvão encerrou em 2021 e, para que a construção possa ser retomada, o DNIT precisa fazer nova licitação. Consultado sobre o andamento do Programa de Reassentamento, o órgão limitou-se a dizer que “a conclusão das obras, bem como o reassentamento das famílias, integram objeto de estudo da ANTT para concessão”. Ao ser procurada, a Agência Nacional de Transportes Terrestres não respondeu à reportagem.

Há dez anos, uma ação civil pública movida pelo Ministério Público condenou o Município de Porto Alegre a regularizar a área da Vila Santo André, localizada nas proximidades da avenida Castelo Branco, no bairro Humaitá. Cerca de mil pessoas viviam em situação precária. Em agosto de 2013, os moradores foram convocados para a audiência que determinou que a CEEE e o DMAE instalassem de forma provisória os serviços de luz e água até que o governo do Estado apresentasse um cronograma de regularização da área, o que não aconteceu até agora.

 

Vila Areia. Foto: Luiza Castro/Sul21

Além da Casa de Passagem, Vilas Tio Zeca, Areia e Santo André, há ainda outros assentamentos que há décadas atendem, mesmo que precariamente, à necessidade de moradia de milhares de famílias. Só no 4º Distrito – região que compreende parte dos bairros Floresta, São Geraldo, Navegantes e Humaitá – existem 19 comunidades vivendo em ocupações irregulares. Ceniriani Vargas da Silva, dirigente no Movimento Nacional de Luta pela Moradia, diz que as ocupações aumentaram e novas foram surgindo à medida que as pessoas deixaram de ter condições de pagar tão caro pela moradia e lamenta que o respaldo do poder público só encontre os empreendedores e investidores imobiliários. “Quem realmente precisa não é contemplado com políticas públicas, sejam de moradia, sejam sociais”, afirma.

Ao mesmo tempo em que os incentivos fiscais e urbanísticos avançam, aumenta a pressão para que seja feita a troca da população residente nessas regiões. De acordo com o Mapeamento Nacional de Conflitos pela Terra e Moradia, existem hoje em Porto Alegre 3.119 famílias ameaçadas de despejo, seja por pedidos de reintegração de posse ou áreas afetadas por obras públicas que precisam ser esvaziadas, e ao menos um terço delas estão no Centro e 4º Distrito. Para Ceniriani, a remoção da população de baixa renda se intensificou no momento em que a região virou foco da Prefeitura para implantação dos projetos de revitalização.

Segundo a dirigente, existe um número significativo de áreas públicas, imóveis vagos e subutilizados no Centro onde poderiam ser desenvolvidos projetos habitacionais de moradia popular. “A política habitacional vai além de construir. Hoje, a única opção que a Prefeitura dá é o bônus moradia. Antes da Copa do Mundo (2014) se entregava as casas, agora se oferece R$ 128 mil. Para as famílias que vivem da reciclagem, esse valor não é suficiente para comprar um imóvel no mesmo território de origem. Elas não querem ir para a periferia onde não vão ter emprego”, diz.

 

Em junho de 2017, a polícia montou uma operação de guerra para cumprir ordem judicial e despejar famílias da Ocupação Lanceiros Negros. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Um edifício desocupado há mais de uma década pelo Estado no Centro de Porto Alegre tinha sido a alternativa encontrada por cerca de 70 famílias que buscavam por moradia longe das áreas de risco e da violência do tráfico ou para fugir dos altos preços de aluguel praticados na cidade. A Ocupação Lanceiros Negros viveu por quase dois anos na esquina das ruas Andrade Neves e General Câmara, até o dia 14 de junho de 2017. Durante na noite daquela quarta-feira gelada, véspera do feriado de Corpus Christi, balas de borracha, bombas de gás lacrimogêneo, spray de pimenta e cassetetes colocaram crianças, mulheres e homens na rua.

A desocupação do prédio público era um pedido do ex-governador José Ivo Sartori (PMDB). Logo a Procuradoria-Geral do Estado alegou “esgotamento das tentativas de conciliação”, a juíza Aline Santos Guaranha expediu o mandado de reintegração de posse e o Batalhão de Operações Especiais da Brigada Militar fez cumprir o que recomendava a 7ª Vara da Fazenda Pública. O despacho orientava que o despejo poderia ser feito aos feriados, finais de semana e fora do expediente, se necessário, evitando o máximo possível o transtorno ao trânsito de veículos e funcionamento habitual da cidade.

Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa à época, Jeferson Fernandes tentou argumentar com os oficiais de justiça para que a ação não fosse realizada à noite, sem que as famílias tivessem um local para ir. Acabou detido. Seis anos depois, o imóvel permanece vazio. Segundo a Secretaria Estadual da Cultura, há um projeto em fase preliminar para anexá-lo ao prédio da Biblioteca Pública do Estado, mas as obras não devem começar antes de 2025.

O número 11 da rua Caldas Júnior, esquina com a avenida Mauá, também se fez espaço de vida provisório por quatro vezes – 2005, 2006, 2011 e 2013 – esta última deu origem à Ocupação Saraí, com cerca de 40 famílias habitando o prédio de sete andares. Em 2014, um decreto do então governador Tarso Genro (PT) declarou o imóvel como bem de interesse social, possibilitando a construção de habitações populares, mas, na troca de governo, José Ivo Sartori (PMDB) não levou o projeto adiante, o proprietário pediu reintegração de posse e as famílias foram despejadas. Em janeiro do ano passado, o prefeito Sebastião Melo anunciou a revitalização do antigo edifício sob as novas regras do Centro Histórico. Ironicamente, o imóvel, construído com verba pública nos anos 1940, através do extinto Banco Nacional de Habitação (BNH) para servir de moradia popular, agora será transformado no projeto Cais Rooftop com apartamentos de alto padrão – 40 dos 48 apartamentos foram vendidos a investidores de São Paulo e serão ofertados para aluguel por temporada.

 

Ocupação Saraí foi um símbolo da luta pela moradia em Porto Alegre. Foto: Guilherme Santos/Sul21

O direito à moradia é garantido pela Constituição, assim como a perda de imóvel pelo abandono é prevista no Código Civil e regulamentada pela lei 13.465 de 2017. Em Porto Alegre, a arrecadação de bens abandonados encontra respaldo no Decreto 19.622 de 2016, que estabelece quais medidas devem ser adotadas para que o imóvel seja declarado como bem vago e receba novo uso para atender à finalidade pública, como instalação de equipamento comunitário ou destinado para habitação social, por exemplo.

Dos 686.414 domicílios particulares identificados pelo IBGE em 2022 na Capital, mais de 100 mil estão vagos, outros 27.250 são de uso ocasional. Porto Alegre não conhece seu déficit habitacional, mas, no último levantamento feito pelo Demhab, há exatos 14 anos, 64 mil pessoas aguardavam por moradia na planilha da Prefeitura.

Em 2010, o Censo já indicava 40 mil imóveis potencialmente abandonados, mas o município também não tem um levantamento oficial desses dados. Há seis anos, uma Comissão Especial foi criada dentro da Procuradoria-Geral do Município para identificar esses bens, mas, até agora, o trabalho da equipe avançou pouco. Desde que foi instaurada, em 2017, a Comissão de Análise e Gerenciamento de Imóveis Abandonados emitiu apenas uma Declaração Municipal de Vacância de Bem Imóvel Abandonado – que permite ao Município torná-lo público após três anos da notificação, não sendo necessário passar pelo Judiciário.

A grande dificuldade da Comissão, segundo a procuradora Cristiane Catarina de Oliveira, que estudou o instrumento da arrecadação, é caracterizar o imóvel como de fato abandonado. “Não basta estar visualmente abandonado, é preciso atender alguns critérios jurídicos e atestar que o proprietário tem essa intenção”, diz.
Embora acredite que não existam efetivamente muitas propriedades que se enquadrem nessa situação, Cristiane enfatiza que o Município tem outros instrumentos que permitem dar novo destino a imóveis que não estejam em uso, garantindo assim a sua função social definida no Estatuto da Cidade e no Plano Diretor do Município. “É preciso chamar a atenção para essa discussão, pois qualquer pessoa pode pedir uma investigação à Prefeitura para saber se determinado imóvel está abandonado e fazer valer a lei”.

Há 23 anos morando na Bom Jesus, em Porto Alegre, Cenira Vargas é uma das lideranças da comunidade. Promotora Legal Popular e integrante do Movimento Nacional de Luta pela Moradia, ela diz que vive “brigando” para conseguir habitação digna para a região onde vive. Na pandemia, apoiou famílias que estavam sendo despejadas da comunidade Mato Sampaio por conta de uma reintegração de posse da área que pertencia ao Município. O processo começou em 2019, quando a Prefeitura pretendia remover 56 famílias para permitir a construção de uma praça, uma rua e um reservatório de detenção de água – para evitar alagamentos.

Depois de muito protesto dos moradores, a Justiça suspendeu os despejos ao verificar que a administração municipal não havia garantido a segurança das pessoas que seriam retiradas de suas casas. O Ministério Público se manifestou, à época, dizendo que era possível construir a praça e as ruas sem mexer com as moradias e que, em último caso, as famílias poderiam ser reassentadas na mesma região. Em apoio à comunidade, a Câmara de Vereadores encaminhou um projeto de lei para transformar a Mato Sampaio em área especial de interesse social (AEIS I) voltada à moradia. O ex-prefeito Marchezan (PSDB) vetou o PL, mas, no final de 2020, os vereadores aprovaram a transformação do espaço para destiná-lo a assentamentos autoproduzidos por população de baixa renda.

Recentemente, Cenira conta que passou na região e identificou uma cerca colocada entre uma rua que está sendo aberta e o “condomínio dos ricos”, formando uma nova divisão no bairro: “Do lado de lá, os condomínios de ricos e, do lado de cá, o pessoal da pobreza. A favela da Bom Jesus, como eles chamam, mas eu fiquei feliz de ver que eles tinham cercado, isso quer dizer que as famílias, que nós lutamos para que ficassem nas suas casas, não vão ser retiradas”, comemora. “Eles têm dinheiro, onde tiver um espaço, eles vão comprando, retiram as famílias e constroem”, diz.

 

Central Park: Foto: Luiza Castro/Sul21

Cenira refere-se ao Central Parque – bairro planejado com diversos condomínios que começou a ser erguido em 2012 pela construtora Rossi. Ao longo dos últimos dez anos, parte dos loteamentos foram sendo vendidos a outras empresas e parte ficou a cargo de construtoras como a Orquídea Incorporadora e Alcea Empreendimentos – controladas pela Rossi. Essas empresas assinaram um termo de compromisso com o Município para a construção de torres residenciais no condomínio.

As obras, que exigiam a remoção de dezenas de famílias, eram decorrentes do processo de parcelamento do solo e deveriam resultar em contrapartidas entregues à comunidade da Bom Jesus. No entanto, em 2022 a Rossi pediu falência, deixando para trás uma série de obrigações previstas no contrato assinado com a Prefeitura, como a reconstrução da Escola Estadual de Ensino Fundamental Professora Lea Rosa Cecchini, que nunca foi feita.

Segundo a procuradora Anelise Andrade, que atua na ação judicial, a entrega da praça está sendo cobrada judicialmente pelo Ministério Público. Como não havia conseguido conciliação com os empreendedores, o órgão hipotecou o único imóvel que a Rossi tinha em seu nome no Rio Grande do Sul, encontrado na cidade de Pelotas, zona sul do Estado, até que a empresa pague o que deve ao Município. A única obrigação cumprida pela construtora foi o Centro Cultural e Esportivo Bom Jesus, aberto à comunidade no final de 2012.

Além de pouco investimento público no setor imobiliário para habitações populares, também são poucas as construtoras que se interessam por essa demanda. Entre as mais atuantes na Capital está a MRV, que em nove anos foi responsável por seis projetos: quatro foram concluídos, um está em andamento no bairro Humaitá e um terceiro, previsto para o bairro Nonoai, está parado com pedido de desistência por parte da empresa no sistema de informações da Prefeitura. A Tenda Negócios Imobiliários teve o primeiro empreendimento construído em 2014, o Vida Alegre Sarandi, comercializado via Minha Casa, Minha Vida, e só voltou a prever novos projetos em 2020, pelo menos seis deles estão em obras – principalmente nos bairros Rubem Berta e Vila Nova –, conforme site da transparência do Município.

Em entrevista ao Sul21 em janeiro de 2022, o prefeito Sebastião Melo disse que o Plano Diretor não proíbe que habitações de baixa renda sejam construídas no centro de Porto Alegre, mas o “atrativo do mercado é que vai resolver”. Enquanto isso, as construtoras que se interessam por esses projetos, mesmo com benefícios, priorizam terrenos baratos, disponíveis apenas nas periferias e, consequentemente, as populações de baixa renda continuam sendo enviadas a regiões com menor infraestrutura.

Uma terceira construtora especializada em imóveis voltados ao programa Minha Casa, Minha Vida chegou ao Estado em 2018, mas não concluiu nenhuma obra até o momento. Dos nove pedidos de aprovação de projeto feitos pela paranaense Lyx Participações e Empreendimentos, cinco estão em andamento, de acordo com o sistema eletrônico de informações da Prefeitura. A empresa foi beneficiada em 2020 pelo Decreto 20.655, implementado pelo ex-prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB).

A iniciativa do Executivo municipal dava prioridade aos empreendedores que se comprometessem a iniciar a obra ou concluir as fundações até um ano depois da aprovação do projeto. O sócio-fundador da construtora de Curitiba, Jaderson de Lima, aparece na lista de projetos prioritários do Município, no entanto o empresário está impedido de atuar no Paraná. Em 2019, o Ministério Público daquele Estado denunciou nove pessoas por crimes de organização criminosa, corrupção ativa e passiva, falsidade ideológica e uso de documento falso. Entre elas estavam os sócios da Lyx.

 

Foto: Luiza Castro/Sul21

A ação penal cita “esquema para concessão de alvarás de construção e licenças ambientais para empreendimentos imobiliários, os quais, em tese, foram expedidos em desconformidade com a legislação ambiental e, possivelmente, com pagamento de propina a agentes públicos”.

Lima foi afastado das atividades da empresa e teve o passaporte retido. O empresário entrou duas vezes com pedido de revogação da medida de proibição de sair do país, mas o recurso foi negado pelo Superior Tribunal de Justiça.

Na decisão, o ministro Joel Ilan Paciornik justifica apontando que “os indícios de autoria e a prova da materialidade estão presentes, tendo em conta as investigações já realizadas pelo Ministério Público”. O magistrado referia-se também ao fato do investigado “remeter milionárias quantias sem lastro à empresa Goldenx LTD, constituída em paraíso fiscal” e reiterou que o “paciente só não teve a prisão preventiva decretada, justamente, porque há a possibilidade de se fazer a retenção do seu passaporte”.

A construtora também foi multada em R$ 2 milhões por fraude trabalhista e sistema semelhante a “pirâmide” em outra ação. Segundo o Ministério Público do Trabalho do Paraná, desde 2014 a companhia conseguia recursos com a Caixa Econômica Federal para construir conjuntos habitacionais. Depois, subcontratava empreiteiras que por sua vez também contratam os serviços de outros pequenos empreiteiros. Por qualquer desacerto em relação à obra, a Lyx suspendia os repasses financeiros. Sem o pagamento, a empresa abaixo da Lyx não conseguia pagar quem ela contratava que, por sua vez, não pagava os funcionários, o que gerava um “calote generalizado sobre os salários devidos aos trabalhadores”.

Se alguém disser que irá transportar um prédio demolido para reformá-lo em outro ponto do mesmo terreno, é provável que você diga ser impossível. Não em Porto Alegre. “Inconformado” com o fato de a Lei 462/2001, atualizada em 2010, impedir a construção de novos supermercados com mais de 2,5 mil m² — curiosamente, a legislação de 2001 ficou conhecida como “Lei Zaffari”, pois limitaria a concorrência à rede de supermercados –, em 2020 o Grupo Zaffari pediu à Prefeitura a “transladação de área a ser demolida” para então construir seu empreendimento fora dos parâmetros vigentes na cidade. As informações estão em inquérito civil aberto pelo Ministério Público Estadual para investigar se houve infração no licenciamento.

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O grupo comprou o terreno onde ficava o antigo Supermercado Nacional, da rede Walmart, na esquina da Rua Carazinho com a Avenida Nilópolis, em frente à Praça da Encol. A loja de 4,8 mil m², no bairro Petrópolis, tinha sido construída antes de entrar em vigor a lei que limitou o tamanho desse tipo de estabelecimento. A regra permite exceção às edificações já existentes, mas os padrões não atendiam ao projeto pretendido e o prédio seria derrubado para dar lugar a duas torres de apartamentos e um centro comercial anexado ao novo Zaffari.

Em dois anos, ao menos sete pareceres dos órgãos públicos recomendaram à empresa que adequasse a proposta. Um deles alertava: “Caso a edificação seja demolida, o requerente perde o direito à construção de um novo prédio com área superior à permitida em lei”. Outro dizia: “Ratificamos a necessidade de serem atendidas as diretrizes”. E ainda: “A proposta apresentada não demonstra manter a edificação pré-existente e deverá atender a Lei”. Nada disso aconteceu e o projeto foi indeferido pelos técnicos do Município em julho de 2020.

 

Empreendimento está localizado na Nilo Peçanha, ao lado da Praça da Encol. Foto: Luiza Castro/Sul21

A posição da Prefeitura, no entanto, foi revista depois do “Cidade Nilo” – parceria do Grupo Zaffari com a construtora Melnick – entrar na lista de projetos prioritários beneficiados pelo decreto 20.655, expedido pelo ex-prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB). A empresa exigiu a reanálise da “aplicabilidade da lei” e a revisão do indeferimento, alegando se tratar de reforma. “O estabelecimento apenas mudará de posição no terreno, por meio de sua reconstrução”, dizia o Requerimento Administrativo enviado pelo escritório de advocacia do grupo.

O documento contestava também a exigência do Estudo de Impacto Ambiental e o Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU) – que identifica se um empreendimento é viável ou não em uma determinada área da cidade e serve de base para análise de possíveis medidas mitigadoras e compensatórias que serão executadas pelo empreendedor. Segundo a assessoria jurídica da empresa, os impactos já tinham sido analisados há mais de 20 anos quando o imóvel original foi construído.

Acusada pelo grupo Zaffari de desobedecer a Constituição Federal, ferir o princípio da legalidade administrativa e afrontar o interesse público ao proibir a modernização do supermercado, a Prefeitura autoriza a continuidade do processo depois que o Grupo de Regulamentação e Interpretação do Plano Diretor (GRIPDDUA) enquadra o projeto na exceção da lei. Ou seja, a empresa poderia construir um novo Zaffari duas vezes maior do que determina a lei ao “transladar a área virtual”.

Criado por Marchezan para dar segurança jurídica às etapas de licenciamento, o GRIPDDUA gerou ainda mais dúvidas entre os técnicos municipais, que pediram apoio à Procuradoria-Geral Adjunta do Município. A própria PGM já havia negado aumento de porte ao Walmart em 2005, usando como referência a mesma Lei 462/2001.

 

Cidade Nilo é parceria do Zaffari com a Melnick. Foto: Luiza Castro/Sul21

Antes mesmo de a resposta da Procuradoria-Geral ser elaborada, Germano Bremm, então secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade, envia um ofício à diretoria-geral do Escritório de Licenciamento pedindo providências ao setor. Ele não gostou da iniciativa do corpo técnico e ordenou a continuidade da tramitação. “A recusa intransigente em dar prosseguimento ao processo administrativo não só causa prejuízos aos interessados, mas à própria Administração e ao Regime Jurídico Administrativo”, escreveu.

O diretor do Escritório de Licenciamento, Artur Amaral Ribas, que até então havia concordado com o indeferimento do projeto e envio de consulta à PGM, encaminha nova mensagem escrita de próprio punho à Coordenação de Desenvolvimento Urbano: “Considerando todo o exposto, solicito a redistribuição do processo e que a análise deste EVU seja conduzida diretamente pela chefia da CDU”.

Outro fator desconsiderado no licenciamento foi o impacto que mercados menores do entorno sofrerão por conta da concentração econômica do novo “shopping”, o que vai contra um dos princípios do Plano Diretor. Conforme apurou o Jornal do Comércio, a liberação do tamanho da área não é aceita nem por quem atua no segmento. Ainda assim, no ano passado, um projeto de lei tentou acabar com a restrição de tamanho para novos supermercados em Porto Alegre, mas foi rejeitado na Câmara Municipal. Somente os cinco autores do PL votaram a favor da proposta, Felipe Camozzato e Mari Pimentel, do Novo, Fernanda Bath (PSC), Jessé Sangali (Cidadania) e Ramiro Rosário (PSDB). Mas os próprios vereadores da base do governo do prefeito Sebastião Melo (MDB) se uniram à oposição para derrotar a proposta.

Desde fevereiro de 2021, ao menos três denúncias foram levadas ao Ministério Público Estadual pedindo a verificação da legalidade do processo e a análise jurídica da interpretação dada pela Prefeitura à legislação. Com diversos pareceres divergentes dos órgãos municipais em todo o processo, é difícil compreender até mesmo os procedimentos adotados no decorrer do licenciamento do novo Zaffari.

Automaticamente enquadrado como Projeto Especial de Impacto Urbano de 2º Grau, ele foi aprovado pelo Conselho Municipal do Plano Diretor (CMDUA) e gerou um termo de compromisso – uma espécie de contrato –, condições exclusivas dos projetos especiais que precisam pactuar obrigações para mitigar e compensar os impactos negativos gerados por construções de grande porte.

Mas, ao justificar a transladação e o reaproveitamento dos estudos técnicos e ambientais de mais de 20 anos atrás, Bremm diz ao MP que “inexiste nos termos do licenciamento do supermercado transladado qualquer situação que vincule o empreendimento ao Anexo 11 do PDDUA, rol taxativo. Ademais, as razões do não enquadramento do empreendimento foram demonstradas diversas vezes no parecer do GRIPDDUA e na informação da PMS-6”.

 

Secretário Germano Bremm. Foto: Giulian Serafim/PMPA

O rol taxativo referido pelo secretário são as condições que enquadram por obrigatoriedade uma construção em projeto especial. Entre essas características estão edificações que possuem mais de 400 vagas de garagem. É justamente o caso do “Cidade Nilo”, que trará 442 novas vagas de estacionamento para o Zaffari e outras 194 às torres residenciais que pertencem à construtora Melnick – inexistentes no antigo Supermercado Nacional.

O arquiteto e urbanista William Mog, doutor em planejamento urbano e regional, que elaborou parte dos pareceres técnicos para o inquérito civil, explica que, ao se valer do instrumento de transladar, a Prefeitura desconsiderou o impacto das vagas de garagem. “Isso tem sido recorrente, não só nesse caso, mas em outros que passaram pelo Ministério Público. Dependendo da situação, o Município aborda um dispositivo legal, e quando deixa de ser conveniente, parte para outro”.

O problema, de acordo com Mog, é que a própria legislação deixa brechas para esse tipo de interpretação. “É uma contradição da própria lei, porque existe um anexo (Art. 61., § 1º) que diz que o parâmetro é número de garagens, mas quando consideramos o regime urbanístico, a questão dos estacionamentos não conta do ponto de vista da área (Anexo 5, Regime de Atividades). Então, essas inconsistências têm sido muito utilizadas para viabilizar esse tipo de projeto”, afirma.

Segundo investigações conduzidas pela Promotoria de Justiça da Habitação e Defesa da Ordem Urbanística, não há dúvida que ocorreram sucessivos acréscimos na planta da edificação. “A proposta do Grupo Zaffari/Melnick envolve um complexo com vários usos: supermercado, galeria comercial, subsolos de estacionamento e torres residenciais. Logo, não se trata de uma ampliação e tampouco de um projeto semelhante ao já existente” e, portanto, não justificaria a dispensa dos estudos vinculados ao licenciamento.

Como isso vai impactar o entorno e o que foi feito para compensar? Documentos entregues de forma anônima ao MP, em maio deste ano, indicam que as ações de mitigação e compensação acordadas entre a Prefeitura e o Zaffari não são suficientes para amenizar os históricos alagamentos por falta de drenagem na região. O que já havia sido apontado pelos pareceres do corpo técnico especializado do órgão: “A construção existente no local e a nova proposta não apresentam o ‘mesmo efeito sobre o influxo das pessoas, o uso das vias e serviços públicos, o fluxo de veículos e a paisagem urbana’, como tentou argumentar o Município”.

A interpretação técnica do GRIPDDUA também foi considerada inadequada pelo corpo técnico do MP. “A edificação não está sendo modernizada, mas sim demolida, deixando de existir no tempo e no espaço, o que retira qualquer enquadramento da exceção do parágrafo 1° do art.2° da LC 462/2001”.

“É verdade que o que se pretende aqui não está expressamente previsto nas legislações municipais que regem a matéria”, admite a Procuradoria Municipal Setorial 06 em informação enviada ao MP, mas afirma que “não há qualquer instabilidade jurídica-urbanística uma vez que houve estudo exaustivo feito pelo Município para aplicação da exceção, além de sanção do Executivo Municipal” e que “não há por que se ater a minúcias, detalhes insignificantes”.

Em 2019, o secretário Germano Bremm apresentou ao Conselho do Plano Diretor o Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU) do projeto imobiliário do Sport Club Internacional, conhecido como “Torres do Beira-Rio”. A iniciativa foi barrada pelos conselheiros do Plano Diretor, pois eles entenderam que não faria sentido aprovar a construção de um empreendimento proibido pela legislação.

O terreno doado ao clube pela Prefeitura para fins esportivos não pode ser revertido para exploração privada, sob pena de ser devolvido ao poder público. Está na Lei 1651/1956. Mas, a intenção do clube é construir dois prédios — com 80 e 130 metros de altura –, um de 286 apartamentos de uso residencial, além de hotel, galeria comercial, centro de eventos, escritórios e 420 vagas de estacionamento, na avenida Padre Cacique, bairro Cristal.

Projetos de lei para mudar o regime urbanístico da área e permitir ao Internacional construir habitações não prosperaram até então. O último Projeto de Lei enviado à casa legislativa está parado há anos. “Eu acho que seria mais correto esperar a votação na Câmara de Vereadores”, disse o conselheiro Luiz Antônio Marques Gomes, no dia 9 de julho de 2019, em reunião do CMDUA.

Após o secretário insistir que não havia impeditivo para aprovação do EVU, o Conselho pediu que fosse enviada uma diligência à Procuradoria-Geral do Município para que se esclarecesse se o projeto poderia tramitar mesmo sem ter base legal.

 

Projeto apresentado para a construção das torres ao lado do estádio Beira-Rio. Foto: Reprodução

A resposta, no entanto, veio do próprio Bremm, que elaborou o relatório no lugar da PGM: “O Conselho tem que solicitar esclarecimento e a administração municipal tem que responder, mas agora a gente pontuar este, ou aquele, ou determinado órgão, isso não pode ser a prerrogativa do Conselho. Então, foi nesse aspecto que a gente fez o parecer de diligência, esclarecendo todos esses pontos, inclusive, nos aspectos legais”, disse em 23 de julho de 2019. “A não existência de lei que autorize a atividade residencial para a área não impede a aprovação do estudo de viabilidade urbanística, uma vez que o EVU não gera direito ao interessado”, afirma o secretário no documento.

O Ministério Público não tem o mesmo entendimento e enviou à época uma “recomendação” à Prefeitura para que interrompesse a tramitação do projeto até que o processo de alteração legislativa fosse concluído.

A reportagem teve acesso ao estudo aprovado pela Comissão de Análise Urbanística e Gerenciamento (CAUGE) depois de ter passado por várias secretarias – antes de ser barrado pelo Conselho do Plano Diretor. Nele, é possível identificar uma série de fragilidades, que vão além da questão do regime urbanístico. Embora os termos de compromisso desses projetos sejam públicos, os estudos que fundamentam as obrigações que devem ser executadas pelo empreendedor não estão disponíveis para consulta. O próprio EVU enviado ao Conselho do Plano Diretor para análise não traz a documentação completa.

Consultar as 181 páginas do EVU é como montar um quebra-cabeça. No “estudo” do projeto de torres do Sport Club Internacional constam orientações e documentos que fazem referência a pelo menos três empreendimentos distintos. Nas diretrizes do Departamento Municipal de Águas e Esgotos, por exemplo, há orientações para projeto de abastecimento de água para o “Empreendimento Centro de Treinamento”, a ser executado na avenida Edvaldo Pereira Paiva, 4001, para uma população de 70 pessoas”. Em outra diretriz, a extinta Secretaria Municipal de Urbanismo (SMURB) afirma que “em relação à altura das edificações, o limite para a aplicação da arquitetura icônica, onde se autorizam 160 metros de altura”.

 

Internacional planeja construir duas torres no estacionamento ao lado do Beira-Rio. Foto: Luiza Castro/Sul21

Esse documento tem data de 9 de maio de 2016. Em outro trecho do processo, o escritório de arquitetura do Sport Club Internacional encaminha à CAUGE, em novembro de 2018, um pedido para reconsiderar a proibição de locação do “Espaço Sunset” e o edifício garagem.

Na sequência dos documentos, quando se volta a tratar do projeto das torres, um ofício da extinta Secretaria Municipal de Urbanismo (Smurb) informa que se a área institucional fosse transformada em privada, o clube deveria devolver ao Município outra “de igual dimensão localizada às margens do Guaíba, baseado nos artigos 2º e 6º da lei 1651/56”. Esse mesmo ofício aparece três vezes no processo, em duas delas, há, nas últimas linhas, um pedido de análise da PGM sobre as questões referentes à lei. A assinatura do responsável, no entanto, está apagada. As diretrizes encaminhadas estão incompletas e não é possível ver a totalidade do que foi recomendado. Várias folhas foram retiradas do processo.

Em 2020, a incorporadora Melnick enfrentava dificuldades para convencer investidores sobre a capacidade de Porto Alegre em absorver a quantidade de lançamentos anuais necessários para tornar os negócios do grupo ainda mais atraentes para o mercado. A empresa tinha acabado de abrir capital na Bolsa de Valores e o chamado Valor Geral de Vendas (VGV) – potencial de lucro com a venda das unidades de um empreendimento imobiliário – virou uma preocupação para o CEO, Juliano Melnick.

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“O descrédito que existe entre grupos de fora do Estado é tão grande que tivemos que fazer uma série de defesas em relação a nossa praça. Eles [os fundos que investem em empresas de capital aberto] não acham normal ter que fazer tantos lançamentos, mas o VGV que a gente consegue fazer é infinitamente menor que outras capitais. Enquanto outras empresas precisam fazer três, nós temos que fazer dez”, disse Melnick, no dia 28 de outubro de 2020, para o secretário municipal de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade, Germano Bremm, em live transmitida pelo Sindicato das Indústrias da Construção Civil do Rio Grande do Sul (Sinduscon-RS).

Eliminar esse obstáculo, que impedia o grupo de expandir o seu portfólio e captar mais recursos, esbarrava em uma trinca de problemas: a venda de índice construtivo, afastamentos e altura – que permitiria utilizar esse índice – e o saturamento. O dono de uma das maiores construtoras do Estado disse entender pouco do Plano Diretor da cidade onde está sediado, mas queria uma solução para construir ainda mais apartamentos por projeto. “Se não mexermos no adensamento, a cidade vai consumir seu solo rapidamente. Ela tem um limite”, comentou Melnick. “Então, talvez, nós possamos, em uma janela de oportunidade que estamos vivendo, que é o entendimento do lado da Prefeitura mais alinhado com o nosso tema, resolver esses gargalos e destravar a cidade para o caminho do adensamento”, reivindicou o empresário a Bremm.

“O objetivo da pauta é debatermos com o governo municipal sobre a necessidade urgente de intervenções pontuais no Plano Diretor de Porto Alegre”, disse o arquiteto Antonio Zago, consultor do Sinduscon, no mesmo encontro. A arquiteta Lisandra de Lucena Theil, à época gerente de incorporações da construtora Rotta Ely, questiona o secretário se ainda teria “alguma outra medida ou artifício” que poderiam ser alterados antes da revisão do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental (Lei Complementar 434/99). “Esse é o enfoque”, pontuou.

“Como a gente pode ter mais decretos, mais leis complementares, assim como vieram maravilhas durante os últimos meses. E depois, se pensar que essa revisão seja uma compilação dessas leis já aprovadas, para gente surfar nessa onda de juros baixos e disponibilidade de crédito para que o Plano Diretor não seja um entrave”, perguntou Lisandra.

O engenheiro Aquiles Dal Molin Júnior, que até o ano passado presidiu o Sinduscon-RS, rasgou elogios a quem desobstruiu os caminhos para os negócios imobiliários. “O secretário Germano conseguiu num curto espaço de tempo fazer alterações que são históricas dos nossos desejos. A cada 15 dias temos uma novidade positiva do secretário”, disse.

Entre as benfeitorias citadas por Lisandra e Dal Molin estão os decretos que estabeleceram o sistema de licenciamento digital (20.606), o habite-se autodeclaratório (20.542) e o licenciamento expresso (20.613). Esse último transferiu da Prefeitura para arquitetos e engenheiros a responsabilidade ao projetarem novas obras de pequeno porte. Emitidas de forma eletrônica, as licenças deixaram de passar pelos processos administrativos municipais, estratégia já adotada por outras metrópoles brasileiras.

 

Nelson Marchezan Júnior. Foto: Alex Rocha/PMPA

Se antes uma construtora esperava em média 200 dias para receber aprovação do Escritório de Licenciamento, com a mudança a liberação passou a ser feita na hora. Agora, a Prefeitura apenas fiscaliza o empreendimento no caso de ocorrer alguma irregularidade. A medida liberou o órgão público para se dedicar à avaliação de projetos maiores.

Em um curto espaço de tempo, a paisagem da cidade ganhou novos contornos com a construção de milhares de salas comerciais e apartamentos. Dezenas de tapumes e obras espalhadas pelas ruas indicam que novos imóveis estão por vir. A criação de um sistema digital para aprovação de projetos e a modernização no Escritório de Licenciamento da Prefeitura foram importantes para acelerar essa transformação, mas não apenas isso. Quatro meses depois de ter sido eleito prefeito, em 2017, Nelson Marchezan Junior (PSDB) iniciou o que considerava serem “as reformas tão necessárias” para o município e que, segundo ele, só poderiam ser concretizadas pela “elite da comunicação, a elite empresarial e a elite política. Delegar isso ao ‘seu João’ e à ‘Dona Maria’ é irresponsabilidade”, disse. Começava ali uma aproximação histórica entre o Executivo municipal e os empresários da construção civil, que mudaria a lógica do planejamento urbano da Capital.

Os elogios da indústria da construção civil ao secretário Germano Bremm não são sem razão. Figura central no apoio à reforma política proposta pelo prefeito Marchezan, ele foi mantido no cargo na transição de governo. Sob a administração do atual prefeito, Sebastião Melo (MDB), Bremm passou a ocupar posições públicas estratégicas para acelerar as liberações de empreendimentos imobiliários.

À frente da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (SMAMUS), do Conselho do Plano Diretor (CMDUA) e do Conselho de Meio Ambiente (COMAM) – órgãos que analisam a viabilidade desses projetos arquitetônicos –, ele tem alertado os empresários do ramo sobre o risco de Ação Direta de Inconstitucionalidade ao se fazer alterações no Plano Diretor que não tenham sido precedidas de consulta e participação popular, estudo prévio e estudo técnico.

Nos bastidores, no entanto, o secretário tem mostrado às construtoras quais mecanismos podem ser utilizados para realizar mudanças pontuais no planejamento urbanístico. “A gente tem feito muitas alterações ao longo deste ano”, disse ainda na live do Sinduscon, em 2020. “Um ponto bem interessante que a gente pode trabalhar muito é o Sistema Municipal de Gestão do Planejamento, porque ele permite mudanças no processo de licenciamento como um todo, desde os projetos especiais de impacto urbano até a delimitação que a gente poderia fazer em relação aos estudos de viabilidade urbanística”, explicou Bremm aos empresários.

O Sistema Municipal de Gestão do Planejamento (SMGP), gerenciado pela SMAMUS, foi criado para dar dinâmica e permitir um processo permanente de atualização do Plano Diretor, mas deixa claro nos incisos I e II do artigo 33 que seu objetivo é criar canais de participação da sociedade na administração municipal e garantir um gerenciamento que priorize a melhoria da qualidade de vida da população como um todo, o que está sendo desvirtuado pela Prefeitura.

O artigo 15 do Código de Edificações de Porto Alegre também tem sido referido para embasar as decisões do governo. Ele permite, por exemplo, aprovação de projetos e licenciamento de construções, regulamentados unicamente pelo Executivo Municipal. Decretos, Leis Complementares e algumas mudanças que podem ser feitas por meio de resolução do Conselho Municipal do Plano Diretor (artigos 163 e 164 do PDDUA) também têm sido amplamente utilizados para realizar os pedidos dos empresários.

As vitórias acumuladas pelo setor junto ao Executivo municipal garantiram um lugar ao sol para poucos. Nos últimos quatro anos, os empreendimentos projetados por duas construtoras correspondem a cerca de 60% dos projetos aprovados na Prefeitura: a gaúcha Melnick e a Cyrela Goldsztein, braço regional da Cyrela nacional. Ambas também foram as principais beneficiadas pelo decreto 20.655 de projetos prioritários para aceleração dos licenciamentos, lançado por Marchezan em 2020 para atender ao que ele chamou de retomada econômica após a pandemia de covid-19.

Os efeitos desta lista foram imediatos e positivos para as duas construtoras. Só em 2020, a Melnick projetou mais do que a soma dos sete anos anteriores. Hoje, a construtora tem quase quatro mil apartamentos em construção na cidade, distribuídos em 22 empreendimentos, sendo que 20 deles estão na lista de contemplados pelo decreto municipal. A Cyrela, até 2019, tinha em média duas construções projetadas por ano na capital gaúcha. No período seguinte, esse número saltou para 19 – 9 deles são prioritários.

As construtoras têm atuação nacional com foco maior em habitações residenciais de médio, alto e altíssimo padrão em áreas de maior infraestrutura e, por consequência, com os terrenos mais caros da cidade. Em 2020, a Cyrela arrecadou R$ 6,7 milhões em um imóvel num edifício no bairro Moinhos de Vento. No Cidade Nilo, empreendimento da construtora Melnick, priorizado pelo decreto – e que ainda não saiu do papel –, um único apartamento no bairro Petrópolis pode custar mais de R$ 11 milhões.

Conforme o Diário Oficial de Porto Alegre (DOPA), desde a implementação da nova Lei do Solo Criado — instrumento que permite ao Município vender a uma empresa o direito de construir índices acima dos fixados em lei –, também foram elas as que mais compraram índices extras para construir — mais de R$ 10 milhões. Os edifícios já estão em obras nos bairros Jardim Europa, Rio Branco, Boa Vista e Petrópolis. Entre as contrapartidas acordadas pelos empresários que optaram por não pagar em dinheiro estão a revitalização no lago do Parcão, obras no Viveiro Municipal e a entrega de uma plataforma digital ao Município.

 

Botanique Residence: Foto: Luiza Castro/Sul21

A grande maioria desses empreendimentos foi viabilizada por meio dos chamados Projetos Especiais de Impacto Urbano – um instrumento de regulação previsto no Plano Diretor e que permite algumas exceções às regras de construção vigentes na cidade. Embora utilizado mais amplamente na última década, a figura do Projeto Especial aparece pela primeira vez em 1987, por pressão dos profissionais ligados aos interesses da construção civil que reivindicavam o “planejar pela proposição e não pela proibição”, explica a urbanista e mestre em Planejamento Urbano e Regional Maria Tereza Albano.

Quando foi criado, no entanto, fazia parte das estratégias de produção da cidade para desenvolver projetos para áreas carentes de infraestrutura, como os bairros Humaitá e Navegantes. Contudo, ao longo dos anos, acabou sendo utilizado massivamente para a construção de grandes empreendimentos em áreas nas quais não poderiam ser instalados, diz Albano.

Para a promotora de justiça do Ministério Público Estadual Annelise Steigleder, o grande problema dos projetos especiais é que a Prefeitura não consegue dizer não ao empreendedor. “Por que não consegue dizer não? Porque a lei permite. No entanto, o processo é todo discricionário”.

O que a promotora Annelise aponta como discricionário é o fato desses projetos especiais serem analisados caso a caso diretamente com entes públicos, o que, segundo ela, abre margem para negociações.

Hoje, para que um empreendimento desses seja aprovado, a empresa submete ao Município uma proposta preliminar que passa por estudos de viabilidade urbanística – que identificam se o prédio pode ou não ser executado naquele local – e impacto ambiental que aponta as condições da região antes da implantação do projeto. Muitos deles acabam interferindo na qualidade de vida das pessoas ao trazerem grande fluxo de veículos, aumento da poluição sonora, atmosférica e concentração de gases de efeito estufa.

Esses estudos são importantes, pois são eles que irão fundamentar as ações para mitigar os impactos negativos da chegada de uma edificação de grande porte, como por exemplo, ampliação de ruas. Uma compensação deve ser feita quando não é possível evitar ou mitigar esses problemas. Essas responsabilidades são do empreendedor, mas têm sido negociadas com a Prefeitura que, ou isenta o empresário de realizá-las, ou cobra o mínimo possível, como veremos na segunda reportagem da série.

Embora previsto no Plano Diretor, o estudo de impacto de vizinhança nunca foi regulamentado. De acordo com Annelise, isso também acaba fragilizando a participação social. “Enquanto o EIV prevê a consulta pública, o EVU tramita em sigilo, ninguém tem acesso a esse estudo, não se tem transparência”, lamenta a promotora. Isso porque a legislação diz que é obrigatório ao Município dar publicidade aos documentos do EIV, que devem ficar disponíveis para consulta de qualquer pessoa. Essa análise detalhada traria, por exemplo, dados sobre a valorização imobiliária causada pelo novo “vizinho”.

Quem mais aprova projetos imobiliários também está entre os maiores doadores da campanha de Sebastião Melo (MDB) à Prefeitura de Porto Alegre em 2020. Ricardo Antunes Sessegolo, diretor do grupo Goldsztein, aportou R$ 50 mil, além dos empresários Daniel Goldsztein (R$ 30 mil), Sergio Goldsztein (R$ 20 mil) e Fernando Goldsztein (R$ 40 mil). Dois diretores da Cyrela doaram R$ 30 mil cada um: Rodrigo Aurichio Putinato e Efraim Schmuel Horn. Com R$ 200 mil em doações, os integrantes da Goldsztein Cyrela foram os principais financiadores de Melo.

Quatro integrantes da família Melnick também fizeram generosos repasses à campanha do candidato vitorioso. Leandro Melnick (R$ 20 mil), Milton Melnick (R$ 18 mil), Juliano Melnick (R$ 17 mil) e Roseli Rabin Melnick (R$ 15 mil). O fundador da Multiplan, José Isaac Peres, aportou R$ 55 mil e Iboty Brochmann Ioschpe, presidente da Arado Empreendimentos Imobiliários, repassou R$ 40 mil em apoio ao prefeito. Juntas, outras sete empresas do setor imobiliário doaram mais de R$ 285 mil.

No mesmo pleito, quando Marchezan tentava a reeleição, alguns doadores também investiram no tucano, embora as apostas tenham sido maiores em Melo. Carlos e Pedro Jereissati, do Grupo Iguatemi, doaram, cada um, R$ 75 mil. O fundador da Multiplan, José Isaac Peres, investiu R$ 75 mil. Doaram ainda a Marchezan os empresários Elisabeth Teresa Marchioro Goldsztein (R$ 15 mil), Daniel Goldsztein (R$ 10 mil) e Ricardo Antunes Sessegolo, diretor do grupo Goldsztein, (R$ 10 mil).

 

Sebastião Melo. Foto: Gabriel Ribeiro/CMPA

Nos últimos anos, esse seleto grupo de empresários conseguiu o que ninguém havia conseguido antes em Porto Alegre: derrubar as leis urbanísticas e ambientais que impediam a construção de grandes empreendimentos na orla do Guaíba, ajustar a legislação municipal tantas vezes quanto necessárias para caber nos seus interesses, ainda que isso implique em construir torres de apartamentos em áreas de preservação permanente ou “criar solo” em bairros já saturados.

Foi Marchezan quem “destravou” os projetos mais polêmicos e emblemáticos da história recente da Capital, como o Shopping Belvedere, no bairro Petrópolis, o complexo Pontal e o condomínio Golden Lake, no bairro Cristal. Ao assumir o governo municipal, Melo deu continuidade e aprovou a construção de um novo bairro que irá ocupar o terreno da antiga Fazenda do Arado e tem tentado tirar do papel as Torres do Beira-Rio, ambos na zona sul da cidade. Projetos que estavam há mais de uma década parados por não se enquadrarem nos mínimos requisitos exigidos pela lei urbanística vigente.

O Complexo Pontal, projetado pela construtora Melnick em parceria com a BM Par, dividido em shopping, hotel, escritórios, consultórios médicos, centro de eventos, estacionamento, loja de material de construção e um parque público, foi aprovado entre vetos da população e denúncias de lobby e propina. A área onde está instalado o empreendimento estava estagnada desde a desativação da antiga indústria naval Estaleiro Só, em 1995. No processo de falência da empresa, o terreno passou para o poder público municipal. Nas duas décadas seguintes, a Prefeitura tentou leiloá-lo, mas só conseguiu após o então prefeito Tarso Genro (PT) sancionar a Lei Complementar 470/2002, que autorizou atividade comercial no local, tornando-o mais atraente para o mercado.

Avaliado em R$ 17 milhões [em valores da época], acabou arrematado pelo lance mínimo de R$ 7,2 milhões pelo empresário Saul Boff, dono da BM Par. “A ideia era fazer um empreendimento misto com torres residenciais e imóveis comerciais, para isso eu teria de mudar a lei porque, na época, só podia construir área comercial”, disse Boff em entrevista à GZH.

A segunda alteração da legislação para permitir a construção de residências chegou a ser aprovada pela Câmara Municipal, mas uma denúncia de pagamento de propina acabou com os planos do empresário. “Recebi oferta de ajuda para minha campanha eleitoral por um emissário da BM Par”, revelou o ex-vereador Cláudio Sebenelo (PSDB).

O advogado da empresa, Milton Terra Machado, negou ter havido suborno. “A oferta de doação não se vinculou a um pedido de aprovação do projeto”, disse à Folha de São Paulo.

Segundo ele, o vereador tucano era amigo de um diretor da BM Par. O Ministério Público gaúcho alegou falta de provas e arquivou o processo. A definição veio após um plebiscito decidir, em agosto de 2009, que a área não poderia receber prédios residenciais. As obras, entretanto, só começaram em 2019, com a licença de instalação entregue em cerimônia promovida por Marchezan.

O Golden Lake também não teria prosperado sem o apoio político que entregaria à Multiplan o terreno para instalar o projeto imobiliário. O local pertencia ao governo do Estado, estava cedido ao Jockey Club do Rio Grande do Sul e não podia ser vendido a terceiros. A ex-governadora Yeda Crusius (PSDB) resolveu o impasse doando as terras ao clube em 2010. O Jockey então negociou uma permuta com o empreendedor: ao entregar o terreno de 166 mil m², receberia em troca uma torre comercial, além de uma reforma para parte da área do clube, mas a empresa mudou o acordo e decidiu pagar em dinheiro o valor correspondente.

O empresário José Isaac Peres aprovou com a Prefeitura 18 prédios de uma só vez para povoar um bairro de luxo privado com vista eterna para o Guaíba. Algo inédito em Porto Alegre. As obras do primeiro condomínio, Lake Victoria – que ainda está em construção –, também só começaram uma década depois da compra do terreno. O tempo de espera parece ter valido à pena. Hoje, um único apartamento no condomínio pode custar mais de R$ 11 milhões. A generosidade do Estado renderá cerca de R$ 164 milhões aos cofres do Jockey e outros mais de R$ 3 bilhões ao dono da Multiplan.

 

Golden Lake. Foto: Luiza Castro/Sul21

A Arado Empreendimentos foi ainda mais longe. Conseguiu liberar, em agosto deste ano, na SMAMUS, o estudo de viabilidade urbanística para o bairro que ela pretende construir na antiga Fazenda do Arado Velho. A previsão da empresa é separar os 426 mil m² do terreno em 2.300 lotes para a construção de imóveis, o que trará um aumento populacional de 70% para o bairro Belém Novo, segundo o documento.

A aprovação do EVU, no entanto, estava condicionada à mudança do regime urbanístico da área da Fazenda. Para resolver a questão, o governo de Sebastião Melo elaborou um projeto de Lei Complementar que foi aprovado na Câmara de Vereadores, mas o estudo ambiental elaborado pela empresa Profill Engenharia e Ambiente S.A, e que baseou a alteração legislativa, foi declarado em parte como “falso/enganoso/omisso”. A afirmação consta em laudo do Instituto Geral de Perícias (IGP), em inquérito da Polícia Civil.

A audiência pública exigida pela legislação foi feita online em 2021. Aos moradores da região que tinham direito de participar, foi oferecido um espaço limitado a 60 pessoas por conta da pandemia de covid-19.

Vinte e cinco anos foi o tempo que o proprietário de um terreno na altura do número 500 da avenida Senador Tarso Dutra esperou para receber a licença para iniciar as obras do Complexo Belvedere. O empresário André Meyer pretende construir ali torres comerciais e residenciais, shopping center e um hipermercado Zaffari. “O nosso objetivo é fazer um pequeno novo bairro.”

Idealizado ainda em 1995, o projeto precisou passar por inúmeras modificações por localizar-se em área de preservação permanente – as intervenções nesses locais exigem alterações no regime urbanístico da cidade, pois estão protegidos por lei. No terreno há uma nascente, vegetação nativa – remanescente de Mata Atlântica, suprimida para a construção do empreendimento — e fauna silvestre.

Em quase três décadas de tramitação a proposta foi submetida a audiências públicas em 2002 e colocada em suspenso até 2006, quando a Belvedere Participações LTDA assinou um Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público. Na ocasião, os empreendedores se comprometeram a readequar o projeto por conta do impacto ambiental que causaria às reservas subterrâneas de água. Foi excluída, por exemplo, a implantação de um posto de combustíveis, pois no aquífero há uma fonte de água mineral.

Em todos esses casos, não foi possível saber precisamente quais obras de mitigação e compensação de impactos – obrigatórias aos empreendimentos de grande porte – foram concluídas pelos empreendedores. A Procuradoria-Geral do Município, responsável por elaborar os termos de compromisso com os empreendedores e monitorar a entrega dessas obrigações, disse à reportagem que os empreendedores haviam executado o que estava previsto nos contratos, mas não forneceu acesso às comprovações.

Indo na direção oposta do que determina o direito urbanístico, Melo tem governado por decretos e leis complementares com escassa participação social. Os programas Reabilitação do Centro Histórico e +4D de Regeneração Urbana do 4º Distrito foram instituídos pelas leis complementares 930/2021 e 960/2022, respectivamente, criando um “Plano Diretor” específico para duas regiões da cidade. Em ambos os planos há espaços abertos que poderão ser definidos posteriormente via decreto ou “a critério do Executivo Municipal” – o que significa a mesma coisa.

O artigo 8º das duas leis traz nos incisos IX e XII texto idêntico que fala de ações relacionadas à implementação dos programas, entre elas consta: “estabelecer meios de consolidar a participação da sociedade por meio de ferramentas participativas”.

O 4º Distrito é uma área da região norte de Porto Alegre onde estão os bairros Floresta, Navegantes, São Geraldo, Humaitá e Farrapos, e tem hoje quase 60 mil moradores. No entanto, segundo o Relatório de Participação da Sociedade, elaborado pela SMAMUS e pela Diretoria de Planejamento Urbano municipal, 801 pessoas participaram das reuniões para debater a implementação do Plano. Outras 116 participaram da consulta pública online, a maioria – cerca de 65% – não era morador do 4º Distrito, sendo 46,55% apenas frequentadores da região.

O envolvimento da população residente no Centro Histórico foi ainda menor: 267 pessoas participaram das reuniões realizadas online pela equipe técnica da Prefeitura, devido à pandemia de covid-19. Um questionário virtual para colher críticas e sugestões sobre o programa foi respondido por outras 746 pessoas, o que não chega a 3% dos quase 40 mil moradores do bairro. Novamente, a maioria do público que participou da pesquisa online – 76,9% – não residia na região.

 

4º Distrito é um dos focos da atual gestão. Foto: Luiza Castro/Sul21

Em setembro, uma denúncia de entidades da sociedade civil foi levada ao Ministério Público de Contas (MPC) do Rio Grande do Sul, apontando irregularidades nas três leis aprovadas na administração do prefeito Melo e que promoveram mudanças no regramento urbanístico da cidade. De acordo com o documento, as chamadas Lei do Centro, Lei do Arado e Lei de Regeneração do 4º Distrito apresentam falta de conformidade com princípios legais, ausência de estudos econômicos e de medidas que possam preservar áreas históricas e culturais, além de concessão de benefícios sem especificar os critérios adotados.

Uma auditoria do Tribunal de Contas do Estado na Prefeitura de Porto Alegre, em andamento, identificou possíveis irregularidades envolvendo os programas. O último parecer elaborado pelo Procurador-Geral em Exercício do MPC, Geraldo Costa da Camino, destaca “a criação de incentivos alheios ao Estatuto das Cidades e ao regramento urbanístico do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental, com potencial dano ao erário e à coletividade”. O documento também aponta ilegalidade no instrumento criado pelo Executivo municipal, não atendimento à Demanda Habitacional Prioritária, ausência de contrapartidas e falta de sustentabilidade financeira dos programas.

No último despacho do MPC, Da Camino ratifica que a Prefeitura deve se abster de aprovar e suspender autorizações já concedidas a qualquer projeto enquadrado pelas Leis Complementares 930/2021 e 960/2022 que envolvam isenções, descontos ou a compra de outorga onerosa do direito de construir até sejam sanadas as falhas.

Outros dois inquéritos civis tramitam no MPE, por meio da Promotoria de Justiça da Habitação e Defesa da Ordem Urbanística. Um deles, de 2019, acompanha o andamento das atividades que estão sendo desenvolvidas durante a revisão do Plano Diretor. O outro, de 2021, trata dos programas do Centro Histórico e 4º Distrito.

A gestão democrática é reconhecida como uma diretriz para o desenvolvimento sustentável das cidades, com base nos preceitos constitucionais da democracia participativa, da cidadania, da soberania e participação popular e é um dos preceitos do Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/2001).

O promotor de Justiça Cláudio Ari Pinheiro de Mello afirma que não há brecha nenhuma na legislação e que os planos setoriais criados em Porto Alegre violam o Estatuto da Cidade e ferem a Constituição. “Plano Diretor é lei, e como se trata de planejamento urbano tem que respeitar as regras do Estatuto da Cidade. A Constituição diz que o Plano será elaborado por lei da Câmara de Vereadores e deve resultar de um processo altamente democrático, não estando sob o comando do gabinete do prefeito. Portanto, as fragmentações dessas decisões não só são ilegais como são inconstitucionais. Simples assim”.

Pinheiro de Mello é enfático ao dizer que Porto Alegre não está respeitando o que determina a legislação. “O que a gente tem visto acontecer nos últimos dez anos é uma sabotagem da democraticidade de várias formas. No final da década de 2000, o Ministério Público anulou diversas leis por falta de audiência pública. A consulta pública passou a ocorrer formalmente, mas a Prefeitura começou a fazer de tal forma que as audiências acontecem, mas, na verdade, o que a população leva para essas audiências não tem nenhum impacto sobre a decisão efetiva sobre o planejamento urbano. Então elas têm, eu diria, uma simulação de democratização. Porque a democratização implica que o processo decisório vai ser impactado pela participação popular”, diz.

Inúmeras outras denúncias têm chegado ao Ministério Público sobre a condução da aprovação dos projetos especiais pela Prefeitura, muitas acabam arquivadas. O promotor diz que gostaria de ver o Ministério Público atuando mais no questionamento desses atos, mas reconhece que há despreparo dos profissionais para enfrentar a matéria. “Nós não fomos competentes na judicialização de questões envolvendo habitação e ordem urbanística. Não foi um tema priorizado pela instituição. A própria justiça brasileira também não tem muita experiência com o tema da ordem urbanística. Me parece que isso está relacionado a uma espécie de baixa qualificação nessas áreas que são complexas.”

O promotor enfatiza que assumiu a Coordenação do Centro de Apoio Operacional da Defesa da Ordem Urbanística do MPE em junho deste ano com duas expectativas: que o órgão retome o seu protagonismo nessas áreas e que a sociedade se organize para estar em todas as frentes. “Existe um processo de deslegalização do Plano Diretor que está em curso em Porto Alegre, isso é ilegal. Esses temas vão constar expressamente na posição institucional do Ministério Público. Estamos formulando extensa documentação sobre planejamento urbano e a sua relação com o Plano Diretor”, afirma.

Para ele, também falta engajamento social. “A sociedade civil tem a mesmíssima legitimidade do Ministério Público. A receita que eu daria para as situações em que o MPE não é efetivo seria o protagonismo das associações de movimentos sociais e coletivos da sociedade civil. Porque eles têm que ser levados à justiça.”

O especial “Donos da Cidade” é um projeto do Sul21 que busca explicar como os interesses das grandes construtoras interferem e encontram eco na Prefeitura para construir a Porto Alegre dos anos 2020.

Por meio da análise de dados públicos, decretos e pesquisas acadêmicas, mapeamos os empreendimentos construídos ou aprovados para construção em Porto Alegre nos últimos dez anos (2012-2022). Este mapeamento é acompanhado de uma série de reportagens que busca debater os efeitos da instalação de mais de uma centena de megaprojetos arquitetônicos identificados e como isso se relaciona com a transformação social, em meio ao atual cenário de revisão do Plano Diretor.

Neste esforço, cruzamos os dados de três planilhas fornecidas pela Administração Municipal com a relação dos empreendimentos aprovados e licenciados, bem como a lista de projetos prioritários contemplados pelo Decreto 20.655 de 2020, Expediente Único (site com acesso público que concentra informações sobre processos em tramitação) e Termos de Compromisso (contrato que estipula as obrigações do Município e empreendedor). Dados obtidos via Lei de Acesso à Informação, escrituras de compra e venda registradas em cartório e relatórios das construtoras mais atuantes na Capital também serviram de base para identificar as novas edificações.

O ponto de partida foi a tese da pesquisadora e doutora em Geografia Júlia Ribes, que analisou os Projetos Especiais de Impacto Urbano de 2º Grau implementados na Capital entre 2010 e 2019. Estes projetos são definidos no Anexo 11 do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (Lei Complementar 434/99) como proposta de atividade ou empreendimento de grande porte, que exige análise diferenciada em razão do grau do impacto gerado. Por esse motivo, a empresa proponente assume obrigações que demandam a execução de ações de mitigação e compensação (obras e serviços), que são firmadas em termo de compromisso entre empreendedor e município.

O Plano Diretor ainda prevê outros dois tipos de projetos especiais: os de 1º grau, de menor impacto, como edificações de médio porte e casos como garagens comerciais com 100 a 200 vagas (que não geram termo de compromisso), e os de 3º grau, aqueles que envolvem operações urbanas em grandes áreas da cidade e exigem leis próprias – este último nunca realizado em Porto Alegre.

Esse levantamento resultou em um conjunto de 114 Projetos Especiais que estão distribuídos no mapa interativo identificados pelo nome do empreendimento, empresa responsável, bairro onde está localizado, estágio da obra e tipo de atividade. Optou-se por destacar os projetos cuja construtora tinha mais de cinco empreendimentos aprovados no município, dado que ajudou a identificar a concentração de licenciamentos edilícios em poucos grupos econômicos.

No mapa também é possível explorar em Projetos em Destaque, os casos mais emblemáticos da cidade que contam a história de cada um deles até a inauguração. Entre eles estão, Arena do Grêmio, Pontal e Golden Lake.

Apesar do esforço de pesquisa em múltiplas fontes, não foi possível precisar a quantidade exata de novas edificações – devido às informações desencontradas fornecidas pela Prefeitura – ou saber integralmente se os empreendedores entregaram as obrigações firmadas em contrato, pois esses documentos não estão disponíveis para consulta pública.

A Procuradoria-Geral do Município – órgão responsável pela elaboração do termo de compromisso e monitoramento das obras – não forneceu as comprovações solicitadas pela reportagem. Além da falta de transparência na gestão dos projetos especiais, muitas vezes não foram obtidas explicações na consulta aos órgãos da Administração Municipal.

O mapa interativo permite ao leitor visualizar o processo de transformação em andamento na cidade. Contudo, o especial não se encerra por aí. Ao longo da última década, o Sul21 vem fazendo, diariamente e em conteúdos especiais, um grande esforço de reportagem para explicar o impacto dos processos urbanos na vida da cidade.

Em 2017, publicamos o especial “Gentrificação”, sobre a contínua remoção de comunidades vulnerabilizadas para as periferias de Porto Alegre. Em 2021, foi a vez do especial “Que Porto é Esse?”, que discutia os rumos propostos para a cidade na intersecção entre os governos Marchezan e Melo. O “Donos da Cidade” é mais um esforço de debate, agora focado em como o interesse imobiliário se articula com o poder público para moldar o futuro de Porto Alegre.

O modus operandi político-empresarial para licenciamento e mudanças na legislação que favorecem os grandes empreendimentos são temas de duas matérias deste especial, em que destacamos casos específicos de projetos que não poderiam deixar o papel sem que regramentos urbanísticos vigentes, e válidos para todos os empreendedores interessados em construir na cidade, fossem mudados.

Além disso, uma reportagem destaca como a habitação de interesse social vem sendo deixada de lado nos grandes projetos de “revitalização” da cidade, como os que ocorrem no Centro Histórico e no 4º Distrito, mesmo com o discurso oficial prometendo aproximar todos os moradores das regiões centrais. Para quem é esta Porto Alegre em construção? Uma matéria do especial busca ainda explicar como a construção das cidades modernas não são mais encaradas sob o ponto de vista dos interesses de seus moradores, mas, sim, voltadas para a valorização de imóveis como ativos financeiros. Por fim, o especial é concluído – momentaneamente – com uma reportagem que busca articular todos estes temas com as discussões em andamento para a revisão do Plano Diretor da cidade.

Um levantamento inédito realizado pelo Sul21 aponta que um seleto grupo de construtoras concentra a maioria dos grandes projetos imobiliários lançados em Porto Alegre nos últimos dez anos e conta com mudanças urbanísticas e projetos de lei criados para facilitar ou valorizar seus empreendimentos.

No especial “Donos da Cidade”, mapeamos esses empreendimentos, explicando onde estão localizados, qual o estágio das obras e a construtora responsável. Estão entre eles alguns dos projetos mais emblemáticos já construídos em Porto Alegre, como o complexo Pontal e o condomínio Golden Lake, na zona sul da Capital.

Da Agência Brasil

O governo federal apresentou, nesta sexta-feira (19), proposta de reestruturação da carreira dos servidores técnico-administrativos de universidades e institutos federais. As categorias estão em greve em boa parte do país. Pela proposta, será concedido aos servidores reajuste de 9%, a partir de janeiro de 2025, e de 3,5%, em maio de 2026. A informação foi divulgada pelo Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI). A proposta foi apresentada na sede do MGI, em Brasília, durante a quarta reunião da Mesa Específica e Temporária que debate a reestruturação da carreira.

Para 2024, o governo já havia formalizado, para todos os servidores federais, proposta de reajuste no auxílio-alimentação, que passaria de R$ 658 para R$ 1 mil (51,9% a mais), de aumento de 51% nos recursos destinados à assistência à saúde suplementar (auxílio-saúde) e de acréscimo na assistência pré-escolar (auxílio-creche), de R$ 321 para R$ 484,90.

Segundo o ministério, se forem considerados o aumento nos benefícios e o reajuste de 9% concedido no ano passado, além da proposta feita nesta sexta-feira, os técnicos teriam um reajuste médio global de mais de 20% para a carreira.

De acordo com o MGI, a proposta apresentada nesta sexta-feira inclui ainda a verticalização das carreiras “com uma matriz única com 19 padrões; a diminuição do interstício da progressão por mérito de 18 para 12 meses; a mudança no tempo decorrido até o topo das carreiras, que passa a ser de 18 anos”.

Os servidores técnico-administrativos da área de educação classificaram de “irrisória e decepcionante” a proposta apresentada pelo governo federal. Além de reivindicar, inicialmente, uma recomposição salarial que varia de 22,71% a 34,32%, dependendo da categoria, os servidores pedem a reestruturação das carreiras da área técnico-administrativa e de docentes; a revogação de “todas as normas que prejudicam a educação federal aprovadas nos governos Temer e Bolsonaro”, bem como a recomposição do orçamento e o reajuste imediato dos auxílios e bolsas dos estudantes.

Segundo o Sindicato Nacional dos Servidores da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (Sinasefe), a tendência é que a greve continue, pois o termo apresentado pelo governo, até o momento, não recompõe salários nem reestrutura as carreiras. “A proposta do governo foi de um reajuste de 9% para janeiro de 2025 e 3,5% para maio de 2026 . Isso significa a manutenção do congelamento salarial para 2024”, avalia o sindicato.

No RS, o Sindicato dos Técnico-Administrativos em Educação da UFRGS, UFCSPA e IFRS (ASSUFRGS) deflagrou greve no dia 18 de março.

A decisão pela manutenção da greve ou não será tomada após consulta às assembleias locais e apresentação durante a plenária nacional, ainda a ser convocada.

A respeito da proposta de reajuste nos benefícios para 2024, a Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef) protocolou, por meio do Sistema Eletrônico de Informações (SEI), uma contraproposta para o texto apresentado pelo MGI.

Segundo o secretário-geral da Condsef, Sérgio Ronaldo da Silva, no mérito, a proposta foi aprovada, mas ainda são necessários alguns “ajustes de detalhes”, para que se chegue a um denominador comum. Os novos valores começariam a vigorar a partir do dia 1º de maio de 2024.

Na contraproposta apresentada pelos servidores, a Condsef sugere que o governo se comprometa a equiparar os benefícios entre os Três Poderes até o fim de 2026.

O governo prometeu instalar, até julho de 2024, mesas específicas e temporárias para negociar a reestruturação de carreiras e reajustes de remuneração. Na contraproposta apresentada pela confederação, é sugerida a inclusão de um trecho para garantir que os acordos incluam todos servidores, “em particular os aposentados e pensionistas, com observância da paridade”.

Além disso, os servidores incluíram um parágrafo, determinando, ao governo, que aplique “índices proporcionais às necessidades de correção das perdas salariais do período golpista (2016-2022), que ocorreram de forma distinta entre os setores”.

Da Agência Brasil

A maioria dos diretores da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) votou nesta sexta-feira (19) por manter a proibição do consumo de cigarros eletrônicos no Brasil. Com a decisão, ficou mantida a proibição já existente de comercialização, fabricação e importação, transporte, armazenamento, bem como de publicidade ou divulgação desses produtos por qualquer meio, em vigor desde 2009. Dos cinco diretores, três votaram a favor da proibição.

Os dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs), conhecidos como cigarros eletrônicos, são chamados de vape, pod, e-cigarette, e-ciggy, e-pipe, e-cigar e heat not burn (tabaco aquecido). Dados do Inquérito Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas Não Transmissíveis em Tempos de Pandemia (Covitel 2023) revelam que 4 milhões de pessoas já usaram cigarro eletrônico no Brasil, apesar de a venda ser proibida.

O diretor-presidente da Anvisa e relator da matéria, Antonio Barra Torres, votou favorável à manutenção da proibição desses dispositivos.

“O que estamos tratando, tanto é do impacto à saúde como sempre fazemos, e em relação às questões de produção, de comercialização, armazenamento, transporte, referem-se, então, à questão da produção de um produto que, por enquanto, pela votação, que vamos registrando aqui vai mantendo a proibição”.

Antonio Barra Torres leu por cerca de duas horas pareceres de 32 associações científicas brasileiras, os posicionamentos dos Ministérios da Saúde, da Justiça e Segurança Pública e da Fazenda e saudou a participação popular na consulta pública realizada entre dezembro de 2023 e fevereiro deste ano, mesmo que os argumentos apresentados não tenham alterado as evidências já ratificadas pelos diretoras em 2022.

Em seu relatório, Barra Torres se baseou em documentos da Organização Mundial de Saúde (OMS) e da União Europeia, em decisões do governo da Bélgica de proibir a comercialização de todos os produtos de tabaco aquecido com contém aditivos que alteram o cheiro e sabor do produto. Ele citou que, nesta semana, o Reino Unido aprovou um projeto de lei que veda aos nascidos após 1º de janeiro de 2009, portanto, menores de 15 anos de idade, comprarem cigarros.

Ele mencionou ainda que a agência federal do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos (U.S Food and Drug Administration) aponta que, mesmo com a fiscalização, há comércio ilícito de produtos.

O diretor ainda apresentou proposições de ações para fortalecimento do combate ao uso e circulação dos dispositivos eletrônicos de fumo no Brasil.

Marcos Rolim (*)

Há 60 anos, um golpe militar submeteu o Brasil a uma ditadura que duraria 21 anos e cuja herança está longe de ser superada. Naquele período, como ocorre em qualquer ditadura, de direita ou de esquerda, as liberdades foram suprimidas: milhares de pessoas foram perseguidas politicamente, presas, torturadas e/ou mortas. Com as garantias constitucionais suprimidas, com as organizações populares colocadas na ilegalidade, com a imprensa sob censura e com os poderes Legislativo e Judiciário dominados, o arbítrio e a violência estabeleceram a “paz dos cemitérios” e a injustiça e a mediocridade foram promovidas e enaltecidas. Longa noite.

Ainda hoje, sequer sabemos o número real dos que foram mortos pela ditadura militar. Há diferentes listas de pessoas desaparecidas, reclamadas por seus familiares a quem foi negado o direito à sepultura e à verdade, com números em torno de 400 mortos. Pesquisas mais recentes, entretanto, têm contabilizado centenas de outras mortes no campo e se estima que outras tantas possam ser contadas entre as vítimas indígenas.

Falar sobre ditadura pressupõe situar-se na defesa do ideal democrático. Afinal, se não sustentamos a democracia, se ela não é nosso objetivo, como ser coerente na crítica à ditadura? É possível e necessário que tenhamos uma postura crítica diante de qualquer regime político e as democracias contemporâneas, como a que temos no Brasil, estão cheias de imperfeições, privilégios e distorções que devem ser corrigidas. O ponto, entretanto, segue: em nome de que valores, que não os da democracia, é possível efetuar essa crítica? A questão é antiga e já foi objeto de muitos debates, mas é irresoluta para importantes partidos da esquerda que se alinham no plano internacional aos regimes autocráticos da Rússia e da China, versões liberticidas do capitalismo de Estado, e que simpatizam com ditaduras como as existentes na Venezuela, em Cuba e na Nicarágua.

O Brasil não construiu uma política pública de memória e verdade sobre as ditaduras que já tivemos. Não temos, por exemplo, museus sobre a tortura, uma prática que chegou por aqui com a colonização portuguesa, que atingiu dramaticamente – e por mais de três séculos – as pessoas negras escravizadas e, como regra, os pobres suspeitos e que se disseminou no Estado Novo e na ditadura militar com as garantias da impunidade oferecidas pelo Poder Público. Essa conta, aliás, envolve, além das Forças Armadas, boa parte das lideranças políticas, mas também muitos magistrados, promotores, empresários e lideranças civis e religiosa, que apoiaram o golpe e prestaram serviços ao horror, inclusive no financiamento do aparato clandestino de tortura e desaparição de corpos.

Normalmente, quando uma nação transita de um Estado de exceção para um regime democrático, se estabelece o que se convencionou chamar de “Justiça de Transição”, período em que se produz a verdade jurídica sobre os crimes cometidos e se define ações de reparação e memória. Em muitas experiências, como na Argentina, os responsáveis por crimes contra a humanidade, como a tortura, são condenados a longas penas de prisão; em outras experiências, como na África do Sul pós-Apartheid, ou como na experiência recente do acordo de paz na Colômbia, anistias são produzidas mediante o reconhecimento dos crimes cometidos e o arrependimento público. O processo de transição vivido no Brasil foi feito em sentido contrário. Aqui, a Anistia foi um projeto da ditadura (aliás, aprovado com os votos contrários da oposição) cujo único sentido foi assegurar a impunidade aos torturadores, aos estupradores de presas e aos assassinos do regime, de tal modo que a verdade nunca fosse produzida. A Anistia no Brasil pretendeu assegurar o silêncio ou, como os cínicos sempre disseram, o “esquecimento”.

Violações, abusos, maldades de toda a ordem se nutrem de silêncios. As ditaduras também. Alimentamos o mal quando a palavra não é dita ou quando as palavras mesmo perdem o sentido. O não dito é o resultado do medo ou do cálculo; é, por isso, frequentemente covardia ou conivência. Assim, importa falar, sempre. Lula escolheu não falar sobre a ditadura e até justificou dizendo que “não quer mexer com o passado”. Quem acha que a opção é postura nova, resultado da atual “correlação de forças”, não sabe da missa a metade. Houve quem se apressasse a justificar o presidente. Sempre há. O silêncio do Estado brasileiro, sob o comando de uma liderança tida como “de esquerda”, entretanto, assegura nova derrota moral ao campo democrático, exatamente porque, como o assinalou Faulkner, o passado sequer é passado. Com o silêncio oficial, aliás, se alarga o campo para o negacionismo sobre a própria ditadura, tema ao qual a extrema direita tem se dedicado muito.  Ao contrário do que pensa Lula, falar sobre a ditadura é mexer no futuro para que nunca mais. Calar cobra um preço muito alto; sempre.

(*) Marcos Rolim é Doutor e mestre em Sociologia e jornalista. Autor, entre outros, de “A Formação de Jovens Violentos: estudo sobre a etiologia da violência extrema” (Appris, 2016).

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.

A Feira Ecológica do Bom Fim (FEBF) e a Feira dos Agricultores Ecologistas (FAE) recebem nesta sábado (20) uma ação de ciência cidadã que irá mapear o espaço, o maior voltado para a venda de orgânicos a céu aberto da América Latina, e suas peculiaridades, reunindo dados das famílias de agricultores e agroindústrias e informações sobre os hábitos dos frequentadores.

A atividade, intitulada Educação Urbanística: Deriva e Cartografia Afetiva nas Feiras Ecológicas da Redenção, ocorre das 7h às 12h e será conduzida pelo TransLAB.URB, equipe formada por arquitetos e urbanistas.

Ao longo da atividade, serão realizadas duas sessões da Oficina de Deriva e Cartografia Afetiva — às 8h30min e às 10h30min –, com inscrição prévia (confira o link) e algumas vagas a serem preenchidas na hora.

Os participantes irão participar da produção de mapas colaborativos com o uso de ferramentas de procedimento psicogeográfico, voltado a estudar as ações do ambiente urbano nas condições psíquicas e emocionais das pessoas, e instrumentos que conduzem ao acesso dos sentimentos dos indivíduos em relação ao território onde vivem, estimulando a percepção para soluções coletivas e comunitárias.

 

Evento acontece neste sábado | Foto: Reprodução

“Será um exercício de percepção espacial do ambiente urbano e sua relação com o rural, com dinâmicas que têm como objetivo ampliar o olhar sobre a feira, a origem dos alimentos e a própria cidade e cidadania nesse contexto, assimilando aspectos que passam despercebidos”, explica Leonardo Brawl Márquez, um dos integrantes do TransLAB.URB.

A partir desse trabalho de captação, será gerado um diagnóstico de dados e mapas, contendo informações como o bairro de origem dos frequentadores da feira, modal utilizado, mapas de zonas de calor dentro da Avenida José Bonifácio, todos obtidos através de diferentes meios, como painéis lowtech (totens) e abordagem de frequentadores. Atualmente, cerca de 12 mil pessoas circulam pelas Feiras Ecológicas da Redenção a cada sábado. A iniciativa conta com o apoio do Goethe-Institut Porto Alegre e produção da Semeadora Comunicação.

Os jogos de azar no Brasil estão se tornando um grande negócio, muito mais do que muitas pessoas poderiam imaginar. Não é apenas a emoção de possivelmente ganhar algo grande que atrai as pessoas, é também a diversão e a emoção do jogo em si.

 

Em 2021, a quantidade de dinheiro gasto em jogos de loteria no Brasil era enorme, mostrando que muitos brasileiros gostam de jogar. Com o Brasil subindo para ser um dos principais países em jogos de sorte, fica claro que não se trata apenas de dinheiro. As pessoas no Brasil têm uma verdadeira paixão pelos jogos e pela emoção que eles trazem.

 

Um estudo da 7JP nos mostrou algo interessante: os jogadores brasileiros gostam muito da emoção das apostas e adoram mergulhar em todos os tipos de jogos de sorte. Mas o que é realmente legal é que eles fazem isso sem gastar muito dinheiro. Este é um grande sinal de positivo para o jogo responsável, mostrando que você pode se divertir muito sem arriscar muito.

Quando pensamos em jogos de sorte, muitas vezes vêm à mente grandes apostas e apostas altas. Mas no Brasil a história é um pouco diferente. Um número surpreendente de jogadores, cerca de 67%, gasta apenas uma pequena quantia (menos de R$ 50) todos os meses em jogos de sorte. Isto realmente destaca o quanto eles veem o jogo como uma forma de entretenimento e não como uma forma de ganhar dinheiro.

 

As descobertas do 7JP também nos dizem que apenas um pequeno grupo de pessoas gasta muito em apostas todos os meses. O que fica claro com isso é que a maioria dos jogadores brasileiros prefere manter seus gastos baixos. Isto mostra que eles são cuidadosos e atentos aos seus hábitos de jogo, o que é um sinal muito positivo.

 

O que realmente influencia alguém a jogar online no Brasil? Acontece que seu orçamento ou quanto dinheiro sobrando eles têm desempenha um papel importante. Se não tiverem dinheiro sobrando, simplesmente não jogarão. Isto demonstra um nível de sabedoria e controlo na sua abordagem ao jogo, limitando-se ao que podem pagar sem exagerar.

 

O jogo, para quem dele pratica, é visto como uma atividade de lazer que está ao seu alcance financeiro. Quando olhamos quem são esses jogadores, vemos uma mistura de pessoas de famílias mais ricas e também um número significativo da classe média.

 

Essa abordagem equilibrada em relação aos jogos de sorte se reflete na forma como os brasileiros os veem. A maioria vê o jogo online como uma forma de entretenimento, onde a confiança e as boas experiências atraem novos jogadores. Além disso, a emoção do jogo é um grande atrativo, enquanto o medo de perder dinheiro mantém as pessoas cautelosas.

 

Este nível de cautela e conscientização sobre o jogo é notável, especialmente quando comparado a outros países latino-americanos. Os brasileiros tendem a ver o jogo mais como uma forma de entretenimento do que como uma forma séria de ganhar dinheiro. Esta mentalidade é muito saudável para o cenário do jogo, pois sugere um futuro onde o jogo pode crescer de forma responsável e controlada.

 

Jogar no Brasil é muito mais do que apenas tentar ganhar muito. É uma questão de diversão, de emoção controlada e de participação de uma forma acessível e sustentável. Essa abordagem garante que o jogo continue sendo um passatempo divertido e seguro para muitos, com um futuro brilhante pela frente no cenário do jogo brasileiro.

Da Agência Brasil

De todas as famílias brasileiras, 19% receberam o benefício do Bolsa Família em 2023, o que representa praticamente um em cada cinco domicílios. É a maior proporção já registrada e significa 14,7 milhões de lares. Os dados fazem parte de uma edição especial da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), divulgada nesta sexta-feira (19) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A série histórica do IBGE começa em 2012, quando a proporção de domicílios com algum beneficiário do programa Bolsa Família era 16,6%. Em 2019, último anos antes da eclosão da pandemia de covid-19, o indicador era 14,3%.

O levantamento aponta também que, em 2023, 4,2% dos domicílios tinham alguma pessoa que recebia o Benefício de Prestação Continuada (BPC, um salário mínimo por mês ao idoso com idade igual ou superior a 65 anos ou à pessoa com deficiência de qualquer idade), e 1,4% recebia algum outro programa social.

O IBGE traça que com o agravamento da pandemia, que forçou a interrupção de atividades econômicas e aumento do desemprego, parte dos beneficiários passou a receber o Auxílio Emergencial, criado especialmente para mitigar efeitos econômicos e sociais da crise sanitária.

Com isso, a proporção de lares recebendo o Bolsa Família caiu pela metade, chegando a 7,2% em 2020. No entanto, cresceu a proporção de famílias que recebiam recursos de algum outro programa, como o Auxílio Emergencial. A proporção desses outros programas, que era de 0,7% em 2019, saltou para 23,7% em 2020.

Em 2021, as mudanças no Auxílio Emergencial ocorridas com a flexibilização das medidas sanitárias (redução do número de parcelas pagas e do valor médio) fizeram com que voltasse a aumentar o percentual de domicílios recebendo Bolsa Família (8,6%) e se reduzisse a proporção de outros programas sociais (15,4%).

No fim de 2021, o pagamento do Auxílio Emergencial foi interrompido, e o governo do então presidente Jair Bolsonaro substituiu o Bolsa Família pelo Auxílio Brasil. Como esses dois programas não existiram ao mesmo tempo, ou seja, um substituiu o outro, a pesquisa do IBGE os considera com a mesma base de dados.

Em 2022, o Auxílio Brasil foi recebido por 16,9% das famílias brasileiras. O valor, que inicialmente era de R$ 400, foi reajustado ainda no ano em curso para R$ 600.

Em 2023, já no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o programa de transferência de renda voltou a ser chamado de Bolsa Família e, além de ter mantido o valor de R$ 600, adotou a inclusão de R$ 150 por criança de até 6 anos e o adicional de R$ 50 por criança ou adolescente (de 7 a 18 anos) e por gestante.

As regiões Norte e Nordeste têm a maior proporção de domicílios com ao menos um beneficiário do Bolsa Família. O Nordeste lidera com 35,5%. O Norte tem pouco menos de um terço, 31,7%. No outro extremo, o Sul e o Sudeste figuram com a menor proporção de lares, 7,9% e 11,5%, respectivamente.

Os estados com maior parte dos domicílios beneficiados são o Maranhão (40,2%), Piauí (39,8%), Paraíba (38,8%) e Pará (36,8%). Os últimos da lista são Santa Catarina (4,5%), Rio Grande do Sul (8,6%), Paraná (9,2%) e São Paulo (9,4%).

A pesquisa do IBGE apura informações sobre todas os rendimentos recebidos pela população, o que inclui relacionados ao trabalho, programas sociais, rendimentos financeiros, pensões e aposentadorias.

O levantamento mostra que, em 2023, o rendimento médio domiciliar por pessoa dos domicílios que recebiam o Bolsa Família equivalia a 28,5% do rendimento médio dos domicílios não beneficiados.

“Ou seja, o benefício é, de fato, focado nas famílias de menor renda”, aponta o analista da pesquisa do IBGE, Gustavo Geaquinto.

O estudo identifica ainda que, entre 2019 e 2023, o rendimento per capita do grupo de domicílios que recebia o Bolsa Família cresceu 42,4% (de R$ 446 para R$ 635), enquanto entre aqueles que não recebiam, a variação foi de 8,6% (de R$ 2.051 para R$ 2.227).

Essa evolução das rendas em velocidades distintas contribuiu para a redução da desigualdade de renda no Norte e no Nordeste. O Índice Gini – medidos de desigualdade que vai de 0 a 1, sendo quanto mais perto de 0, menor desigualdade – teve as maiores quedas nessas duas regiões.

Entre 2019 e 2023, o Gini do Norte recuou de 0,537 para 0,500. No Nordeste, a redução foi de 0,560 para 0,509, menor índice já registrado na região.

“São duas regiões que têm maiores proporções de domicílios beneficiários de programas sociais, sobretudo do Bolsa Família. Como houve aumento no valor do benefício, isso pode ter sido um fator que impactou”, aponta o analista do IBGE.

Ele acrescenta como um dos motivos o comportamento positivo da oferta de empregos. “A expansão do mercado de trabalho também pode ser contribuído. A Região Norte, por exemplo, teve expansão importante do mercado de trabalho”.

Em 30 de junho de 2009, durante uma apresentação na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, o então superintendente de Desenvolvimento e Expansão da Trensurb, engenheiro Humberto Kasper, vaticinou: “A construção da primeira linha do metrô de Porto Alegre é viável até a Copa de 2014”. Essa não era a única iniciativa que prometia mudar o sistema de transporte público da Capital. Também estava previsto o projeto Portais da Cidade, que pretendia construir 24 estações de transbordo para qualificar a integração do sistema. Dez anos após a realização do evento, o metrô e os portais vivem apenas na memória coletiva dos porto-alegrenses, como sonhos que nunca saíram do papel. O Sul21 discute nessa reportagem em qual Porto Alegre poderíamos estar vivendo hoje caso estas e outras obras de mobilidade tivessem avançado.

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A ideia do metrô de Porto Alegre começou a ser esboçada ainda nos anos 1990, quando os primeiros traçados e linhas foram imaginados. Contudo, ganharia alguma concretude ao ser incluída no Caderno de Encargos para a Copa de 2014. Na reunião da Câmara já citada, o então vice-prefeito e secretário municipal especial da Copa 2014, José Fortunati (PDT), apresentou o metrô como uma das obras consideradas prioritárias pela Prefeitura na preparação para a Copa. Naquele encontro, Kasper imaginou que a criação de uma “Linha Copa” do metrô poderia ser concluída até 2013, caso fosse feita por meio de uma parceria público privada (PPP), em que 80% dos recursos viessem da iniciativa privada e o restante do poder público.

Em 2011, o já prefeito Fortunati, em substituição a José Fogaça (PMDB), incluiu o projeto do metrô no programa Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) Mobilidade Grandes Cidades do governo federal. A previsão era de que a primeira linha teria um traçado com 15 km de extensão, começando na FIERGS (Av. Assis Brasil) e indo até o Centro, com custo estimado em R$ 18 bilhões (em valores da época), sendo R$ 6 bilhões oriundos do Orçamento da União e R$ 12 bilhões via financiamento. Em dezembro de 2016, o governo federal, na gestão de Michel Temer (PMDB), anunciou que não iria mais disponibilizar o recurso, alegando a incapacidade da Prefeitura de Porto Alegre de conseguir, nos anos anteriores, formalizar a contratação das operações de crédito junto aos agentes financeiros do PAC Mobilidade.

Já para qualificar o sistema existente, o Caderno de Encargos previa o projeto Portais da Cidade, que buscaria fazer a integração do sistema de transporte coletivo da Capital. A ideia era que ele fosse composto por 24 estações modulares de embarque e desembarque de passageiros, sendo 18 delas construídas do zero e outras seis adaptadas da infraestrutura existente na cidade. O grande destaque do projeto eram quatro “portais” que organizariam o sistema: Cairu, Zona Sul, Azenha e o portal que ligaria a Avenida Protásio Alves e a Terceira Perimetral. O custo da obra era avaliado em R$ 430 milhões, em valores da época. A iniciativa, contudo, foi arquivada em 2011 pelo prefeito Fortunati.

O transporte coletivo receberia ainda uma nova promessa antes do início da Copa. Em 23 de outubro de 2013, Fortunati apresentou, em solenidade no Largo Glênio Peres, o ônibus padrão que seria utilizado em Porto Alegre no sistema BRT (Bus Rapid Transit). A ideia era que esses novos ônibus, articulados, com 23 metros de comprimento e capacidade para transportar um total de 166 passageiros, passassem a ser os únicos a circular até o Centro pelos corredores das avenidas Bento Gonçalves, João Pessoa, Protásio Alves e Padre Cacique, sendo alimentadas pelas linhas locais. O investimento era estimado em R$ 289,4 milhões (valores da época).

Mesmo sendo apresentado às vésperas do evento, acreditava-se que o novo sistema poderia entrar em operação em 2014. No final de janeiro de 2018, depois de muitos atrasos nas obras nos corredores que deveriam dar sustentação ao novo sistema, o então prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB) tratou de engavetar a ideia por tempo indeterminado ao firmar um acordo com o Ministério das Cidades para utilizar R$ 115 milhões que estavam reservados para os BRTs na conclusão das obras da Copa voltadas para facilitar o tráfego de automóveis.

Consultor em transportes, Emílio Merino trabalhou junto à Prefeitura em múltiplas gestões municipais, tendo acompanhado as discussões sobre as Obras da Copa. Ele avalia que as discussões sobre as grandes obras de mobilidade urbana no pré-Copa partiram de um problema comum às principais cidades brasileiras: a falta de planejamento. Merino pontua que, à época, o instrumento mais recente desenvolvido na Prefeitura — e permanece assim até hoje — era o Plano de Mobilidade Urbana (PMU), datado de 2003.

O PMU era a ferramenta que deveria instruir quais obras seriam necessárias, mas, segundo Merino, não estava de acordo com filosofia vigente quando da elaboração do Caderno de Encargos — e desde então –, voltada para o favorecimento da fluidez do trânsito de automóveis.

“O transporte coletivo, que é o grande elemento que compõe o processo de mobilidade, era quase nada. Nasce um Caderno de Encargos para melhorar a mobilidade de Porto Alegre para a Copa, com uma filosofia de 20 anos atrás. Eu acredito que as obras propostas nem eram necessárias para a Copa. Eram coisas que não tinham sustentação técnica para dizer que existia um projeto técnico e viabilidade econômico-financeira”, diz o consultor.

 

O urbanista Emilio Merino é especialista em Mobilidade | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Para o professor Júlio Celso Borello Vargas, doutor em Engenharia de Transportes e Professor de Planejamento Urbano e Mobilidade Urbana no Programa de Pós Graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Propur/UFRGS), a principal causa do fracasso das iniciativas voltadas para o transporte público foi a falta de vontade política firme para realizá-las.

“Eu diria o seguinte, Porto Alegre, com 1,5 milhão de habitantes, apesar de estar diminuindo a população, segue se expandindo para as periferias. Mesmo com um discurso aí de adensamento do Centro, Quatro Distrito, continua a Zona Sul cada vez mais uma nova fronteira da classe média e da classe alta. Portanto, com esse espalhamento territorial e em torno de um milhão e trezentos, um milhão e meio de habitantes, é uma massa crítica suficiente para o metrô. Cabe um metrô, não é uma loucura ou um excesso”, afirma.

Borello pontua que, apesar de não ter saído do papel, o metrô de Porto Alegre drenou milhões de reais entre 2011 e 2016 por meio do Escritório do Metrô, que contratou cargos comissionados, estudos, consultorias, entre outros.

Metrô de Porto Alegre chegou a ser anunciado como “conquista” para a cidade | Foto: Reprodução/PMPA

Merino avalia que, no caso do metrô, o planejamento foi bem feito, uma vez que houve cálculo de demanda, se escolheu o melhor trajeto por onde a primeira linha deveria passar com base em estudos técnicos, etc. “Só que a viabilidade técnica significa muito dinheiro”, diz. “Cada quilômetro construído deve estar acima dos US$ 100 milhões. Com isso, tu poderia construir 15 km de BRT, por exemplo”.

Em um cenário hipotético no qual Porto Alegre teria dinheiro e capacidade de achar parceiros para uma obra dessa magnitude, o consultor acredita que grande parte dos problemas de mobilidade da cidade poderiam ser resolvidos.

“A entrada do metrô propiciaria o reordenamento das linhas de transporte coletivo. Aí seria a grande mudança. Quando o sistema de bacias operacionais começasse a ser modificado para poder operar de uma forma diferente, com gestão e filosofias diferentes”, diz.

Se Merino avalia que, desde o início, o metrô era uma realidade distante de Porto Alegre, para ele o abandono do BRT é a grande dívida do período. “Os Portais da Cidade, o BRT da Protásio e da Bento Gonçalves não ocorreram e as melhorias que aconteceram foram pequenas obras de infraestrutura para melhorar o que já existia, sem melhorar o conceito de mobilidade para que se assemelhasse ao que é um BRT”, diz.

A respeito do sistema BRT, Borello avalia que, além de não ter o mesmo custo do metrô, não teria o mesmo impacto em termos de obras, uma vez que a instalação dependeria principalmente dos corredores de ônibus, incluindo aqueles que foram reformados no rol das obras da Copa, como nas avenidas João Pessoa e Bento Gonçalves.

“A gente não tem a prova, mas isso é um problema das disputas de interesses. Os BRTs vinham de determinados grupos econômicos que iam vender os ônibus, iam operar, e não eram exatamente os que estavam no poder. Era outra lógica, talvez internacional, que conflitava com interesses locais. E, ao mesmo tempo, tem muito da visão de favorecer automóvel privado, com projetos dos viadutos, das elevadas, das trincheiras, doados pela FIERGS, o que é uma coisa que também a gente deve questionar. Tudo que é país do mundo civilizado tu faz projetos da maior qualidade possível, paga projetos de qualidade”, diz.

Borello observa que, apesar dos longos atrasos, a maioria do conjunto de obras voltadas para facilitar o tráfego de automóveis acabou saindo do papel, como a construção dos viadutos sobre a Av. Bento Gonçalves.

Merino avalia que o Caderno de Encargos surgiu mais da experiência dos técnicos da EPTC de quais seriam os pontos mais críticos para o trânsito na cidade e quais obras poderiam solucionar estes problemas. “Tanto assim que muitos dos projetos foram maquiados e começaram a se colocar ciclovias para que a avaliação do governo federal, que era quem dava a grana, pudesse ver que tinha mobilidade sustentável”, afirma.

O consultor frisa que, apesar de ficarem conhecidas como as “Obras da Copa”, a única intervenção proposta para a cidade que, de fato, estava conectada com facilitar o acesso ao estádio Beira-Rio, palco da Copa em Porto Alegre, eram as obras da Av. Tronco — até hoje não concluídas. Para aproveitar os recursos disponibilizados pelo governo federal e a oferta de financiamentos no período, a Prefeitura elencou uma série de outras obras que não eram necessárias para a realização do evento, com a grande maioria seguindo a filosofia de facilitar a vida do automóvel. Merino avalia que esse foi um dos “grandes erros” da cidade.

E, no fim das contas, o grande sucesso da Copa em Porto Alegre, do ponto de vista da mobilidade, foi a decisão de fechar o trânsito entre o Beira-Rio e o Shopping Praia de Belas, permitindo amplo acesso a pé ao estádio. “Este foi um êxito e exemplo para outras cidades do mundo em grandes eventos”, diz o consultor.

 

Torcida holandesa a caminho do estádio. Foto: Anselmo Cunha/PMPA

Há pelo menos uma década, o sistema de transporte coletivo vivencia uma crise de perda de passageiros, agravada pela pandemia de covid-19 e, anteriormente, pela chegada dos aplicativos de transporte individual. Para enfrentar a situação, as gestões de Nelson Marchezan Júnior (PSDB) e Sebastião Melo (MDB) promoveram medidas como o corte de subsídios, a retirada de cobradores, permissão para o aumento da idade da frota e, por último, a privatização da Carris. Ainda assim, o prefeito Melo tem adotado nos últimos anos a política de subsidiar a tarifa para evitar novos aumentos. Para 2024, a previsão é destinar R$ 132 milhões para o financiamento do sistema, o que representaria cerca de 20% do custo total da operação. A operação do sistema, contudo, continua basicamente a mesma desde antes da Copa do Mundo.

Para o professor Borello, Porto Alegre sequer precisaria de grandes intervenções de infraestrutura para repensar o seu sistema de transporte coletivo. “Algumas obras sim, mas a princípio é a decisão efetiva um machucar o carro, diminuir a prevalência e o protagonismo do automóvel, tirar pista de carro, em resumo, e valorizar o transporte público para que a classe média utilize o transporte público”, diz.

Ao mesmo tempo que seria preciso “dificultar a vida do carro”, com menos pistas disponíveis, menos vagas de estacionamento, estacionamentos mais caros e mesmo um pedágio urbano para acessar o Centro, seria essencial que o transporte coletivo fosse mais limpo, confortável e, sobretudo, confiável.

“Faz 20 anos já que o nome da coisa não é diminuir o tempo de viagem. A pessoa se acostuma com, de repente, demorar um pouquinho mais, desde que ela saiba que vai pegar o ônibus às 11:48 e vai chegar às 12:12, por exemplo. É 20 minutos? É 20 minutos, não tem problema. Confiabilidade, qualidade de transporte público e dificuldade do automóvel para atrair as classes média e, eventualmente, alta”, afirma.

Para Merino, o BRT segue sendo uma alternativa atual. “De repente, não com todas as especificidades que se tem em um BRT, porque são sistemas que propiciam uma faixa de ultrapassagem, e os nossos principais corredores, como na Bento, não permitiriam isso.”

Viaduto da Bento Gonçalves, liberado em 2015. Foto: Ricardo Giusti/PMPA

Contudo, ele pontua que a principal necessidade da cidade seria desenvolver uma real integração entre diferentes modais, como o transporte coletivo, bicicletas, etc. “A gente não construiu a integração de modais e nem tem ideia de quais modais poderíamos ter acomodado na cidade para as demandas atuais que vivenciamos. As demandas atuais em transporte público são muito fortes e o governo municipal não está dando respostas à altura que esse tema deveria ser tratado”, diz.

Sobre a integração, Merino destaca que, atualmente, muitas cidades avançam no sentido da chamada Mobility as a service (MaaS), ou seja, de tratar a mobilidade como um serviço, em que o usuário pode, por meio de uma única plataforma, escolher a melhor forma de se deslocar, seja ela pública ou privada. No entanto, o consultor frisa que estas operação exigem novos sistemas de gestão e uma nova filosofia de transporte.

“Me parece que Porto Alegre e os colegas que estão trabalhando na Prefeitura estão muito voltados a ‘tocar o barco’. Vai indo, vai indo, mas sem medidas de longo prazo que se adiantem aos problemas e que possam planejar a cidade sob outro ponto de vista. Esse é o grande erro. Gestão após gestão, vamos tocando o barco, solucionando pequenos probleminhas aqui e ali, e não solucionamos os grandes problemas de mobilidade”, diz, acrescentando que o que tem sido feito são soluções pontuais, como as faixas exclusivas para ônibus em alguns horários, o que não soluciona o problema de forma mais ampla. “A moral da história é que o barco está à deriva, não estamos tomando as medidas corretas.

Em 2021, a Prefeitura de Porto Alegre anunciou que estava realizando estudos técnicos e de viabilidade econômica sobre a possibilidade de implantação de uma linha de VLT (Veículo leve sobre trilhos) no Centro Histórico. A ideia vinha sendo trabalhada pelo secretário de Planejamento e Assuntos Estratégicos de Porto Alegre, Cezar Schirmer, que se dizia, à época, um entusiasta do VLT, e pelo então secretário municipal de Mobilidade, Luiz Fernando Záchia.

Schirmer imaginava que uma primeira linha poderia fazer a ligação entre a Rodoviária e a Praça XV, antiga estação de bondes da Capital, percorrendo um trecho de 1,3 km. Uma segunda fase imaginada levaria as pessoas do local até a Usina do Gasômetro, um trecho de 1,5 km, o que totalizaria 2,8 km de linhas de VLT. Em sendo criado, o novo modal promoveria a reorganização das linhas de ônibus no Centro, com a passagem integrada para os usuários.

Passados mais de dois anos, não há notícias sobre o resultado dos estudos. Contudo, em resposta a questionamentos enviados pela reportagem para essa matéria, a Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana (SMMU) informou que inscreveu no novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal o projeto para um VLT, com extensão pela Farrapos, Aeroporto e Terminal Triângulo. “O VLT é um sistema de carregamento menor de passageiros. O projeto prevê a qualificação do transporte no Quarto Distrito, além de melhorar o volume de ônibus que circulam no centro da cidade”, diz a SMMU.

O professor Borello avalia que uma ideia como o VLT poderia fazer sentido para Porto Alegre, como uma forma de “proteger” o interior do Centro e permitir a conexão com as demais regiões da cidade.

“Há um tempo atrás, tinha no Largo da Epatur o que se chamava de estacionamento dissuasório. Deixava o carro ali e tinha um ônibus circular que tu ia para o Centro. Estacionar e pegar um transporte público para evitar que os carros entrem no Centro, no Moinhos, nos lugares congestionados. Ou seja, algum sistema que proteja um pouco o interior dos bairros e faça com que tu tenha a possibilidade de caminhar um pouquinho e pegar, por exemplo, uma lotação, não precisa ser necessariamente um trem, mas sistemas integrados articulados inteligentes, pensados”, diz.

Para o professor, Porto Alegre vive uma realidade de “baixa qualidade intelectual”, que se reflete, por exemplo, na adoção do sistema de patinetes como uma solução de mobilidade, mas sem qualquer conexão com o sistema existente na cidade. Contudo, ele pontua que essa realidade não é uma exclusividade da Capital gaúcha, mas de um ciclo geopolítico global.

“Hoje o mundo inteiro está nessa grosseria, nessa chinelagem de negacionismo, está tendo muita disputa, por exemplo, com a cidade de 15 minutos (conceito urbano em que a maioria das necessidades diárias poderiam ser resolvidas em curtas distâncias). Na Europa, a prefeita de Paris e a prefeita de Barcelona tiveram coragem de avançar, mas em determinados lugares tem reação. Na Inglaterra e na Alemanha, dizem que isso é coisa de comunista, a cidade de 15 minutos seria uma coisa para tirar a liberdade de usar o carro. Hoje o debate está muito rebaixado. A Copa foi um sintoma, uma parte do processo nos mega eventos, que, se tu olhar em vários lugares, não deixaram legados positivos. Foi um momento de alta exploração, de concentração de capital, de interesses privados e casuísticos rápidos. Fazer os viadutos, trincheiras e avenidas para o carro andar a valer”, pontua.

 

Professor Júlio Celso Borello Vargas | Foto: Arquivo Pessoal

Ao longo do desenvolvimento desta matéria, a reportagem do Sul21 encaminhou questionamentos à Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana a respeito das grandes obras de mobilidade previstas para a Copa e sobre o legado do evento para a cidade.

Com relação ao projeto do metrô, a SMMU diz que o tema não está hoje em desenvolvimento na Prefeitura. Por outro lado, a secretaria diz que, em termos de projetos de mobilidade urbana, a Prefeitura está desenvolvendo a Pesquisa de Mobilidade, instrumento que não era utilizado no município desde 2009, e que tem o objetivo de pensar a qualificação do transporte público.

“A partir dos resultados serão definidas políticas públicas para a mobilidade urbana, através da radiografia que se terá sobre os meios de locomoção utilizados pela população. Também trabalhamos com um plano setorial de transporte, através do qual serão identificados quais os modais se adequam a realidade de Porto Alegre. Ambas iniciativas serão balizadoras para a definição de se dar ou não continuidade em um projeto de BRTs para a Capital”, diz nota encaminhada pela SMMU à reportagem.

A pasta informa também que, em paralelo, a Prefeitura inscreveu no novo PAC do governo federal alguns projetos voltados para a área da mobilidade, como a aquisição de 500 ônibus, euro 6 (menor emissão de carbono), todos com ar-condicionado e acessibilidade, e de 100 ônibus elétricos para ampliar o projeto que começou em 2024 de eletrificação da frota. Inscreveu também o projeto para a construção de quatro terminais de ônibus, além do supracitado VLT.

A Frente Ampla formada pelos partidos PT, PCdoB, PSB, PSDB, União Brasil, PV, Cidadania e Solidariedade lançou, na noite de quarta-feira (17), no Hotel Alano, em Cachoeirinha, o movimento “Dialoga Cachoeirinha – Unindo Vozes, Construindo Mudança”. O ato contou com a presença de diversas lideranças políticas, ex-prefeitos, ex-vice-prefeitos, vereadores e representantes da sociedade.

Por meio do site dialogacachoeirinha.com.br, a iniciativa pretende ser um canal para a construção do Programa de Governo Participativo (PGP), coordenado por mulheres especialistas em diversas áreas, e que já está disponível para ouvir a população, que poderá sugerir políticas públicas e ações da administração pública. Além do site, serão realizadas plenárias regionais, que iniciam em maio, para o encontro presencial e debate com a população. A consulta pública, dividida em 18 eixos, é coordenada integralmente por mulheres e será base para a construção do Programa de Governo Participativo.

Segundo os autores da iniciativa, nos últimos anos, “o município de Cachoeirinha sofreu profundamente com a implementação de uma gestão administrativa não democrática”. “As pessoas perderam os espaços para participar, opinar e serem ouvidas sobre obras e a construção de políticas públicas. O resultado disso é a construção de uma cultura apática à participação, deixando apenas para os políticos de carreira o dia a dia da coisa pública”, acrescentam as lideranças da Frente Ampla.

O Dialoga Cachoeirinha quer ser também um “processo amplo de mobilização social, que visa o resgate de uma cultura participativa da população, em que essa construirá diretamente um Programa de Governo inovador, que será defendido nas eleições municipais deste ano”.

Cerca de 300 famílias começaram a instalar, na manhã desta sexta-feira (19), um novo acampamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra no Rio Grande do Sul. No início da manhã, os primeiros moirões foram fincados na terra, numa área do Assentamento Santa Rosa, no município de Tupanciretã, na região central do Estado. A ação faz parte da Jornada Nacional de Lutas em Defesa da Reforma Agrária, com o lema “Ocupar para o Brasil Alimentar”.

Segundo assinalou o MST, essa é uma região histórica de lutas pela terra, onde há uma quantidade significativa de famílias dispostas a “lutar por um pedaço de chão para plantar e viver com dignidade”.

Na região central do RS, que abrange as cidades de Tupanciretã, Jóia, Júlio de Castilhos, Pinhal Grande, Salto do Jacuí, Cruz Alta, Quevedos e Boa vista do Incra, já há 42 assentamentos, contando com 1826 famílias assentadas.

O novo acampamento busca pautar a retomada da luta pela terra no Rio Grande do Sul, avançar no assentamento de todas as famílias acampadas e no acesso de crédito para as famílias assentadas.

Abril é o mês que entrou para a história da luta pela terra no Brasil, após o Massacre de Eldorado do Carajás, quando 21 Sem Terra foram assassinados pela polícia militar do estado do Pará em 1996. “Neste 2024 completamos 28 anos e nenhum segundo esquecemos nossos mártires. O luto ainda marca a luta dos camponeses até os dias atuais”, destaca o MST.

Com informações do MST

Da Agência Brasil

O risco de uma nova guerra mundial existe caso o conflito entre Israel e Irã se consolide, o que pode arrastar o planeta para uma crise econômica de grandes proporções, segundo especialistas entrevistados pela Agência Brasil.

O mundo aguarda qual o desfecho do conflito após Israel ser atacado pelo Irã em seu próprio território. O Irã, por sua vez, revidou o ataque à sua embaixada em Damasco, na Síria. Os aliados de Tel Aviv apelam, publicamente, para que o país não amplie a guerra no Oriente Médio.

O doutor em história pela Universidade de São Paulo (USP), José Arbex Junior, avalia que estamos caminhando para um cenário que, se não for contido, pode levar a uma guerra mundial.

“Quando você engaja o Irã no conflito, você está mexendo com toda a estrutura geopolítica de poder e, historicamente, os Estados Unidos mantém uma relação bastante hostil com o Irã desde pelo menos 1979, quando teve a Revolução Iraniana”, comentou.

Para o especialista, os Estados Unidos (EUA) e seus aliados vivem agora um novo impasse. “Eles não têm como entrar com tudo em uma guerra contra o Irã. Afinal, isso arruinaria a economia mundial e arruinaria as chances do [Joe] Biden se reeleger presidente dos EUA”, destacou.

Arbex lembrou que o Irã controla o Estreito de Hormuz, pequeno pedaço de oceano por onde passa boa parte do comércio mundial de petróleo. “Imagina se o Irã, em uma situação de conflito, resolve fechar o Estreito de Hormuz? O preço do barril do petróleo sobe, tranquilamente, para 150 dólares ou mais. Isso explode a economia europeia. Por isso que os europeus estão em pânico”, completou.

O professor de jornalismo da USP, que foi correspondente internacional em Moscou e Nova Iorque, citou ainda que o Irã é fundamental para economia chinesa.

“[O petróleo do Irã] é o sangue da economia chinesa. Então, se for interrompido o fornecimento de petróleo para a China, por força da guerra, não tenho dúvida nenhuma de que a China vai se alinhar com o Irã”, completou José, acrescentando que, diplomaticamente, Pequim já é próximo de Teerã.

A professora de Relações Internacionais do Ibmec de São Paulo, Natalia Fingermann, também avaliou que a guerra, hoje regional, pode escalar para uma guerra global devido ao cenário de grande instabilidade, que vem se agravando desde a Guerra na Ucrânia.

“O risco existe. Não é uma coisa totalmente distante, louca ou sem sentido nenhum. O risco existe e acho que ele nunca foi tão possível, pelo menos nos últimos 40 anos”, destacou a professora, acrescentando que há ainda o risco do uso de armas nucleares.

Fingermann lembrou que a escalada do conflito pode aumentar a inflação global, afetando todo o mundo. “[Se o conflito aumentar], vamos ter um aumento do preço do petróleo e, consequentemente, um processo de inflação global porque, querendo ou não, o petróleo ainda é a principal fonte de energia e de transporte do alimento do mundo”, acrescentou.

Israel e EUA

O professor José Arbex avaliou que Israel atacou a Embaixada do Irã, em Damasco, com objetivo de envolver Teerã no conflito para, com isso, tentar trazer os EUA para mais perto de Tel Aviv.

O especialista argumentou que Israel estava isolado internacionalmente e, internamente, o governo vinha sofrendo pressões pela saída do primeiro-ministro, Benjamim Netanyahu, que corre o risco ser preso se deixar o poder. Além disso, citou a econômica do país, parcialmente paralisada pela guerra, como outro fator preocupante para Israel.

“Netanyahu jogou todas as fichas no agravamento do conflito com o Irã para puxar apoio dos Estados Unidos, que ele estava perdendo por causa das eleições nos EUA.” Ele acrescentou que Gaza tem afetado a perspectiva eleitoral de Biden.

A professora Natalia Fingermann lembrou que, oficialmente, Israel justificou o ataque contra a embaixada do Irã para desarticular o apoio que o país dá ao Hezbollah, grupo do Líbano em conflito na fronteira Norte de Israel. Porém, ela avaliou que Netanyahu teve outros ganhos com o envolvimento direto do Irã.

“Primeiro, ele tira o foco sobre Gaza, que sai da pauta internacional, e ele volta a ter apoio internacional e doméstico. Então, em certa medida, ele consegue fazer a sua manutenção de poder”, resssaltou.

Questão palestina

Fingermann disse ainda que a entrada do Irã pode ter consequências negativas para causa palestina. Para a especialista, Netanyahu foi quem mais tirou vantagem na nova situação.

“Quando todos os grandes aliados de Israel, como Estados Unidos, França e Inglaterra, param de olhar para Gaza e focam mais no Irã, a gente tem, assim, o receio de que aquela população fique abandonada.”

Para o professor José Urbex, a questão palestina se fortalece, pois mostra que eles não estariam sozinhos contra Israel. Ele citou ainda a manifestação da presidente da União Europeia, Ursula von der Leyen, que, apesar de condenar o Irã, pediu que a questão palestina seja resolvida.

“Não é por acaso que ela faz uma declaração dessa. O Irã demonstrou que, se essa coisa prosseguir e a guerra prevalecer, a coisa vai ficar muito feia”, disse. Além disso, Arbex avaliou que o ataque do Irã revelou certa fragilidade de Israel, que precisou dos aliados para conter os drones de Teerã.

“[Ajudaram Israel] os Estados Unidos, Inglaterra, Jordânia, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e a fragata francesa, que está estacionada lá perto. O que sobrou para Israel fazer? Sobrou pouquíssima coisa. Israel é integralmente dependente desses aliados externos”, acrescentou.

Presidenta da Comissão dos Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, a deputada federal Daiana Santos (PCdoB) está participando da 3ª sessão do Fórum Permanente de Afrodescendentes da Organização das Nações Unidas (ONU). Considerado um dos maiores eventos que discute as questões raciais no mundo, o Fórum acontece entre os dias 15 e 19 de abril, em Genebra, na Suíça.

“Como representante da Comissão dos Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, me sinto honrada em participar dessa importante missão que possibilita uma série de reflexões a respeito da vida dos afrodescendentes e também é solo fértil para planejar a elaboração de ações concretas no Brasil”, afirma a parlamentar. “É fundamental que sejam debatidas políticas de reparação histórica no âmbito global, e dentro disso construir uma agenda em comum em meio a um cenário real de transformações das Américas, do Caribe e do Sul Global”, ressalta.

O Fórum foi criado pela ONU em 2021 e tem o objetivo de aprofundar a reflexão sobre racismo sistêmico, justiça restaurativa, promoção dos direitos para a população negra em todo o mundo, cultura e reconhecimento e desenvolvimento sustentável da Década Internacional dos Afrodescendentes, marcado pelo período 2015-2024.

Liderada pela ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, a delegação brasileira é composta por parlamentares, integrantes dos ministérios da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, movimentos sociais e representantes da sociedade civil.

Estreiam nesta quinta-feira (18) no CineBancários os filmes nacionais Uma Baía, de Murilo Salles, e Sem Coração, de Nara Normande e Tião. Filme dirigido por Luiz Fernando Carvalho, inspirado no livro homônimo de Clarice Lispector, A Paixão Segundo G.H. vai para a segunda semana em cartaz.

Sem Coração se passa no litoral de Alagoas, durante o verão de 1996. Por meio de uma narrativa sensível e delicada, o filme constrói um retrato da juventude alagoana repleto de complexidades. Na trama, a protagonista Tamara (Maya de Vicq) vive seus últimos momentos com os amigos antes de se mudar para Brasília. Em meio a um período de fervorosa exploração da sexualidade entre os jovens, Tamara se interessa por uma adolescente da vila, apelidada de Sem Coração (Eduarda Samara) devido a uma cicatriz no peito.

“A jornada da protagonista Tamara é inspirada em algumas memórias da minha infância e adolescência passadas no litoral alagoano, lugar onde cresci e de grande inspiração para meus trabalhos”, comenta a diretora Nara Normande.

O longa é uma extensão do curta-metragem homônimo dirigido e escrito por Nara e Tião em 2014. A atriz Eduarda Samara (Bacurau), que vive a personagem-título, retoma o papel na nova produção. No elenco, também estão Maeve Jinkings (Pedágio, Aquarius e O Som ao Redor), Erom Cordeiro (A Divisão e DNA do Crime) e a estreia de Kaique Brito, como Binho. O filme foi rodado em Alagoas, entre setembro e outubro de 2022, e finalizado no Brasil, na Itália e na França.

Uma Baía documenta, em oito fábulas visuais, moradores do entorno da Baía de Guanabara em suas jornadas pela sobrevivência. Murilo Salles, diretor, diz que é um filme difícil de ser sintetizado: “Em nossa primeira versão, o filme tinha sete horas e vinte minutos. Eram oito documentários em suas acepções clássicas. Mas uma inquietação nos levou a querer fazer um exercício para descobrir no material, suas essências poéticas. Depois de um trabalho obsessivo de busca por “imagens” e “sons” que carregassem esse poder de concentração simbólica, nasceram as oito “fábulas”.

A Baía de Guanabara é talvez o maior símbolo das contradições do Rio de Janeiro, ao mesmo tempo acolhedora e hostil, bela e selvagem, rica e cruel. Foi ao redor dessa baía que a cidade nasceu, cresceu e virou ‘maravilhosa’. Vemos um catador de mexilhões em ação no fundo da baía; ou o personagem (quase ausente) que monta um hidroavião com entulhos, latas de cerveja, garrafas pet e pedaços de isopor, ironicamente dialogando com a obra de Rauschenberg; um ‘faz-tudo’ prisioneiro em sua própria comunidade, que escapa à noite para pescar silenciosamente na baía, como rito de salvação do labirinto em que se aprisiona. Por fim, estivadores cochilando em redes à espera de seus turnos, nesta enorme Oca, que é o armazém do cais 18. Esses estivadores, são metaforicamente descendentes dos índios Tupinambás-Tamoios, que aqui viviam quando os franceses vinham ‘extrair’ o “pau-brasil”. Os índios cortavam as árvores e carregavam as toras, enchendo os navios.

Uma Baía é uma viagem ‘simbolicamente ancestral’ aos lugares originais da Baía de Guanabara, testemunha silenciosa, há cinco séculos, de um processo de intensa degradação que afeta diariamente a existência daqueles que habitam ao seu redor e tiram sustento dela.

Sem Coração
Brasil/Drama/ 2023 /191min
Direção: Nara Normande, Tião
Sinopse: Sem Coração se passa durante o verão de 1996, no litoral de Alagoas. Tamara (Maya de Vicq) está aproveitando suas últimas semanas na vila pesqueira onde mora antes de partir para estudar em Brasília. Um dia, ela ouve falar de uma adolescente apelidada de “Sem Coração” por causa de uma cicatriz que tem no peito. Ao longo do verão, Tamara sente uma atração crescente por essa menina misteriosa.
Elenco: Maya de Vicq, Eduarda Samara, Alaylson Emanuel

Uma Baía
Brasil/Documentário/ 2021 / 110min.
Direção: Murilo Salles
Sinopse: Uma Baía observa a Baía de Guanabara no que tem de mais bela, e naquilo que ela oculta, criando fábulas visuais sobe oito personagens que habitam no seu entorno, durante suas lutas diárias pela sobrevivência que são o sentido às suas existências. Vivem em plena tensão entre a beleza e a crueldade.

A Paixão Segundo G.H.
Sinopse: Rio de Janeiro, 1964. Após o fim de uma paixão, G.H., escultora da elite de Copacabana, decide arrumar seu apartamento, começando pelo quarto de serviço. No dia anterior, a empregada pediu demissão. No quarto, G.H. se depara com uma enorme barata que revela seu próprio horror diante do mundo, reflexo de uma sociedade repleta de preconceitos contra os seres que elege como subalternos. Diante do inseto, G.H. vive sua via-crúcis existencial. A experiência narra a perda de sua identidade e a faz questionar todas as convenções sociais que aprisionam o feminino até hoje. Baseado no romance de Clarice Lispector.

Horários de 18 a 24 de abril (não há sessões nas segundas-feiras):

15h: A Paixão Segundo G.H.

17h: Uma Baía

19h: Sem Coração

Os ingressos podem ser adquiridos a R$ 12 na bilheteria do CineBancários. Idosos (as), estudantes, bancários (as), jornalistas sindicalizados (as), portadores de ID Jovem e pessoas com deficiência pagam R$ 6. São aceitos cartões nas bandeiras Banricompras, Visa, MasterCard e Elo.

Na quinta-feira, a meia-entrada é para todos e todas.

Endereço: Rua General Câmara, 424 – Centro – Porto Alegre
Mais informações pelo telefone (51) 3030.9405 ou pelo e-mail [email protected]

O plano do prefeito Sebastião Melo (MDB) de privatizar a gestão da Usina do Gasômetro pode não acontecer conforme o pretendido por seu governo. A razão é que o convênio do governo federal que cedeu à Prefeitura de Porto Alegre o terreno e o prédio da Usina determina, numa de suas cláusulas, que o local permaneça como logradouro público.

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Privatização da Usina do Gasômetro: ‘Se Melo não gosta de gerir a cidade, que renuncie’

“A presente cessão fica condicionada à preservação das partes tombadas e à utilização do respectivo terreno somente como logradouro público”, diz a cláusula terceira do convênio assinado entre a Eletrobrás, então detentora da Usina Termelétrica de Porto Alegre, e o governo municipal, em janeiro de 1982. 

O contrato segue em vigor. Com a privatização da Eletrobrás, o patrimônio da antiga estatal atualmente está sob responsabilidade da Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional (ENBPar). A Prefeitura pleiteia junto ao governo federal a doação da Usina do Gasômetro. No entanto, o processo ainda está em estágio inicial e, até o momento, não há certeza de como avançará.

A interpretação de que a Prefeitura não pode passar à iniciativa privada a gestão da Usina do Gasômetro é confirmada por Emerson Rodrigues, superintendente de Patrimônio da União (SPU) no Rio Grande do Sul.

“O processo atual de cedência da Usina do Gasômetro corresponde a acordo celebrado em 1982 com a extinta Eletrobrás. Ele é muito claro com relação ao uso: manutenção das áreas tombadas e uso como logradouro público das demais áreas”, afirma. 

O pedido de doação precisará ser analisado pela Superintendência de Patrimônio da União (SPU) e a Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional (ENBPar). Rodrigues explica que tal processo burocrático será inédito no Brasil. 

“Ambas ainda não celebraram nenhum processo de destinação juntas em nenhum outro local do País. Isto porque a ENBPar só foi formalizada em  2022. Estamos trabalhando (SPU-RS) para avançar nos processos burocráticos junto com a nossa Unidade Central em Brasília para encaminhar a formalização do pedido à ENBPar. Por enquanto, segue vigente a regra anteriormente informada (contrato de 1982). Manutenção das partes tombadas e, nas demais áreas, apenas uso para logradouro público”, destaca o superintendente de Patrimônio da União (SPU) no Rio Grande do Sul. 

Rodrigues pondera que, ainda que haja um novo acordo entre o governo federal e a Prefeitura de Porto Alegre, esse novo arranjo pode ou não permitir a destinação da Usina do Gasômetro no sentido pretendido pelo governo Melo. A exceção, ele diz, é se realmente o instrumento utilizado for a doação.

Em nota, a Secretaria Municipal de Parcerias afirma que o projeto da Prefeitura “não se trata de privatização”, ainda que seja passar a gestão da Usina do Gasômetro à iniciativa privada. “A proposta de concessão está em andamento, em ampla discussão com a sociedade, e seguirá o cronograma estabelecido”, sustenta a Secretaria.

No começo de abril, o vereador Aldacir Oliboni, o deputado estadual Leonel Radde, ambos do PT, e representantes da classe artística entregaram ao superintendente de Patrimônio da União (SPU) no Rio Grande do Sul um documento expressando preocupação com o futuro da Usina. 

O grupo solicitou que a Usina não seja doada ao município de Porto Alegre, de modo a permitir sua concessão à iniciativa privada, e que a cessão do espaço continue “desde que observado o convênio firmado em vigor”. O pedido para que não seja permitida a concessão à iniciativa privada inclui, além do prédio, a chaminé da Usina do Gasômetro e o anfiteatro externo, todos bens tombados e que devem ser preservados pela Prefeitura. 

Ao se referir ao estacionamento privado existente ao lado da Usina, o documento solicita que a União fiscalize se o local, supostamente no terreno do governo federal, não foi concedido irregularmente à iniciativa privada pela Prefeitura “à revelia do convênio firmado” em 1982. 

Por fim, o grupo pede que a Superintendência de Patrimônio da União realize, em conjunto com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e o Ministério da Cultura, uma vistoria para verificar a preservação das partes tombadas da Usina do Gasômetro.

Ao comentar o entendimento da Prefeitura de que o projeto para a Usina não é uma privatização, o vereador Oliboni diz que o entendimento é uma contradição com o que foi apresentado em audiência pública em março. “Concessão é privatização”, afirma. Ele acredita que o governo Melo não conseguirá a doação do espaço justamente devido ao plano de conceder a gestão à iniciativa privada. “É uma dor no coração ver que o governo coloca 20 milhões para recuperar o espaço e então depois quer privatizar.”

Imagens aéreas da vistoria nas obras da Usina do Gasômetro. Foto: Marcelo Viola/PMPA

O tradicional espaço cultural da cidade está fechado desde 2017, com as obras de revitalização agora previstas para serem concluídas até o final do ano. O investimento estimado é de R$ 20,6 milhões em 11 mil m² de área útil, com a reforma estando 70% concluída, de acordo com a Prefeitura.

Segundo o governo municipal, o local abrigará um novo complexo cultural por meio de parceria com a iniciativa privada. A proposta prevê que, por 20 anos, uma empresa privada faça a operação do Gasômetro, com gestão compartilhada com o poder público. O governo municipal afirma que o viés cultural da usina será mantido, com o espaço aberto ao público e acesso gratuito a diversas áreas.

Durante audiência pública realizada dia 21 de março, a secretária municipal de Parcerias, Ana Pellini, argumentou que realizar a obra de restauração tem sido muito difícil e que conservar a Usina depois de pronta é tão complicado quanto. Como exemplo, falou da dificuldade em manter a conservação dos vidros alvos de vandalismo. “Por essa razão, estamos propondo uma nova forma de administração com a iniciativa privada para nos ajudar a gerir”, sustentou. 

O projeto prevê 13 espaços culturais na usina. Entre eles, um teatro, cinemas, salas de exposições, de danças e de ensaios. Também foram projetados cinco espaços de permanência (terraços, coworking, entre outros), e quatro de serviços em locais pré-determinados (incluindo cafeteria, bar, restaurante e loja de souvenir).

Se haverá data com atividades gratuitas, também haverá outras com a cobrança de ingresso, como uma das formas de remuneração da empresa privada que assumir a gestão do espaço. “O parceiro privado poderá também oferecer atividades sócio-educativas, culturais e recreativas”, disse, na ocasião, a secretária de Parcerias do governo Melo. A empresa selecionada poderá realizar eventos, apresentações, exposições, cursos e serviços relacionados à produção cultural, comercializar alimentos e bebidas nos espaços pré-determinados e fazer locação de ambientes para atividades liberadas pela Prefeitura. 

Ana Pellini explicou que a prefeitura projeta um custo anual de R$ 4,9 milhões para a operação da Usina do Gasômetro, sendo que deste valor, o máximo de R$ 3,9 milhões anuais será bancado pelo governo municipal. O critério de disputa na concorrência que será realizada considera o menor valor da prestação a ser paga pela prefeitura.

Após a consolidação do relatório de contribuições da consulta e audiência públicas, o projeto será enviado ao Tribunal de Contas do Estado (TCE), que tem até 90 dias para devolver a análise. O passo seguinte será o lançamento do edital de concorrência para definir a empresa privada, o que deve ocorrer ainda em 2024, segundo a projeção da prefeitura.

De acordo com o projeto apresentado pela Prefeitura, entre as responsabilidades da empresa privada estão a preservação e a limpeza do local, considerando o tombamento vigente, além do monitoramento por câmeras de vigilância, instalação de mobiliário, colocação de piso podotátil, entre outras ações.

O projeto também estipula que o parceiro não poderá ter fonte de receita com atividades comerciais não previstas em edital ou não aprovadas pela Prefeitura, não poderá cobrar ingresso para uso de sanitário, para ingresso na exposição permanente da casa e para entrada na usina, “salvo em casos exclusivos e pontuais”, ressalta a Prefeitura.

Na apresentação durante a audiência pública, o governo municipal destacou que a empresa que vencer o edital de concorrência poderá realizar eventos, apresentações, exposições, cursos e serviços relacionados à produção cultural, comercializar alimentos e bebidas nos espaços pré-determinados e fazer locação de ambientes para atividades liberadas pela Prefeitura.

O episódio desta semana do podcast De Poa recebe o ex-vereador Marcelo Sgarbossa, pré-candidato a prefeito de Porto Alegre pela Rede. Em conversa com Luís Eduardo Gomes, ele fala sobre o trabalho que tem feito pela construção de uma frente ampla de partidos de esquerda, não apenas para a disputa municipal, bem como sobre a sua trajetória na luta por tornar Porto Alegre uma cidade mais amigável à bicicleta.

Conhecido em seus primeiros mandatos como “vereador da bicicleta”, Sgarbossa inicia a conversa lembrando o período, no final da primeira década do século, em que movimentos de cicloativistas ganharam força em Porto Alegre e começaram a pautar o debate de mobilidade, especialmente para a implantação das ciclovias. Os movimentos, contudo, perderam força ao longo dos últimos anos.

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“Teve um momento em que a EPTC ali estava com alguns estagiários cicloativistas, e aí a gente percebeu que algumas ciclovias realmente foram feitas como deveriam ser, até corrigidas algumas. Eu me lembro ali na Vasco, tinha uma loucurinha, aí os cara endireitaram. Começaram a pensar na lógica de quem pedala e daí começou a acertar alguma coisa. Mas, de regra, as ciclovias de Porto Alegre foram feitas de modo a não atrapalhar quem usa o automóvel”, diz.

Pré-candidato a prefeito, Sgarbossa tem liderado uma articulação que busca promover a ideia da necessidade de uma frente ampla de partidos de esquerda em Porto Alegre, que vá além das federações PT-PCdoB-PV e PSOL-Rede. ” Temos divergências, é óbvio! Vários me cobram, ‘mas tá no governo Leite’. Bom, se tu quer só os puros, é só nós ou daqui a pouco nem nós, só fica você. E se tu é muito crítico, nem você fica”, afirma.

O De Poa, parceria do Sul21 com a Cubo Play, é um programa de entrevistas sobre temas que envolvem ou se relacionam com a cidade de Porto Alegre. Todas as quintas-feiras, conversamos com personagens ilustres ou que desenvolvem trabalhos importantes para a cidade. Semanalmente disponível nas plataformas da Cubo Play e do Sul21.

A seguir, confira trechos da entrevista com Marcelo Sgarbossa.

Sul21 — Existia uma época na cidade que se tinha uma promessa de um futuro mais voltado para a bicicleta. Isso não se concretizou. O que deu errado?

Marcelo Sgarbossa: Quando foi feita a Terceira Perimetral, esqueceram de fazer ciclovia. O Banco Mundial, financiador da obra, disse: ‘Só um pouquinho, como é que não fizeram ciclovia? Para nós continuarmos liberando recurso, Porto Alegre vai ter que fazer um Plano Diretor Cicloviário. E aí nasceu, por obrigação do financiador, um plano. Foi um plano muito bem feito, eles contrataram uma assessoria, se eu não me engano, do Rio de Janeiro, Logit, eu me lembro que eu estava na apresentação do Plano Diretor Cicloviário de Porto Alegre. Pedalaram na cidade e criaram essa malha toda, com uma rede estrutural 1, 2 e 3. A rede estrutural 1, que deveria ser a primeira a ser feita, tem 127 km. Ou seja, deveria ter sido feito primeiro a rede estrutural 1 pra depois fazer as conexões.

Sul21 — A gente sabe que não temos 120 km de ciclovias em Porto Alegre.

Marcelo Sgarbossa: Por quê? Ciclovias em Porto Alegre, de regra, tirando algumas exceções… Teve um momento em que a EPTC ali estava com alguns estagiários cicloativistas, e aí a gente percebeu que algumas ciclovias realmente foram feitas como deveriam ser, até corrigidas, algumas. Eu me lembro ali na Vasco, tinha uma loucurinha, aí os cara endireitaram. Começaram a pensar na lógica de quem pedala e daí começou a acertar alguma coisa. Mas, de regra, as ciclovias de Porto Alegre foram feitas de modo a não atrapalhar quem usa o automóvel.

Antigamente, o que que você tinha? A ciclovia lá de Ipanema, que é uma ciclovia de lazer, e tinha, eu tava até no dia da inauguração pedalando, a Ciclovia dos Parques, que era o Tarso prefeito. Ou seja, uma ciclovia que ligava o Parcão, passando pela Redenção, indo até a Orla. Ou seja, ciclovias de lazer. Essa concepção muda a partir de mais ou menos esse período, 2010, vem a redução do IPI dos automóveis do governo Lula, as cidades começam a ter mais automóveis, tem um boom. Porto Alegre tinha, em 2000, em torno de 300.000 automóveis, sobe para 800.000 em menos de 10 anos.

Às vezes, se fala que falta planejamento. Meu amigo, as cidades não foram feitas para cada um ter um carro. Não é uma falta de planejamento, a cidade foi feita para ter poucos carros.

Vem o Plano Diretor Cicloviário. E aí as decisões que tu nunca sabia se era uma decisão do prefeito ou se era uma decisão na época do Vanderlei Capellari (ex-diretor presidente da EPTC), que a gente brigou muito, mas digo que tenho saudades do Capellari. Eu vou dizer essa frase que vão me crucificar. Porque, pelo menos, era um sujeito que vinha pro debate, um cara leal, discordava. Tenho essa saudade, mas uma discussão respeitosa dentro dos marcos da democracia. Não como hoje, que virou uma lacração e ninguém mais quer conversar.

Então começou a se fazer a ciclovias onde menos… Vou dar um exemplo, a Rua Ada Mascarenhas, na zona norte, 800 metros de ciclovia. Não ligava — agora fizeram uma ligação — nada a lugar nenhum e fizeram um pedacinho. Foram se fazendo pedacinhos onde menos atrapalha. Bom, isso não tem como fazer…

Sul21 — Essas ciclovias de 800 m, a gente sabe que são contrapartidas de empreendedores. Um condomínio que saiu, uma renovação de uma universidade, como por exemplo ali na Nilo. Aí fazia ali na frente. Passou os 800 metros que estavam no contrato, o problema não era mais deles. O poder público acabou não tomando a frente desse processo.

Marcelo Sgarbossa: Não tomou a frente. E mais, a lei do Plano Diretor Cicloviário ainda prevê um mecanismo que, quando você faz um empreendimento com estacionamento, a contrapartida é metros de ciclovia. Lá está escrito, a cada 100 vagas de estacionamento, 200 metros de ciclovia. Veja que curioso, tu cria uma lógica de que, quanto mais estacionamento tu fizer, quanto mais tu incentiva o automóvel, mais ciclovia. É uma lógica até curiosa.

Depois tem na lei que qualquer nova obra ou a aumento de pista tem que ter ciclovia. Foi o caso da trincheira da Anita. Nós entramos com uma ação judicial, infelizmente perdemos no Judiciário, aquelas coisas do Judiciário, porque está dito que novas obras e alargamento de pista têm que ter ciclovia. Perdemos.

Essa lógica está totalmente equivocada. Eu falei com vários prefeitos e pessoas, como eu me tornei o vereador da bicicleta, ia em tal lugar e me diziam: ‘lá em tal lugar nós estamos fazendo ciclovia’. Aí eu perguntava: ‘onde é que o senhor fez, prefeito?’ ‘Ah, no canteiro central’. Ou seja, afastada do comércio, da residência. Ciclovia da Ipiranga, desde o início, feita no lugar errado. Claro que eu prefiro que tenha do que não tenha, porque geralmente te acusam assim: ‘Ah, tu tá reclamando’. Não, eu também acho que é melhor ter do que não ter. Agora, se tu faz ali no meio da pista, tu isola o ciclista. Se eu preciso ir ali na Polícia Federal, na Ipiranga, ou eu vou pela calçada ou lá na Azenha. Ou seja, atravesso onde não poderia atravessar. Se cria um obstáculo. Deixa eu falar bem de uma ciclovia. A ciclovia da José de Alencar. Foi polêmica, os comerciantes se revoltaram, fizeram na ação judicial. Não vi falir ninguém. E, claro, enquanto tu não tiver toda a rede cicloviária e outras políticas de incentivo, as ciclovias não vão estar lotadas.

Sul21 — Marcelo, tu é pré-candidato pela Rede à Prefeitura de Porto Alegre, mas, principalmente, tem feito desde o ano passado um movimento em prol da frente ampla. O que é esse movimento e quem tem feito parte?

Marcelo Sgarbossa: O que eu defendo e, inclusive, me faz estar pré-candidato a prefeito de Porto Alegre pela Rede de Sustentabilidade, essa iniciativa ela parte a partir de 2017, quando o Robaina, um dos líderes do PSOL, vem para a Câmara Municipal. Eu era da bancada do PT, o Robaina do PSOL, e ali nós começamos a jogar juntos, porque, a partir da legislatura que começa em 17, eleita em 16, nós do campo democrático-popular, pode chamar de esquerda, fomos totalmente alijados da Câmara, dos espaços de discussão, inclusive dos cargos que nós tínhamos direito pela proporção. Nós nos unimos, PT e PSOL fizeram um bloco partidário. Eu sempre brinco, nós casamos antes de namorar. Nós não tínhamos namorado, mas nós casamos para poder sobreviver naquele plenário e naquela Câmara.

Essa boa relação minha e dos companheiros do PT com o PSOL na Câmara não refletiu fora do PT. Fora do PT ainda havia uma mágoa muito grande pelas posições da Luciana na questão da Lava Jato, na forma como a Luciana e o Raul Pont de uma certa forma se enfrentaram nos debates na eleição de 2016. Então, tinha ficado essa mágoa. Mas, lá na Câmara, nós estávamos jogando juntos, fazendo ações juntos, reuniões juntos, era um outro momento da história. PT e PSOL estavam juntos. Eu fui líder do PT, fizemos reuniões com o PDT, enfim, estava um outro momento da história.

Chega em 2020, e eu defendo que o PT deveria apoiar Manuela e o Pedro Ruas poderia ser o vice da Manuela. ‘Marcelo, mas e onde ficaria o PT?’ O PT ficaria num conselho político, com Olívio, Tarso e Raul, os três ex-prefeitos vivos, Pedro Ruas e Manuela. Esse seria o conselho político que faria a campanha junto, visibilidade, caminharia junto e exercitaria o governo. Manuela prefeita, dentro de um conselho político. Falei isso inclusive para a Manuela, lá no antigo Studio Clio. Eu disse: ‘Manuela, você será prefeita, mas junto com esse conselho com a maioria do PT’. O que aconteceu, Miguel Rossetto decidiu ser vice e, nos último dias do prazo para a inscrição dos nomes pra vice, o meu grupo político na época disse: ‘Marcelo, já que o PT não tá abrindo mão, comprando essa ideia que nós defendemos, te inscreve no processo’. Consultei Olívio Dutra, e ele disse: ‘É bom, Marcelo, tu é um quadro do partido. E ali eu me inscrevi e disputei com o Rossetto a vaga de vice da Manuela. Uma disputa que acabou não acontecendo, porque a Executiva municipal acabou delegando pro diretório a decisão e tirou a possibilidade dos filiados, que no caso eram 550 delegados, decidirem quem seria o candidato a vice. Aí eu acabei retirando a minha candidatura porque achei que não era democrático 40 pessoas decidirem pelos 550, que já eram delegados, já não era a voto direto.

Por que eu digo isso? Porque já ali eu defendia uma frente de esquerda. Inclusive, a gente criou um movimento importante chamado ‘Esquerda Unida em Poa’. Quem quiser conferir, temos um grupo no Facebook com em torno de 5.000 pessoas que, espontaneamente, fizemos reuniões no Ocidente e tal. Infelizmente, a Fernanda vendo que estava a chapa fechada, lançou a sua candidatura à prefeita. Por mais que a Fernanda tenha apoiado a Manuela no segundo turno, esse apoio de últimos 30 dias é um apoio que não dá tempo, o bom é estar juntos desde o início e muito tempo antes.

Fechou o capítulo de 2020, perdemos a eleição, Manuela d’Ávila não é prefeita, sem conselho político, sem nada. Vamos mudar agora para o ano passado. Quando eu ia voltar a ser vereador, eu anunciei publicamente que, para dar o exemplo dessa união necessária numa frente ampla, eu faria um mandato que não é um mandato coletivo, mas um mandato pluripartidário, e eu fiz. Uma pessoa do PSOL, Atena Roveda, o João Delatorre, da juventude do PDT, o Paulo Nascimento, da Rede de Sustentabilidade, o Antônio Elisandro, ex-presidente do PSB, e, para a minha surpresa, Fortunati, com quem eu vinha conversando, entendendo se ele estava mais Melo, mais para lá ou para cá. E o Fortunati disse: ‘O Melo que foi meu vice-prefeito não é esse Melo de agora, o Melo de agora está aliado com o bolsonarismo, então estou fora’. Se ele tá fora, tem que estar conosco. Acho que o Lula deu a grande lição ao trazer o Alckmin para ser o seu vice. Ou seja, nós estamos num momento da história que o campo democrático, popular, progressista e não golpista tem que estar unido. Eu que fui um adversário político do Fortunati, fui um vereador de oposição, convidei o Fortunati e ele assumiu a chefia do meu gabinete. E nós lançamos a ideia de um movimento em favor de uma frente ampla em Porto Alegre. Nós estamos só fazendo o que o Lula fez, basicamente. Lançamos esse movimento, fizemos, em 2023, mais de 30 atividades. Convidamos os outros partidos. Esse movimento nasceu durante uma oficina do Fórum Social Mundial, foi o pessoal da Rede de Sustentabilidade que propôs uma oficina chamada ‘A necessidade da união do campo democrático contra o avanço do fascismo. E lá estavam cinco partidos. Alguns não vieram, não vou citar aqui os nomes, continuaram sendo convidados e se negaram a sentar. O que tu faz quando um ano tu passa convidando para sentar junto contigo e se nega? O nosso movimento teve 30 atividades, dois grandes seminários, um seminário com um professor do Chile, que veio falar da experiência do Chile, toda a questão do avanço deles com Boric, depois da derrota na reforma constitucional. Depois fomos até o Uruguai numa reunião da Frente Ampla, convidamos e eles vieram numa atividade nossa, num dos nossos seminários. Ou seja, nós exercitamos ao longo de 2023 aquilo que esses partidos todos — PSOL, Rede, PT, PCdoB, PV, PDT e PSB –, no mínimo esses sete partidos que deveriam estar juntos ouvindo a cidade.

Sul21 — São partidos que estão juntos no governo federal.

Marcelo Sgarbossa: Se falar em governo federal, aí abre muito mais. Eu colocaria Avante, bom, União Brasil está no governo federal, e tantos outros. Mas eu diria, e não quero excluir ninguém, pelo menos esses sete têm uma identidade. Temos divergências, é óbvio! Vários me cobram, ‘mas tá no governo Leite’. Bom, se tu quer só os puros, é só nós ou daqui a pouco nem nós, só fica você. E se tu é muito crítico, nem você fica. Desses sete partidos, alguns vieram nas atividades e outros não. No final do ano, acabei saindo da Câmara, não vamos entrar aqui no tema, e o movimento continuou. Aí chegou o momento da escolha do partido. Fui convidado por vários partidos e a Rede me convidou para entrar nos seus quadros e me fez um convite: ‘Marcelo, nós somos o partido que lançou a ideia da frente ampla lá no Fórum Social Mundial. E, para ter uma voz que fale sobre frente ampla e que fale de uma forma central na questão ambiental, nós te convidamos para te lançar pré-candidato a prefeito de Porto Alegre. E eu aceitei, porque eu acho que, sendo pré-candidato, consigo ser uma voz mais forte. O movimento continua com a sua autonomia. Tem reuniões semanais, têm o seu grupo de WhatsApp, como todo movimento, tem uma página no Instagram, Pró-Frente Ampla. O Fortunati é o elemento mais ativo desse movimento, vai em todas as reuniões. A Regina, sua companheira, formalizou no PV, ele formalizou também. Sempre disse que não é candidato, acabou se filiando ao PV… estou dizendo isso pela minha relação com ele, pelo que entendi, como um apoio a Regina. Mas, independente de onde ele estiver filiado, realmente é um sujeito que está caminhando conosco. Eu acho incrível é que, quando ele aceitou ser meu chefe de gabinete, eu fui criticado por muitos companheiros e companheiras da esquerda. ‘Marcelo, olha só…’ Agora, senta com o PSOL, está sentando com a Maria do Rosário, com o PT e a crítica…

Entre os primeiros 73 óbitos por dengue no Rio Grande do Sul em 2024, 73% deles foram de pessoas com 60 anos ou mais. A análise sobre o perfil das mortes pela doença no estado foi feita pelo Centro Estadual de Vigilância em Saúde (Cevs) e publicada pela Secretaria da Saúde (SES) em uma nota informativa nesta quinta-feira (18).

As doenças preexistentes mais relatadas foram hipertensão (56%), diabetes (18%), cardiopatia (18%) e doença pulmonar obstrutiva crônica (16%). Não houve relato de comorbidade em 16% dos casos de morte. “A busca tardia por atendimento e o manejo não totalmente adequado em relação aos protocolos nas unidades de saúde também são fatores relevantes para esses desfechos”, relatou o diretor-adjunto do Cevs, Marcelo Vallandro. A análise demonstra que os pacientes procuram em média, ao menos, duas vezes por atendimento até a internação ou suspeição de dengue. Esses pacientes demoram cerca de 2,6 dias após o início dos sintomas para procurar o primeiro atendimento e, após, cerca de 4,4 dias até ocorrer a hospitalização. Os óbitos acontecem em média 8,3 dias após o início dos primeiros sintomas.

O número de mortes já foi atualizado para 78 nesta quarta-feira (17). “Este número é inédito no Rio Grande do Sul, sendo o maior que já tivemos no mesmo ano. Ultrapassa 2022, quando tivemos 66 mortes por conta da doença. A avaliação dos primeiros 73 óbitos mostrou a questão da importância da idade. As mortes acontecem mais na população acima de 60 anos, como um fator biológico importante”, apontou  Vallandro. Os sintomas mais frequentes entre os óbitos são: febre (62%), dor muscular (58%), dor de cabeça (43%) e náuseas (43%).

A nota informativa também descreve quais são os principais sinais de alerta da doença, ou seja, aqueles quadros que indicam que a doença está ficando mais grave, estando a pessoa já internada ou não. Entre os óbitos, os mais comuns foram a plaquetopenia (diminuição do número de plaquetas no sangue) e a hipotensão postural e ou lipotimia (sensação de tontura, decaimento, desmaio), presentes em 53% e 47% dos casos de óbito, respectivamente. Também foram apontados no relato dor abdominal intensa (34%) e letargia ou irritabilidade (32%).

Para os casos que evoluíram para dengue grave, os sinais e sintomas mais frequentes foram pulso débil ou indetectável (49%), extremidades frias (48%), taquicardia (42%) e hipotensão arterial (42%). A dengue grave é caracterizada pelos quadros que apresentam choque ou desconforto respiratório em função do extravasamento grave de plasma, sangramento grave ou comprometimento grave de órgãos do sistema nervoso central (alteração da consciência), do coração (miocardite), dano hepático importante e outros.

Os seguintes fatores foram identificados como causas que podem levar ao óbito por dengue:

  • o não reconhecimento dos sinais de alarme pela população e pelos profissionais de saúde;
  • procura tardia do paciente pelo serviço de saúde;
  • manejo clínico inadequado;
  • procura por várias vezes aos serviços de saúde;
  • dificuldade de acesso;
  • hidratação inadequada ou insuficiente;
  • ausência da classificação de risco para dengue (conforme fluxograma estabelecido pelo Ministério da Saúde);
  • não realização de hemograma ou em número abaixo do indicado na classificação de risco;
  • resultados de hemogramas em tempo inoportuno para auxiliar no manejo e reclassificação do paciente ou o paciente ser liberado antes de sair o resultado.

“Todos esses fatores não são exclusivos do Rio Grande do Sul, sendo também elencados como fatores possíveis de óbito em todos os estados brasileiros, conforme publicado recentemente pelo Ministério da Saúde”, destacou Vallandro.

A análise dos sinais e sintomas manifestados pelos usuários que tiveram o óbito como desfecho demonstrou que, em sua maioria, em outros agravos, não seriam indicativos de risco ou gravidade. “Portanto, os usuários com suspeita de dengue exigem dos profissionais uma sensibilidade maior, a fim de que sejam devidamente avaliados, mesmo com sinais e sintomas que, se não fosse a suspeita de dengue, não necessariamente seriam indicativos de intervenção precoce”, salientou o texto da nota do Cevs.

O documento acrescenta que, embora a dengue esteja presente no Rio Grande do Sul desde 2007, muitos profissionais de saúde desconhecem as práticas em relação ao manejo clínico de casos graves. “Ainda que o Estado sempre tenha tido casos, eles eram números pouco significativos e raramente havia casos graves. A dengue tem um curso muito agudo e o agravamento, quando ocorre, acontece muito rapidamente. O conhecimento dos profissionais quanto ao diagnóstico e ao manejo clínico oportuno impactam na evolução dos casos”, frisou a análise da SES.

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga a atuação da CEEE Equatorial ouviu na manhã desta quinta-feira (18) testemunhas que abordaram as denúncias de fraudes em certificados comprobatórios de treinamento dos trabalhadores por parte de empresas que fornecem mão de obra terceirizada à distribuidora de energia. Foram ouvidos a diretora do Centro de Educação e Cultura Cecília Meireles, Camilla Calvete Portela Barbosa, e o ex-gerente de treinamento e formação da CEEE pública, Maurício Flores dos Santos. A CPI também ouviu o comandante do 1º Corpo de Bombeiros Militar do Rio Grande do Sul (CBMRS), coronel Ricardo Mateei, que abordou os procedimentos que devem ser realizados diante de eventos climáticos extremos.

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As oitivas de Camila Barbosa e Maurício dos Santos foram solicitadas pelo vereador Roberto Robaina (PSOL) com o objetivo de esclarecer suspeitas de má conduta na formação dos trabalhadores por parte da terceirizada que faz a manutenção da rede da Equatorial, a Setup, empresa com sede em Criciúma (SC). Conforme revelado pelo Sul21, as suspeitas foram apontadas por investigações da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego no RS (STRE) e do Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul (MPT-RS), abertas em razão das mortes de três trabalhadores no ano de 2023.

Camila explicou que foi procurada para organizar um curso de formação para as equipes da Equatorial, mas não teria sido selecionada sob a justificativa de custo alto. À CPI, ela explicou sobre a impossibilidade de se realizar cursos de formação na área elétrica sem prática presencial e sem considerar normas técnicas básicas, além de qualificação e experiência dos que ministrarão as aulas. Ela ressaltou que soube mais tarde que a Equatorial teria optado por uma formação online e dez vezes mais barata do que o orçamento que ela havia apresentado.

“Imagina capacitar pessoas para trabalhar na rua com um curso online que elas podem assistir ou não e no final do curso sair um certificado qualquer que capacita essa pessoa a trabalhar na rede?”, pontuou a diretora.

Já Maurício Flores apresentou à comissão dados e informações de como, a partir de sua experiência de décadas na CEEE estatal, uma formação no setor pode ser considerada adequada, levanto em conta o conhecimento técnico e os cuidados com a segurança. Flores ressaltou que muitos trabalhadores têm consciência da formação deficitária e, percebendo o risco, acabam pedindo demissão. “Quando ele chega lá (na manutenção da rede) e percebe a encrenca que ele está se metendo, pensa: ‘bom, vou morrer em um, dois’”.

Ao ser questionado pelo vereador Pablo Melo (MDB) sobre qual seria o número ideal de horas práticas para se formar um profissional que vai atuar na área de energia elétrica e quantas horas a Setup dá de formação, Santos disse que, na CEEE pública, o curso de formação era de 480 horas para eletricistas e, na Setup, era uma semana de aula. “E aula fora do expediente normal, um curso que era assistido de casa”.

Segundo ele, no Centro de Treinamento da antiga CEEE, dividia-se o curso entre 40% teoria e 60% prática. “A diferença é abismal, sobre o que estava sendo praticado na Setup, quando nós fomos lá, e sobre o que era ministrado para os nossos profissionais, quando a gente estava na Companhia Estadual de Energia Elétrica”, concluiu.

Também nesta quinta, os membros da CPI votaram e rejeitaram convite ao governador Eduardo Leite para prestar depoimento na próxima reunião ordinária da Comissão. Por outro lado, foi aprovado um requerimento convidando para oitiva o diretor ou presidente da empresa Setup, que presta serviços terceirizados à CEEE Equatorial. O requerimento havia sido rejeitado anteriormente, mas foi recuperado pela presidente da Comissão, vereadora Cláudia Araújo (PSD). “O grande problema que nós estamos entendendo nesta CPI é a falta de capacitação dos profissionais, a qualificação dos profissionais”, disse.

Nesta linha, Robaina avalia que a CPI deve mirar nas suspeitas de fraude na formação das equipes que atuam na Equatorial. Ele apresentou dados de investigações do Ministério Público do Trabalho que reforçam os indicativos de conduta fraudulenta. “Os testemunhos de hoje casam bem com situações fraudulentas que o MPT observou. Essa falta de qualificação e até possíveis falsificações em certificados podem explicar, por exemplo, os últimos acidentes fatais por choque elétrico. É muito grave que usuários e trabalhadores tenham suas vidas ameaçadas por este nível de irresponsabilidade e falcatrua”, afirmou o vereador.

A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) informou nesta quinta-feira (18) o desabastecimento da vacina bivalente contra covid-19 nas unidades da Capital. Não há previsão de abastecimento do imunizante pela Secretaria Estadual da Saúde. Não há desabastecimento das vacinas destinadas ao público infantil – seja para bebês ou crianças com menos de 12 anos.

Unidades de saúde (US) que ainda têm doses da vacina bivalente, utilizada para públicos específicos, seguirão o processo de imunização até o final dos estoques. Até esta quinta-feira, há doses disponíveis apenas na US Álvaro Difini, na Zona Sul, e na US Ramos, na Zona Leste.

Segundo informação do Ministério da Saúde em ofício datado de 17 de abril, o processo de aquisição de vacinas com composição atualizada de variantes do novo coronavírus já aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária está na fase final. A distribuição da vacina bivalente pelo Ministério da Saúde aos estados será feita a partir do recebimento de remessas do laboratório fabricante.

A vacinação bivalente é recomendada para públicos específicos. Idosos com 60 anos ou mais, pessoas imunocomprometidas e gestantes e puérperas devem ter intervalo mínimo entre as doses de seis meses. Pessoas vivendo em instituições de longa permanência e os trabalhadores desses estabelecimentos, indígenas, ribeirinhos, quilombolas, trabalhadores da saúde, pessoas com comorbidades e com deficiência, pessoas privadas de liberdade e funcionários do sistema prisional, pessoas em situação de rua e adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas têm recomendação de receber uma dose anual, com intervalo mínimo de seis meses entre uma dose e outra.

Pessoas que tiveram diagnóstico de Covid-19 devem aguardar 28 dias para receber a vacina, a contar da data de início dos sintomas ou, em casos assintomáticos, da data da coleta do exame.

Luiz Marques (*)

A ascensão da extrema direita no plano internacional desafia a intelligentsia progressista. Entre as variáveis apontadas acham-se a globalização que divide a sociedade em vencedores e perdedores, o impacto com a profusão de inovações tecnológicas, as desigualdades que rompem o pacto entre as classes sociais, o derramamento de predisposições recalcadas no politicamente correto, os efeitos imigratórios, a aporofobia e o ressentimento. Um desconserto difuso e muito corrosivo percorre o tempo presente. “Até 2014, não havia partidos da direita radical na Austrália, no Canadá, na Irlanda, em Luxemburgo, na Nova Zelândia, em Portugal ou na Espanha”, sublinha o cientista político da Universidade de Nova York, Adam Przeworski, em Crises da democracia. Para um toque latino-americano, é possível reatualizar a lista regressiva com o Brasil (2018) e a Argentina (2023).

Em muitos países, a tônica em eleições recentes recai na imigração. Conforme o Instituto Gallup, em 2012 e 2014, na opinião de 25% da população na Austrália, 40% nos Estados Unidos e 69% no Reino Unido a imigração deveria ser reduzida. Em certos contextos, a discriminação incide mais na definição do voto do que as pautas econômicas. Mesmo por que a percepção da economia é afetada pelas lealdades partidárias. Após a eleição de Donald Trump, eleitores democratas reconsideraram para baixo a avaliação da própria condição de vida, enquanto eleitores republicanos ajuizaram a sua para cima. Não é tarefa fácil selecionar os vetores preponderantes na escolha do voto que fortalece o novo fascismo. Politólogos, sociólogos, antropólogos, filósofos e psicólogos são testemunhas. 

A aflição econômica pesa, embora acompanhada por outras aflições. Com uma renda familiar mais elevada e menos instrução, os trumpistas também estão propensos ao desemprego e expostos a uma concorrência de imigrados e no comércio. A insegurança influencia a orientação de seu voto diante do perigo figurado no imaginário, antes que no real. Por outro lado, é indiscutível que viver em comunidades racialmente isoladas, em situações piores de saúde, com mobilidade social precária e uma dependência contínua de benefícios da previdência são prenúncios de um pessimismo sobre o futuro próximo, por conseguinte, de uma religiosa e fiel identificação ideológica com a ultradireita.

Já indivíduos em funções com índices de desocupação rotativa têm maior probabilidade de votar com base em fatores econômicos. Estes, são interpelados pelos programas dos partidos de esquerda. No Brasil, o contingente do eleitorado que possui rendimentos de um a dois salários são os mais vulneráveis às oscilações do mercado de trabalho. Sensível às propostas para uma recuperação, ali, concentrou-se a votação para evitar o avanço do neofascismo e trazer de volta a esperança, no país. O segmento garantiu a vitória para o terceiro mandato, sob liderança de Luiz Inácio Lula da Silva. 

Os partidos da direita radical tendem a apelar para o tema da transmigração, amiúde, sem vincular o bode expiatório às propostas de mudanças econômicas e combate à corrupção política. A classe e a ideologia racista não são as únicas categorias da consciência. A “liberdade de expressão” é o ardil utilizado para propagar o terraplanismo impunemente. A realidade paralela ataca e deslegitima o conhecimento, para abduzir o séquito de crédulos com fábulas culturais que hostilizam a diferença. Teses diversionistas simplificam o que é complexo e conduzem as massas a uma zona de conforto.

Adam Przeworski chama a atenção para os resultados de um interessante levantamento realizado na Europa, em 2010, para avaliar a percepção das pessoas sobre tensão social em quatro dimensões: (a) pobres e ricos; (b) gerentes e operários; (c) velhos e jovens; (d) diferentes grupos raciais e étnicos. Esperava-se que umas culpassem os ricos, outras a administração ou a renda desproporcional dos mais velhos, além da imigração. Mas não. As pessoas com dificuldades maiores de subsistência tendem a localizar a tensão em todas as esferas. Aquelas que percebem o tensionamento alto numa dimensão, visualiza-o nos demais enquadramentos. “Elas culpam todo mundo (leia-se: o sistema) porque não sabem a quem culpar”, reitera o membro da Academia Americana de Artes e Ciências.

Eu = Tu + Nós

As versões conspiracionistas para unificar com bizarrices os revoltosos afrontam os fóruns capazes de distinguir a verdade da mentira, o sentimento do argumento. A recusa epistemológica da verdade nas discussões públicas provoca o colapso da confiança em instituições tradicionais (universidades) e pressiona a falsa equiparação de narrativas não equivalentes. “Todas as sociedades bem-sucedidas dependem de um grau alto de honestidade para preservar a ordem, defender a lei, punir poderosos e gerar prosperidade”, enfatiza o jornalista britânico Matthew D’Ancona, autor de Pós-verdade.

A relativização da verdade quebra o parâmetro de convivialidade social e política, impulsiona uma fuga aos nichos protegidos do contraditório. Lembra a assessora que, desmentida sobre a fictícia presença de uma multidão na posse do demagogo da America First, na Casa Branca, disparou um comentário que entrou para o folclore da modernidade: “Nós preferimos os fatos alternativos”. Em Washington e em Brasília, ex-governantes foram os campeões absolutos de fake news. A má-fé, a impostura e a grosseria organizaram o protocolo. A ignorância ganhou uma aura de autenticidade. A violência recebeu o selo de qualidade da distopia. A dúvida, de Montaigne, cedeu o pódio moderno à certeza teocrática e medieval de Silas Malafaia, inimigo jurado do Estado de direito democrático. 

A xenofobia, o racismo, a intolerância e o rosário inteiro de preconceitos agem quais combustíveis para energizar a desrazão. Nos EUA, os imigrantes alemães eram “Krauts”, os italianos “Dagos”, os japoneses “Japs”, os poloneses “Polacks”. Temporariamente as pechas foram contidas pela etiqueta social através da “ação civilizatória da hipocrisia”. Quando foi aberto o esgoto, jorraram estigmas linguísticos aos que buscavam oportunidades no novo mundo. O muro que o imperialismo queria na fronteira do México, a multipolaridade põe abaixo com o pluralismo e uma agenda contra a fome.

O movimento neofascista, neoliberal e conservador nada tem de marginal ou antissistêmico. Trata-se de uma articulação com ressonância no interior do sistema, anota o juiz Rubens Casara em artigo para O ódio como política, livro organizado por Ester Solano Gallego. Em suma, a crítica traduz os sintomas da “direita jurídica” remanescente da ditadura civil-militar: (a) o convencionalismo pela adesão rígida aos valores da classe média carola; (b) a atitude agressiva que recende a dialética do colonizador e do colonizado, da dominação e da subordinação; (c) o pensamento estereotipado para assingelar as premissas de que parte; (d) a confusão espúria entre o acusador e o juiz. Deu prova a operação Lava Jato para contemplar o projeto lesa-pátria que se especializou na difusão do lawfare. “O poder sou Eu” que ecoa nos tribunais se retroalimenta da excessiva judicialização da política.

De acordo com o economista J. K. Galbraith, o Estado de bem-estar social é o mais significativo acontecimento dos tempos modernos. O extremismo brucutu propugna um retrocesso histórico ao propor o retorno ao “estado de natureza” hobbesiano, em que a acumulação capitalista impõe a guerra de todos contra todos e, o darwinismo socioeconômico, troca ideais de solidariedade pela competição: Eu = Eu – Tu. Na concepção neoliberal, não há um lugar para as políticas igualitaristas e emancipadoras. A solução para iniquidades na sociedade é o mutirão em favelas e o voluntariado em praças, não o engajamento das autoridades e da coletividade. A participação social é um esporte.

Os meios de comunicação, a internet, as redes digitais e as fake news robotizadas são as fontes da manipulação, na ausência de uma legislação local e global sobre o assunto. Atrás da tal liberdade defendida pelo populismo direitista, para ludibriar, encontra-se o inadmissível negacionismo da dignidade humana, junto ao tratamento dos recursos naturais como mercadorias extrativas para potencializar o lucro imediatista. 1% dos habitantes de Gaia se beneficia do modelo predatório, insustentável social e ambientalmente. A associação com a necropolítica é evidente. Compreender, etimologicamente cum / com e prehendere / pegar, não implica fazer do povo objeto para enganar, moldar, manobrar. O outro é sempre uma alteridade necessária à constituição de nossa identidade, construída em um desdobramento: Eu = Tu + Nós, para sair do labirinto da extrema direita. Xô X!

(*) Docente de Ciência Política da UFRGS, ex-Secretário de Estado da Cultura do Rio Grande do Sul

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.

Da Agência Brasil

O Ministério da Saúde ampliou o público-alvo da vacinação contra a dengue para evitar perdas de estoques de vacinas que estão próximas do vencimento. Doses com validade até 30 de abril poderão ser aplicadas, preferencialmente, em crianças e adolescente de 6 a 16 anos.

A critério dos gestores municipais, a imunização poderá ser estendida a pessoas de 4 a 59 anos, que é o limite etário especificado na bula da vacina Qdenga, aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

“Os municípios que tiverem muitas vacinas contra dengue com validade até 30/04, representando um risco de perda física, poderão aplicá-las em faixa etária ampliada, de 6 a 16 anos. Em caso de necessidade, municípios poderão ampliar a estratégia para a faixa etária aprovada pela Anvisa, entre 4 a 59 anos, conforme disponibilidade de doses que vencerão até 30 de abril de 2024”, escreveu a Secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente, Ethel Maciel, em publicação nas redes sociais nesta quinta-feira (18).

Ela destacou que a modificação da estratégia é temporária, em razão da data de vencimento das vacinas. Mas quem se vacinar nesse cenário, terá sua segunda dose garantida.

“Lembrando que cada município está em uma situação em relação ao estoque e busca pelas vacinas, então é importante verificar junto ao município a faixa etária liberada. Neste momento é de extrema importância levar as crianças para a atualização da caderneta vacinal, para protegê-las e reduzir os riscos de dengue”, acrescentou.

A campanha de vacinação contra a dengue teve início em fevereiro, com a distribuição de doses a 521 municípios selecionados pelo Ministério da Saúde. O público-alvo prioritário são crianças e adolescentes com idade entre 10 e 14 anos, conforme estabelecido pelo Ministério da Saúde.

“Embora exista a vacina contra a dengue, o controle do vetor Aedes aegypti é o principal método para a prevenção e controle para a dengue e outras arboviroses urbanas (como chikungunya e zika), seja pelo manejo integrado de vetores ou pela prevenção pessoal dentro dos domicílios”, alerta o Ministério da Saúde.

A Secretaria de Saúde do Distrito Federal já confirmou a ampliação da vacinação nas unidades de saúde. “Essa expansão da faixa etária será válida até o fim do estoque de vacinas contra dengue ainda disponíveis na rede. Ainda há cerca de 2,8 mil disponíveis”, informou.

De acordo com a pasta, já foram aplicadas 54.214 doses, cerca de 92% do total distribuído no DF.

O Sindicato dos Engenheiros no Rio Grande do Sul (SENGE-RS) celebrará, nesta quinta-feira (18), os três anos do Programa SENGE Solidário, em um evento no auditório da entidade (Av. Erico Verissimo, 960, Porto Alegre/RS). Com origem em iniciativas de cunho social protagonizadas de forma isolada pela entidade e por alguns associados, o SENGE Solidário, nos últimos três anos, aglutinou e sistematizou diferentes ações em um projeto único, integrado e de maior alcance. Hoje, ele envolve o quadro social, funcionários, fornecedores e parceiros do Sindicato, o que garante maior capilaridade e alcance ao programa.

Sob liderança do engenheiro civil Vinicius Galeazzi, o programa recebeu 47 demandas somente em 2023. Dessas, 26 já foram atendidas, o que engloba cinco projetos, sete apoios técnicos, quatro hortas comunitárias, dois atendimentos de internet solidária, três laudos, dois orçamentos, além de vistorias múltiplas (1), avaliação predial (1) e acompanhamento judicial (1).

Após as cheias que devastaram o Vale do Taquari, os engenheiros voluntários que integram o programa SENGE Solidário, estiveram na região para realizar vistorias nas casas atingidas. Foram 23 unidades visitadas. Somente em Encantado, foram realizados levantamentos para os laudos de 16 residências contíguas em diferentes estágios de comprometimento, além de outras sete casas totalmente destruídas.