A revisão do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental (PPDUA) de Porto Alegre está atrasada. Na verdade, já estava atrasada na gestão anterior da Prefeitura. A justificativa oficial para o atraso é a pandemia de covid-19. Contudo, alterações já realizadas no regramento urbanístico da cidade nos últimos anos indicam que os planos da Prefeitura, e do setor da construção civil da cidade, não poderiam esperar o “longo e penoso” processo de revisão, que sequer chegou à Câmara de Vereadores no momento da publicação desta série de reportagens.

Entenda como mapeamos os projetos especiais que mudaram Porto Alegre nos últimos 10 anos

O Estatuto da Cidade prevê, em seu artigo 30, que revisões ou alterações de planos diretores municipais devem ocorrer a cada 10 anos. Como a última revisão ocorreu em 2009, uma nova deveria ser realizada em 2019.

A primeira movimentação da Prefeitura, então na gestão de Nelson Marchezan Júnior (PSDB), com relação ao Plano Diretor ocorreu em agosto de 2019, quando foi assinado um memorando de entendimento com a ONU-Habitat para que a entidade prestasse consultoria técnica.

Em dezembro de 2019 foi assinado um acordo de cooperação técnica com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), em que o órgão receberia cerca de R$ 11 milhões para fornecer subsídios para a elaboração do Plano Diretor.

Com a pandemia de covid-19, em 19 de março de 2020, a Prefeitura determinou a suspensão do processo de revisão do Plano Diretor, com exceção de atividades preparatórias e internas.

Ainda assim, em 30 junho daquele ano, assinou um contrato de financiamento do projeto de revisão, no valor de R$ 10,64 milhões, a serem pagos até 2021, com o Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE). O financiamento teve o objetivo de pagar o contrato firmado com o PNUD.

 

Região central da Capital está no centro das discussões sobre planejamento urbano. Foto: Luiza Castro/Sul21

O processo de revisão só foi retomado em agosto de 2022, já na gestão de Sebastião Melo (MDB). O primeiro evento da retomada foi a exposição “Diagnóstico POA 2030”, organizado pela Secretaria do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (SMAMUS), que assumiu a dianteira do processo. Na ocasião, foi apresentado o cronograma de atividades para a revisão, prevista então para ocorrer em 2023.

Após o evento, teve início a etapa de consulta à população em eventos nas regiões de planejamento (RPs) da cidade. Paralelamente, começou uma consulta pública online. Esta etapa, segundo a SMAMUS, tinha o objetivo de promover a “leitura da cidade”.

Em março de 2023, a secretaria realizou a Conferência de Avaliação do atual Plano Diretor de Porto Alegre, com o objetivo de discutir e apresentar moções em sete áreas temáticas a serem posteriormente analisadas pela Prefeitura.

A consultoria Ernst & Young, contratada no âmbito da parceria com o PNUD por R$ 6,5 milhões, apresentou o relatório com diagnóstico da cidade para o Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (CMDUA) em maio. Em julho, o documento foi exibido no seminário que encerrou a etapa de leitura da cidade. O documento, de 682 páginas, tem o objetivo de subsidiar o debate da revisão do Plano Diretor com informações sobre o território da cidade e as deficiências do atual planejamento urbano.

No evento de julho, um representante da consultoria afirmou que a revisão deve resultar em um Plano Diretor “bem diferente do atual” e defendeu a possibilidade de planos regionais — ao modelo do Centro Histórico e do 4º Distrito (como veremos a seguir) — e de pormenores para áreas especiais.

O processo de discussão ainda prevê a realização de uma Conferência de Revisão, que ocorreu nesta semana (entre 7 e 9 de novembro), e de uma audiência pública, prevista para dezembro. Concluído esse processo de discussão, a Prefeitura irá encaminhar o seu projeto de revisão do Plano Diretor para a Câmara de Vereadores.

A expectativa é de que a revisão seja aprovada em 2024. Contudo, na elaboração anterior, a discussão na Câmara se estendeu durante dois anos, entre 2007 e 2009.

Apesar de o projeto ainda não ter chegado para a análise dos vereadores, a Câmara homologou em maio a criação da comissão especial que irá avaliar o Plano Diretor, formada por 14 vereadores titulares e 11 suplentes. Anunciada em fevereiro e homologada em maio deste ano, até a publicação desta reportagem, a comissão especial não deu nenhum andamento concreto ao processo.

O atraso no processo não significa, contudo, que o regramento urbanístico da cidade se manteve inerte nos últimos 14 anos. Pelo contrário, uma série de leis com mudanças no Plano Diretor foram aprovadas ao longo dos últimos anos, um processo que foi acelerado durante o governo Melo com o avanço de projetos específicos para duas regiões da cidade: o 4º Distrito e o Centro Histórico.

Em novembro de 2021, a Câmara aprovou o Programa de Reabilitação do Centro Histórico. Com o objetivo de aumentar a densificação do Centro, com meta de quase dobrar a população, dos atuais 45 mil residentes para cerca 85 mil, o programa permite a flexibilização do regime urbanístico, facilitando o reaproveitamento de imóveis desocupados ou subocupados e a construção de novas edificações, que poderão ter alturas maiores do que as atuais. Em um dos cenários previstos, poderiam ser construídos prédios de até 200 m de altura.

Em 18 de agosto de 2022 foi a vez dos vereadores aprovarem o Programa +4D de Regeneração Urbana do 4º Distrito, região que abrange os bairros Floresta, São Geraldo, Navegantes, Humaitá e Farrapos. O programa estabelece regramentos urbanísticos específicos para a região, além de incentivos urbanísticos e tributários. À semelhança do projeto para o Centro, uma das metas do Programa +4D é ao menos triplicar o número de economias na região.

Em entrevista ao Sul21 em janeiro de 2022, o prefeito Sebastião Melo argumentou que o Centro e o 4º Distrito não poderiam esperar a conclusão do Plano Diretor. Além disso, defendeu uma visão de que a cidade deveria ter muitos “planos diretores” regionais. “Tu não pode tratar o Lami, o Cantagalo, a Boa Vista ou o Bom Fim como o Centro. Tu não pode tratar o 4º Distrito como se fosse o Rubem Berta”, argumentou.

Copresidenta do departamento gaúcho do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-RS), Clarice de Oliveira acredita que os planos do Centro Histórico e do 4º Distrito configuram um “adiantamento” do Plano Diretor, uma vez que tratam de questões que deveriam ser reservadas a ele.

 

Av. Farrapos esquina com a Av. São Pedro, bairro São Geraldo, no 4º Distrito. Foto: Luiza Castro/Sul21

“O Ministério Público encaminhou uma recomendação à Prefeitura de Porto Alegre, na época da chegada do plano do Centro Histórico na Câmara, apontando que era reserva de Plano Diretor e que isso deveria ter sido debatido em processo de revisão do Plano Diretor, e não num plano de bairro”, diz.

Para ela, os planos de bairros podem ser interessantes, uma vez que permitem olhar para realidades locais com uma “escala mais detalhada”. Porém, acredita que os planos do Centro e do 4º Distrito têm o objetivo de buscar um “retorno para os investimentos” feitos na região da orla do Guaíba.

“Sempre que a gente tem um incremento de infraestrutura, seja ela de transporte, abastecimento d’água, iluminação, espaços de lazer, cultura, etc., isso cria uma qualidade da vida urbana e o mercado imobiliário se apropria dessa qualidade de vida para gerar valor. Então, o que a gente percebe é que o programa do Centro Histórico vem na verdade numa viabilização de abrir as possibilidades para o mercado imobiliário aproveitar essa valorização de infraestrutura”, afirma Clarice.

A influência dos empresários nas mudanças do regramento urbanístico de Porto Alegre fica muito clara a partir da participação do secretário Germano Bremm, titular da SMAMUS, em duas lives promovidas pelo Sinduscon em 2020, ainda no governo Marchezan.

Na primeira delas, realizada em abril, chama atenção a cobrança do empresariado para a aceleração dos processos de licenciamento. Na ocasião, a Prefeitura acabara de implementar, por meio do Decreto 20.542/2020, medidas para o autolicenciamento de obras de baixo impacto ambiental. Entre elas, a definição de que a assinatura de um responsável técnico substituiria a vistoria para expedição da Carta de Habitação. O tema do autolicenciamento aparece, nas palavras do presidente do Sinduscon, Aquiles Dal Molin, como um “sonho” do setor.

No entanto é na segunda live, de outubro, que as reivindicações do empresariado e projeções da Prefeitura para o Plano Diretor ficam mais claras, entre elas o maior “adensamento da cidade”, para aproveitar a infraestrutura já instalada e a valorização promovida pelo “embelezamento” da Capital, como no caso da orla do Guaíba.

Consultor do Sinduscon, o arquiteto Antonio Carlos Zago questiona quanto tempo levaria para que o secretário Bremm pudesse atender as “ansiedades” das construtoras, como usar o índice máximo de solo criado. A mensagem é clara: o Plano Diretor é importante, mas o setor demanda mudanças mais urgentes.

 

Conferência de Avaliação do atual Plano Diretor de Porto Alegre. Foto: Alex Rocha/PMPA

Na mesma linha, a então diretora da RottaEly Construtora e Incorporadora — hoje na Melnick –, Lisandra de Lucena Theil, comemora que a Prefeitura vinha publicando uma série de decretos para o setor, mas cobra mais medidas para “limpar” a legislação antes da revisão do Plano Diretor. “Como a gente pode ter mais decretos, mais leis complementares, nos próximos um, dois anos, até a gente ter o Plano Diretor?”, questiona.

Uma reivindicação direta é feita pelo CEO da Melnick, Juliano Melnick, quando ele pede a simplificação dos processos de licenciamento, considerando que é um exagero a necessidade de as construtoras apresentarem um “projeto inteiro” na fase de Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU) e, em casos de modificação no projeto, o processo de licenciamento precisar ser reiniciado. Lisandra Theil sugere que EVUs de projetos especiais poderiam tomar como base projetos já aprovados, inclusive com as exceções já autorizadas sendo incluídas no Plano Diretor.

Ao responder às “ansiedades” do setor, a diretora de Planejamento Urbano da então Smams, Patrícia Tschoepke, explica que a ideia da pasta era buscar uma solução para o planejamento que fosse além do Plano Diretor, com mudanças no sistema como os processos são avaliados. Uma das ideias seria que o processo de licenciamento deixasse de olhar tanto para o lote – isto é, deixasse de ficar restrito a análises caso a caso – e passasse a olhar o território de forma mais estratégica.

Na prática, isso significaria, por exemplo, que um território que já tivesse sido analisado durante o processo de um EVU para um empreendimento não precisaria ser reanalisado em outro empreendimento próximo. Hoje, mesmo que sejam vizinhos, cada caso é analisado individualmente.

“A ideia é que essas avaliações de estudos de viabilidade passem a compor um território em si, e não simplesmente um lote”, diz Patrícia.

Ao longo dos últimos anos, Germano Bremm vem afirmando que está sendo construído um consenso com diversas entidades envolvidas no planejamento urbano e no mercado sobre mudanças que seriam necessárias na revisão do Plano Diretor. Se o consenso existe ou não na cidade, isso poderá ser avaliado quando a proposta da Prefeitura for apresentada e nas subsequentes discussões. No entanto, nas conversas que Melo e Bremm tiveram com o Sul21 nos últimos anos, é possível perceber que as demandas de um setor em especial, os empresários da construção civil, encontraram ressonância na gestão municipal.

A ideia de “reaproveitar” o EVU de um projeto para balizar outros apareceu, por exemplo, na entrevista concedida por Melo ao Sul21 em 2022. “Se a revisão do Plano Diretor vai determinar que não tem mais regra para projetos especiais, é uma decisão que a Câmara de Vereadores vai tomar”, disse. Contudo, acrescentou que a proposta da Prefeitura seria “bastante liberal, do ponto de vista urbanístico, permitindo adensamento”.

A liberação do limite de altura já está prevista para o Centro Histórico, a partir do programa de reabilitação aprovado em 2021. Pelas regras do programa, o limite passa a ser definido em cada quadra, sendo necessária a edição de um decreto para definir o regime máximo do território. A partir deste decreto, o maior prédio da região passa a servir de baliza para os demais.

 

Prefeito defende que novo Plano Diretor seja “bastante liberal”. Foto: Luiza Castro/Sul21

Em conversa com o podcast de De Poa, do Sul21, em maio de 2023, Germano Bremm detalhou a situação da revisão, reafirmando o final do ano como meta para envio à Câmara. Na ocasião, apontou que o desejo da Prefeitura é de que o poder público passe a atuar principalmente no monitoramento do regramento urbanístico, e não no que é permitido ou não em um lote privado.

“Dentro do lote privado, a gente deixa para o mercado, que tem condição, tem capacidade de fazer o melhor projeto da cidade. Nós vamos focar muito mais o nosso esforço para a área pública, atender aquilo que gera qualidade de vida, que melhora a condição das pessoas acessarem o mercado de trabalho, que impeça a invasão de áreas não urbanizadas, que a gente trabalhe na regularização”, disse.

Instado a explicar melhor o papel do ente público, Bremm afirmou que ainda seria necessário realizar a análise detalhada sobre impactos de empreendimentos de grande porte no território urbano, inclusive pela necessidade de adequação às redes de água, esgoto e mobilidade, entre outros. Porém, explicou que a ideia é de que, em uma área de ocupação intensiva, o Plano Diretor calcule qual o potencial construtivo do território, mas sem se aprofundar na forma como ele pode ser empregado pelo construtor. “A partir da mensuração prévia, uma vez estabelecida e aprovada no nosso Plano Diretor, dentro daqueles limites, tu tem uma certa liberdade”, afirmou.

Além da influência direta dos representantes do mercado imobiliário, outro fator de influência na revisão do Plano Diretor ganhou força em 2023, o urbanista francês Alain Bertaud. Autor do livro “Ordem sem Design”, ele entrou no debate ao conceder, em abril, uma entrevista à GZH no âmbito de sua participação no Fórum da Liberdade — evento patrocinado por grandes empresários do Estado com o objetivo de propagação da ideologia liberal.

Ganhou repercussão a defesa que Bertaud fez, na entrevista, da iniciativa privada para solucionar problemas urbanos, como a falta de moradia, e a gentrificação — processo de mudar o caráter de um bairro ou região de um perfil de renda baixa ou média para renda alta — para a preservação do Centro Histórico. “Se você quer manter algum tipo de centro histórico, minha experiência é que apenas a gentrificação pode fazer isso”, disse a GZH.

Bertaud foi convidado a participar, dois dias depois da publicação da entrevista, de uma conversa com o prefeito Melo, com o secretário Bremm e com o quadro técnico da SMAMUS. O caráter oficial da influência do francês na revisão viria no final do mês de outubro, quando ele foi o palestrante oficial do evento “Qual o papel dos Planos Diretores no Planejamento Urbano das Cidades?”, promovido pela secretaria.

Na palestra, Bertaud voltou a defender ideais que encontraram consonância nas falas de Melo e Bremm, como a crítica a planos diretores que sejam excessivamente focados em regras urbanísticas para cada lote, como necessidades de recuos e afastamentos para novas construções, e a defesa de que o planejamento urbano não deveria ficar limitado a planos de longo prazo, mas ser baseado em indicadores que possam ser monitorados “em tempo real”.

Ele defendeu que dados como acessibilidade das moradias, renda das famílias, média de aluguéis, preço da terra, tempo de deslocamento para o trabalho, entre outros, devem ser constantemente avaliados e levados em conta nas decisões urbanísticas tomadas pela cidade.

O foco no monitoramento, como vimos, já era defendido, em abstrato, pelo secretário Bremm, mas, até o momento, não está claro como ele passará a ocorrer em Porto Alegre e contrasta com a realidade de uma Prefeitura que tem grandes dificuldades em fornecer dados que seriam básicos para este trabalho. Após a palestra de Bertaud, ao ser questionado sobre o assunto, o secretário afirmou que um dos objetivos da proposta de Plano Diretor a ser encaminhada pela Prefeitura é fortalecer essa estrutura e reorganizar a SMAMUS para este fim.

 

Urbanista francês Alain Bertaud ministro a palestra “Qual o papel dos Planos Diretores no planejamento urbano das cidades?”. Foto: Alex Rocha/PMPA

O evento também serviu para o secretário apresentar os cinco objetivos gerais da Prefeitura para a revisão do Plano Diretor:

1) Qualificar os espaços públicos e potencializar a utilização do Guaíba;

2) Reduzir o tempo de deslocamento das pessoas nos trajetos diários;

3) Reduzir o custo da moradia e garantir o acesso de todos à cidade;

4) Adaptar os efeitos das mudanças climáticas e zerar as Emissões de Gases de Efeito Estufa;

5) Fortalecer o Planejamento Urbano com base na economia urbana para responder eficientemente às dinâmicas da cidade e potencializar suas formas de financiamento.

Como vimos nas matérias anteriores deste especial, os objetivos 3º e 4º também contrastam com os tipos de empreendimento que Porto Alegre vem autorizando nos últimos anos.

Para Clarice Oliveira, do IAB-RS, o foco no monitoramento não é uma proposta ruim. No entanto, ele passa obrigatoriamente por um processo anterior, que é definir parâmetros e indicadores que vão guiar esse monitoramento.

“Para ter monitoramento, antes precisa ter um planejamento de entender ‘olha, a densidade de um bairro vai atender um número X’. Então, o monitoramento vai entender que cidade vai até aqui, ‘olha, chegou nesse número X, não vai mais poder construir’. Mas, se a gente não tem esse planejamento da cidade como um todo, a gente não sabe o que isso vai atingir”, diz.

Clarice avalia que as propostas defendidas pela Prefeitura vão no caminho de flexibilizar parâmetros e normas urbanísticas. “Quando o prefeito Melo diz que Porto Alegre terá um plano muito liberal, é que talvez a cidade inteira vire um projeto especial, que tudo seja no caso a caso. E, se a gente não tem uma definição de quais são as características de cada região, de cada bairro, é conforme os interesses do mercado. É um monitoramento que vai servir não ao Estado, não à cidade, não à população, mas é um monitoramento que vai servir aos interesses do mercado”, afirma.

Uma partida de banco imobiliário começa sempre com os jogadores disputando o acesso à compra de terrenos. Quando não há mais terrenos a serem comprados, passam a fazer investimentos naqueles que já adquiriram, na expectativa de que eles se tornem mais valorizados e possam gerar renda ou lucros maiores. Ganha quem consegue extrair o maior valor possível desses terrenos.

Entenda como mapeamos os projetos especiais que mudaram Porto Alegre nos últimos 10 anos

No jogo imobiliário da vida real, os grandes jogadores do mercado imobiliário atuam com o mesmo objetivo. A grande diferença, porém, é que uma parte importante dos investimentos que valorizam seus terrenos não é feita por eles, mas pelo poder público. Em Porto Alegre, uma rodada deste jogo está sendo disputada diante dos olhares de todos na região central, com os investimentos públicos nos processos de revitalização da orla do Guaíba, do Centro Histórico e do 4º Distrito.

Mariana de Azevedo Barretto Fix, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (Fauusp), se dedica a estudar o processo de financeirização da terra e do mercado imobiliário.

Um dos principais exemplos utilizados por ela é a construção da ponte estaiada Octávio Frias, em São Paulo. Hoje considerada uma obra icônica da capital paulista, ela foi construída, oficialmente, para interligar a região dos bairros residenciais Morumbi e Cidade Jardim a polos empresariais da cidade e ao aeroporto de Congonhas. Contudo, a professora argumenta que o objetivo da obra foi ser mais um “chamariz” para o mercado imobiliário do que uma solução para problemas de mobilidade.

 

Ponte Estaiada na capital paulistana. Foto: Alesp

Com investimento público final de R$ 233 milhões (em valores da época), a ponte estaiada foi inaugurada em 9 de maio de 2008. Algumas semanas depois, foi inaugurado o shopping que ancorava o empreendimento chamado de Parque Cidade Jardim. Projeto de 72 mil m² orçado em R$ 1,5 bilhão (em valores da época), incluiu também 12 torres, sendo nove residenciais, com apartamentos de até 1.700 m² e vendidos na planta por até R$ 10 milhões.

A existência de um empreendimento desse porte, diz a professora, só foi possível pela realização dos investimentos públicos de infraestrutura que, por um lado, qualificaram a região e, por outro, promoveram a remoção das cerca de 900 famílias que viviam na favela Jardim Edite, localizada na área da ponte. Ambos movimentos promoveram a valorização da área, sendo os ganhos desta valorização capturados pelo investidor privado.

A importância do financiamento público na acumulação de capital é exatamente o que se vê em Porto Alegre. Após as chamadas Obras da Copa do Mundo e a revitalização da orla do Guaíba – paga pela Prefeitura a partir de financiamentos internacionais –, grandes empreendimentos como o Shopping Pontal e o bairro privativo Golden Lake começaram a ser erguidos.

O Golden Lake levou dez anos para ser aprovado, passou por trocas na legislação, protestos e audiências públicas até ser viabilizado. O empreendimento está sendo publicizado como um bairro privado composto por sete condomínios, 18 prédios e aproximadamente 1,2 mil unidades. As torres terão entre 10 e 22 pavimentos, com unidades de 140 m² a 540 m². O primeiro dos sete condomínios já em construção é Lake Vitória, onde um apartamento de quatro quartos está sendo vendido a R$ 5,3 milhões. Unidades podem chegar a R$ 11 milhões e, conforme declarações do empreendedor, o Valor Geral de Vendas dos imóveis pode alcançar R$ 4 bilhões.

A origem do bairro privado é uma negociação iniciada em 2010, quando a ex-governadora Yeda Crusius (PSDB) sancionou Projeto de Lei 13.523 para doação de uma área que pertencia ao Estado ao Jockey Club do Rio Grande do Sul.

 

Golden Lake terá sete condomínios em terreno do antigo Jockey Club. Foto: Luiza Castro/Sul21

Logo em seguida, a área de 17 mil m² foi repassada à iniciativa privada em permuta – troca do terreno por uma torre comercial com 330 unidades –, mas, em 2021, se transformou em acordo financeiro entre o Jockey Club e a incorporadora, com valor não divulgado. A partir de dados disponibilizados em demonstrativos financeiros da Multiplan, o Sul21 apurou que o negócio girou em torno de R$ 150 milhões.

Assim como ocorreu no caso da ponte estaiada, o projeto também tem relação com investimentos públicos e habitação social. Em 2010, a cidade se preparava para receber a Copa do Mundo de 2014 e uma das obras previstas para garantir maior fluidez no trânsito entre a zona sul e o restante da cidade era a duplicação da Avenida Tronco.

Para executar as obras, a Prefeitura deu início à remoção de cerca de 1,5 mil famílias do trajeto pelo qual a avenida passaria. Em 2011, ainda sem um lugar definitivo para morar, a comunidade fez forte apelo aos representantes da Câmara Municipal para que se comprometessem em transformar a área do Jockey Club em Área Especial de Interesse Social (AEIS) e desta forma assentar as famílias que foram removidas de suas casas por conta da duplicação da Tronco. Não foi atendida.

Em meio ao processo de revitalização do Centro Histórico e do 4º Distrito, estão em fase de licenciamento os projetos de duas torres que pretendem estar entre as maiores da cidade. Para a rua Sete de Abril, bairro Floresta, está prevista a construção de uma torre de 117 metros de altura, o que só é possível pela flexibilização dos parâmetros urbanísticos pelo Programa +4D de Regeneração Urbana do 4° Distrito, lançado na gestão do prefeito Sebastião Melo. Já para um terreno entre as duas Duque de Caxias e Fernando Machado, está previsto um complexo residencial e comercial de 41 andares, que pode chegar a até 133,91 m de altura – as informações sobre o projeto, ainda em fase de licenciamento, são imprecisas.

A valorização da região central da cidade pelos investimentos públicos é destacada em fala do presidente do Sinduscon, Aquiles Dal Molin Jr., em live da entidade com a participação do secretário Germano Bremm, realizada em outubro de 2020. Ao advogar por mudanças no regramento urbanístico da cidade, ele pontua que o retorno dos investimentos públicos em infraestrutura, na forma de impostos pagos ao longo do tempo, estaria limitado pelo atual potencial construtivo.

“A cidade de Porto Alegre aproveita pouco esse capital construtivo, comparado a outras capitais. O retorno que Curitiba tem do investimento de infraestrutura é três vezes mais do que Porto Alegre tem com suas construções”, disse.

Contudo, para Mariana Fix, estes processos são marcados pela socialização dos custos de investimentos públicos, como no caso da expulsão dos moradores da favela Jardim Edite, e pela captura da valorização resultante de investimentos por agentes privados. Além disso, ela ressalta que a remoção da favela não resultou na saída das famílias da ilegalidade, o que indica que as ocupações são toleradas, desde que não interfiram na produção do lucro.

Mesmo em períodos de crise econômica, o valor médio de imóveis não apresentou desvalorização no Brasil. Ao contrário, os últimos anos foram de consolidação de grandes grupos imobiliários capazes de centralizar o capital em torno de si mesmos.

O Índice Geral do Mercado Imobiliário Residencial (IGMI-R) de setembro de 2023, calculado pelo Instituto Brasileiro de Economia (IBRE) em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), aponta que os imóveis residenciais valorizaram 10,28% nos últimos 12 meses, superando a inflação no período — calculada em 5,19% pelo IPCA — e as taxas dos principais títulos de renda fixa e dos fundos imobiliários.

Em artigo escrito com a professora Leda Maria Paulani, da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da Universidade de São Paulo, Mariana Fix destaca que a singularidade do mercado imobiliário é reunir em uma única atividade três formas de mais-valia: lucro, juro e renda. De forma resumida, o lucro com a venda dos empreendimentos, os juros sobre as operações financeiras e a renda sobre a propriedade, seja a do aluguel ou de atividades ligadas ao uso dela.

O processo de financeirização é demarcado pelo descolamento do valor de um terreno ou imóvel da atividade produtiva que é realizada nele (indústria, comércio, agricultura, etc.). Em vez disso, o valor passa a ser determinado, tal qual um ativo financeiro, pela renda futura esperada. Na prática, isso significa que o valor do imóvel passa a estar mais atrelado ao potencial de valorização como ativo financeiro do que pelo seu uso.

Uma vez entendida como ativo de capital, a terra então está sujeita ao fenômeno da especulação. O termo especulação financeira, no senso comum, é entendido como uma ação em que o proprietário mantém um terreno ou imóvel desocupado aguardando um momento de valorização que irá aumentar os seus ganhos. Contudo, ao virar ativo financeiro, ela é afetada por outro tipo de especulação.

“Os ganhos realizados nas Bolsas de Valores, quando se compra hoje a preços reduzidos ações que amanhã são vendidas por preços mais elevados, são típicos ganhos especulativos. Eles não estão relacionados, nem direta, nem indiretamente, à geração de valor novo ou valor excedente, mas tão somente às mudanças de mãos de determinados estoques de riqueza, sendo que cada agente visa, com essas operações, valorizar os seus próprios estoques”, escrevem Fix e Paulani.

Este processo é acentuado quando a terra está ligada à abertura de capital das empresas do setor. “Essa alteração tende a colocar sobre as empresas a pressão geral que a concorrência franqueada nas Bolsas entre os capitais de diferentes setores exerce sobre resultados, rendimentos e distribuição de lucros (dividendos), aumentando dessa forma a pressão por ganhos especulativos ainda maiores. Para que as empresas do setor imobiliário sejam bem-vistas nas Bolsas, passa a ser importante, por exemplo, a posse de estoques de terrenos (bancos de terra), o que evidentemente faz crescer a especulação”, afirmam.

Das dez empresas analisadas no especial Donos da Cidade, duas estão entre as construtoras com mais metros quadrados construídos em Porto Alegre. A aquisição de número elevado de terras faz parte do projeto de expansão da gaúcha Melnick Even. Após a abertura de capital na Bolsa de Valores de São Paulo, em 2020, a empresa ampliou os recursos captados através do IPO – Oferta Pública Inicial – que permite que outras pessoas tornem-se sócias da empresa, e tem aplicado os rendimentos, majoritariamente, na compra de terrenos para compor o chamado landbank – “banco de terrenos”.

 

Na esteira da Melnick, Cyrela Goldsztein também mantém o foco nas construções residenciais. Foto: Luiza Castro/Sul21

Na esteira da Melnick, a Cyrela Goldsztein também mantém o foco nas construções residenciais para consumidores de alta renda, em áreas de maior infraestrutura e, por consequência, com os terrenos mais caros da cidade. Em plena pandemia, a incorporadora arrematou R$ 6,7 milhões em um único apartamento em um edifício no bairro Moinhos de Vento. No ano passado, a receita líquida da empresa ultrapassou R$ 1,37 bilhão, superando os R$ 600 milhões de 2020. O crescimento também é parcialmente sustentado por ações na Bolsa de Valores.

A relação entre as mudanças reivindicadas pelas empresas para o Plano Diretor e o mercado financeiro ficou clara em intervenção de Juliano Melnick na já citada live do Sinduscon. Na ocasião, o CEO da Melnick afirma que, durante o processo de abertura de capital, a empresa precisou ajustar o discurso feito a investidores. Em vez de apresentar e defender a capacidade da construtora, ele se via, diz, precisando defender a praça em que atuava. No caso, Porto Alegre.

“As dúvidas, as restrições e, às vezes, até um descrédito que existem em grupos de fora do Estado é tão grande que nós tivemos que fazer uma defesa da nossa praça”, disse.

A percepção de que o mercado imobiliário de Porto Alegre está aquecido nos últimos anos foi constatada no Censo Demográfico de 2022. Em 2010, a cidade tinha 574.831 domicílios particulares permanentes. Já em 2022, esse número saltou para 686.414.

Contudo, este crescimento não pode ser facilmente explicado pela demanda habitacional, uma vez que o mesmo Censo apontou que a população de Porto Alegre caiu 5,4% no mesmo período, indo de 1.409.351 de habitantes, em 2010, para 1.332.570 moradores em agosto de 2022.

Por um lado, como argumenta a Prefeitura de Porto Alegre, há uma mudança na característica do mercado imobiliário, como o aumento de famílias monoparentais e o envelhecimento da população. Isto é, menos pessoas por domicílio. O Censo indica que a cidade tem 2,37 moradores por domicílio, contra uma média de 2,75 em 2010.

Por outro, o número de domicílios vagos mais que dobrou, passando de 48.934, em 2010, para 101.013. Outros 27.250 são de uso ocasional. Isto é, um em cada sete domicílios de Porto Alegre estão vagos.

Para quem, então, está sendo construída a cidade de Porto Alegre? A resposta está no mercado financeiro.

“A produção é desproporcional no seu ritmo e quantidade. Parece ter uma dinâmica de produção de unidades num número maior do que o crescimento da população. Isso por um lado. Por outro lado, alguém pode dizer que tem problema de habitação na cidade. Tem muita gente que mora mal, que mora na periferia distante e etc. E essa produção que a gente enxerga na cidade não é para essa faixa da população. Então, aí nós temos duas questões que nos remetem a pensar o seguinte: para quem é essa produção fundiária e imobiliária? Ela valoriza áreas em termos de valor da terra e produz edifícios para escritórios, para áreas de trabalho ou para unidades domésticas?”, questiona o professor Eber Marzulo, do Programa de Pós Graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Os novos imóveis, portanto, teriam como função principal fazer parte do portfólio de investidores. “Tanto do grande investidor, dos fundos de pensão que entram nas operações financiando a operação, quanto lá na ponta final, dos compradores. Na maior parte das vezes, os compradores finais compram o imóvel como investimento. O sujeito tem um portfólio de investimento e para ele pode ser interessante colocar R$ 2 milhões num loft, por exemplo”, diz Eber.

Fix destaca que, no caso da construção da Torre Norte do chamado World Trade Center, localizada a menos de 1 km da ponte estaiada, o empreendimento foi financiado por recursos do Fundação dos Economiários Federais (Funcef), fundo de previdência complementar dos funcionários da Caixa Econômica Federal. O Funcef, à época, possuía uma carteira de imóveis com 13 shoppings centers, 4 hotéis, 3 outros fundos de investimentos imobiliários e 130 imóveis para renda, um patrimônio de R$ 1,96 bilhão.

Em Porto Alegre, a participação de um fundo de pensão em um grande empreendimento imobiliário foi notória no Consórcio Cais Mauá do Brasil, que, em 2010, venceu a licitação para a revitalização do Cais Mauá.

O Fundo de Investimento em Participações Cais Mauá do Brasil, responsável por 90% dos recursos captados para o investimento nas obras, era formado quase integralmente por institutos de previdência de servidores públicos, a maioria de prefeituras, chamados de Regime Próprio de Previdência Social (RPPS). Em abril de 2019, o fundo foi alvo de uma operação da Polícia Federal que apurava desvios em fundos de investimentos com aplicações em projetos de construção civil. O contrato foi posteriormente rompido, com um novo processo de licitação em andamento.

Mariana Fix destaca que, apesar de financiarem este tipo de investimento, os servidores públicos não têm controle sobre onde seus recursos são aplicados. “As escolhas e as justificativas oferecidas pelos gestores indicam que a finalidade ética, social ou política de um investimento não pode estar no horizonte de decisões dos fundos ou, ao menos, acima do compromisso com a concessão de benefícios de aposentadoria e pensão de seus participantes. É o que explica o fato de os fundos fazerem frequentemente aplicações contrárias aos interesses dos trabalhadores, de modo análogo do que ocorre no mercado de ações, no qual se veem obrigados a busca papéis com maior capacidade de valorização, muitas vezes, hoje, aqueles pertencentes às empresas que melhor executam programas de redução do número de trabalhadores, terceirização e flexibilização de mão-de-obra”, escreve a professora.

O economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Fabian Scholze Domingues acrescenta ainda que o boom da construção civil em um contexto de perda de renda dos consumidores pode ser explicado a partir de alguns fatores: o preço do metro quadrado construído, que é muito barato em relação ao custo do terreno, e o fato de o empreendimento ser vendido pelo valor do endereço, ou seja, a localização de um imóvel influencia diretamente no custo final de comercialização. Daí a preferência das construtoras por determinado bairro em detrimento de outros.

A fórmula baixo-custo-de-construção/alta-lucratividade também explica a lógica que está por trás do intenso processo de verticalização das cidades brasileiras hoje, diz Domingues: “Um andar a mais em um terreno valorizado rende um lucro extraordinário”.

O economista alerta ainda para o alto estoque de terras acumulado pelas incorporadoras, que, consequentemente, impacta no preço de mercado. Em seu entendimento, o resultado dessa equação, em um primeiro momento, são bairros cada vez mais caros e, no longo prazo, a desindustrialização da cidade.

A literatura do Urbanismo aponta para a existência de três tipos de agentes econômicos que atuam no mercado de terras em cidades. O acidental, que busca extrair renda de um negócio imobiliário. O ativo, que antecipa mudanças de regramentos urbanísticos em alguma área e busca extrair lucro da diferença de valor atual e futuro. E o estrutural, que não apenas antecipa mudanças, como atua ativamente para promover essas mudanças na legislação por meio de influência política.

Qualquer semelhança com o que acontece em Porto Alegre não é mera coincidência.

Entre os bairros de maior interesse das construtoras está, por exemplo, o Petrópolis, que na última década recebeu, praticamente, um novo empreendimento por ano. Um deles, com potencial de modificar significativamente a região, é o Complexo Belvedere que está em fase de construção. Há quatro anos, o investimento era estimado em R$ 850 milhões.

 

Complexo Belvedere avança no Petrópolis. Foto: Luiza Castro/Sul21

O projeto é do grupo Máquinas Condor – que no final dos anos 1980 figurava como um dos maiores proprietários de terras de Porto Alegre. Durante quase três décadas, o empreendedor pleiteou a liberação para construir um grande empreendimento no terreno que inclui uma fonte de água mineral e, portanto, é uma área delimitada para preservação natural.

Pela legislação, a propriedade de minérios, incluindo a pesquisa e a exploração, cabe à União. Por isso, é de responsabilidade federal a concessão ou autorização da prática da exploração da fonte, mesmo que em propriedade privada.

Protocolado em 1995 apenas como um shopping center, o projeto foi originalmente aprovado em 2004, mas suspenso em razão de uma ação do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS), que questionou o impacto do projeto nas reservas subterrâneas de água no terreno.

Um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) foi firmado em 2006, mas o projeto ficou guardado por uma década, até 2016, quando foi firmado o termo de compromisso entre Prefeitura e Belvedere Participações LTDA. Naquele momento, contudo, o empreendimento contemplava um shopping com 146,5 mil m², um hipermercado Zaffari com 33,4 mil m² e duas torres comerciais com 32 mil m².

Em agosto de 2018, a então Secretaria Municipal do Meio Ambiente e da Sustentabilidade (Smams) emitiu a Licença Prévia do empreendimento e, dois anos depois, em julho 2020, a Licença de Instalação (LI), que permitiu o início das obras.

A “demora” para a liberação da obra permitiu ao empreendedor esperar para que o poder público municipal providenciasse infraestrutura e serviços urbanos na região, como a construção da Terceira Perimetral, que viria a valorizar o empreendimento. No momento, a construção do hipermercado do complexo Belvedere já está em andamento. As obras do shopping e das torres ainda não começaram.

O professor Fabian Domingues avalia que a Prefeitura falha ao não frear a especulação imobiliária e que o resultado está sendo sentido pela população. “Temos visto uma fuga de estudantes e empreendedores que não conseguem pagar os altos custos da cidade e vão embora para outros lugares. A sociedade perde em nome de uma valorização imobiliária que atende os interesses de um único grupo. Do ponto de vista público, o que a Prefeitura deveria fazer é colocar na balança essas questões”, lamenta.

Uma das principais reivindicações das construtoras, a densificação de alguns bairros, está na pauta das discussões de revisão do Plano Diretor da cidade. Durante a Conferência de Avaliação do atual Plano Diretor de Porto Alegre, realizada março deste ano, o prefeito Sebastião Melo indicou que, se dependesse só dele, a cidade não teria um limite de altura para construções. Na ocasião, ele chegou, inclusive, a citar o futuro prédio mais alto da Capital, que será construído no 4º Distrito. “Não é ainda o ideal, 127 metros ainda tá baixo”.

 

Prédio projetado para a rua Sete de Abril é um dos espigões com mais de 100 m de altura autorizados pela Prefeitura. Foto: Divulgação/SMAMUS/PMPA.

No mesmo evento, representantes de setores ligados à construção civil pediram liberação de índices de altura das edificações e mais liberdade para os projetos imobiliários. Por outro lado, entidades representativas da sociedade civil criticaram a falta de participação ampla da população nas discussões do Plano Diretor.

A professora da USP e urbanista, Raquel Rolnik, referência nacional nas discussões de planejamento urbano, ressalta que o setor imobiliário sempre participou e tem toda a legitimidade para participar desses processos colocando em debate os valores que têm a ver com o seu negócio.

No entanto, avalia que o destino de uma cidade não pode ser pautado apenas por esses interesses. “Valores como ambiência urbana, história, memória, racialidade e questões ambientais não podem ser ignorados”, diz.

Para a urbanista, a ideia de cidade em que o único valor relevante é a rentabilidade do solo acaba impondo aluguéis impagáveis, despejos e endividamento.

Quando uma região da cidade é cuidada e recebe investimentos, tudo que existe nela passa a valer mais. Quem não pode pagar esse novo preço precisa ir embora. O processo de gentrificação de uma cidade não é novo. O Sul21 já contou como ele se deu, historicamente, em Porto Alegre. A questão é que ele segue ocorrendo. O processo de expulsão da população de menor renda se dá em diferentes frentes: dos bairros mais centrais, onde se planeja adensar e atrair novos negócios, mas também das periferias pontualmente escolhidas para grandes condomínios e residenciais, que modificam tudo ao seu redor. A cidade feita para quem pode pagar se espalha em metros quadrados que valem milhares de reais e, não raro, permanecem inabitados, enquanto a cidade da população de baixa renda se encolhe em vielas e áreas de risco.

Entenda como mapeamos os projetos especiais que mudaram Porto Alegre nos últimos 10 anos

No início de março de 2004, um incêndio de grandes proporções atingiu o loteamento Santa Terezinha. Por volta das 2h da madrugada do dia 19, o fogo começou a consumir a Vila dos Papeleiros, na rua Voluntários da Pátria, na zona norte da Capital, e só foi contido após destruir 200 casas. 600 pessoas ficaram desabrigadas. Duas sofreram queimaduras leves. Ninguém morreu. As famílias foram transferidas provisoriamente para a Casa de Passagem – assentamento que pertence ao Departamento Municipal de Habitação –, até que a Prefeitura reconstruísse as casas, o que ocorreu em 2006.

Na época, o então vereador Sebastião Melo (PMDB) falou sobre o ocorrido e lamentou que Porto Alegre tenha várias zonas de risco com características similares à área atingida. Afirmou ainda, em sessão plenária na Câmara de Vereadores, que o quadro era resultado da falta de priorização da política habitacional pelo Poder Executivo e que era preciso repensar a forma como a administração pública vinha tratando a questão. Em 2005, uma nova tragédia queimou mais 40 moradias, o que se repetiu em 2015 e 2019, devido às precárias condições de infraestrutura das casas aglomeradas e das instalações elétricas irregulares. Quase 20 anos depois e com o então vereador no comando da cidade, como está o planejamento urbano de Porto Alegre?

Ao tentar dimensionar o problema da habitação, a Ernst & Young, consultoria contratada pela Prefeitura em setembro de 2022 para subsidiar a revisão do Plano Diretor de Porto Alegre, precisou resgatar dados do IBGE de 2010 e baseou sua análise nos indicadores do censo organizados pelo ObservaPOA. O diagnóstico inicial apontou para um baixo investimento do Município em empreendimentos habitacionais para população de baixa renda, assentamentos precários, irregulares, sem infraestrutura básica e população vivendo em áreas de risco.

Há 13 anos, os indicadores já mostravam aumento de moradias precárias no município, com 13,68% da população (cerca de 55 mil pessoas) vivendo nessas condições. Entre os bairros com maior número de domicílios precários estavam o Santa Tereza, na zona sul, onde 7.813 habitações sofriam com inadequação de um ou mais serviços; como esgoto a céu aberto, compartilhamento do medidor de energia elétrica ou falta de abastecimento público de água potável. Em segundo lugar estava o bairro Mário Quintana, região nordeste, com 4.795 residências na mesma situação, seguido de São José (4.408) e Bom Jesus, na zona leste (4.237) e Farrapos, na zona norte (2.344).

 

Na Vila Areia, comunidade reclama de falta de estrutura de saneamento, coleta de lixo e mobilidade. Foto: Luiza Castro/Sul21

A redução desse índice só é possível com aumento da oferta de habitações de interesse social que atenda a população de baixa renda, concluiu a consultoria. Devido à relevância desses indicadores, o relatório enfatizou que o uso de dados defasados em uma revisão de Plano Diretor poderia acarretar distorções de interpretação e não corroborar com a solução de problemáticas atuais.

A Ernst & Young não conseguiu caracterizar a demanda habitacional como pretendia. Para isso, era necessário identificar assentamentos precários considerando as características dos imóveis, urbanos e edificados, conhecer o uso regulamentar do solo (de acordo com o zoneamento) e o uso real da terra. Com essas informações seria possível apontar áreas em que a atividade atual não está de acordo com a regulamentação estabelecida e avaliar os impactos de projetos futuros para melhorar a qualidade de vida nessas áreas. Os mapas de zoneamento foram solicitados às secretarias responsáveis, mas não foram recebidos, disse a empresa.

A partir do levantamento dos empreendimentos construídos, em andamento e projetados nos últimos dez anos, o Sul21 produziu uma cartografia que identifica onde estão localizadas as construções e a quem se destinam, considerando o tipo de domicílio e público-alvo das construtoras pesquisadas para o Especial Donos da Cidade. O mapa mostra que as áreas historicamente com melhor infraestrutura continuam destinadas às pessoas de média e alta renda e recebendo os melhores investimentos.

Dos 90 empreendimentos residenciais projetados no período, 30 foram para habitação de interesse social propostos por quatro construtoras especializadas no programa Minha Casa, Minha Vida. Destes, sete estão concluídos, a maioria entre as macrozonas 3 e 5. Nessas regiões estão alguns dos bairros de menor renda média da Capital e que pouco interesse despertam no mercado imobiliário, como é o caso de Bom Jesus e Mário Quintana que, juntos, tinham mais de 9 mil moradias precárias em 2010. De acordo com as informações fornecidas pela Prefeitura, nenhum deles recebeu projetos de habitação nos últimos dez anos.

 

Unidades habitacionais entregues em 2019 no bairro Chapéu do Sol são do programa Minha Casa, Minha Vida. Foto: Cesar Lopes/PMPA

O Rubem Berta, zona norte da Capital, recebeu 720 imóveis até 2020, projetados pela MRV e Tenda, menos da metade necessária para suprir as mais de 1.500 moradias precárias do bairro. Na zona sul, o bairro Vila Nova foi o único a receber habitação de interesse social, ainda em 2013. Outros cinco empreendimentos foram projetados em 2020 e estão em andamento.

Desde outubro de 2017, quando foi entregue o empreendimento Maria da Conceição, no bairro Partenon, nenhuma habitação de interesse social é construída em terrenos de propriedade do Departamento Municipal de Habitação (Demhab) ou da Prefeitura de Porto Alegre.

Junto com a revisão do Plano Diretor, o poder público vem conduzindo as discussões propondo um novo modelo de planejamento urbano chamado de “Planos Regionais”. Os primeiros bairros eleitos pelo atual governo são o Centro e o 4º Distrito, contemplados nos programas Reabilitação do Centro Histórico e +4D de Regeneração Urbana do 4º Distrito. Para incentivar o setor da construção civil nessas localidades, o Executivo municipal decidiu conceder incentivos fiscais e urbanísticos aos empreendedores que forem construir novos prédios ou investir no chamado retrofit – quando se moderniza um imóvel já existente.

A arquiteta e urbanista Clarice de Oliveira acompanhou a elaboração dos projetos para o Centro Histórico e 4º Distrito. Mesmo fatiando o Plano Diretor, ela acredita que os planos de bairros são uma ferramenta de planejamento urbano muito potente, inclusive para olhar de maneira mais detalhada e entender o que cada localidade precisa. No entanto, critica que a Prefeitura tenha feito o oposto ao não priorizar nesses programas moradias para a população de baixa renda que vive na região.

 

Centro Histórico foi contemplado em projeto especial do Município. Foto: Luiza Castro/Sul21

A copresidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil no Rio Grande do Sul esteve em todas as etapas que envolveram a participação da sociedade nos projetos e diz que o tema foi deixado de lado. Uma das falhas dos programas, segundo Clarice, é justamente o fato do empreendedor poder escolher quais ações vai realizar ao aderir ao regime especial que irá conceder a ele determinados benefícios, como isenções fiscais e outras flexibilizações para construir.

A vinculação da isenção fiscal à produção de habitação de interesse social chegou a ser discutida durante as oficinas de debate, mas o Executivo não enviou o texto para ser votado na Câmara de Vereadores. A redação final deixou como opção ao empresário algumas ações como melhoria das calçadas, qualificação do passeio na frente do imóvel, tratamento de fachadas e atendimento de habitação prioritária. A urbanista diz que, da maneira como foi colocada, a isenção de tributos é insuficiente para que se promova esse incentivo. “Se ele pode escolher os requisitos que favorecem e valorizam o próprio empreendimento, por que ele vai construir um prédio para uma parcela da população que não tem um bom poder aquisitivo?”, questiona Clarice.

O secretário municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade, Germano Bremm, admite que a região é um território fértil para produzir esse tipo de habitação, mas diz que a Prefeitura não tem a solução hoje. “Tem inúmeras oportunidades ali e a gente tem que achar ferramentas, formas de trabalhar cada vez mais isso. É um desafio, não sabemos se é esse caminho ou outro, mas a gente tem um time bem qualificado trabalhando para discutir esse tema”.

Para Clarice, as ações da Prefeitura vão na contramão do que é dito publicamente. Para ela, o resultado do documento aprovado na Câmara de Vereadores prova que o poder público não tem a intenção de priorizar moradias e, sim, empreendimentos.

Construída em 2004, a Casa de Passagem, que abrigou inicialmente os desalojados da Vila dos Papeleiros, passou a receber, a partir de 2007, os moradores das Vilas Tio Zeca e Areia que foram removidos de suas casas pelo Demhab por conta da construção da nova Ponte do Guaíba. A proposta do poder público era abrigar as famílias por um ano e meio enquanto novas moradias seriam feitas pela Prefeitura. A promessa não foi cumprida e o que era provisório tornou-se definitivo.

O assentamento fica entre as ruas Voluntários da Pátria e Frederico Mentz, no bairro Navegantes. As casas minúsculas instaladas em um amplo corredor de passagem lembram celas de penitenciárias. Ligações elétricas irregulares, esgoto a céu aberto, lixo, infestação de ratos, problemas de abastecimento de água e incêndios constantes compõem a realidade de 80 famílias que esperam há mais de 15 anos para que as suas moradias sejam construídas.

Antes do início da obra, 600 famílias estavam cadastradas para serem reassentadas pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, que havia prometido novas moradias antes da conclusão da ponte, o que está longe de acontecer. Inaugurada em 2020, a obra está inacabada e sem previsão de avanço. O contrato com a construtora Queiroz Galvão encerrou em 2021 e, para que a construção possa ser retomada, o DNIT precisa fazer nova licitação. Consultado sobre o andamento do Programa de Reassentamento, o órgão limitou-se a dizer que “a conclusão das obras, bem como o reassentamento das famílias, integram objeto de estudo da ANTT para concessão”. Ao ser procurada, a Agência Nacional de Transportes Terrestres não respondeu à reportagem.

Há dez anos, uma ação civil pública movida pelo Ministério Público condenou o Município de Porto Alegre a regularizar a área da Vila Santo André, localizada nas proximidades da avenida Castelo Branco, no bairro Humaitá. Cerca de mil pessoas viviam em situação precária. Em agosto de 2013, os moradores foram convocados para a audiência que determinou que a CEEE e o DMAE instalassem de forma provisória os serviços de luz e água até que o governo do Estado apresentasse um cronograma de regularização da área, o que não aconteceu até agora.

 

Vila Areia. Foto: Luiza Castro/Sul21

Além da Casa de Passagem, Vilas Tio Zeca, Areia e Santo André, há ainda outros assentamentos que há décadas atendem, mesmo que precariamente, à necessidade de moradia de milhares de famílias. Só no 4º Distrito – região que compreende parte dos bairros Floresta, São Geraldo, Navegantes e Humaitá – existem 19 comunidades vivendo em ocupações irregulares. Ceniriani Vargas da Silva, dirigente no Movimento Nacional de Luta pela Moradia, diz que as ocupações aumentaram e novas foram surgindo à medida que as pessoas deixaram de ter condições de pagar tão caro pela moradia e lamenta que o respaldo do poder público só encontre os empreendedores e investidores imobiliários. “Quem realmente precisa não é contemplado com políticas públicas, sejam de moradia, sejam sociais”, afirma.

Ao mesmo tempo em que os incentivos fiscais e urbanísticos avançam, aumenta a pressão para que seja feita a troca da população residente nessas regiões. De acordo com o Mapeamento Nacional de Conflitos pela Terra e Moradia, existem hoje em Porto Alegre 3.119 famílias ameaçadas de despejo, seja por pedidos de reintegração de posse ou áreas afetadas por obras públicas que precisam ser esvaziadas, e ao menos um terço delas estão no Centro e 4º Distrito. Para Ceniriani, a remoção da população de baixa renda se intensificou no momento em que a região virou foco da Prefeitura para implantação dos projetos de revitalização.

Segundo a dirigente, existe um número significativo de áreas públicas, imóveis vagos e subutilizados no Centro onde poderiam ser desenvolvidos projetos habitacionais de moradia popular. “A política habitacional vai além de construir. Hoje, a única opção que a Prefeitura dá é o bônus moradia. Antes da Copa do Mundo (2014) se entregava as casas, agora se oferece R$ 128 mil. Para as famílias que vivem da reciclagem, esse valor não é suficiente para comprar um imóvel no mesmo território de origem. Elas não querem ir para a periferia onde não vão ter emprego”, diz.

 

Em junho de 2017, a polícia montou uma operação de guerra para cumprir ordem judicial e despejar famílias da Ocupação Lanceiros Negros. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Um edifício desocupado há mais de uma década pelo Estado no Centro de Porto Alegre tinha sido a alternativa encontrada por cerca de 70 famílias que buscavam por moradia longe das áreas de risco e da violência do tráfico ou para fugir dos altos preços de aluguel praticados na cidade. A Ocupação Lanceiros Negros viveu por quase dois anos na esquina das ruas Andrade Neves e General Câmara, até o dia 14 de junho de 2017. Durante na noite daquela quarta-feira gelada, véspera do feriado de Corpus Christi, balas de borracha, bombas de gás lacrimogêneo, spray de pimenta e cassetetes colocaram crianças, mulheres e homens na rua.

A desocupação do prédio público era um pedido do ex-governador José Ivo Sartori (PMDB). Logo a Procuradoria-Geral do Estado alegou “esgotamento das tentativas de conciliação”, a juíza Aline Santos Guaranha expediu o mandado de reintegração de posse e o Batalhão de Operações Especiais da Brigada Militar fez cumprir o que recomendava a 7ª Vara da Fazenda Pública. O despacho orientava que o despejo poderia ser feito aos feriados, finais de semana e fora do expediente, se necessário, evitando o máximo possível o transtorno ao trânsito de veículos e funcionamento habitual da cidade.

Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa à época, Jeferson Fernandes tentou argumentar com os oficiais de justiça para que a ação não fosse realizada à noite, sem que as famílias tivessem um local para ir. Acabou detido. Seis anos depois, o imóvel permanece vazio. Segundo a Secretaria Estadual da Cultura, há um projeto em fase preliminar para anexá-lo ao prédio da Biblioteca Pública do Estado, mas as obras não devem começar antes de 2025.

O número 11 da rua Caldas Júnior, esquina com a avenida Mauá, também se fez espaço de vida provisório por quatro vezes – 2005, 2006, 2011 e 2013 – esta última deu origem à Ocupação Saraí, com cerca de 40 famílias habitando o prédio de sete andares. Em 2014, um decreto do então governador Tarso Genro (PT) declarou o imóvel como bem de interesse social, possibilitando a construção de habitações populares, mas, na troca de governo, José Ivo Sartori (PMDB) não levou o projeto adiante, o proprietário pediu reintegração de posse e as famílias foram despejadas. Em janeiro do ano passado, o prefeito Sebastião Melo anunciou a revitalização do antigo edifício sob as novas regras do Centro Histórico. Ironicamente, o imóvel, construído com verba pública nos anos 1940, através do extinto Banco Nacional de Habitação (BNH) para servir de moradia popular, agora será transformado no projeto Cais Rooftop com apartamentos de alto padrão – 40 dos 48 apartamentos foram vendidos a investidores de São Paulo e serão ofertados para aluguel por temporada.

 

Ocupação Saraí foi um símbolo da luta pela moradia em Porto Alegre. Foto: Guilherme Santos/Sul21

O direito à moradia é garantido pela Constituição, assim como a perda de imóvel pelo abandono é prevista no Código Civil e regulamentada pela lei 13.465 de 2017. Em Porto Alegre, a arrecadação de bens abandonados encontra respaldo no Decreto 19.622 de 2016, que estabelece quais medidas devem ser adotadas para que o imóvel seja declarado como bem vago e receba novo uso para atender à finalidade pública, como instalação de equipamento comunitário ou destinado para habitação social, por exemplo.

Dos 686.414 domicílios particulares identificados pelo IBGE em 2022 na Capital, mais de 100 mil estão vagos, outros 27.250 são de uso ocasional. Porto Alegre não conhece seu déficit habitacional, mas, no último levantamento feito pelo Demhab, há exatos 14 anos, 64 mil pessoas aguardavam por moradia na planilha da Prefeitura.

Em 2010, o Censo já indicava 40 mil imóveis potencialmente abandonados, mas o município também não tem um levantamento oficial desses dados. Há seis anos, uma Comissão Especial foi criada dentro da Procuradoria-Geral do Município para identificar esses bens, mas, até agora, o trabalho da equipe avançou pouco. Desde que foi instaurada, em 2017, a Comissão de Análise e Gerenciamento de Imóveis Abandonados emitiu apenas uma Declaração Municipal de Vacância de Bem Imóvel Abandonado – que permite ao Município torná-lo público após três anos da notificação, não sendo necessário passar pelo Judiciário.

A grande dificuldade da Comissão, segundo a procuradora Cristiane Catarina de Oliveira, que estudou o instrumento da arrecadação, é caracterizar o imóvel como de fato abandonado. “Não basta estar visualmente abandonado, é preciso atender alguns critérios jurídicos e atestar que o proprietário tem essa intenção”, diz.
Embora acredite que não existam efetivamente muitas propriedades que se enquadrem nessa situação, Cristiane enfatiza que o Município tem outros instrumentos que permitem dar novo destino a imóveis que não estejam em uso, garantindo assim a sua função social definida no Estatuto da Cidade e no Plano Diretor do Município. “É preciso chamar a atenção para essa discussão, pois qualquer pessoa pode pedir uma investigação à Prefeitura para saber se determinado imóvel está abandonado e fazer valer a lei”.

Há 23 anos morando na Bom Jesus, em Porto Alegre, Cenira Vargas é uma das lideranças da comunidade. Promotora Legal Popular e integrante do Movimento Nacional de Luta pela Moradia, ela diz que vive “brigando” para conseguir habitação digna para a região onde vive. Na pandemia, apoiou famílias que estavam sendo despejadas da comunidade Mato Sampaio por conta de uma reintegração de posse da área que pertencia ao Município. O processo começou em 2019, quando a Prefeitura pretendia remover 56 famílias para permitir a construção de uma praça, uma rua e um reservatório de detenção de água – para evitar alagamentos.

Depois de muito protesto dos moradores, a Justiça suspendeu os despejos ao verificar que a administração municipal não havia garantido a segurança das pessoas que seriam retiradas de suas casas. O Ministério Público se manifestou, à época, dizendo que era possível construir a praça e as ruas sem mexer com as moradias e que, em último caso, as famílias poderiam ser reassentadas na mesma região. Em apoio à comunidade, a Câmara de Vereadores encaminhou um projeto de lei para transformar a Mato Sampaio em área especial de interesse social (AEIS I) voltada à moradia. O ex-prefeito Marchezan (PSDB) vetou o PL, mas, no final de 2020, os vereadores aprovaram a transformação do espaço para destiná-lo a assentamentos autoproduzidos por população de baixa renda.

Recentemente, Cenira conta que passou na região e identificou uma cerca colocada entre uma rua que está sendo aberta e o “condomínio dos ricos”, formando uma nova divisão no bairro: “Do lado de lá, os condomínios de ricos e, do lado de cá, o pessoal da pobreza. A favela da Bom Jesus, como eles chamam, mas eu fiquei feliz de ver que eles tinham cercado, isso quer dizer que as famílias, que nós lutamos para que ficassem nas suas casas, não vão ser retiradas”, comemora. “Eles têm dinheiro, onde tiver um espaço, eles vão comprando, retiram as famílias e constroem”, diz.

 

Central Park: Foto: Luiza Castro/Sul21

Cenira refere-se ao Central Parque – bairro planejado com diversos condomínios que começou a ser erguido em 2012 pela construtora Rossi. Ao longo dos últimos dez anos, parte dos loteamentos foram sendo vendidos a outras empresas e parte ficou a cargo de construtoras como a Orquídea Incorporadora e Alcea Empreendimentos – controladas pela Rossi. Essas empresas assinaram um termo de compromisso com o Município para a construção de torres residenciais no condomínio.

As obras, que exigiam a remoção de dezenas de famílias, eram decorrentes do processo de parcelamento do solo e deveriam resultar em contrapartidas entregues à comunidade da Bom Jesus. No entanto, em 2022 a Rossi pediu falência, deixando para trás uma série de obrigações previstas no contrato assinado com a Prefeitura, como a reconstrução da Escola Estadual de Ensino Fundamental Professora Lea Rosa Cecchini, que nunca foi feita.

Segundo a procuradora Anelise Andrade, que atua na ação judicial, a entrega da praça está sendo cobrada judicialmente pelo Ministério Público. Como não havia conseguido conciliação com os empreendedores, o órgão hipotecou o único imóvel que a Rossi tinha em seu nome no Rio Grande do Sul, encontrado na cidade de Pelotas, zona sul do Estado, até que a empresa pague o que deve ao Município. A única obrigação cumprida pela construtora foi o Centro Cultural e Esportivo Bom Jesus, aberto à comunidade no final de 2012.

Além de pouco investimento público no setor imobiliário para habitações populares, também são poucas as construtoras que se interessam por essa demanda. Entre as mais atuantes na Capital está a MRV, que em nove anos foi responsável por seis projetos: quatro foram concluídos, um está em andamento no bairro Humaitá e um terceiro, previsto para o bairro Nonoai, está parado com pedido de desistência por parte da empresa no sistema de informações da Prefeitura. A Tenda Negócios Imobiliários teve o primeiro empreendimento construído em 2014, o Vida Alegre Sarandi, comercializado via Minha Casa, Minha Vida, e só voltou a prever novos projetos em 2020, pelo menos seis deles estão em obras – principalmente nos bairros Rubem Berta e Vila Nova –, conforme site da transparência do Município.

Em entrevista ao Sul21 em janeiro de 2022, o prefeito Sebastião Melo disse que o Plano Diretor não proíbe que habitações de baixa renda sejam construídas no centro de Porto Alegre, mas o “atrativo do mercado é que vai resolver”. Enquanto isso, as construtoras que se interessam por esses projetos, mesmo com benefícios, priorizam terrenos baratos, disponíveis apenas nas periferias e, consequentemente, as populações de baixa renda continuam sendo enviadas a regiões com menor infraestrutura.

Uma terceira construtora especializada em imóveis voltados ao programa Minha Casa, Minha Vida chegou ao Estado em 2018, mas não concluiu nenhuma obra até o momento. Dos nove pedidos de aprovação de projeto feitos pela paranaense Lyx Participações e Empreendimentos, cinco estão em andamento, de acordo com o sistema eletrônico de informações da Prefeitura. A empresa foi beneficiada em 2020 pelo Decreto 20.655, implementado pelo ex-prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB).

A iniciativa do Executivo municipal dava prioridade aos empreendedores que se comprometessem a iniciar a obra ou concluir as fundações até um ano depois da aprovação do projeto. O sócio-fundador da construtora de Curitiba, Jaderson de Lima, aparece na lista de projetos prioritários do Município, no entanto o empresário está impedido de atuar no Paraná. Em 2019, o Ministério Público daquele Estado denunciou nove pessoas por crimes de organização criminosa, corrupção ativa e passiva, falsidade ideológica e uso de documento falso. Entre elas estavam os sócios da Lyx.

 

Foto: Luiza Castro/Sul21

A ação penal cita “esquema para concessão de alvarás de construção e licenças ambientais para empreendimentos imobiliários, os quais, em tese, foram expedidos em desconformidade com a legislação ambiental e, possivelmente, com pagamento de propina a agentes públicos”.

Lima foi afastado das atividades da empresa e teve o passaporte retido. O empresário entrou duas vezes com pedido de revogação da medida de proibição de sair do país, mas o recurso foi negado pelo Superior Tribunal de Justiça.

Na decisão, o ministro Joel Ilan Paciornik justifica apontando que “os indícios de autoria e a prova da materialidade estão presentes, tendo em conta as investigações já realizadas pelo Ministério Público”. O magistrado referia-se também ao fato do investigado “remeter milionárias quantias sem lastro à empresa Goldenx LTD, constituída em paraíso fiscal” e reiterou que o “paciente só não teve a prisão preventiva decretada, justamente, porque há a possibilidade de se fazer a retenção do seu passaporte”.

A construtora também foi multada em R$ 2 milhões por fraude trabalhista e sistema semelhante a “pirâmide” em outra ação. Segundo o Ministério Público do Trabalho do Paraná, desde 2014 a companhia conseguia recursos com a Caixa Econômica Federal para construir conjuntos habitacionais. Depois, subcontratava empreiteiras que por sua vez também contratam os serviços de outros pequenos empreiteiros. Por qualquer desacerto em relação à obra, a Lyx suspendia os repasses financeiros. Sem o pagamento, a empresa abaixo da Lyx não conseguia pagar quem ela contratava que, por sua vez, não pagava os funcionários, o que gerava um “calote generalizado sobre os salários devidos aos trabalhadores”.

Se alguém disser que irá transportar um prédio demolido para reformá-lo em outro ponto do mesmo terreno, é provável que você diga ser impossível. Não em Porto Alegre. “Inconformado” com o fato de a Lei 462/2001, atualizada em 2010, impedir a construção de novos supermercados com mais de 2,5 mil m² — curiosamente, a legislação de 2001 ficou conhecida como “Lei Zaffari”, pois limitaria a concorrência à rede de supermercados –, em 2020 o Grupo Zaffari pediu à Prefeitura a “transladação de área a ser demolida” para então construir seu empreendimento fora dos parâmetros vigentes na cidade. As informações estão em inquérito civil aberto pelo Ministério Público Estadual para investigar se houve infração no licenciamento.

Entenda como mapeamos os projetos especiais que mudaram Porto Alegre nos últimos 10 anos

O grupo comprou o terreno onde ficava o antigo Supermercado Nacional, da rede Walmart, na esquina da Rua Carazinho com a Avenida Nilópolis, em frente à Praça da Encol. A loja de 4,8 mil m², no bairro Petrópolis, tinha sido construída antes de entrar em vigor a lei que limitou o tamanho desse tipo de estabelecimento. A regra permite exceção às edificações já existentes, mas os padrões não atendiam ao projeto pretendido e o prédio seria derrubado para dar lugar a duas torres de apartamentos e um centro comercial anexado ao novo Zaffari.

Em dois anos, ao menos sete pareceres dos órgãos públicos recomendaram à empresa que adequasse a proposta. Um deles alertava: “Caso a edificação seja demolida, o requerente perde o direito à construção de um novo prédio com área superior à permitida em lei”. Outro dizia: “Ratificamos a necessidade de serem atendidas as diretrizes”. E ainda: “A proposta apresentada não demonstra manter a edificação pré-existente e deverá atender a Lei”. Nada disso aconteceu e o projeto foi indeferido pelos técnicos do Município em julho de 2020.

 

Empreendimento está localizado na Nilo Peçanha, ao lado da Praça da Encol. Foto: Luiza Castro/Sul21

A posição da Prefeitura, no entanto, foi revista depois do “Cidade Nilo” – parceria do Grupo Zaffari com a construtora Melnick – entrar na lista de projetos prioritários beneficiados pelo decreto 20.655, expedido pelo ex-prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB). A empresa exigiu a reanálise da “aplicabilidade da lei” e a revisão do indeferimento, alegando se tratar de reforma. “O estabelecimento apenas mudará de posição no terreno, por meio de sua reconstrução”, dizia o Requerimento Administrativo enviado pelo escritório de advocacia do grupo.

O documento contestava também a exigência do Estudo de Impacto Ambiental e o Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU) – que identifica se um empreendimento é viável ou não em uma determinada área da cidade e serve de base para análise de possíveis medidas mitigadoras e compensatórias que serão executadas pelo empreendedor. Segundo a assessoria jurídica da empresa, os impactos já tinham sido analisados há mais de 20 anos quando o imóvel original foi construído.

Acusada pelo grupo Zaffari de desobedecer a Constituição Federal, ferir o princípio da legalidade administrativa e afrontar o interesse público ao proibir a modernização do supermercado, a Prefeitura autoriza a continuidade do processo depois que o Grupo de Regulamentação e Interpretação do Plano Diretor (GRIPDDUA) enquadra o projeto na exceção da lei. Ou seja, a empresa poderia construir um novo Zaffari duas vezes maior do que determina a lei ao “transladar a área virtual”.

Criado por Marchezan para dar segurança jurídica às etapas de licenciamento, o GRIPDDUA gerou ainda mais dúvidas entre os técnicos municipais, que pediram apoio à Procuradoria-Geral Adjunta do Município. A própria PGM já havia negado aumento de porte ao Walmart em 2005, usando como referência a mesma Lei 462/2001.

 

Cidade Nilo é parceria do Zaffari com a Melnick. Foto: Luiza Castro/Sul21

Antes mesmo de a resposta da Procuradoria-Geral ser elaborada, Germano Bremm, então secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade, envia um ofício à diretoria-geral do Escritório de Licenciamento pedindo providências ao setor. Ele não gostou da iniciativa do corpo técnico e ordenou a continuidade da tramitação. “A recusa intransigente em dar prosseguimento ao processo administrativo não só causa prejuízos aos interessados, mas à própria Administração e ao Regime Jurídico Administrativo”, escreveu.

O diretor do Escritório de Licenciamento, Artur Amaral Ribas, que até então havia concordado com o indeferimento do projeto e envio de consulta à PGM, encaminha nova mensagem escrita de próprio punho à Coordenação de Desenvolvimento Urbano: “Considerando todo o exposto, solicito a redistribuição do processo e que a análise deste EVU seja conduzida diretamente pela chefia da CDU”.

Outro fator desconsiderado no licenciamento foi o impacto que mercados menores do entorno sofrerão por conta da concentração econômica do novo “shopping”, o que vai contra um dos princípios do Plano Diretor. Conforme apurou o Jornal do Comércio, a liberação do tamanho da área não é aceita nem por quem atua no segmento. Ainda assim, no ano passado, um projeto de lei tentou acabar com a restrição de tamanho para novos supermercados em Porto Alegre, mas foi rejeitado na Câmara Municipal. Somente os cinco autores do PL votaram a favor da proposta, Felipe Camozzato e Mari Pimentel, do Novo, Fernanda Bath (PSC), Jessé Sangali (Cidadania) e Ramiro Rosário (PSDB). Mas os próprios vereadores da base do governo do prefeito Sebastião Melo (MDB) se uniram à oposição para derrotar a proposta.

Desde fevereiro de 2021, ao menos três denúncias foram levadas ao Ministério Público Estadual pedindo a verificação da legalidade do processo e a análise jurídica da interpretação dada pela Prefeitura à legislação. Com diversos pareceres divergentes dos órgãos municipais em todo o processo, é difícil compreender até mesmo os procedimentos adotados no decorrer do licenciamento do novo Zaffari.

Automaticamente enquadrado como Projeto Especial de Impacto Urbano de 2º Grau, ele foi aprovado pelo Conselho Municipal do Plano Diretor (CMDUA) e gerou um termo de compromisso – uma espécie de contrato –, condições exclusivas dos projetos especiais que precisam pactuar obrigações para mitigar e compensar os impactos negativos gerados por construções de grande porte.

Mas, ao justificar a transladação e o reaproveitamento dos estudos técnicos e ambientais de mais de 20 anos atrás, Bremm diz ao MP que “inexiste nos termos do licenciamento do supermercado transladado qualquer situação que vincule o empreendimento ao Anexo 11 do PDDUA, rol taxativo. Ademais, as razões do não enquadramento do empreendimento foram demonstradas diversas vezes no parecer do GRIPDDUA e na informação da PMS-6”.

 

Secretário Germano Bremm. Foto: Giulian Serafim/PMPA

O rol taxativo referido pelo secretário são as condições que enquadram por obrigatoriedade uma construção em projeto especial. Entre essas características estão edificações que possuem mais de 400 vagas de garagem. É justamente o caso do “Cidade Nilo”, que trará 442 novas vagas de estacionamento para o Zaffari e outras 194 às torres residenciais que pertencem à construtora Melnick – inexistentes no antigo Supermercado Nacional.

O arquiteto e urbanista William Mog, doutor em planejamento urbano e regional, que elaborou parte dos pareceres técnicos para o inquérito civil, explica que, ao se valer do instrumento de transladar, a Prefeitura desconsiderou o impacto das vagas de garagem. “Isso tem sido recorrente, não só nesse caso, mas em outros que passaram pelo Ministério Público. Dependendo da situação, o Município aborda um dispositivo legal, e quando deixa de ser conveniente, parte para outro”.

O problema, de acordo com Mog, é que a própria legislação deixa brechas para esse tipo de interpretação. “É uma contradição da própria lei, porque existe um anexo (Art. 61., § 1º) que diz que o parâmetro é número de garagens, mas quando consideramos o regime urbanístico, a questão dos estacionamentos não conta do ponto de vista da área (Anexo 5, Regime de Atividades). Então, essas inconsistências têm sido muito utilizadas para viabilizar esse tipo de projeto”, afirma.

Segundo investigações conduzidas pela Promotoria de Justiça da Habitação e Defesa da Ordem Urbanística, não há dúvida que ocorreram sucessivos acréscimos na planta da edificação. “A proposta do Grupo Zaffari/Melnick envolve um complexo com vários usos: supermercado, galeria comercial, subsolos de estacionamento e torres residenciais. Logo, não se trata de uma ampliação e tampouco de um projeto semelhante ao já existente” e, portanto, não justificaria a dispensa dos estudos vinculados ao licenciamento.

Como isso vai impactar o entorno e o que foi feito para compensar? Documentos entregues de forma anônima ao MP, em maio deste ano, indicam que as ações de mitigação e compensação acordadas entre a Prefeitura e o Zaffari não são suficientes para amenizar os históricos alagamentos por falta de drenagem na região. O que já havia sido apontado pelos pareceres do corpo técnico especializado do órgão: “A construção existente no local e a nova proposta não apresentam o ‘mesmo efeito sobre o influxo das pessoas, o uso das vias e serviços públicos, o fluxo de veículos e a paisagem urbana’, como tentou argumentar o Município”.

A interpretação técnica do GRIPDDUA também foi considerada inadequada pelo corpo técnico do MP. “A edificação não está sendo modernizada, mas sim demolida, deixando de existir no tempo e no espaço, o que retira qualquer enquadramento da exceção do parágrafo 1° do art.2° da LC 462/2001”.

“É verdade que o que se pretende aqui não está expressamente previsto nas legislações municipais que regem a matéria”, admite a Procuradoria Municipal Setorial 06 em informação enviada ao MP, mas afirma que “não há qualquer instabilidade jurídica-urbanística uma vez que houve estudo exaustivo feito pelo Município para aplicação da exceção, além de sanção do Executivo Municipal” e que “não há por que se ater a minúcias, detalhes insignificantes”.

Em 2019, o secretário Germano Bremm apresentou ao Conselho do Plano Diretor o Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU) do projeto imobiliário do Sport Club Internacional, conhecido como “Torres do Beira-Rio”. A iniciativa foi barrada pelos conselheiros do Plano Diretor, pois eles entenderam que não faria sentido aprovar a construção de um empreendimento proibido pela legislação.

O terreno doado ao clube pela Prefeitura para fins esportivos não pode ser revertido para exploração privada, sob pena de ser devolvido ao poder público. Está na Lei 1651/1956. Mas, a intenção do clube é construir dois prédios — com 80 e 130 metros de altura –, um de 286 apartamentos de uso residencial, além de hotel, galeria comercial, centro de eventos, escritórios e 420 vagas de estacionamento, na avenida Padre Cacique, bairro Cristal.

Projetos de lei para mudar o regime urbanístico da área e permitir ao Internacional construir habitações não prosperaram até então. O último Projeto de Lei enviado à casa legislativa está parado há anos. “Eu acho que seria mais correto esperar a votação na Câmara de Vereadores”, disse o conselheiro Luiz Antônio Marques Gomes, no dia 9 de julho de 2019, em reunião do CMDUA.

Após o secretário insistir que não havia impeditivo para aprovação do EVU, o Conselho pediu que fosse enviada uma diligência à Procuradoria-Geral do Município para que se esclarecesse se o projeto poderia tramitar mesmo sem ter base legal.

 

Projeto apresentado para a construção das torres ao lado do estádio Beira-Rio. Foto: Reprodução

A resposta, no entanto, veio do próprio Bremm, que elaborou o relatório no lugar da PGM: “O Conselho tem que solicitar esclarecimento e a administração municipal tem que responder, mas agora a gente pontuar este, ou aquele, ou determinado órgão, isso não pode ser a prerrogativa do Conselho. Então, foi nesse aspecto que a gente fez o parecer de diligência, esclarecendo todos esses pontos, inclusive, nos aspectos legais”, disse em 23 de julho de 2019. “A não existência de lei que autorize a atividade residencial para a área não impede a aprovação do estudo de viabilidade urbanística, uma vez que o EVU não gera direito ao interessado”, afirma o secretário no documento.

O Ministério Público não tem o mesmo entendimento e enviou à época uma “recomendação” à Prefeitura para que interrompesse a tramitação do projeto até que o processo de alteração legislativa fosse concluído.

A reportagem teve acesso ao estudo aprovado pela Comissão de Análise Urbanística e Gerenciamento (CAUGE) depois de ter passado por várias secretarias – antes de ser barrado pelo Conselho do Plano Diretor. Nele, é possível identificar uma série de fragilidades, que vão além da questão do regime urbanístico. Embora os termos de compromisso desses projetos sejam públicos, os estudos que fundamentam as obrigações que devem ser executadas pelo empreendedor não estão disponíveis para consulta. O próprio EVU enviado ao Conselho do Plano Diretor para análise não traz a documentação completa.

Consultar as 181 páginas do EVU é como montar um quebra-cabeça. No “estudo” do projeto de torres do Sport Club Internacional constam orientações e documentos que fazem referência a pelo menos três empreendimentos distintos. Nas diretrizes do Departamento Municipal de Águas e Esgotos, por exemplo, há orientações para projeto de abastecimento de água para o “Empreendimento Centro de Treinamento”, a ser executado na avenida Edvaldo Pereira Paiva, 4001, para uma população de 70 pessoas”. Em outra diretriz, a extinta Secretaria Municipal de Urbanismo (SMURB) afirma que “em relação à altura das edificações, o limite para a aplicação da arquitetura icônica, onde se autorizam 160 metros de altura”.

 

Internacional planeja construir duas torres no estacionamento ao lado do Beira-Rio. Foto: Luiza Castro/Sul21

Esse documento tem data de 9 de maio de 2016. Em outro trecho do processo, o escritório de arquitetura do Sport Club Internacional encaminha à CAUGE, em novembro de 2018, um pedido para reconsiderar a proibição de locação do “Espaço Sunset” e o edifício garagem.

Na sequência dos documentos, quando se volta a tratar do projeto das torres, um ofício da extinta Secretaria Municipal de Urbanismo (Smurb) informa que se a área institucional fosse transformada em privada, o clube deveria devolver ao Município outra “de igual dimensão localizada às margens do Guaíba, baseado nos artigos 2º e 6º da lei 1651/56”. Esse mesmo ofício aparece três vezes no processo, em duas delas, há, nas últimas linhas, um pedido de análise da PGM sobre as questões referentes à lei. A assinatura do responsável, no entanto, está apagada. As diretrizes encaminhadas estão incompletas e não é possível ver a totalidade do que foi recomendado. Várias folhas foram retiradas do processo.

Em 2020, a incorporadora Melnick enfrentava dificuldades para convencer investidores sobre a capacidade de Porto Alegre em absorver a quantidade de lançamentos anuais necessários para tornar os negócios do grupo ainda mais atraentes para o mercado. A empresa tinha acabado de abrir capital na Bolsa de Valores e o chamado Valor Geral de Vendas (VGV) – potencial de lucro com a venda das unidades de um empreendimento imobiliário – virou uma preocupação para o CEO, Juliano Melnick.

Entenda como mapeamos os projetos especiais que mudaram Porto Alegre nos últimos 10 anos

“O descrédito que existe entre grupos de fora do Estado é tão grande que tivemos que fazer uma série de defesas em relação a nossa praça. Eles [os fundos que investem em empresas de capital aberto] não acham normal ter que fazer tantos lançamentos, mas o VGV que a gente consegue fazer é infinitamente menor que outras capitais. Enquanto outras empresas precisam fazer três, nós temos que fazer dez”, disse Melnick, no dia 28 de outubro de 2020, para o secretário municipal de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade, Germano Bremm, em live transmitida pelo Sindicato das Indústrias da Construção Civil do Rio Grande do Sul (Sinduscon-RS).

Eliminar esse obstáculo, que impedia o grupo de expandir o seu portfólio e captar mais recursos, esbarrava em uma trinca de problemas: a venda de índice construtivo, afastamentos e altura – que permitiria utilizar esse índice – e o saturamento. O dono de uma das maiores construtoras do Estado disse entender pouco do Plano Diretor da cidade onde está sediado, mas queria uma solução para construir ainda mais apartamentos por projeto. “Se não mexermos no adensamento, a cidade vai consumir seu solo rapidamente. Ela tem um limite”, comentou Melnick. “Então, talvez, nós possamos, em uma janela de oportunidade que estamos vivendo, que é o entendimento do lado da Prefeitura mais alinhado com o nosso tema, resolver esses gargalos e destravar a cidade para o caminho do adensamento”, reivindicou o empresário a Bremm.

“O objetivo da pauta é debatermos com o governo municipal sobre a necessidade urgente de intervenções pontuais no Plano Diretor de Porto Alegre”, disse o arquiteto Antonio Zago, consultor do Sinduscon, no mesmo encontro. A arquiteta Lisandra de Lucena Theil, à época gerente de incorporações da construtora Rotta Ely, questiona o secretário se ainda teria “alguma outra medida ou artifício” que poderiam ser alterados antes da revisão do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental (Lei Complementar 434/99). “Esse é o enfoque”, pontuou.

“Como a gente pode ter mais decretos, mais leis complementares, assim como vieram maravilhas durante os últimos meses. E depois, se pensar que essa revisão seja uma compilação dessas leis já aprovadas, para gente surfar nessa onda de juros baixos e disponibilidade de crédito para que o Plano Diretor não seja um entrave”, perguntou Lisandra.

O engenheiro Aquiles Dal Molin Júnior, que até o ano passado presidiu o Sinduscon-RS, rasgou elogios a quem desobstruiu os caminhos para os negócios imobiliários. “O secretário Germano conseguiu num curto espaço de tempo fazer alterações que são históricas dos nossos desejos. A cada 15 dias temos uma novidade positiva do secretário”, disse.

Entre as benfeitorias citadas por Lisandra e Dal Molin estão os decretos que estabeleceram o sistema de licenciamento digital (20.606), o habite-se autodeclaratório (20.542) e o licenciamento expresso (20.613). Esse último transferiu da Prefeitura para arquitetos e engenheiros a responsabilidade ao projetarem novas obras de pequeno porte. Emitidas de forma eletrônica, as licenças deixaram de passar pelos processos administrativos municipais, estratégia já adotada por outras metrópoles brasileiras.

 

Nelson Marchezan Júnior. Foto: Alex Rocha/PMPA

Se antes uma construtora esperava em média 200 dias para receber aprovação do Escritório de Licenciamento, com a mudança a liberação passou a ser feita na hora. Agora, a Prefeitura apenas fiscaliza o empreendimento no caso de ocorrer alguma irregularidade. A medida liberou o órgão público para se dedicar à avaliação de projetos maiores.

Em um curto espaço de tempo, a paisagem da cidade ganhou novos contornos com a construção de milhares de salas comerciais e apartamentos. Dezenas de tapumes e obras espalhadas pelas ruas indicam que novos imóveis estão por vir. A criação de um sistema digital para aprovação de projetos e a modernização no Escritório de Licenciamento da Prefeitura foram importantes para acelerar essa transformação, mas não apenas isso. Quatro meses depois de ter sido eleito prefeito, em 2017, Nelson Marchezan Junior (PSDB) iniciou o que considerava serem “as reformas tão necessárias” para o município e que, segundo ele, só poderiam ser concretizadas pela “elite da comunicação, a elite empresarial e a elite política. Delegar isso ao ‘seu João’ e à ‘Dona Maria’ é irresponsabilidade”, disse. Começava ali uma aproximação histórica entre o Executivo municipal e os empresários da construção civil, que mudaria a lógica do planejamento urbano da Capital.

Os elogios da indústria da construção civil ao secretário Germano Bremm não são sem razão. Figura central no apoio à reforma política proposta pelo prefeito Marchezan, ele foi mantido no cargo na transição de governo. Sob a administração do atual prefeito, Sebastião Melo (MDB), Bremm passou a ocupar posições públicas estratégicas para acelerar as liberações de empreendimentos imobiliários.

À frente da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (SMAMUS), do Conselho do Plano Diretor (CMDUA) e do Conselho de Meio Ambiente (COMAM) – órgãos que analisam a viabilidade desses projetos arquitetônicos –, ele tem alertado os empresários do ramo sobre o risco de Ação Direta de Inconstitucionalidade ao se fazer alterações no Plano Diretor que não tenham sido precedidas de consulta e participação popular, estudo prévio e estudo técnico.

Nos bastidores, no entanto, o secretário tem mostrado às construtoras quais mecanismos podem ser utilizados para realizar mudanças pontuais no planejamento urbanístico. “A gente tem feito muitas alterações ao longo deste ano”, disse ainda na live do Sinduscon, em 2020. “Um ponto bem interessante que a gente pode trabalhar muito é o Sistema Municipal de Gestão do Planejamento, porque ele permite mudanças no processo de licenciamento como um todo, desde os projetos especiais de impacto urbano até a delimitação que a gente poderia fazer em relação aos estudos de viabilidade urbanística”, explicou Bremm aos empresários.

O Sistema Municipal de Gestão do Planejamento (SMGP), gerenciado pela SMAMUS, foi criado para dar dinâmica e permitir um processo permanente de atualização do Plano Diretor, mas deixa claro nos incisos I e II do artigo 33 que seu objetivo é criar canais de participação da sociedade na administração municipal e garantir um gerenciamento que priorize a melhoria da qualidade de vida da população como um todo, o que está sendo desvirtuado pela Prefeitura.

O artigo 15 do Código de Edificações de Porto Alegre também tem sido referido para embasar as decisões do governo. Ele permite, por exemplo, aprovação de projetos e licenciamento de construções, regulamentados unicamente pelo Executivo Municipal. Decretos, Leis Complementares e algumas mudanças que podem ser feitas por meio de resolução do Conselho Municipal do Plano Diretor (artigos 163 e 164 do PDDUA) também têm sido amplamente utilizados para realizar os pedidos dos empresários.

As vitórias acumuladas pelo setor junto ao Executivo municipal garantiram um lugar ao sol para poucos. Nos últimos quatro anos, os empreendimentos projetados por duas construtoras correspondem a cerca de 60% dos projetos aprovados na Prefeitura: a gaúcha Melnick e a Cyrela Goldsztein, braço regional da Cyrela nacional. Ambas também foram as principais beneficiadas pelo decreto 20.655 de projetos prioritários para aceleração dos licenciamentos, lançado por Marchezan em 2020 para atender ao que ele chamou de retomada econômica após a pandemia de covid-19.

Os efeitos desta lista foram imediatos e positivos para as duas construtoras. Só em 2020, a Melnick projetou mais do que a soma dos sete anos anteriores. Hoje, a construtora tem quase quatro mil apartamentos em construção na cidade, distribuídos em 22 empreendimentos, sendo que 20 deles estão na lista de contemplados pelo decreto municipal. A Cyrela, até 2019, tinha em média duas construções projetadas por ano na capital gaúcha. No período seguinte, esse número saltou para 19 – 9 deles são prioritários.

As construtoras têm atuação nacional com foco maior em habitações residenciais de médio, alto e altíssimo padrão em áreas de maior infraestrutura e, por consequência, com os terrenos mais caros da cidade. Em 2020, a Cyrela arrecadou R$ 6,7 milhões em um imóvel num edifício no bairro Moinhos de Vento. No Cidade Nilo, empreendimento da construtora Melnick, priorizado pelo decreto – e que ainda não saiu do papel –, um único apartamento no bairro Petrópolis pode custar mais de R$ 11 milhões.

Conforme o Diário Oficial de Porto Alegre (DOPA), desde a implementação da nova Lei do Solo Criado — instrumento que permite ao Município vender a uma empresa o direito de construir índices acima dos fixados em lei –, também foram elas as que mais compraram índices extras para construir — mais de R$ 10 milhões. Os edifícios já estão em obras nos bairros Jardim Europa, Rio Branco, Boa Vista e Petrópolis. Entre as contrapartidas acordadas pelos empresários que optaram por não pagar em dinheiro estão a revitalização no lago do Parcão, obras no Viveiro Municipal e a entrega de uma plataforma digital ao Município.

 

Botanique Residence: Foto: Luiza Castro/Sul21

A grande maioria desses empreendimentos foi viabilizada por meio dos chamados Projetos Especiais de Impacto Urbano – um instrumento de regulação previsto no Plano Diretor e que permite algumas exceções às regras de construção vigentes na cidade. Embora utilizado mais amplamente na última década, a figura do Projeto Especial aparece pela primeira vez em 1987, por pressão dos profissionais ligados aos interesses da construção civil que reivindicavam o “planejar pela proposição e não pela proibição”, explica a urbanista e mestre em Planejamento Urbano e Regional Maria Tereza Albano.

Quando foi criado, no entanto, fazia parte das estratégias de produção da cidade para desenvolver projetos para áreas carentes de infraestrutura, como os bairros Humaitá e Navegantes. Contudo, ao longo dos anos, acabou sendo utilizado massivamente para a construção de grandes empreendimentos em áreas nas quais não poderiam ser instalados, diz Albano.

Para a promotora de justiça do Ministério Público Estadual Annelise Steigleder, o grande problema dos projetos especiais é que a Prefeitura não consegue dizer não ao empreendedor. “Por que não consegue dizer não? Porque a lei permite. No entanto, o processo é todo discricionário”.

O que a promotora Annelise aponta como discricionário é o fato desses projetos especiais serem analisados caso a caso diretamente com entes públicos, o que, segundo ela, abre margem para negociações.

Hoje, para que um empreendimento desses seja aprovado, a empresa submete ao Município uma proposta preliminar que passa por estudos de viabilidade urbanística – que identificam se o prédio pode ou não ser executado naquele local – e impacto ambiental que aponta as condições da região antes da implantação do projeto. Muitos deles acabam interferindo na qualidade de vida das pessoas ao trazerem grande fluxo de veículos, aumento da poluição sonora, atmosférica e concentração de gases de efeito estufa.

Esses estudos são importantes, pois são eles que irão fundamentar as ações para mitigar os impactos negativos da chegada de uma edificação de grande porte, como por exemplo, ampliação de ruas. Uma compensação deve ser feita quando não é possível evitar ou mitigar esses problemas. Essas responsabilidades são do empreendedor, mas têm sido negociadas com a Prefeitura que, ou isenta o empresário de realizá-las, ou cobra o mínimo possível, como veremos na segunda reportagem da série.

Embora previsto no Plano Diretor, o estudo de impacto de vizinhança nunca foi regulamentado. De acordo com Annelise, isso também acaba fragilizando a participação social. “Enquanto o EIV prevê a consulta pública, o EVU tramita em sigilo, ninguém tem acesso a esse estudo, não se tem transparência”, lamenta a promotora. Isso porque a legislação diz que é obrigatório ao Município dar publicidade aos documentos do EIV, que devem ficar disponíveis para consulta de qualquer pessoa. Essa análise detalhada traria, por exemplo, dados sobre a valorização imobiliária causada pelo novo “vizinho”.

Quem mais aprova projetos imobiliários também está entre os maiores doadores da campanha de Sebastião Melo (MDB) à Prefeitura de Porto Alegre em 2020. Ricardo Antunes Sessegolo, diretor do grupo Goldsztein, aportou R$ 50 mil, além dos empresários Daniel Goldsztein (R$ 30 mil), Sergio Goldsztein (R$ 20 mil) e Fernando Goldsztein (R$ 40 mil). Dois diretores da Cyrela doaram R$ 30 mil cada um: Rodrigo Aurichio Putinato e Efraim Schmuel Horn. Com R$ 200 mil em doações, os integrantes da Goldsztein Cyrela foram os principais financiadores de Melo.

Quatro integrantes da família Melnick também fizeram generosos repasses à campanha do candidato vitorioso. Leandro Melnick (R$ 20 mil), Milton Melnick (R$ 18 mil), Juliano Melnick (R$ 17 mil) e Roseli Rabin Melnick (R$ 15 mil). O fundador da Multiplan, José Isaac Peres, aportou R$ 55 mil e Iboty Brochmann Ioschpe, presidente da Arado Empreendimentos Imobiliários, repassou R$ 40 mil em apoio ao prefeito. Juntas, outras sete empresas do setor imobiliário doaram mais de R$ 285 mil.

No mesmo pleito, quando Marchezan tentava a reeleição, alguns doadores também investiram no tucano, embora as apostas tenham sido maiores em Melo. Carlos e Pedro Jereissati, do Grupo Iguatemi, doaram, cada um, R$ 75 mil. O fundador da Multiplan, José Isaac Peres, investiu R$ 75 mil. Doaram ainda a Marchezan os empresários Elisabeth Teresa Marchioro Goldsztein (R$ 15 mil), Daniel Goldsztein (R$ 10 mil) e Ricardo Antunes Sessegolo, diretor do grupo Goldsztein, (R$ 10 mil).

 

Sebastião Melo. Foto: Gabriel Ribeiro/CMPA

Nos últimos anos, esse seleto grupo de empresários conseguiu o que ninguém havia conseguido antes em Porto Alegre: derrubar as leis urbanísticas e ambientais que impediam a construção de grandes empreendimentos na orla do Guaíba, ajustar a legislação municipal tantas vezes quanto necessárias para caber nos seus interesses, ainda que isso implique em construir torres de apartamentos em áreas de preservação permanente ou “criar solo” em bairros já saturados.

Foi Marchezan quem “destravou” os projetos mais polêmicos e emblemáticos da história recente da Capital, como o Shopping Belvedere, no bairro Petrópolis, o complexo Pontal e o condomínio Golden Lake, no bairro Cristal. Ao assumir o governo municipal, Melo deu continuidade e aprovou a construção de um novo bairro que irá ocupar o terreno da antiga Fazenda do Arado e tem tentado tirar do papel as Torres do Beira-Rio, ambos na zona sul da cidade. Projetos que estavam há mais de uma década parados por não se enquadrarem nos mínimos requisitos exigidos pela lei urbanística vigente.

O Complexo Pontal, projetado pela construtora Melnick em parceria com a BM Par, dividido em shopping, hotel, escritórios, consultórios médicos, centro de eventos, estacionamento, loja de material de construção e um parque público, foi aprovado entre vetos da população e denúncias de lobby e propina. A área onde está instalado o empreendimento estava estagnada desde a desativação da antiga indústria naval Estaleiro Só, em 1995. No processo de falência da empresa, o terreno passou para o poder público municipal. Nas duas décadas seguintes, a Prefeitura tentou leiloá-lo, mas só conseguiu após o então prefeito Tarso Genro (PT) sancionar a Lei Complementar 470/2002, que autorizou atividade comercial no local, tornando-o mais atraente para o mercado.

Avaliado em R$ 17 milhões [em valores da época], acabou arrematado pelo lance mínimo de R$ 7,2 milhões pelo empresário Saul Boff, dono da BM Par. “A ideia era fazer um empreendimento misto com torres residenciais e imóveis comerciais, para isso eu teria de mudar a lei porque, na época, só podia construir área comercial”, disse Boff em entrevista à GZH.

A segunda alteração da legislação para permitir a construção de residências chegou a ser aprovada pela Câmara Municipal, mas uma denúncia de pagamento de propina acabou com os planos do empresário. “Recebi oferta de ajuda para minha campanha eleitoral por um emissário da BM Par”, revelou o ex-vereador Cláudio Sebenelo (PSDB).

O advogado da empresa, Milton Terra Machado, negou ter havido suborno. “A oferta de doação não se vinculou a um pedido de aprovação do projeto”, disse à Folha de São Paulo.

Segundo ele, o vereador tucano era amigo de um diretor da BM Par. O Ministério Público gaúcho alegou falta de provas e arquivou o processo. A definição veio após um plebiscito decidir, em agosto de 2009, que a área não poderia receber prédios residenciais. As obras, entretanto, só começaram em 2019, com a licença de instalação entregue em cerimônia promovida por Marchezan.

O Golden Lake também não teria prosperado sem o apoio político que entregaria à Multiplan o terreno para instalar o projeto imobiliário. O local pertencia ao governo do Estado, estava cedido ao Jockey Club do Rio Grande do Sul e não podia ser vendido a terceiros. A ex-governadora Yeda Crusius (PSDB) resolveu o impasse doando as terras ao clube em 2010. O Jockey então negociou uma permuta com o empreendedor: ao entregar o terreno de 166 mil m², receberia em troca uma torre comercial, além de uma reforma para parte da área do clube, mas a empresa mudou o acordo e decidiu pagar em dinheiro o valor correspondente.

O empresário José Isaac Peres aprovou com a Prefeitura 18 prédios de uma só vez para povoar um bairro de luxo privado com vista eterna para o Guaíba. Algo inédito em Porto Alegre. As obras do primeiro condomínio, Lake Victoria – que ainda está em construção –, também só começaram uma década depois da compra do terreno. O tempo de espera parece ter valido à pena. Hoje, um único apartamento no condomínio pode custar mais de R$ 11 milhões. A generosidade do Estado renderá cerca de R$ 164 milhões aos cofres do Jockey e outros mais de R$ 3 bilhões ao dono da Multiplan.

 

Golden Lake. Foto: Luiza Castro/Sul21

A Arado Empreendimentos foi ainda mais longe. Conseguiu liberar, em agosto deste ano, na SMAMUS, o estudo de viabilidade urbanística para o bairro que ela pretende construir na antiga Fazenda do Arado Velho. A previsão da empresa é separar os 426 mil m² do terreno em 2.300 lotes para a construção de imóveis, o que trará um aumento populacional de 70% para o bairro Belém Novo, segundo o documento.

A aprovação do EVU, no entanto, estava condicionada à mudança do regime urbanístico da área da Fazenda. Para resolver a questão, o governo de Sebastião Melo elaborou um projeto de Lei Complementar que foi aprovado na Câmara de Vereadores, mas o estudo ambiental elaborado pela empresa Profill Engenharia e Ambiente S.A, e que baseou a alteração legislativa, foi declarado em parte como “falso/enganoso/omisso”. A afirmação consta em laudo do Instituto Geral de Perícias (IGP), em inquérito da Polícia Civil.

A audiência pública exigida pela legislação foi feita online em 2021. Aos moradores da região que tinham direito de participar, foi oferecido um espaço limitado a 60 pessoas por conta da pandemia de covid-19.

Vinte e cinco anos foi o tempo que o proprietário de um terreno na altura do número 500 da avenida Senador Tarso Dutra esperou para receber a licença para iniciar as obras do Complexo Belvedere. O empresário André Meyer pretende construir ali torres comerciais e residenciais, shopping center e um hipermercado Zaffari. “O nosso objetivo é fazer um pequeno novo bairro.”

Idealizado ainda em 1995, o projeto precisou passar por inúmeras modificações por localizar-se em área de preservação permanente – as intervenções nesses locais exigem alterações no regime urbanístico da cidade, pois estão protegidos por lei. No terreno há uma nascente, vegetação nativa – remanescente de Mata Atlântica, suprimida para a construção do empreendimento — e fauna silvestre.

Em quase três décadas de tramitação a proposta foi submetida a audiências públicas em 2002 e colocada em suspenso até 2006, quando a Belvedere Participações LTDA assinou um Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público. Na ocasião, os empreendedores se comprometeram a readequar o projeto por conta do impacto ambiental que causaria às reservas subterrâneas de água. Foi excluída, por exemplo, a implantação de um posto de combustíveis, pois no aquífero há uma fonte de água mineral.

Em todos esses casos, não foi possível saber precisamente quais obras de mitigação e compensação de impactos – obrigatórias aos empreendimentos de grande porte – foram concluídas pelos empreendedores. A Procuradoria-Geral do Município, responsável por elaborar os termos de compromisso com os empreendedores e monitorar a entrega dessas obrigações, disse à reportagem que os empreendedores haviam executado o que estava previsto nos contratos, mas não forneceu acesso às comprovações.

Indo na direção oposta do que determina o direito urbanístico, Melo tem governado por decretos e leis complementares com escassa participação social. Os programas Reabilitação do Centro Histórico e +4D de Regeneração Urbana do 4º Distrito foram instituídos pelas leis complementares 930/2021 e 960/2022, respectivamente, criando um “Plano Diretor” específico para duas regiões da cidade. Em ambos os planos há espaços abertos que poderão ser definidos posteriormente via decreto ou “a critério do Executivo Municipal” – o que significa a mesma coisa.

O artigo 8º das duas leis traz nos incisos IX e XII texto idêntico que fala de ações relacionadas à implementação dos programas, entre elas consta: “estabelecer meios de consolidar a participação da sociedade por meio de ferramentas participativas”.

O 4º Distrito é uma área da região norte de Porto Alegre onde estão os bairros Floresta, Navegantes, São Geraldo, Humaitá e Farrapos, e tem hoje quase 60 mil moradores. No entanto, segundo o Relatório de Participação da Sociedade, elaborado pela SMAMUS e pela Diretoria de Planejamento Urbano municipal, 801 pessoas participaram das reuniões para debater a implementação do Plano. Outras 116 participaram da consulta pública online, a maioria – cerca de 65% – não era morador do 4º Distrito, sendo 46,55% apenas frequentadores da região.

O envolvimento da população residente no Centro Histórico foi ainda menor: 267 pessoas participaram das reuniões realizadas online pela equipe técnica da Prefeitura, devido à pandemia de covid-19. Um questionário virtual para colher críticas e sugestões sobre o programa foi respondido por outras 746 pessoas, o que não chega a 3% dos quase 40 mil moradores do bairro. Novamente, a maioria do público que participou da pesquisa online – 76,9% – não residia na região.

 

4º Distrito é um dos focos da atual gestão. Foto: Luiza Castro/Sul21

Em setembro, uma denúncia de entidades da sociedade civil foi levada ao Ministério Público de Contas (MPC) do Rio Grande do Sul, apontando irregularidades nas três leis aprovadas na administração do prefeito Melo e que promoveram mudanças no regramento urbanístico da cidade. De acordo com o documento, as chamadas Lei do Centro, Lei do Arado e Lei de Regeneração do 4º Distrito apresentam falta de conformidade com princípios legais, ausência de estudos econômicos e de medidas que possam preservar áreas históricas e culturais, além de concessão de benefícios sem especificar os critérios adotados.

Uma auditoria do Tribunal de Contas do Estado na Prefeitura de Porto Alegre, em andamento, identificou possíveis irregularidades envolvendo os programas. O último parecer elaborado pelo Procurador-Geral em Exercício do MPC, Geraldo Costa da Camino, destaca “a criação de incentivos alheios ao Estatuto das Cidades e ao regramento urbanístico do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental, com potencial dano ao erário e à coletividade”. O documento também aponta ilegalidade no instrumento criado pelo Executivo municipal, não atendimento à Demanda Habitacional Prioritária, ausência de contrapartidas e falta de sustentabilidade financeira dos programas.

No último despacho do MPC, Da Camino ratifica que a Prefeitura deve se abster de aprovar e suspender autorizações já concedidas a qualquer projeto enquadrado pelas Leis Complementares 930/2021 e 960/2022 que envolvam isenções, descontos ou a compra de outorga onerosa do direito de construir até sejam sanadas as falhas.

Outros dois inquéritos civis tramitam no MPE, por meio da Promotoria de Justiça da Habitação e Defesa da Ordem Urbanística. Um deles, de 2019, acompanha o andamento das atividades que estão sendo desenvolvidas durante a revisão do Plano Diretor. O outro, de 2021, trata dos programas do Centro Histórico e 4º Distrito.

A gestão democrática é reconhecida como uma diretriz para o desenvolvimento sustentável das cidades, com base nos preceitos constitucionais da democracia participativa, da cidadania, da soberania e participação popular e é um dos preceitos do Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/2001).

O promotor de Justiça Cláudio Ari Pinheiro de Mello afirma que não há brecha nenhuma na legislação e que os planos setoriais criados em Porto Alegre violam o Estatuto da Cidade e ferem a Constituição. “Plano Diretor é lei, e como se trata de planejamento urbano tem que respeitar as regras do Estatuto da Cidade. A Constituição diz que o Plano será elaborado por lei da Câmara de Vereadores e deve resultar de um processo altamente democrático, não estando sob o comando do gabinete do prefeito. Portanto, as fragmentações dessas decisões não só são ilegais como são inconstitucionais. Simples assim”.

Pinheiro de Mello é enfático ao dizer que Porto Alegre não está respeitando o que determina a legislação. “O que a gente tem visto acontecer nos últimos dez anos é uma sabotagem da democraticidade de várias formas. No final da década de 2000, o Ministério Público anulou diversas leis por falta de audiência pública. A consulta pública passou a ocorrer formalmente, mas a Prefeitura começou a fazer de tal forma que as audiências acontecem, mas, na verdade, o que a população leva para essas audiências não tem nenhum impacto sobre a decisão efetiva sobre o planejamento urbano. Então elas têm, eu diria, uma simulação de democratização. Porque a democratização implica que o processo decisório vai ser impactado pela participação popular”, diz.

Inúmeras outras denúncias têm chegado ao Ministério Público sobre a condução da aprovação dos projetos especiais pela Prefeitura, muitas acabam arquivadas. O promotor diz que gostaria de ver o Ministério Público atuando mais no questionamento desses atos, mas reconhece que há despreparo dos profissionais para enfrentar a matéria. “Nós não fomos competentes na judicialização de questões envolvendo habitação e ordem urbanística. Não foi um tema priorizado pela instituição. A própria justiça brasileira também não tem muita experiência com o tema da ordem urbanística. Me parece que isso está relacionado a uma espécie de baixa qualificação nessas áreas que são complexas.”

O promotor enfatiza que assumiu a Coordenação do Centro de Apoio Operacional da Defesa da Ordem Urbanística do MPE em junho deste ano com duas expectativas: que o órgão retome o seu protagonismo nessas áreas e que a sociedade se organize para estar em todas as frentes. “Existe um processo de deslegalização do Plano Diretor que está em curso em Porto Alegre, isso é ilegal. Esses temas vão constar expressamente na posição institucional do Ministério Público. Estamos formulando extensa documentação sobre planejamento urbano e a sua relação com o Plano Diretor”, afirma.

Para ele, também falta engajamento social. “A sociedade civil tem a mesmíssima legitimidade do Ministério Público. A receita que eu daria para as situações em que o MPE não é efetivo seria o protagonismo das associações de movimentos sociais e coletivos da sociedade civil. Porque eles têm que ser levados à justiça.”

O especial “Donos da Cidade” é um projeto do Sul21 que busca explicar como os interesses das grandes construtoras interferem e encontram eco na Prefeitura para construir a Porto Alegre dos anos 2020.

Por meio da análise de dados públicos, decretos e pesquisas acadêmicas, mapeamos os empreendimentos construídos ou aprovados para construção em Porto Alegre nos últimos dez anos (2012-2022). Este mapeamento é acompanhado de uma série de reportagens que busca debater os efeitos da instalação de mais de uma centena de megaprojetos arquitetônicos identificados e como isso se relaciona com a transformação social, em meio ao atual cenário de revisão do Plano Diretor.

Neste esforço, cruzamos os dados de três planilhas fornecidas pela Administração Municipal com a relação dos empreendimentos aprovados e licenciados, bem como a lista de projetos prioritários contemplados pelo Decreto 20.655 de 2020, Expediente Único (site com acesso público que concentra informações sobre processos em tramitação) e Termos de Compromisso (contrato que estipula as obrigações do Município e empreendedor). Dados obtidos via Lei de Acesso à Informação, escrituras de compra e venda registradas em cartório e relatórios das construtoras mais atuantes na Capital também serviram de base para identificar as novas edificações.

O ponto de partida foi a tese da pesquisadora e doutora em Geografia Júlia Ribes, que analisou os Projetos Especiais de Impacto Urbano de 2º Grau implementados na Capital entre 2010 e 2019. Estes projetos são definidos no Anexo 11 do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (Lei Complementar 434/99) como proposta de atividade ou empreendimento de grande porte, que exige análise diferenciada em razão do grau do impacto gerado. Por esse motivo, a empresa proponente assume obrigações que demandam a execução de ações de mitigação e compensação (obras e serviços), que são firmadas em termo de compromisso entre empreendedor e município.

O Plano Diretor ainda prevê outros dois tipos de projetos especiais: os de 1º grau, de menor impacto, como edificações de médio porte e casos como garagens comerciais com 100 a 200 vagas (que não geram termo de compromisso), e os de 3º grau, aqueles que envolvem operações urbanas em grandes áreas da cidade e exigem leis próprias – este último nunca realizado em Porto Alegre.

Esse levantamento resultou em um conjunto de 114 Projetos Especiais que estão distribuídos no mapa interativo identificados pelo nome do empreendimento, empresa responsável, bairro onde está localizado, estágio da obra e tipo de atividade. Optou-se por destacar os projetos cuja construtora tinha mais de cinco empreendimentos aprovados no município, dado que ajudou a identificar a concentração de licenciamentos edilícios em poucos grupos econômicos.

No mapa também é possível explorar em Projetos em Destaque, os casos mais emblemáticos da cidade que contam a história de cada um deles até a inauguração. Entre eles estão, Arena do Grêmio, Pontal e Golden Lake.

Apesar do esforço de pesquisa em múltiplas fontes, não foi possível precisar a quantidade exata de novas edificações – devido às informações desencontradas fornecidas pela Prefeitura – ou saber integralmente se os empreendedores entregaram as obrigações firmadas em contrato, pois esses documentos não estão disponíveis para consulta pública.

A Procuradoria-Geral do Município – órgão responsável pela elaboração do termo de compromisso e monitoramento das obras – não forneceu as comprovações solicitadas pela reportagem. Além da falta de transparência na gestão dos projetos especiais, muitas vezes não foram obtidas explicações na consulta aos órgãos da Administração Municipal.

O mapa interativo permite ao leitor visualizar o processo de transformação em andamento na cidade. Contudo, o especial não se encerra por aí. Ao longo da última década, o Sul21 vem fazendo, diariamente e em conteúdos especiais, um grande esforço de reportagem para explicar o impacto dos processos urbanos na vida da cidade.

Em 2017, publicamos o especial “Gentrificação”, sobre a contínua remoção de comunidades vulnerabilizadas para as periferias de Porto Alegre. Em 2021, foi a vez do especial “Que Porto é Esse?”, que discutia os rumos propostos para a cidade na intersecção entre os governos Marchezan e Melo. O “Donos da Cidade” é mais um esforço de debate, agora focado em como o interesse imobiliário se articula com o poder público para moldar o futuro de Porto Alegre.

O modus operandi político-empresarial para licenciamento e mudanças na legislação que favorecem os grandes empreendimentos são temas de duas matérias deste especial, em que destacamos casos específicos de projetos que não poderiam deixar o papel sem que regramentos urbanísticos vigentes, e válidos para todos os empreendedores interessados em construir na cidade, fossem mudados.

Além disso, uma reportagem destaca como a habitação de interesse social vem sendo deixada de lado nos grandes projetos de “revitalização” da cidade, como os que ocorrem no Centro Histórico e no 4º Distrito, mesmo com o discurso oficial prometendo aproximar todos os moradores das regiões centrais. Para quem é esta Porto Alegre em construção? Uma matéria do especial busca ainda explicar como a construção das cidades modernas não são mais encaradas sob o ponto de vista dos interesses de seus moradores, mas, sim, voltadas para a valorização de imóveis como ativos financeiros. Por fim, o especial é concluído – momentaneamente – com uma reportagem que busca articular todos estes temas com as discussões em andamento para a revisão do Plano Diretor da cidade.

Um levantamento inédito realizado pelo Sul21 aponta que um seleto grupo de construtoras concentra a maioria dos grandes projetos imobiliários lançados em Porto Alegre nos últimos dez anos e conta com mudanças urbanísticas e projetos de lei criados para facilitar ou valorizar seus empreendimentos.

No especial “Donos da Cidade”, mapeamos esses empreendimentos, explicando onde estão localizados, qual o estágio das obras e a construtora responsável. Estão entre eles alguns dos projetos mais emblemáticos já construídos em Porto Alegre, como o complexo Pontal e o condomínio Golden Lake, na zona sul da Capital.

Em um intervalo de poucos dias, dois acidentes foram registrados na Braskem Q2, no Polo Petroquímico de Triunfo. No último dia 14 de abril, um acidente com fogo aconteceu na parte externa de uma caldeira pertencente à Braskem. Um problema com um dos bicos injetores da caldeira, que funciona com a queima de óleo, acabou danificando alguns equipamentos e ocasionou um incêndio de média proporção na parte externa da caldeira. Menos de uma semana depois, no último sábado (20), outro acidente foi registrado e, de certa forma, em consequência do primeiro. O segundo, porém, causou graves lesões num trabalhador.

O acidente de sábado ocorreu na mesma caldeira do anterior e que está em manutenção desde então. A Braskem tem três grandes caldeiras no Polo Petroquímico de Triunfo: uma está em manutenção programada, outra foi avariada com o incêndio do dia 14 e somente a terceira estava em pleno funcionamento, mas ainda assim insuficiente para manter os níveis de produção dos produtos petroquímicos do Polo.

Para o Sindicato dos Trabalhadores do Polo Petroquímico de Triunfo RS (Sindipolo), a empresa está se preocupando somente em retomar a produção, sem os “devidos cuidados com a vida e saúde dos trabalhadores”. A entidade avalia que o incêndio do dia 14 de abril tem relação com a diminuição das equipes e sobrecarga de trabalho.

“A gente atribui parte desse incêndio em função das equipes extremamente reduzidas, foi se enxugando muito o número de trabalhadores. A gente hoje trabalha com o mínimo do mínimo, muitas vezes fazendo muitas horas extras e também jornada excessiva de trabalho”, avalia Ivonei Arnt, presidente do Sindipolo.

“Uma caldeira não dá conta, ou seja, tiveram que baixar a carga nas plantas, algumas pararam completamente, outras reduziram a carga. Então, desde que ocorreu o acidente do dia 14, estava ocorrendo uma pressão muito grande para restabelecer as condições de operação da caldeira em que ocorreu o acidente”, afirma, reclamando da cobrança de colocar o quanto antes em operação a caldeira acidentada.

Nesse processo, durante a realização do teste hidrostático, procedimento obrigatório após qualquer tipo de reparo, foi que aconteceu o segundo acidente. Para dar “celeridade” ao teste, Arnt conta que a Braskem usou um modelo de bomba que não é o indicado para o teste hidrostático. Foi então que o novo acidente aconteceu.

“Ocorre que, no início do teste, a bomba parou por um outro motivo, que é a falta de abastecimento de água, foi bloqueado o alinhamento que estava sendo feito e que é condição para fazer o teste. Com a falha no alinhamento, o trabalhador do Polo Petroquímico foi abrir a válvula que estava bloqueada e, então, o manômetro (aparelho que indica a pressão) explodiu e atingiu o rosto do funcionário”, explica o presidente do Sindipolo.

O trabalhador ficou gravemente ferido, passou por cirurgia, esteve por uns dias na UTI do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre, e segue internado, mas sem risco de morte.

O presidente do Sindipolo destaca que a entidade já vinha observando durante a semana passada que, após o acidente com fogo na caldeira, a empresa estendeu as jornadas de trabalho para recolocar o equipamento em operação, acelerando a manutenção do mesmo.

“Há casos de trabalhadores com jornadas de mais de 10 horas diárias, com pressão para colocar as caldeiras novamente em funcionamento, sendo um trabalho exaustivo físico e mental e, provavelmente, isso tenha contribuído para este novo grave acidente”, pontuou o dirigente.

Fiscais da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego/Ministério do Trabalho (SRTE-RS) fiscalizaram o Polo Petroquímico na segunda-feira (22) e, no dia seguinte, acompanharam o início da investigação do caso pela Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa) da Braskem. Ainda na segunda-feira, o órgão do Ministério do Trabalho expediu um auto de interdição de qualquer novo teste hidrostático na caldeira.

Agora, para poder realizar um novo teste hidrostático e, assim, retomar o funcionamento da caldeira, a Braskem precisa cumprir uma série de exigências técnicas estabelecidas pela Superintendência Regional do Trabalho e Emprego.

“Existe uma pressão muito grande para que esse teste ocorra, só que para isso a empresa tem que apresentar um novo procedimento, um novo método com outro equipamento, tem que trocar aquela bomba, que agora está proibida de ser usada”, explica Ivonei Arnt. “É inaceitável que tristes situações como essa continuem ocorrendo dentro de uma planta petroquímica, um ambiente de trabalho de alto risco, onde a questão da segurança deveria ser absoluta prioridade, e não está sendo. Estamos acompanhando estes acidentes, apesar das dificuldades impostas pela empresa em relação às informações e buscaremos medidas para que a segurança dos trabalhadores no meio ambiente de trabalho, que podem refletir na comunidade, seja assegurada efetivamente”, acrescentou Arnt.

Em nota, a Braskem informou que o “distúrbio operacional” em uma de suas caldeiras situadas no Polo Petroquímico de Triunfo, no dia 14 de abril, foi provocado por um vazamento de óleo em um dos queimadores da caldeira. Segundo a empresa, as equipes atuaram prontamente para interromper a operação da caldeira, sem ter havido “riscos para as pessoas ou ambiente”.

Com relação ao acidente do último sábado (20), a Braskem explica que o episódio aconteceu durante a inspeção de equipamento em manutenção, quando então um integrante sofreu lesão “ocasionada pela projeção de uma peça”. A empresa destaca que o trabalhador foi imediatamente atendido e encaminhado ao hospital de referência. Seu quadro de saúde é estável. “No momento, estamos focados no atendimento do integrante e seus familiares. As causas do acidente estão sendo investigadas e os trabalhos de manutenção onde aconteceu o acidente foram paralisados”, informa a empresa.

Sindicatos que compõem a Frente dos Servidores Públicos do Rio Grande do Sul (FSP/RS) realizaram nesta quarta-feira (24), diante do Palácio Piratini, em Porto Alegre, o Ato Estadual Unificado por respeito e valorização para reivindicar reajuste salarial para o conjunto das categorias.

No ato, os servidores tocaram uma marcha fúnebre para simular que o governo Eduardo Leite (PSDB) está “matando os servidores públicos”. Após nove anos com apenas um reajuste concedido para o conjunto do funcionalismo, 6% em 2022, as categorias apontam a necessidade de Revisão Geral dos Salários, previsão constitucional que garante a reposição da inflação, mas que vem sendo descumprida pelo governo. A inflação acumulada entre 2014 e 2024, contudo, é de 70,52%.

A FSP destaca que a não reposição da inflação resultou em uma grave perda de poder de compra para os servidores, que estão chegando no limite do que conseguem suportar, em alguns casos precisando “escolher entre comer e pagar as contas”.

Segundo o Cpers, mais de três mil pessoas participaram do ato. “Estamos aqui hoje para cobrar do governador a devida revisão salarial anual, para que todos os servidores tenham reajuste justo. Mas também destacamos a questão dos nossos funcionários de escola, que têm o vergonhoso salário básico de R$ 657,97. Queremos um salário digno na carreira destes servidores, tão importantes para o funcionamento das nossas escolas”, disse a presidente do sindicato, Helenir Aguiar Schürer.

Já o presidente da Ugeirm, sindicato que representa servidores da Polícia Civil, pontuou que o governo prometeu de apresentar uma proposta para a categoria, mas ainda não o fez. “O governador Eduardo Leite descumpriu a promessa de nos apresentar uma proposta na primeira semana de abril, não apresentou justificativa e não reagendou nova data. O silêncio e a acomodação são do interesse do governo. O ato público unificado não somente aumenta a pressão sobre o Palácio Piratini, mas também é uma oportunidade de difundir o descaso com a segurança pública junto à sociedade”, afirmou Isaac Ortiz.

 

Em Porto Alegre, ato da Frente dos Servidores Públicos do RS (FSP/RS) pela Revisão Geral dos Salários e em defesa do IPE Saúde em frente ao Palácio Piratini, na Praça da Matriz |  Foto: Isabelle Rieger/Sul21

Durante o ato, os sindicatos também chamaram a atenção para três medidas adotadas pelo governo recentemente que consideram equivocadas ou prejudicaram os servidores.

A primeira delas é a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), em 2022, que era apresentada como saída para a questão do endividamento do Estado com a União, mas a própria Secretaria da Fazenda (Sefaz) apontou que, em 2023, a dívida aumentou em cerca de R$ 10 bilhões. Além disso, como contrapartida do acordo, o Estado se viu forçado a congelar ainda mais gastos.

“O congelamento de investimentos em educação, segurança, saúde, assistência e todas as demais áreas de atuação do poder público, relegam o Estado ao subdesenvolvimento por até 10 anos. Nesse cenário, servidores e servidoras, que já acumulam quase 10 anos de defasagem, ficam sem o direito a reajuste salarial ou melhorias nas suas respectivas carreiras, o que pode levar a um colapso no serviço público estadual”, diz a pauta da FSP.

Também destacam que, com a reforma da Previdência estadual, aprovada em 2019, o governo aumentou as alíquotas previdenciárias, sobrecarregando especialmente aposentados que recebem abaixo do piso do INSS. De acordo com a FSP, servidores chegam a pagar, em um ano, valores superiores ao salário de um mês trabalhado.

Por fim, a pauta da frente aponta que, em 2023, o governo aprovou a reforma no IPE Saúde, aumentando as alíquotas de contribuição e taxando dependentes. A FPS destaca que, na época, alertou que, em um cenário de retirada de direitos e congelamento salarial, além de representar uma grande injustiça, não era a saída para resolver a crise no Instituto. “Passados alguns meses, agora pagando alíquotas mais altas, o que percebemos é a precarização dos serviços prestados e a diminuição da qualidade”, diz a FSP.

Confira mais fotos:

 

Foto: Isabelle Rieger/Sul21
Foto: Isabelle Rieger/Sul21
Foto: Isabelle Rieger/Sul21
Foto: Isabelle Rieger/Sul21
Foto: Isabelle Rieger/Sul21
Foto: Isabelle Rieger/Sul21

Com a confirmação de cinco mortes pelo Centro Estadual de Vigilância em Saúde, o Rio Grande do Sul chegou a 102 óbitos por dengue no ano de 2024. Já são mais de 82 mil casos confirmados da doença no Estado e quase 29 mil em investigação. Até então, 2022 registrava o maior número de mortes pela doença, com 66 casos.

Os óbitos confirmados nesta quarta-feira (24) são de uma mulher de 76 anos, de Rolante, ocorrido em 03 de abril, de um homem de 40 anos, de Santa Rosa, ocorrido em 04 de abril, de uma mulher de 49 anos, de Frederico Westphalen, ocorrido no dia 05, de um homem de 79 anos, de Tapera, registrado no dia 11 e de uma mulher de 89 anos, de Alvorada, ocorrido no dia 14.

Entre os primeiros 73 óbitos por dengue no Rio Grande do Sul em 2024, 73% deles foram de pessoas com 60 anos ou mais. A análise sobre o perfil das mortes pela doença no estado foi feita pelo Centro Estadual de Vigilância em Saúde (Cevs) e publicada pela Secretaria da Saúde (SES) em uma nota informativa no último dia 18.

  • febre alta (39°C a 40°C), com duração de dois a sete dias, dor retro-orbital (atrás dos olhos) 
  • dor de cabeça 
  • dor no corpo 
  • dor nas articulações 
  • mal-estar geral 
  • náusea 
  • vômito 
  • diarreia 
  • manchas vermelhas na pele, com ou sem coceira 

Da Agência Brasil

O primeiro boletim do Programa Voto Com Orgulho, que mapeia pré-candidaturas LGBTI+ nas eleições municipais deste ano, divulgado nesta semana pela Aliança Nacional LGBTI+, cadastrou 150 pré-candidaturas em todo o país, sendo 132 de pessoas LGBTI+ e 18 de pessoas ligadas à causa. Dos 150 pré-candidatos, 147 são para vereadores e três para prefeito.

O diretor de Políticas Públicas da Aliança Nacional LGBTI+ e coordenador geral do Programa Voto Com Orgulho, Cláudio Nascimento, informou nesta quarta-feira (24) à Agência Brasil que pessoas que pretendem concorrer à vereança e à prefeitura nessas eleições podem se cadastrar no Programa Voto Com Orgulho, existente desde 2016.

Nascimento afirmou que, no programa, o objetivo é estimular maior representatividade de pré-candidaturas LGBTI+ nas eleições, de caráter suprapartidário. “Não temos preferência por nenhum partido, porque é um trabalho não governamental, e entende que cada um se organiza do jeito que achar melhor”.

O diretor da Aliança Nacional LGBTI+ celebrou o resultado da primeira parcial do programa este ano, tendo em vista que, em abril de 2020, o número de pré-candidaturas não chegava a 30.

“É um indicador interessante de que possamos ter, este ano, uma representatividade maior da comunidade LGBTI+ na disputa eleitoral. Isso, para nós, é muito importante, porque é o debate que fica dos direitos, da cidadania, que é feito no Legislativo e nas câmaras municipais. Então, é fundamental que tenhamos mais pessoas aliadas à pauta da cidadania LGBTI+, trazendo uma visão específica, própria, da realidade da comunidade”.

Nova parcial deverá ser divulgada a cada uma ou duas semanas, disse Cláudio Nascimento. O cadastramento no Programa Voto Com Orgulho é voluntário e individual e pode ser feito neste endereço. Os resultados finais devem sair até julho. As convenções dos partidos serão realizadas entre junho e agosto, quando serão confirmadas as candidaturas, dando visibilidade ao movimento.

Nascimento afirmou que o foco central é o estímulo a candidaturas LGBTI+ para as eleições municipais, mas é preciso também ter pessoas aliadas à causa nas câmaras municipais.

“É fundamental valorizar e lutar por uma maior representatividade da comunidade LGBTI+ nas câmaras legislativas municipais, mas também reconhecer a importância de ter mais aliados nesses espaços, para ter mais condições de ver sendo viabilizados projetos de lei e propostas legislativas, porque é preciso ter sempre um número mínimo de votos para os projetos de lei”.

O presidente da Aliança Nacional LGBTI+, Toni Reis, destacou que a organização vai apoiar todas as candidaturas e aliadas à causa, oferecendo suporte em relação à violência política, notícias falsas (‘fake news’) e discursos de ódio contra cada candidatura. Segundo ele, o programa é pluripartidário e se constitui como uma rede de cooperação e solidariedade ao pleito eleitoral. Somos cidadãs que devem ter representação nos espaços públicos de poder”, afirmou.

O boletim parcial revela a existência ainda de grande concentração das pré-candidaturas desta população nas regiões Sudeste, Sul e Nordeste, enquanto o Centro-Oeste e o Norte do país apresentam menores números. Até agora, o estado de São Paulo tem o maior número de pré-candidatos à vereança e prefeitura (34), seguido do Rio de Janeiro, com 22, e do Paraná, com 14.

Os estados de Minas Gerais e Pernambuco aparecem, cada um, com nove pré-candidatos, enquanto o Rio Grande do Sul mostra dez pré-candidaturas e, a Paraíba, seis. Os estados da Bahia, Ceará e Santa Catarina têm cinco pré-candidaturas, cada. Alagoas, Espírito Santo, Mato Grosso, Piauí e Rio Grande do Norte registram quatro pré-candidaturas, cada um, e o Maranhão aparece com três. Já os estados do Pará, Goiás e Sergipe contam, cada um, com duas pessoas pré-candidatas e Amazonas e Tocantins com apenas uma pré-candidatura, cada um.

“Há uma distribuição também de pré-candidaturas por vários partidos políticos, mas ainda uma concentração naqueles considerados mais progressistas. Esse também é um dado interessante”, disse Nascimento.

Das pré-candidaturas cadastradas, 46 são filiadas ao PT, 25 ao PSOL, 18 ao PDT, 13 à Rede Sustentabilidade e 13 ao PSB. Dos demais partidos, cinco pré-candidatos são filiados ao PV, seis ao Podemos, quatro ao Cidadania, quatro ao Progressistas, cinco ao MDB, três ao PCdoB, dois ao PSD e ao Solidariedade.

Com apenas uma pré-candidatura estão os partidos Republicanos, AGIR, União Brasil e Partido da Mulher Brasileira (PMB). Do ponto de vista político-ideológico, 94 se identificam como de esquerda, 33 centro-esquerda, 12 centro, sete da extrema-esquerda, dois de direita e dois de centro-direita.

Outro dado do primeiro levantamento é que 52,7% dos pré-candidatos são pessoas negras (pretas e pardas), com 79 pré-candidaturas.

“Esse é um dado muito interessante, porque a maioria das candidaturas LGBTI+ sempre foi de pessoas brancas, em sondagens anteriores”. Já pessoas brancas possuem neste boletim parcial 66 pré-candidaturas, com duas pessoas indígenas, duas amarelas e uma pessoa cigana.

Em relação à identidade de gênero das pessoas cadastradas, 44% são mulheres, entre as 66 pré-candidatas, sendo 28 mulheres cis e 38 mulheres trans e travestis. Os homens cis totalizam 69 pré-candidatos. Há ainda um homem trans pré-candidato e 14 pessoas não binárias. Das mulheres trans, três se declaram pessoas intersexo. Entre as pessoas não binárias, duas também se declararam intersexo.

Quanto à identidade sexual das pré-candidaturas, foram identificados 63 gays, 16 bissexuais, 17 lésbicas, seis pansexuais, duas assexuais, além de 46 pessoas heterossexuais, sendo 29 mulheres trans, 15 pessoas cis aliadas, um homem trans e uma pessoa não binária.

Em termos de escolaridade, o primeiro boletim parcial apurou que 94 pessoas têm curso superior completo, 27 superior incompleto, 22 ensino médio completo, cinco ensino médio incompleto, uma ensino fundamental completo e uma fundamental incompleto. Das pessoas cadastradas com curso superior, 28 têm especialização, 14 mestrado e cinco doutorado.

O Programa Voto Com Orgulho é coordenado pela Aliança Nacional LGBTI+ em parceria com o Grupo Arco-Íris de Cidadania LGBTI+, do Rio de Janeiro, e o Grupo Dignidade, de Curitiba. O programa conta ainda com apoio institucional do Sinergia Instituto de Diversidade Sexual de Minas Gerais, da Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, da União Nacional LGBT, Rede Trans, Sleeping Giants Brasil, Associação de Famílias Homotransafetivas (ABRAFH) e Global Equality Caucus.

A Secretaria Municipal de Educação (Smed) iniciou nesta quarta-feira (24) o chamamento de 300 crianças que serão encaminhadas para matrícula em vagas compradas pelo município em escolas da rede privada de Educação Infantil. A chamada faz parte de um acordo firmado entre a Prefeitura de Porto Alegre e a Defensoria Pública do Rio Grande do Sul (DPE/RS) para atender alunos que não conseguiram espaço nas instituições municipais de ensino.

“Este acordo melhora os fluxos para identificação e disponibilização de vagas para a Educação Infantil na Capital. Nos comprometemos em encaminhar alunos para a rede privada em caso de inexistência de vagas na rede pública ou conveniada”, diz o secretário de Educação, José Paulo da Rosa.

Rosa diz que a prefeitura trabalha intensamente para ampliar a rede própria, mas que instrumentos como este ajudam e dão segurança jurídica para buscar outras possibilidades e atender ao maior número de crianças.

Em fevereiro, no retorno às aulas da rede municipal de ensino de Porto Alegre, o Sul21 publicou uma reportagem informando que cerca de 4,8 mil crianças estavam aguardando vagas na rede ou em escolas conveniadas, segundo dados da Secretaria Municipal da Educação (Smed). Na ocasião, a Smed informou que mais de 2,1 mil crianças já estavam sendo atendidas provisoriamente pela compra de vagas e a ideia era suprir 50% do déficit ainda em 2024, zerando a fila até o final de 2025.

Segundo a Coordenadoria da Unidade de Gestão de Vagas da Smed, a seleção dos alunos que serão contemplados pelo acordo seguiu critérios como a vulnerabilidade social e foi feita a partir de uma lista encaminhada à secretaria pela Defensoria Pública.

A Smed diz que, desde 2022, o município tem feito acordos com a DPE/RS em relação à demanda da Educação Infantil, o que evita o ajuizamento de ações. A pasta informa que mais de 1,5 mil estudantes já foram contemplados por meio da compra pelo município em instituições privadas.

Da Agência Brasil

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), concluiu nesta quarta-feira (24) que não há provas de que o ex-presidente Jair Bolsonaro pediria asilo ao permanecer por dois dias na Embaixada da Hungria, em Brasília, em fevereiro deste ano. A estadia de Bolsonaro na embaixada foi divulgada pelo jornal The New York Times.

Ao avaliar o caso, Moraes argumentou que o ex-presidente não violou a medida cautelar que o proíbe de se ausentar do país.

“Não há elementos concretos que indiquem efetivamente que o investigado pretendia a obtenção de asilo diplomático para evadir-se do país e, consequentemente, prejudicar a investigação criminal em andamento”, afirmou o ministro.

Moraes, no entanto, manteve a apreensão do passaporte do ex-presidente. A retenção do documento e a proibição de sair do país foram determinadas pelo ministro após Bolsonaro ser alvo de uma busca e apreensão durante a Operação Tempus Veritatis, que investiga a tentativa de golpe de Estado no país após o resultado das eleições de 2022.

“A situação fática permanece inalterada, não havendo necessidade de alteração nas medidas cautelares já determinadas”, escreveu Moraes.

A estadia de Bolsonaro na embaixada foi divulgada pelo jornal The New York Times. O jornal analisou as imagens das câmeras de segurança do local e imagens de satélite, que mostram que ele chegou no dia 12 de fevereiro à tarde e saiu na tarde do dia 14 de fevereiro.

As imagens mostram que a embaixada estava praticamente vazia, exceto por alguns diplomatas húngaros que moram no local. Segundo o jornal, os funcionários estavam de férias e a estadia de Bolsonaro ocorreu durante o feriado de carnaval.

Segundo a reportagem, no dia 14 de fevereiro os diplomatas húngaros contataram os funcionários brasileiros, que deveriam retornar ao trabalho no dia seguinte, dando a orientação para que ficassem em casa pelo resto da semana.

Bolsonaro é aliado do primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, que esteve na posse do ex-presidente em 2018. Em 2022, Bolsonaro visitou Budapeste, capital húngara, e foi recebido por Orbán. Ambos trocam constantes elogios públicos.

Associação Mães e Pais pela Democracia (AMPD) e a Faculdade de Educação da UFRGS (Faced) realizam nesta sexta-feira (26), no Centro Cultural da UFRGS – Campus Central, das 8h30 às 19h, o II Congresso de Educação Inclusiva do Rio Grande do Sul.

O congresso reunirá cerca de 300 participantes, presencialmente e por videoconferência, para debater e aprofundar as temáticas de inclusão na educação. A programação conta com 10 mesas temáticas, destacando-se a presença de renomados especialistas como a Dra. Fabiana Mugnol, a jornalista Isabel Ferrari, e a advogada Vanessa Ziotti, entre outros. O evento também será marcado por atividades culturais, incluindo apresentações de Florença Sanfelice, da AFAD, do grupo de dança inclusiva EDGR, da professora Letícia Santetti, e B.Boy Billy Anderson Cassol.

 

“Será um dia dedicado ao aprofundamento das ferramentas de inclusão educacional para atípicos, empoderando famílias e profissionais. Nosso objetivo é mostrar que é possível avançar significativamente na inclusão educacional”, diz a presidente de honra da AMPD e curadora do congresso, Aline Kerber.

O congresso conta com o apoio de 12 entidades educacionais e de atípicos, além do patrocínio de organizações como Cidadania, FETRAFI, SINPRO/RS, SIMPA e Sinapse. As inscrições presenciais estão encerradas, mas ainda é possível participar virtualmente através do Sympla, com ingressos a R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia-entrada).

O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) revisou os números do Índice Geral de Cursos (IGC), divulgado inicialmente no dia 2 de abril, e apontou a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) como a melhor instituição federal de ensino superior do País, atrás apenas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Com a revisão, a nota da UFRGS superou a da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que até então era a melhor federal ranqueada.

O Índice Geral de Cursos avalia os indicadores de qualidade da educação superior, sendo os dados atuais referentes a 2022. Inicialmente, o Inep apontou um crescimento de 1,2% IGC da UFRGS. Após mudanças na metodologia, o Inep revisou os cálculos e apontou um crescimento de 1,9% no indicador, o suficiente para superar a UFMG.

 

*Fonte: https://www.gov.br/inep/pt-br/acesso-a-informacao/dados-abertos/indicadores-educacionais/indicadores-de-qualidade-da-educacao-superior. Resultados calculados pelo método novo do IDD/2022.

Segundo o INEP, a atualização constante dos cálculos dos indicadores visa ao aperfeiçoamento contínuo do IGC e, consequentemente, de sua representação sobre a realidade da educação superior no Brasil.

A UFRGS registrou crescimento pelo quarto ano consecutivo no IGC, chegando a 4,431518 em 2022. O crescimento de 1,9% é o maior registrado na série histórica da universidade.

“A revisão reforça a evolução da nossa UFRGS, reconhecida nos principais rankings nacionais e internacionais como uma das melhores universidades do país. E o que temos conquistado nos últimos anos nos dá segurança de que cresceremos ainda mais no IGC”, diz o reitor da UFRGS, Carlos André Bulhões Mendes.

Da Agência Brasil

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou nesta quarta-feira (24), por 16 votos a 10, o projeto de lei (PL) que prorroga por dez anos a política de cotas raciais para concursos públicos e processos seletivos para a administração pública federal, direta e indireta, incluindo fundações públicas e autarquias.

Além disso, o texto aumenta dos atuais 20% para 30% o total das vagas reservadas para cotas raciais, incluindo ainda os grupos dos indígenas e quilombolas. Atualmente, as cotas raciais para concursos alcançam apenas a população negra, que inclui pretos e pardos. A lei de cotas para concursos, que é de 2014, vence dia 9 de junho deste ano.

O projeto deve passar por uma votação suplementar na CCJ do Senado, ainda sem data marcada. Como tem caráter terminativo, se novamente aprovado, o texto segue direto para Câmara dos Deputados, sem precisar passar pelo plenário do Senado. A exceção é se nove senadores apresentarem recursos contra a matéria, o que pode levar o tema ao plenário.

O relator do projeto, senador Humberto Costa (PT-PE), defendeu a necessidade de prorrogar a política de cotas raciais em concursos públicos argumentando que o racismo segue vivo na sociedade brasileira e mundial. Ele destacou ainda que, apesar de ter aumentado, a representação de negros na administração pública ainda é baixa.

“Um negro no serviço público, um negro no Ministério das Relações Exteriores é mais do que simplesmente um funcionário, é uma voz viva de que é possível se superar o racismo, a discriminação e promover um desenho do Brasil no serviço público que retrate o desenho do Brasil na realidade”, argumentou.

Embora pretos e pardos somem 56% da população, eles compõem 40% da administração pública federal. Nas carreiras de nível superior, só há 27,5% de negros. Entre juízes, apenas 14,5%, segundo dados do Observatório do Pessoal do Governo Federal sistematizados pelo Coletivo Maria Firmina de Servidores(as) Públicos Negros(as).

O projeto foi criticado por senadores da oposição. O líder da oposição, senador Rogério Marinho (PL-RN), argumentou que as cotas deveriam ser apenas sociais, para pessoas de baixa renda.

“Nós estamos abrindo mão do mérito. Nós estamos abrindo mão da proficiência. Nós estamos abrindo mão da produtividade. Nós precisamos melhorar o nosso sistema educacional”, comentou.

O senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) também criticou o projeto, argumentando que as cotas raciais deveriam se limitar às universidades e que devem ser provisórias.

“Melhorar a sociedade passa por meritocracia. Se várias pessoas tentaram e se prepararam para um concurso público, e se elas estavam em igualdade de condições, a cor não justifica o privilégio a mais. Porque as cotas têm que ser antes [do concurso]”, disse.

O relator Humberto Costa tentou rebater as críticas ao projeto. Ele lembrou que a questão racial vai além do social. “Quando um jogador de futebol bem-sucedido, rico, um ídolo, é chamado de macaco num jogo de futebol, num país que se pretende desenvolvido cultural e socialmente, esse discurso de que o problema é meramente social, ele cai por terra”, destacou.

Já o senador Alessandro Vieira (MDB-SE) reforçou que a qualidade do serviço público está resguardada com o projeto porque a cota só vale para quem for aprovado no concurso.

“Ele pode não estar em primeiro do ranking, em segundo, em terceiro. Mas ele passou pelo crivo do concurso público. E não terá o risco, para não ter mal compreendido, de que se está impondo a um cidadão atendimento de segunda categoria”, destacou.

Por outro lado, o senador Marcos Rogério (PL-RO) argumentou que o projeto divide a sociedade. “As cotas raciais, para mim, elas criam o pior cenário possível. Porque ela admite a discriminação racial para atingir um objetivo político, o que leva a uma situação onde as pessoas não são julgadas pelo que são ou pelo que fazem, mas pela cor de sua pele ou por sua origem étnica”, argumentou.

Na semana passada, o relator Humberto Costa acatou uma série de emendas da oposição para aumentar o apoio ao projeto, reduzindo, por exemplo, de 25 para dez ano o prazo de validade da política.

Costa ainda acatou o pedido para excluir o artigo que previa metas de representatividade étnico-racial nos quadros do serviço público, a exemplo da ocupação dos cargos de chefia, que deveria respeitar a proporção populacional dos grupos raciais calculados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)

Outras emendas acatadas pelo relator criaram novas regras para verificação da raça do participante do concurso, como a exigência de normas padronizadas nacionalmente, e também mais diretrizes para o combate às fraudes.

Da Agência Brasil

Além de ser o menor bioma brasileiro o Pampa, presente apenas em parte do Rio Grande do Sul, também é o bioma menos protegido pelas unidades de conservação presentes em todo o país. O dado foi apresentado no seminário técnico-científico promovido pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima para debater a elaboração de um plano de prevenção e controle do desmatamento do bioma.

Leia mais:
Pampa é ameaçado com rápido desaparecimento da fauna e flora
Pampa perdeu 20% de vegetação campestre, aponta MapBiomas

O secretário-executivo do ministério, João Paulo Capobianco, disse que atualmente a região tem apenas 49 unidades de conservação, que alcançam somente 3,03% de sua extensão de cerca de 17,6 milhões de hectares.

Durante o encontro, Capobianco lembrou que o Brasil é signatário das metas de Aichi, estabelecidas na 10ª Conferência das Partes das Nações Unidas (COP10), em 2010, no Japão, que previa a proteção de 17% da área continental e 10% do território marinho por meio da criação de zonas de proteção integral.

O prazo para o cumprimento das metas era 2020, mas não foi cumprido em relação ao bioma Pampa. O compromisso internacional foi renovado pelo governo brasileiro durante a 15ª Conferência das Partes das Nações Unidas (COP15), em Montreal, no Canadá, quando o Marco Global para a Biodiversidade de Kunming-Montreal ampliou as metas para 30% de proteção integral tanto dos biomas terrestres quanto da zona marítima, até 2030.

Capobianco lembrou que faltando pouco para o cumprimento do novo prazo, apenas 122 mil hectares do Pampa correspondem às áreas de proteção integral e 416 mil hectares estão em áreas de conservação, mas são de uso sustentável.

“Temos que todos buscar vencer esses desafios. O governo federal possui seis unidades de conservação no bioma Pampa, se forem criadas, aumentaremos em 2,5% a proteção do bioma, com a inclusão de mais 486 mil hectares, chegaríamos, portanto, a 5,5%, muito longe ainda dos 30%”, alertou.

Para o secretário-executivo do ministério, além de alcançar as metas, o país precisa enfrentar o desafio da degradação e definir quais são as ações tanto no campo técnico-científico quanto nas políticas públicas, que podem promover a conservação e a restauração de áreas de altíssima importância biológica.

“O Pampa, assim como Pantanal, têm uma vocação para uma pecuária ecologicamente sustentável. Isso deve ser fortalecido, mas, evidentemente, temos que evitar a expansão e a substituição dos campos naturais por plantios agrícolas, que podem de fato comprometer o conjunto do bioma”, disse.

O seminário é o primeiro passo para a elaboração do plano de enfrentamento da supressão da vegetação nativa. Após os debates, uma proposta deverá ser submetida à consulta pública para que os planos de cada um dos biomas sejam lançados pelo governo federal.

Segundo Capobianco, essas políticas públicas passarão ainda por avaliações anuais para revisão e ajustes que as tornem cada vez mais eficientes. “O Pampa será parte de um esforço nacional de proteção do conjunto da espetacular, inigualável e incomparável sociobiodiversidade brasileira”, disse.

O Honk!POA, festival de fanfarras ativistas, vai ocupar as ruas da Capital nos dias 26, 27 e 28 de abril para sua quinta edição em Porto Alegre. Grupos musicais de diversos lugares do país que irão se apresentar em locais públicos da cidade. Além disso, estão previstas uma série de atividades e oficinas em quatro comunidades fora do eixo central de Porto Alegre: Areal da Baronesa, Vila Planetário, Ilha do Pavão e Morro da Cruz.

Antes mesmo da abertura oficial, na quinta-feira (25), às 19h, a equipe do Honk e artistas convidados recebem o público no IAB-RS (R. Riachuelo, 579, no Centro Histórico) para assistir ao documentário HONK United POA (duração de 25 minutos), com um salve personalizado do Ken Field (EUA-MA). Após a exibição, acontece um bate-papo com Davi Maia Aipim (DF), Elisa Caldeira (RJ), Ana Juk (RS) e Luciano Fernandes (RS) sobre performances circenses no contexto Honk.

A programação se inicia nesta sexta-feira (26), com as apresentações das fanfarras pelas ruas centrais da cidade. Os locais estão sendo definidos pela equipe do Honk e Prefeitura Municipal de Porto Alegre e serão divulgados na página do evento no Instagram. No sábado (27), ocorrem as oficinas e apresentações nas regiões do Areal da Baronesa, Vila Planetário, Ilha do Pavão e Morro da Cruz. E no domingo (28), um grande cortejo com todas as fanfarras percorre as ruas de Porto Alegre.

O festival acontece desde 2006 em diversos lugares do mundo, mas ganhou força no Brasil quando estreou no Rio de Janeiro em 2015. O Honk se caracteriza por ser totalmente independente e se fortalece graças ao apoio das pessoas para arcar com despesas relacionadas à infraestrutura, logística, taxas da prefeitura e divulgação do evento. Todo o ano, uma série de ações são propostas pela produção e ainda é possível contribuir com a edição 2024 pelo Instagram @honkpoa. O Honk reúne por aqui aproximadamente 10 mil pessoas em cada edição. Esse ano também estará sendo realizado em quatro comunidades parceiras, reunindo 300 músicos de diferentes capitais do Brasil e mais de 100 voluntários trabalhando para que o festival aconteça.

Criado nos Estados Unidos, o festivalQ conquistou o afeto dos brasileiros, que já tinham em sua história a tradição de unir os sopros e percussões em seus carnavais de rua. Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, Belo Horizonte, Curitiba e Porto Alegre movimentam os grupos de sopro e percussão de todo o Brasil, fazendo intercâmbios de grupos. O Honk!POA é um dos mais aguardados eventos de rua da capital gaúcha e, em sua quinta edição (foram três presenciais e uma edição online durante a pandemia), trará fanfarras do Rio de Janeiro, Santa Catarina e de Brasília para tocar com as nossas, que já somam muitas desde que esse movimento começou.

 

Foto: Diogo Vaz/Divulgação

@batesopra (RS) é a fanfarra mais querida de Porto Alegre, que há 10 anos vem ocupando as ruas e os palcos do país com seu repertório autoral, marcando seu espaço na cena da música instrumental independente

@charangaencarnada (SC) é formada por uma diversidade de pessoas que com seu som e movimentos refletem a energia das ruas. Musicistas e performers de circo trazem malabares de fogo e uma sonoridade diferenciada, com um repertório variado que envolve clássicos da música brasileira, pops internacionais e funks da nova geração.

@colmeia.trompete (RS) é um coletivo musical formado por pessoas que estão aprendendo a tocar trompete e tem na Colmeia uma oportunidade de se experimentar artisticamente.

@coletivo_de_trombones de vara a noite (RS) é uma formação recente de amigos e pessoas interessadas em desenvolver suas práticas musicais trombonísticas. O grupo existe desde 2023 e se reúne semanalmente para a prática e aperfeiçoamento do fazer musical através do trombone de vara!

@fanfarradaponte (SC) é um coletivo que desde 2020 se dedica ao estudo de ritmos brasileiros e tem atuado no fortalecimento do carnaval de rua e no movimento neofanfarra de Floripa. Eles ainda contam com o Núcleo de Estudos Fanfarra da Ponte, que trabalha na base, investindo na formação de músicos iniciantes e intermediários, além de musicalização.

@la_brasalunera (RS) é um grupo de candombe formado por multiartistas de diversas nacionalidades, entre elas, uruguaios, colombianos e brasileiros, que se reúnem há cerca de 3 anos nas praças de Porto Alegre desenvolvendo seu toques, danças, estudos e pesquisa sobre o Candombe, ritmo afro-uruguaio.

@avisemashana (RS) é um coletivo que desde 2016 faz longos e misteriosos cortejos celebrando o tradicional e o novo da música popular brasileira, das marchinhas ao funk, vibrando diferentes gerações pelo direito de ser feliz. E eles capricham muito nas fantasias!

@oblocodobeijo (RS) busca a representação do ato de beijar como símbolo dos desejos, das manifestações de alegria, da integração das diferenças e das incontáveis possibilidades de relações que existem no mundo. O bloco propõe apresentações que interagem com o público, encenando de clássicos do cinema a críticas políticas e sociais, sempre com muito humor e beijo na boca.

@mulembadacaxu (RS) é da cidade de Cachoeirinha e foi fundado em 2023. Esse ano o coletivo fez seu primeiro desfile de carnaval de Cachoeirinha, com uma bateria integrada por 33 membros, e agora chegam ao Honk!POA pra mostrar tudo que eles vem construindo por lá!

@magmagroove (RS) surgiu da pesquisa com percussão de sete musicistas de Porto Alegre: o ponto de encontro é a rua, com os ritmos do mundo. Surdo, caixa, repinique e chocalho são algumas das vozes cantadas por células rítmicas em suas variadas combinações. O coletivo mergulha nas manifestações populares brasileiras para se alimentar do que há de mais genuíno no Brasil: sua música e a brincadeira como forma de ritualização dos saberes e relações.

@maluvidas (BSB) são um grupo composto por mulheres cuja proposta é expressar as inquietações e pautas políticas femininas e mostrar que lugar de mulher também é na música e na arte de rua. Com um repertório de músicas sempre compostas ou interpretadas por grandes artistas femininas, a fanfarra busca trazer cada vez mais mulheres para o universo da música de rua e dialogar em espaços abertos com som, festa, afeto, ativismo, feminismo e luta.

@blocomarimbondo Não Respeita (RJ) é um coletivo que se propõe a tocar músicas que conversam com o espaço da cidade, em sua multiplicidade e suas contradições. A regra é dar musicalidade à miscelânea de histórias musicais que podem ser contadas no espaço público.

@no.caminhoteexplico (RS) é um grupo que foge do habitual e traz no repertório a pluralidade cultural e musical brasileira e latino-americana, mesclando diversos ritmos: baião, forró, samba, funk e cumbia.

A São Fanfarrão (RS) é um grupo de sopros e percussão originário da Banda Marcial São João. De característica mais descontraída, traz um repertório pop nacional e internacional, temas de filmes, com canções clássicas e modernas.

@sopresuasferas (RS) é um coletivo feminino e feminista criado para construir um espaço musical mais seguro para as mulheres. O SSF, como é carinhosamente chamado, iniciou com apenas onze mulheres e hoje já soma mais de quarenta integrantes organizadas em grupos de sopro, percussão e performance corporal.

@tribloco.poa nasceu em uma junção de músicos do RS e do RJ, inspirado nos blocos de “teckinão” do carnaval de rua do Rio de Janeiro. Com um repertório recheado de grandes sucessos do tecnomusic internacional, promete botar a energia lá no alto e o público pra correr, pular, dançar até o fim.

O Unides dos Bloquinhos e del Circo de Rua (SC) é um grupo que reúne música e circo para criar intervenções urbanas artísticas, experimentando ritmos como mambo, bolero, reggae, ska, ijexá, alujá, ciranda e música romena. O coletivo é uma mistura gostosa de gêneros, cores e nacionalidades, incluindo pessoas de diversos estados brasileiros e países latino-americanos.

@arealdofuturo é um projeto cultural voltado à comunidade onde cerca de setenta crianças têm aulas de percussão e dança o ano inteiro! O Areal da Baronesa é um território negro encravado no bairro Menino Deus e um dos berços do samba em Porto Alegre, onde carnaval é tradição que atravessa gerações.@gurizadai é um projeto onde as crianças têm a oportunidade de aprender instrumentos de sopro e percussão e mergulhar na cultura musical popular da cidade. O projeto existe desde 2021, promovendo oficinas de música na ONG Misturaí, localizada na Vila Planetário em Porto Alegre.

O @maracatutruvao, desde 2004 em contato direto com os protagonistas dessa tradição, estabelece uma ponte entre Porto Alegre e Recife, difundindo a musicalidade de bombos, ganzás e gonguês, seus cantos e danças, através de oficinas e de apresentações com repertório tradicional e autoral.

A Fanfasystem (RS) é a junção do coletivo Cumbia na Rua com músicos de percussão e outros instrumentos, que promovem musicalidades pelas ruas desde 2016.

Da Agência Brasil

Violência policial, dificuldade da população em acessar direitos básicos, demora na demarcação de terras indígenas e na titulação de territórios quilombolas são alguns dos aspectos que a organização não governamental (ONG) Anistia Internacional resgatou para descrever o Brasil no relatório O Estado Dos Direitos Humanos no Mundo, divulgado nesta quarta-feira (24). 

O documento contém análises de 156 países e dedica cerca de cinco páginas ao Brasil. No início do capítulo sobre o país, destaca-se que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu seu terceiro mandato com uma tentativa de golpe de Estado, que culminou na condenação de 30 pessoas até dezembro de 2023. Até março deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) condenou 130 pessoas por envolvimento com os atos, responsabilizadas por crimes como associação criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e deterioração de patrimônio tombado.

A organização lembra ainda que o principal oponente de Lula, o ex-presidente Jair Bolsonaro, tornou-se inelegível por oito anos, até 2030, por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A corte chegou a negar recurso ao qual Bolsonaro tinha direito, mantendo seu entendimento quanto à questão.

A seção que trata do Brasil foi subdividida em direitos econômicos, sociais e culturais; uso excessivo da força; impunidade; pessoas defensoras dos direitos humanos; direito a um meio ambiente saudável; direito dos povos indígenas; violência sexual e de gênero; e direitos sexuais e reprodutivos. A Anistia recordou eventos climáticos recentes que afetaram a população de diversos estados, como São Paulo, Acre, Maranhão e Pará, além de Manaus, com dezenas de milhares de pessoas atingidas. No caso do Acre, o contingente chegou a 32 mil pessoas, de acordo com o relatório.

Truculência policial

Outro problema ainda em aberto, ressalta a organização, é o total de 394 pessoas mortas durante ações policiais na Bahia, no Rio de Janeiro e em São Paulo, onde foram realizadas as operações Escudo e Verão, uma seguida da outra, para apurar denúncias de violações de direitos humanos. Foram mencionadas, no documento, apenas as mortes do período de julho a setembro de 2023, o que pressupõe que o número é ainda maior e a situação mais grave.

A conduta dos policiais que atuaram nas operações Escudo e Verão, que abrangeram a Baixada Santista foi questionada inúmeras vezes. Uma das organizações que cobraram explicações das autoridades, anteriormente, foi a Human Rights Watch. O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) também alertou para os abusos, salientando, após enviar uma comitiva que coletou depoimentos de pessoas ligadas às vítimas, que os agentes de segurança cometeram, inclusive, torturas.

“Intervenções policiais continuaram a causar a morte de crianças e adolescentes. Em 7 de agosto, Thiago Menezes, de 13 anos, foi morto ilegalmente pela polícia quando passeava em uma motocicleta. Em 4 de setembro, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro decretou a prisão preventiva de quatro policiais envolvidos no homicídio. Em 12 de agosto, Eloah Passos, de 5 anos de idade, foi atingida por uma bala perdida enquanto brincava dentro de casa. Em 16 de agosto, Heloísa Santos, de três anos, morreu após ser baleada por um policial quando estava dentro de um carro com sua família”, lembra a ONG em outro trecho do relatório.

O conjunto de fatos que a organização registra sobre os casos de impunidade de policiais também preocupa. “O uso ilegal da força pela polícia continuou sem ser investigado de forma rápida ou eficaz. O desaparecimento forçado de Davi Fiuza, de 16 anos, durante batida policial em Salvador, na Bahia, em 2014, permaneceu sem solução. Três policiais indiciados pelo assassinato do ativista Pedro Henrique Cruz em 2018 em Tucano, também na Bahia, ainda não haviam sido levados a julgamento, e sua mãe, Ana Maria, continuava a sofrer ameaças e intimidações”, diz a Anistia, que enviou representantes a uma reunião com o procurador-geral de Justiça do Ministério Público da Bahia, Pedro Maia, no último dia 16, para tratar da execução do ativista Pedro Henrique Santos Cruz, que militava contra a violência policial no estado.

Da Agência Brasil

Períodos longos de estiagem ou temporadas de chuvas intensas causam estranhamento em líderes indígenas nas cinco regiões do país. Mais do que surpresa, as mudanças climáticas impactam a produção no campo e afetam a qualidade de vida de comunidades inteiras, segundo caciques que estão presentes no Acampamento Terra Livre (ATL), em Brasília, nesta semana.

Ouvidos pela Agência Brasil, cinco caciques de diferentes partes do Brasil lamentam a destruição e a poluição dos recursos naturais e também as pressões dos não indígenas contra seus locais preservados.

Região Sudeste

O cacique Baiara Pataxó, de 64 anos, que vive em uma comunidade na cidade de Açucena, Minas Gerais, testemunha que, na última década, as plantações de mandioca, milho e feijão deixaram de render como antes. Os produtos são vendidos para comerciantes das cidades próximas e sustentam a comunidade formada por 80 pessoas.

“Antes, as chuvas começavam em setembro. Nos últimos anos, só em dezembro. Claro que isso não é normal”, diz Baiara Pataxó.

Além das mudanças climáticas, a comunidade em Minas Gerais foi impactada pelo crime ambiental de 25 de janeiro de 2019, quando a barragem da Mina Córrego do Feijão, da mineradora Vale, em Brumadinho, se rompeu. Além de causar a morte de 272 pessoas, os rejeitos poluíram os rios Doce e Corrente, na região. “Tudo isso tem sido terrível. Atualmente, estamos trabalhando na recomposição de 45 mil mudas de árvores nativas e frutíferas. Vinte indígenas estão trabalhando nessa tarefa”, afirma.

Região Norte

A relação das mudanças climáticas com outras ações criminais também é presenciada pelo cacique Dario Kopenawa Yanomami, de 39 anos, que vive em Roraima.

“Estamos convivendo lá com a invasão dos mineradores e garimpeiros. Somos uma comunidade de 32 mil pessoas sofrendo com mudanças climáticas e, ao mesmo tempo, com a contaminação pelo mercúrio”, lamenta.

O cacique verifica que as chuvas tiveram regime alterado e estão “bem diferentes” do que eram na adolescência e infância dele na região.

“Temos  pedido nossas chuvas aos nossos xamãs [guias religiosos]. Mas é fato que a roça de taioba, a macaxeira e a banana não são como antes.”

Região Nordeste

O cacique Tchydjo Ue, de 76 anos, do povo Fulni-ô, vive em uma aldeia, na cidade de Pacatuba, em Sergipe, onde estão 86 famílias. Ele considera que hoje o cenário é completamente transformado em relação ao tempo da juventude.

“Estamos próximos do litoral (96 quilômetros), mas é muito mais quente do que antes. Os mais jovens têm sentido a dificuldade de trabalhar na roça e acabam desistindo”, diz o cacique.

As mudanças de clima combinaram com as de comportamento.

“Os jovens também se transformaram. Querem ir embora. Vivem na internet e no celular”, afirma. Para diversificar as atividades, o líder indígena diz que tem estimulado a atividade do artesanato, já que o milho, a mandioca e o feijão nem são o suficiente para subsistência.  Outra atividade é de conhecimento da natureza. “Sou chamado para falar na Europa e nos Estados Unidos sobre os saberes indígenas, mas é preciso que saibam mais da gente por aqui.”

Região Centro-Oeste

A destruição do cerrado e as mudanças de clima foram acompanhadas de perto pela cacique Tanoné, que tem 70 anos e vive no Distrito Federal desde o ano de 1986. Ela lembra, com lamento, que Brasília tinha temporadas frias, o que “desapareceu”.

Na comunidade em que ela vive, no Setor Noroeste, há 16 famílias. Na região, que cresceu com a expansão imobiliária, ela diz que tem atuado para recompor o cenário. São 16 hectares de área em que as plantações de milho, feijão, jatobá e algodão iluminavam o cenário.

“O feijão virou raro. O algodão, também. Ou é falta de chuvas ou temporais intensos”. A cacique pediu a entes governamentais a plantação dos ipês para voltar a deixar o lugar com cores novas.

Região Sul

Na cidade de José Boiteux, em Santa Catarina, uma comunidade de 2,3 mil pessoas da etnia xokleng está preocupada com a aproximação da temporada de chuvas, que se tornaram mais intensas na última década.

Segundo o cacique Setembrino, de 53 anos, da mesma etnia, o trabalho principal agora é ficar atento às cheias e ensinar preservação ambiental para os indígenas em sala de aula.

“É certo estar atento à Amazônia, mas precisamos lembrar também do Sul. Estamos trabalhando agora com o plantio do pinheiro. A gente tem que olhar para agora e depois.”

“Como passou a chover muito mais, a barragem de contenção costuma chegar ao limite com recorrência. Nós não temos mais lugar seguro para morar”, diz uma das lideranças da comunidade etnia xokleng, Geomar Crendô.

O Sindicato dos Engenheiros (SENGE-RS) promove a 24ª edição dos Painéis da Engenharia trazendo ao centro do debate a defesa e o fortalecimento dos direitos do trabalhador, com a participação do senador Paulo Paim (PT/RS) e do secretário executivo do Ministério do Trabalho e Emprego, Francisco Macena. O evento acontece no dia 29 de abril, segunda-feira, às 18h, no auditório do SENGE-RS (Av. Erico Verissimo, 960, Porto Alegre/RS). As inscrições são gratuitas e as vagas limitadas.

Em alusão ao Dia do Trabalhador, o evento irá tratar sobre a necessidade de defender e recuperar direitos trabalhistas perdidos com a Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), com destaque para a precarização do trabalho a partir da terceirização e a necessidade de atualização da CLT, considerando o desenvolvimento tecnológico e as múltiplas modalidades de atividade laboral.

Outro tema que também estará em debate é o trâmite do Projeto de Lei 2.099/2023, que veda a contribuição sindical de trabalhadores não filiados, mesmo que o valor seja aprovado em assembleia da categoria, e as constantes obstruções da oposição aos trabalhos da Comissão de Assuntos Sociais, no Senado Federal.

Para confirmar sua presença e participar: INSCREVA-SE

A desembargadora Laura Louzada Jaccottet, da 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do RS, deferiu nesta terça-feira (23) o pedido liminar que garante a utilização das novas tabelas remuneratórias impostas às instituições hospitalares credenciadas ao IPE Saúde até que seja julgado o mérito da ação. A decisão revoga a liminar anterior concedida pela 7ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre, que suspendia o uso do novo modelo de remuneração para 13 instituições hospitalares — a norma já vinha sendo cumprida nos demais hospitais, segundo o governo do Estado.

Leia mais:
Nova crise do IPE Saúde confirma alertas feitos antes da reforma, dizem servidores
IPE Saúde perdeu 30 mil usuários após a reforma do governo Leite
Fazenda admite que dívida do RS com a União é impagável e necessidade de rever RRF

A decisão atende a um pedido do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) e determina a utilização das novas tabelas remuneratórias, previstas nas Instruções Normativas n. 01, 02,03,04 e 06 do IPE Saúde, destinadas a todos os prestadores credenciados. O MP argumentou o possível enriquecimento ilícito desses prestadores de serviços, referindo também que nenhum estabelecimento é obrigado a manter relação com a autarquia (IPE Saúde) e que a redução nas margens abusivas praticadas foi amplamente compensada pelo aumento das diárias, taxas, materiais e honorários médicos, demonstrando que não houve excesso do poder regulamentar.

A decisão da desembargadora considerou que a legislação estadual outorga ao IPE Saúde o poder normativo de instituir as tabelas próprias para servir de base à remuneração dos prestadores de serviços, e que o equilíbrio econômico-financeiro busca a proporção na relação entre as partes, “donde não se pode admitir, por exemplo, a aplicação de sobrepreços, conduta demonstrada pelos agravantes”, diz a magistrada.

A partir das novas normativas, que entraram em vigor em 1º de abril, o IPE Saúde passou a ressarcir os medicamentos de acordo com o valor do princípio ativo, sendo que todos os medicamentos atualmente cobertos seguirão disponíveis nas novas tabelas. A diferença do valor entre o que os hospitais recebiam e passarão a receber por medicamentos será realocada para o reajuste de serviços, aumentando em até 90% o repasse para esse tipo de contas, segundo o IPE Saúde.

A entrada em vigor das tabelas era questionada pela Federação dos Hospitais (Fehosul) e pela Federação Hospitais Filantrópicos do RS (Federação RS). As entidades, que estimam atender 60% dos usuários do plano, afirmam que as medidas poderão reduzir em até 33% o faturamento anual, o que levaria as instituições a operar com prejuízo.

A decisão considerou, a partir de dados apresentados pelo Estado, que o IPE Saúde estava pagando aos hospitais valores acima do mercado pelos medicamentos ressarcidos. Também ponderou que medicamento genérico pode ser intercambiável com o medicamento de referência, desde que eficácia, segurança e qualidade sejam devidamente reconhecidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

“Sendo assim, não há evidência a conferir suporte a alegação de que a adoção do princípio ativo para a formação de preço da Lista de Preços de Mercado (LPM/Ipe-Saúde), importe na subcategorização de pacientes, conforme alegados pelos autores. Em resumo, mediante as novas tabelas de remuneração, houve aumento de 45% nos valores das diárias e taxas para a maior categoria dos prestadores credenciados, justamente levando em conta a redução dos valores de medicamentos e dietas, o que implicaria o aumento no faturamento da maioria dos prestadores de serviços do Sistema Ipe-Saúde. Aliás, consta nos autos informação do Ipe-Saúde destacando que o novo modelo remuneratório implicará impacto orçamentário e financeiro de aumento em 0,87% em relação a 2022”, conclui.

A magistrada também considerou que há nos autos informações demonstrando que o IPE Saúde buscou a devida interação com os hospitais para a elaboração do referido Novo Modelo de remuneração, constando que realizou mais de 50 encontros com entidades credenciadas e suas associações, de forma coletiva e individual, a fim de esclarecimentos e negociações relativamente às Tabelas Próprias e à pretensão de adequação legal e econômica da remuneração.

Da Agência Brasil

Participantes do 20ª Acampamento Terra Livre, maior mobilização indígena do país, que acontece esta semana, em Brasília (DF), divulgaram o teor da carta que pretendem entregar a representantes dos Três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) a partir desta terça-feira (23).

Entre uma análise de conjuntura e críticas a iniciativas que lideranças consideram contrárias aos direitos e interesses indígenas, como a aprovação do chamado Marco Temporal (Lei 14.701/2023), o documento apresenta 25 “exigências e urgências” do movimento.

“A entrada em vigor da Lei no 14.701/2023 é o maior retrocesso aos nossos direitos desde a redemocratização e resulta no derramamento de sangue indígena em todo o país”, sustentam as entidades signatárias do documento ao se referir à lei que o Congresso Nacional aprovou em setembro do ano passado, uma semana após o Supremo Tribunal Federal (STF) declarar inconstitucional a tese do Marco Temporal.

Das 25 reivindicações, 19 são endereçadas ao Poder Executivo; três ao Poder Legislativo e três ao Poder Judiciário. O primeiro dos 25 itens é uma cobrança ao governo federal: a imediata conclusão do processo de demarcação de quatro terras indígenas cujas portarias declaratórias já foram emitidas pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, ou seja, que, legalmente, estão aptas a serem homologadas: Morro dos Cavalos (SC), Toldo Imbu (SC), Xucuru Kariri (AL) e Potiguara de Monte-Mor (PB).

Nesta segunda-feira (22), um dos coordenadores da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Kretã Kaingang já tinha dito a jornalistas que a homologação das duas áreas reivindicadas em Santa Catarina é uma “questão de honra para o movimento”. Além disso, como o Ministério da Justiça e Segurança Pública já havia dado o aval à conclusão do processo demarcatório, o movimento indígena esperava que o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, assinasse o decreto de homologação na última quinta-feira (18). Na ocasião, véspera do Dia dos Povos Indígenas, Lula homologou dois territórios (Aldeia Velha, na Bahia, e Cacique Fontoura, em Mato Grosso). E admitiu que a decisão de não homologar os outros quatro territórios foi política.

“Sei que isso frustrou alguns companheiros e algumas companheiras, mas fiz isso para não mentir para vocês, porque temos um problema, e é melhor a gente tentar resolver o problema antes de assinar”, disse Lula, diante de dezenas de indígenas. Segundo o presidente, entre os problemas identificados nas quatro áreas não homologadas está a ocupação por não indígenas.

“Temos algumas terras ocupadas por fazendeiros, outras por gente comum, possivelmente tão pobres quanto nós. Tem umas que têm 800 pessoas que não são indígenas ocupando. Tem outras com mais gente. E tem alguns governadores que pediram mais tempo para saber como vamos tirar essas pessoas, porque não posso chegar com a polícia e ser violento com as pessoas que estão lá”, acrescentou o presidente, na ocasião.

Em sua carta aos Três Poderes, o movimento indígena critica o recuo de Lula em relação aos quatro territórios. “Enquanto se discute marcos temporais e se concede mais tempo aos políticos, nossas terras e territórios continuam sob ameaça; nossas vidas e culturas em risco e nossas comunidades em constante luta pela sobrevivência. Não podemos simplesmente dar um tempo enquanto nossos direitos fundamentais estão sendo negligenciados. O tempo que queremos é o tempo de ação imediata, onde cada segundo conta para honrarmos nossa ancestralidade e para proteger o futuro de nossas gerações e da humanidade”.

O movimento também pede o fortalecimento institucional das instâncias federais de defesa e promoção dos direitos indígenas (Ministério dos Povos Indígenas, Fundação Nacional dos Povos Indígenas – Funai e Secretaria de Saúde Indígena – Sesai), além de pedir uma atuação mais forte do governo federal contra projetos e ações anti-indígenas. Também cobram a criação de secretaria específica para a educação escolar indígena, no âmbito do Ministério da Educação, a introdução do ensino médio e técnico profissionalizante nas escolas indígenas, entre outras reivindicações (leia aqui o documento na íntegra).

Costumeiramente, o documento com as principais reivindicações discutidas durante o tradicional Acampamento Terra Livre é aprovado, redigido e divulgado perto do fim do encontro, para ser encaminhado às instâncias de poder oficial posteriormente. Segundo Kleber Karipuna, outro dos coordenadores da Apib, o movimento este ano decidiu inovar a fim de cobrar respostas às demandas ainda com os participantes do evento acampados próximos à Esplanada dos Ministérios.

“Nos anos anteriores, a gente lia a carta no final do acampamento. [Desta vez] estamos tirando um documento inicial, com nossas pautas e demandas. Com isso, esperamos começar a receber [as primeiras] respostas a algumas das questões postas. A ideia é já começarmos a cobrar [respostas], e desde a semana retrasada já oficiamos vários ministérios, pedindo agenda [reuniões] e demandando nossas pautas. E alguns ministros já confirmaram que irão nos receber”, afirmou Kleber.

Da Agência Brasil

O procurador-geral da República, Paulo Gonet, pediu nesta terça-feira (23) à Polícia Federal (PF) o aprofundamento das investigações envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro no caso da fraude em certificados de vacinação contra a covid-19.

No mês passado, Bolsonaro, seu ex-ajudante de ordens, Mauro Cid, e mais 15 acusados foram indiciados pela PF. Após o indiciamento, o inquérito foi enviado para a PGR decidir se uma denúncia será oferecida contra o ex-presidente e os demais investigados.

O procurador entendeu que algumas diligências são necessárias para aprofundar a investigação, como juntada de laudos periciais em celulares e computadores apreendidos e informações do Departamento de Justiça dos Estados Unidos.

‘É relevante saber se algum certificado de vacinação foi apresentado por Jair Bolsonaro e pelos demais integrantes da comitiva presidencial, quando da entrada e permanência no território norte-americano. Ao menos seria de interesse apurar se havia, à época, norma no local de entrada da comitiva nos EUA impositiva para o ingresso no país da apresentação do certificado de vacina de todo estrangeiro, mesmo que detentor de passaporte e visto diplomático”, escreveu Gonet.

De acordo com as investigações, a fraude para inclusão de informações falsas no sistema do Ministério da Saúde tinham com o objetivo de facilitar a permanência de Bolsonaro nos Estados Unidos, país que adotou medidas sanitárias contra estrangeiros que não se vacinaram contra a covid-19.

No dia 30 de dezembro de 2022, um dia antes do término do mandato, Bolsonaro viajou para os Estados Unidos. Dias depois, em 8 de janeiro de 2023, as sedes dos Três Poderes foram invadidas e depredadas.

Na segunda-feira (22), a deputada estadual Bruna Rodrigues (PCdoB) acompanhou sua filha Kamilly, de 19 anos, para formalizar uma denúncia de assédio sexual contra um homem vinculado ao consulado americano. Kamilly teria sido assediada em uma festa durante este final de semana, de acordo com o que a deputada informou na rede social X. “Por que lutamos pelo direito das mulheres serem livres? Porque a violência sexual está sempre perto de todas nós. E dessa vez foi com a minha filha”, escreveu Bruna.

Conforme a assessoria da deputada, a festa aconteceu no sábado à noite, em um bar localizado no bairro Cidade Baixa. Kamilly estava na companhia do padrasto e de membros do gabinete de Bruna comemorando o aniversário de uma das assessoras parlamentares. Também estava presente uma servidora do consulado americano, namorada de um membro do gabinete. No início da madrugada, chegaram funcionários do setor de TI do consulado. Eles passam pequenos períodos de tempo prestando serviço em diferentes cidades do mundo onde o consulado atua.

Um dos funcionários do consulado, um homem norte-americano, teria feito duas abordagens a Kamilly. Na primeira, conforme a assessoria, teria a elogiado em inglês enquanto passava a mão nos braços e no rosto dela, e Kamilly teria negado a investida. O homem também teria dito que queria levá-la a um motel para “dividi-la” com o padrasto dela. O padrasto, junto de um membro do gabinete, teria intervindo e pedido que o homem parasse.

A segunda abordagem teria sido mais agressiva, com o homem encurralando Kamilly na parede do bar e tirando o celular da mão dela. Ele teria segurado as mãos de Kamilly com força e tentado beijá-la à força. “Ela começou a se debater e não conseguia se desvencilhar. Nesse meio tempo, Kamilly começou a gritar pedindo ajuda”, informa a assessoria. O padrasto precisou novamente intervir e afastar o homem. Conforme a assessoria de Bruna, o bar onde o caso teria acontecido tem câmeras de segurança, mas que não gravam as imagens.

A denúncia foi realizada na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) nesta segunda-feira (22). “Ele [o funcionário do consulado] sai do país na sexta-feira, então [a delegacia] tem que ser ágil”, disse a deputada Bruna em entrevista ao Sul21. “A Kamilly tem 19 anos e estava em uma festa com amigos. Ela só sai com rede de apoio, tendo em vista que eu estava no interior, mas nós temos alguns combinados de segurança porque recebemos muitas ameaças de situações ruins. É uma situação complexa, triste demais. O consulado precisa se manifestar. Sempre tive uma ótima relação com o consulado, mas não vou aceitar qualquer tipo de omissão”, afirmou.

Procurada, a organização enviou a seguinte nota ao Sul21:

A Embaixada e Consulados dos EUA tratam todas as alegações de conduta inadequada com seriedade. Por política interna, não comentamos questões pessoais. 

Em vídeo anexado à postagem, Bruna afirma: “Esse caso, infelizmente, é vinculado a uma estrutura diplomática. Esse menino é do Consulado Americano. Esse não é um caso isolado, já tem outro caso sendo acompanhado, que já chegou até mim, e que nós vamos denunciar”. A deputada se refere a uma denúncia de estupro realizada por uma mulher contra outro servidor do consulado.

“Estamos articulando para que ela [a vítima] relate a situação na Comissão de Direitos Humanos. Já são dois casos envolvendo o consulado, dois servidores diferentes, mas nessa gestão de ficar aqui uma semana e depois ir embora para outra cidade, estado ou país. Com uma filha de deputada estamos conseguindo agilizar, mas com a outra moça infelizmente não deu tempo, ela fez o boletim de ocorrência quase um mês depois e o homem já tinha ido embora. Mas o consulado vai ter que responder sobre isso”, informa a assessoria de Bruna.

A Prefeitura de Porto Alegre realizou nesta terça-feira (23) o leilão eletrônico de 18 imóveis distribuídos por diversos bairros da Capital. Contudo, um dos imóveis que estava previsto para ser leiloado, a antiga sede da Epatur (Empresa Porto-Alegrense de Turismos), na Cidade Baixa, foi retirado da lista em razão de uma decisão judicial.

Autora da ação, a vereadora Karen Santos (PSOL) questionou na Justiça, por meio de uma ação popular, o leilão, argumentando que, além de ser uma liquidação do patrimônio público, não havia no edital os laudos que justificassem o valor de R$ 13 milhões para o imóvel e mais três matrículas situadas ao lado do terreno. Também argumentou na ação que o município não comprovou o interesse público que justificasse a alienação dos bens imóveis.

A vereadora pontua ainda que o prédio está localizado na Cidade Baixa, território negro da cidade, e também local histórico do Movimento Negro e das lutas, considerando sua proximidade ao Largo Zumbi dos Palmares. “Reivindicamos o terreno para instalação do Museu da História e Cultura Negra, como já aprovado em lei municipal, no ano de 2010, e ainda não executado por falta de iniciativa das gestões municipais, sendo um dos principais argumentos a falta de um terreno/local para a instalação”, diz a vereadora.

Em sua decisão, o juiz Gustavo Borsa Antonello, da 4ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central da Comarca de Porto Alegre, reconheceu, citando matérias publicadas no site da Prefeitura, que os imóveis compõem “importante espaço cultural e histórico da comunidade negra porto-alegrense, justificando a suspensão provisória dos atos de alienação quanto a esses”. “E se há destinação pública a alienação por meio de leilão se reveste de ilegalidade”, diz a decisão.

Ele também acatou o argumento de que o edital não apresentou os laudos de avaliações dos imóveis em questão. Antonello determinou, então, a suspensão do leilão destes imóveis.

Em nota, a Secretaria de Administração e Patrimônio de Porto Alegre (Smap) informou que a Prefeitura foi surpreendida por uma “decisão ocorrida no plantão do judiciário em que o contraditório ficou prejudicado”, mas informou que cumpriu a decisão e não incluiu os imóveis no leilão.

 

Foto: Isabelle Rieger/Sul21

A Smap atribuiu à decisão judicial o fato de o leilão, em que a Prefeitura pretendia arrecadar ao menos R$ 43 milhões, não apresentar nenhum interessado, mesmo com relação aos imóveis que não estavam embargados.

“Todavia, a insegurança jurídica deve ter causado o prejuízo no leilão como um todo, uma vez que não houve interessados no certame de hoje. Iremos recorrer da decisão por meio da Procuradoria Geral do Município e temos absoluta convicção de que esta decisão será revertida, uma vez que os imóveis objetos da ação judicial não são inventariados e também não são tombados pelo patrimônio histórico do Município. Aliás, todos os cuidados e procedimentos para colocar um imóvel num leilão são adotados. No caso, tem lei aprovada na Câmara Municipal, Lei Complementar nº 942/2022, autorizando o município a fazer essa alienação. O imóvel está regularmente avaliado e não está sendo usado há bastante tempo. Logo, não havendo impedimento legal para a alienação”, diz a nota da Smap.

Da Agência Brasil

O país tem 18,1 milhões de crianças de 0 a 6 anos de idade, segundo dados do Censo 2022. Cerca de 670 mil (6,7%) estão em situação de extrema pobreza (renda mensal familiar per capita de até R$ 218).

Esse número, no entanto, poderia ser muito pior (8,1 milhões ou 81%) sem o auxílio de programas de transferência de renda, como o Bolsa Família. Essa é a conclusão de um estudo feito pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) e da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal (FMCSV).

Perfil Síntese da Primeira Infância e Famílias no Cadastro Único leva em consideração dados de outubro de 2023 do CadÚnico, sistema que reúne informações das famílias de baixa renda no país (renda mensal per capita de até R$ 660). Na primeira infância, de 0 a 6 anos, são 10 milhões de crianças (55,4%) classificadas nessa categoria.

“Esse estudo demonstra o potencial do Cadastro Único para a identificação de vulnerabilidades na primeira infância, a relevância de seu uso para a elaboração de iniciativas para esse público e a importância do Bolsa Família no combate à pobreza”, diz Letícia Bartholo, secretária de Avaliação, Gestão da Informação e Cadastro Único.

O estudo traz outros recortes, como o fato de que 43% dos responsáveis por famílias com crianças de 0 a 6 anos não têm nenhuma fonte de renda fixa. Para 83% deles, a principal fonte de renda é o Bolsa Família.

Cerca de três a cada quatro famílias com crianças na primeira infância são chefiadas por mães solo. A maioria delas é parda e tem idade entre 25 e 34 anos.

Em relação ao perfil das crianças, 133,7 mil (11,1%) são indígenas; 81,3 mil (6,7%) são quilombolas, e 2,8 mil (0,2%) estão em situação de rua.

“Ao lado de outras políticas públicas, o Bolsa Família tem um enorme potencial de equacionar as desigualdades do país. A criação do Benefício Primeira Infância é o primeiro passo para chamar a atenção de gestores, gestoras e população em geral para a importância dessa fase na vida”, diz Eliane Aquino, secretária Nacional de Renda de Cidadania (Senarc).

Ao considerar as regiões do país, o levantamento aponta a existência de desigualdades. Segundo o Censo, o Nordeste tem 5,1 milhões de crianças na primeira infância: 3,7 milhões (72%) estão registradas do CadÚnico. No Norte, há 1,9 milhão de crianças na primeira infância: 1,4 milhão (73%) registradas no CadÚnico.

Por outro lado, na Região Sudeste, quase metade do total de crianças entre 0 e 6 anos, estão registradas no programa. São 6,8 milhões de crianças na região, das quais 3,1 milhões estão no CadÚnico.

“A disparidade socioeconômica entre crianças na primeira infância exige ações imediatas e uma política nacional integrada que aborde as necessidades específicas das famílias mais vulnerabilizadas. O Cadastro Único é um importante instrumento para nortear uma política que sirva como alavanca para equidade”, diz Mariana Luz, diretora da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal.

O estudo faz um recorte municipal, a partir de uma classificação em três grupos. O primeiro inclui cidades onde há mais crianças migrantes, em situação de rua e em domicílio improvisado coletivo. O segundo, onde há maior precariedade habitacional, é primeira infância na área rural e de populações tradicionais e específicas. O terceiro, crianças em situação de trabalho infantil, fora da pré-escola e em precariedade habitacional.

Os dados mostram que 71% dos municípios da região Norte não tem saneamento adequado. No Sudeste, o índice é de 20%. No Nordeste, 9% dos municípios não têm energia elétrica.

Os dados fazem parte da série Caderno de Estudos, do MDS, que desde 2005 busca construir conhecimento científico e gestão de políticas públicas. Na nova edição, o caderno apresenta uma série de publicações voltadas para a primeira infância, como pesquisas sobre o impacto do programa de Cisternas na saúde infantil e os desafios enfrentados por mães no mercado no trabalho após terem o primeiro filho.